tag:blogger.com,1999:blog-27989220138595792122024-02-19T02:17:05.549-08:00E o universo num pedaço de papel.Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.comBlogger349125tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-72672956810113889492016-04-29T22:28:00.000-07:002016-04-29T22:28:19.326-07:00não queria ser hannah horvathse bem sei de mim, contei essa mesma história há alguns textos atrás, há mais de um ano, porque sou assim: me repito. contei que estive em um relacionamento que não vingou e que acabou depois de uma briga ruim, porque eu fui ruim e ele também e porque não podíamos ser juntos. contei que ele me mandou um e-mail, um dia, enquanto eu terminava um trabalho importante e me disse que havia assistido a última temporada de girls e descoberto porque eu tinha gostado tanto: eu era a hannah,<br />
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fechei o e-mail, rápido, meio preocupada com tudo aquilo que tinha lido e outro tanto preocupada em terminar o trabalho importante. mas sou obsessiva, sei de mim assim, desde sempre e não sei despensar algo que fica ali, martelando na mente, "você é a hannah, você até fala como ela"; e me pus a assistir todas as temporadas de girls como a obsessiva compulsiva que sei ser. terminei em um fim de semana. eu era a hannah. e ele era o adam. e não podíamos ser. e ele ia um dia encontrar uma garota chamada mimi rose e ser feliz. e eu também ia ser feliz, do jeito que sabia ser.<br />
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eu não queria, e nunca quis ser hannah horvath. não só pelo ridículo que é "ser" um personagem de seriado, e nem só porque às vezes acho ela uma egocêntrica detestável. eu não queria ser hannah horvath porque sei de mim também como essa egocêntrica detestável, como essa pessoa que não sabe bem de si, que deixa cursos de escrita criativa, que sofre de toc, que troca de psicólogos, que pede ajuda chorosa, que corta o cabelo sozinha e que tenta superar uma decepção começando a correr, mas não muito e nem com tanto afinco como uma outra pessoa qualquer. eu não queria ser essa pessoa que escreve, mas não muito. que fala de si, o tempo todo, porque não sabe bem dominar outro assunto; mas que, ao mesmo tempo, nunca se sentiria segura o suficiente pra ser lena dunhan e criar toda uma obra baseada em si mesma. eu sou uma lena que ainda não é. e que nunca deve ser.<br />
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na minha breve vida, destruí relacionamentos por pura displicência e larguei empregos porque queria estar aberta para um mundo melhor. sigo com ela, a palavra, e choro no fim da temporada desse, que é meu único seriado preferido, que é a única coisa (além do meu atual namorado) que ainda não deixei de amar. porque eu deixei de amar amores, profissões, lugares, hobbies, exercícios funcionais e todo o resto. porque eu já sofri tendo certeza que, em algum apartamento, meu ex-amor comentava com a atual namorada que eu podia aparecer pregando um gato na porta deles ou jogando uma bicicleta pela janela.<br />
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porque eu já pensei em jogar uma bicicleta pela janela, mas assim como hannah, tenho braços fracos demais e sei que seria uma ideia estúpida. assim como a hannah eu sei, que vou sempre ser isso mesmo que eu sou. essa pessoa que, já saiu chorando na rua e já jurou que ia conseguir correr mais de cinco quilômetros logo depois de uma grande decepção amorosa.<br />
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eu já quis muito ser outra pessoa. uma pessoa melhor. uma pessoa dessas fácil de entender. uma pessoa menos obsessiva, que não larga empregos e hobbies pela metade e que nem pensa em aparecer chorando na porta de um ex-amor, ou em ligar de madrugada, dois meses depois do término, perguntando se a culpa tinha sido mesmo minha. eu queria não ser a louca que pode - e vai - escrever um texto sobre tudo que aconteceu e transformar histórias pessoais em livro. eu queria não ser essa que some, que corre, que fala, que bota os pés pelas mãos.<br />
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queria não ser, mas sou.<br />
sou eu, e pareço muito com a hannah. e jogando ou não uma bicicleta pela janela, seguirei sendo eu. no fim de tudo, fica a conclusão: é tudo que posso, e não é - nem de longe - tão ruim quanto parece.Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-67215436821195410332015-07-08T22:52:00.001-07:002015-07-08T22:52:08.264-07:00she was a diver and she was always down<div style="text-align: justify;">
não faz muito tempo, eu baixei o álbum que eu e ele ouvíamos juntos no meu celular e fiquei ouvindo enquanto fumava um cigarro na janela do meu quarto e contemplava o escuro total. muitas coisas passavam pela minha cabeça: a imprevisibilidade da vida, a personagem principal da novela das seis, o ano de dois mil e onze, as vezes que cheguei em casa cheirando toda a cigarro e dormindo do lado errado da cama. eu era miserável, mas era feliz. talvez fosse essa a conclusão que eu queria chegar, não fosse o fato de eu saber muito bem que naquela época eu me arrastava por entre os móveis da minha cabeça tentando fazer uma ou duas coisas fazerem sentido. mal consigo ler as coisas que escrevia nas redes sociais quando era dois mil e onze, e acho que do que guardei, romantizo demais. </div>
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eu tendo a sempre esquecer as vezes que o telefone não tocou e focar obsessivamente nas vezes em que fui eu que não atendi. fica muito mais fácil problematizar tudo quando o problema sou eu, sempre serei eu e quando eu não coloco o outro em consideração. "o meu problema é que eu me sinto constantemente muto presa", eu diria pra analista, que sempre me responderia dizendo que uma relação é sempre feita de duas pessoas e que, por mais que eu fuja de tudo o tempo todo, existem outras quinhentas mil variáveis para uma coisa não dar certo.</div>
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focaria nisso, se eu fosse sensata - ou ao menos menos obsessiva - , mas eu acho que eu gosto é do estrago. coleciono setenta e oito relacionamentos que não deram certo e penso na menina da novela das seis, que usa saias parecidas com as minhas e chora enquanto anda na orla de copacabana porque está investindo em um amor enquanto ainda lembra de um passado (choro com ela sem saber muito bem porquê - embora também saiba).</div>
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fosse eu ouvir a voz do texto bem escrito da novela das seis, saberia que antes de passar pro passo seguinte é sempre necessário fechar as portas que vêm atrás, mas acontece que eu tenho mania de deixar portas abertas e restos no prato, pra um dia quem sabe se. e se eu não focasse naquele álbum que ouvíamos juntos, se eu o tivesse superado completamente, talvez eu puxasse pela memória com mais frequência uma única vez que cozinharam pra mim, mesmo sabendo que existem relacionamentos em que as duas pessoas são gatos e nenhum dos dois fica antes de morrer ao menos seis vezes antes. </div>
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eu já morri mais de sete, mas fico sempre querendo me jogar de um precipício novo. talvez porque sou muito insegura, talvez porque queira sempre guardar comigo a sombra dessa pessoa que nunca em tempo algum se basta e sossega, ou talvez simplesmente porque seja verdade que se eu tenho medo de te encontrar nas esquinas perto de casa e ainda ver o coração dar três palpitadas é porque algo ainda sobre. mas sobra o quê? a lembrança eterna de um vinho compartilhado e uma primeira conversa que jamais tive com alguém? as outras dez vezes em que não nos encontramos porque sempre tinhamos outros compromissos? não funcionamos porque não deu, porque você não quis, ou porque eu sou uma espécie de mergulhadora na vida que sempre se enfia no poço mais fundo, só pra depois reclamar que não tinha como sair?</div>
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não sei dizer nada com nenhuma lógica e mal tenho a ambição de que isso aqui faça algum sentido. não faz pra mim, não fará também pra você. </div>
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mas de vez em quando passo pelos arredores da sua casa fumando meu cigarro mentolado e fico pensando o que seria da gente se eu tocasse o interfone. e penso que a simples existência dessa possibilidade pairando é a razão pela qual eu não consigo abrir a porta que vem a frente com segurança o suficiente pra fechar com chave essa, que sempre deixei entreaberta atrás de mim, pra amanhã, pra depois, pra tarde demais. </div>
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eu queria ser uma pessoa melhor. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-80334724447550478952015-05-31T20:19:00.002-07:002015-05-31T20:19:30.524-07:00pequena lista das coisas que eu deveria fazer- ler mais livros do philip roth, muito embora digam que ele é misógino (a literatura nada tem a ver com o caráter do escritor, não ligo).<br />
<br />
- terminar de ler "grandes esperanças"<br />
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- entender, de uma vez por todas, que o feminismo na internet nunca será o feminismo que a simone de beauvoir sonhou e que, a cada vez que paramos de pensar por nós mesmos, o mundo para de andar uns três tantos.<br />
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- deixar a pauta pronta na noite anterior, mesmo sabendo que malhação pode nunca mais trazer nada de bom.<br />
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- organizar meu quarto com mais afinco.<br />
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- ler, de maneira definitiva, os feeds sobre literatura que seguem sendo assinados no meu leitor de feeds.<br />
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- parar de me irritar com as decisões definitivas que as pessoas fazem pra si mesmas: tirar selfies, fotos com timer no instagram, sair de chapéu para eventos noturnos, esquecer amigos de longa data, julgar mais importante o lançamento do álbum de uma cantora pop do que relacionamentos que já passaram por várias barras, acabar amizades, amores que eles não conseguem esquecer - ainda que sejam deveras nocivos.<br />
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- esquecer que os amigos dos meus amigos existem, e que o fato deles gostarem genuinamente de pessoas com as quais não teria relacionamento amigável nem se fôssemos os últimos habitantes no planeta terra, não os faz (necessariamente) pessoas ruins (mas podem fazer deles pessoas que nada tem a ver comigo).<br />
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- entender que as pessoas às vezes vão e tomam outros caminhos (caminhos que por vezes incluem ariana grande, e nunca entenderei - mas ainda, caminhos).<br />
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- ver mais filmes. incluindo os do bergman que nunca vi, os do woody allen que tive preguiça, os que parecem bons mas desisto porque tem mais de uma hora e meia. não perder tempo com os do xavier dolan, eu já passei dos 30 anos mentais, dos 26 físicos e - mais importante - do tempo de achar que o mundo precisa ser visto com filtros de instagram e trilha sonora hipster irritante.<br />
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- ver o filme do sebastião salgado com a minha mãe<br />
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- ouvir os vinis que comprei, mas que ainda não botei na agulha.<br />
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- deixar de ir em festa chata.<br />
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- entender que deveria ter deixado o open bar aos 24, quando ainda achava que um cabelo ruivo bem pintado e cortado poderia salvar a humanidade (e a minha alma) de uma catástrofe maior.<br />
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- parar - de maneira definitiva - de fazer listas. nunca as cumpro e define personalidade obsessiva (que tenho, assumo, mas trato com luvox - e autoconhecimento).Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-34412565022881653862015-04-13T20:58:00.000-07:002015-04-13T20:58:44.465-07:00são coisas da vidahoje o celular apitou me dizendo que era seu aniversário. fosse ano passado, te mandaria uma mensagem no facebook te felicitando e te dizendo que estamos os dois, muito velhos. no ano passado o fiz, te felicitei por ter completado vinte e seis anos, lembrei que havíamos nos conhecido com dezenove e você me disse que sim, lane, nós estamos ficando muito velhos.<br />
neste ano que entra você não completou vinte e sete, embora o facebook, desavisado, insista em dizer que eu deveria te felicitar pelo seu aniversário.<br />
mas hoje é dia treze e você não ficou mais velho, não tomou mais coca-cola do que devia, e não recebeu uma mensagem minha no seu celular. não se desculpou dizendo que já era tarde pra responder, mas que ficou muito tempo no trabalho. hoje eu não poderia te ligar se quisesse, e acho que hoje eu já nem lembro mais direito o som da sua voz. talvez eu tenha apagado muitas fotos nossas, não por raiva, mas porque eu achava que seria sempre possível te ver por aí, envelhecendo um ano mais rápido que eu e reclamando que depois de mim, as meninas não olham mais pra você.<br />
no dia dez de fevereiro desse ano, você não me mandou um vídeo engraçado e nem me desejou que eu fosse feliz.<br />
no último aniversário que você comemorou você tinha vinte e seis e é como se tivéssemos a mesma idade.<br />
mas ano que vem eu faço vinte e sete e você vai ter vinte e seis pra sempre.Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-7166438792548785962015-03-08T23:11:00.001-07:002015-03-08T23:11:15.875-07:00and I know that I should let it go but I can'tquando a gente se encontrou eu não tinha muito jeito com relacionamentos e você também. logo no segundo encontro você foi me dizendo que você nunca sabia quando mandar as mensagens pras pessoas ou dizer que estava com saudades, coisas que transformei num tweet tempos depois e recebi estrelinha sua. recebi mais estrelinhas suas do que provas de amor concretas, mas tomava como um "eu gosto de você" tímido, que continuou conosco mesmo depois que os anos passaram e eu me mostrei uma pessoa nem-tão-boa-assim.<br />
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enquanto seu mal jeito com os sentimentos se mostrava em silêncio, o meu se mostrava em palavras demais e quando você achava que ia me pegar eu fugia. ainda assim, eu sempre ficava offline no chat do facebook quando te mandava mensagem, e meu coração batia forte enquanto eu dava voltas pela minha casa esperando você responder. às vezes você respondia na hora, o que me obrigava a um diálogo em que eu sempre achava que podia escolher melhor as frases. eu já disse muita bobagem pra você, mas você sempre respondia rindo e eu achava que então tudo bem. em todas as vezes que eu me achava a pior pessoa do universo você me achava a mais capaz do mundo e pra mim estava tudo bem. eu só agradecia, sem emoticons porque achava emoticon proximidade demais, mas eu sorria por trás do teclado sem que você soubesse.<br />
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uma vez eu emagreci e você notou e na outra vez eu fiz um olho esfumaçado e você também percebeu. eu esquecia quando você me chamava pra um cinema na sua casa e não aparecia porque você não tinha confirmado, e vai que eu era uma visita indesejada? quando você dizia que a gente ia sair, eu sempre ficava esperando de celular na mão, mesmo que no fim nosso programa fosse ficar sentados no seu sofá que não era sofá enquanto eu comentava novela. eu sempre te dizia que meu sonho era comentar novela na tv e você me chamava de dona gertrudes. eu não tive tempo de te dizer que hoje esse é o meu trabalho remunerado, embora eu ache que você sabe disso porque atualmente que vida não é exposta?<br />
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eu tenho duas cartas de amor que pensei e te dar e nunca dei porque eu achava que naquela hora já tinha perdido o timing. perder o timing é uma coisa comum nossa, eu acho. tenho também guardada uma revista piaui que comprei especialmente pra você, com uma matéria que só você entenderia, mas agora ela figura atrás de uns livros de literatura que nunca li e que estão juntos com um livro do sartre que compre quando ainda estávamos meio juntos porque gostávamos de discutir existencialismo. não sei se você ainda gosta de existencialismo. eu gosto ainda porque vivo todos os dias com o peso de todas as minhas escolhas não feitas, e você é uma delas. tivesse eu escolhido você ao invés das outras eu me martirizaria pelas outras, mas acho que como consolo, estaríamos felizes.<br />
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hoje eu fumo os dois tipos de cigarro seus que sempre recusei e me sinto mais plena. não por não estar com você, mas sim porque trato do meu transtorno obsessivo. você já tinha me alertado que os remédios (e os cigarros) podiam ser bons, mas nessa época eu tinha muito medo de tudo, até de você.<br />
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tinha medo porque do pouco que eu sabia sobre amor, as grandes histórias poderiam começar com uma dança na sala. tinha medo porque ninguém nunca antes tinha me chamado pra dançar na sala, de um jeito esquisito e nunca tinha me acompanhado em casa com tanto cuidado. você me chamou pra almoçar no outro dia e eu recusei porque gosto de recusar as coisas que eu acho que podem me fazer feliz. e me fez feliz como nunca ouvir velvet underground na sua cozinha enquanto eu cozinhava uma receita que achei no site da ana maria braga. e eu nunca pensei que alguém pudesse guardar uma playlist com músicas que escolhi e botar pra tocar no momento que eu pisasse em casa. que não era minha casa, mas quando eu ouvia kate nash, era como se fosse.<br />
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eu tenho lembranças vagas de nós dois. o dia em que dancei timida "fell in love with a girl" do white stripes na sua cozinha. o dia em que cheguei em casa e vomitei todo o vinho que tomamos juntos e menti pra minha mãe que era só suco de uva do mc donalds (desconfio que ela fingiu que tinha acreditado porque parecia mais simples). quando dançamos "here comes your man" na sala. quando eu te disse que eu gostava de ouvir smiths e tomar rum com coca e você sorriu. a primeira vez que você me beijou. um dia em que fomos a um cover de guns and roses completamente bêbados e dançamos enquanto éramos interrompidos pela minha amiga chata e por uma top model escandalosa, mas genial. os tweets que escrevi só pra você e você percebeu (e favoritou). uma vez que ficamos de conchinha no seu sofá vendo um filme. quando dividimos um chá vermelho diretamente da caixa na sua sala (chá esse que depois comprei igual e tomei por uma semana porque sou obsessiva). a vez que você me chamou pra sair porque tinha sido meu aniversário, mas estragou tudo porque acabou batendo o carro enquanto me dizia que eu era muito legal (acho que você usou a palavra "maravilhosa", mas não quero correr o risco de me gabar).<br />
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lembro de uns e-mails que você me mandou pra me distrair do emprego mais chato da galáxia e da vez que nos empanturramos de macarrão carbonara e chocotone e depois não conseguimos fazer absolutamente nada, a não ser assistir "o profissional" dublado na tv com você deitado no meu colo, enquanto me contava das coisas que via na internet e dizia que podia ficar por muito tempo assim, recebendo cafuné. lembro de um encontro nosso, muito tempo depois do primeiro, e depois de um namoro ruim que tive em que você fingiu que eu nunca tinha sido uma pessoa estúpida e me tratou com a mesma doçura de sempre, e me disse que eu estava bonita, e dançou comigo e nós até nos beijamos. só que no outro dia eu não te disse nada, porque não tenho timing, mas eu acho que eu ouvi bastante interpol dali em diante.<br />
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ouvi interpol por semanas, contei do meu encontro pra alguns amigos. elas diziam "manda mensagem", mas eu preferi não mandar mensagem e continuar ouvindo interpol e eu nem lembro como foi meu ano dali em diante, até eu te encontrar de novo, te beijar de novo e aí mesmo nunca mais te ver nem mandar uma mensagem sequer. eu ouvi duas semanas mais de interpol e percebi que era problemática demais pra qualquer coisa, até que fui pra são paulo, enlouqueci, me tratei e a minha vida mudou.<br />
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mudou sem você no meio, sem eu poder te mandar mensagem te dizendo que a minha mãe ficou doente e eu não sei lidar, sem eu poder andar até a sua casa que é perto, sem nada disso. sua vida mudou e eu não estava junto e eu nunca pensei que ia ser assim, mas foi. provavelmente porque a vida é esquisita, mas mais porque duas pessoas sem timing nunca poderiam ficar juntas. descobri um pouco tarde, e com a ajuda de médicos profissionais, que nada acontece se você não diz. e eu sou muito de não dizer.<br />
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sempre acho que te esqueci completamente e que vou muito bem, obrigada, e que vou casar e não ter filhos porque detesto crianças e você vai estar bem sucedido num lugar bem longe de mim. mas aí ouço kate nash, e lembro que eu não sou boa em deixar as coisas pra lá. daqui pra frente nem sei mais o que vai ser eu já sou velha demais pra ser a escrota que sai por aí tentando descobrir o que quer as custas dos sentimentos dos outros. continuo fazendo escolhas sem timing algum, e por vezes acho que a vida me leva às coisas, e não sou eu que escolho as coisas da vida. ou talvez prefira pensar assim porque não goste do peso de tudo. tudo que é definitivo sufoca, continua sufocando, o tempo todo. o sartre sempre esteve certo. ou talvez fosse o baudrillard que já entendia bem antes de nós que não tem como ser completamente feliz na pós-modernidade.<br />
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nós, sintomas de um mundo maluco, mal soubemos nos comunicar. deixamos ruídos, nos perdemos, como todo mundo se perde um dia porque não tem como abraçar o mundo. mas, se eu pudesse te dizer uma única coisa antes do mundo acabar, se o mundo acabasse no momento seguinte eu diria que eu gostei muito de você. só não digo amor porque todo mundo sabe que amor é uma palavra forte demais pra seres pós modernos como nós. o amor é um simulacro. uma estrelinha em um tweet. três comentários em um post numa rede social. trocas as músicas preferidas pelo msn. gostar das mesmas matérias em uma revista. uma música da kate nash no meio de uma playlist feita em 2011.<br />
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hoje a hannah terminou com o adam no girls. quer dizer, o adam terminou com a hannah. assim como foi você que terminou comigo, e não o contrário, embora tenha sido eu que comecei a estragar as coisas todas, que nem a hannah fez. teve um dia que eu, atolada em tanto trabalho, sentada na mesa de casa onde coloco o meu computador e tomo café enquanto desempenho diariamente as minhas atividades, recebi às dez da noite um e-mail seu dizendo que eu gostava tanto de girls porque eu era a hannah, eu até falava como ela.<br />
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não acho que você estivesse errado, embora tenha ficado bastante ultrajada na hora em que li o e.mail e passei depois o fim de semana assistindo girls tentando descobrir o que você via de mim nela. tudo um pouco óbvio: nós duas achávamos que escrevíamos, nós duas não parávamos em emprego nenhum, nós duas tínhamos humor esquisito e nós duas éramos muito auto centradas pra dar certo com qualquer pessoa. teve até esse capítulo emblemático (que depois você citou) em que a hannah dispensa o adam e diz que não, que não quer morar com ele e ele diz que é muito estranho que ela passe os dias perseguindo ele como se ele fosse os beatles e depois só desistisse dele, como se fosse uma coisa a mais na vida dela.<br />
<br />
eu desisti de você algumas vezes. mas eu não via como desistência, via como "cuidar da minha própria vida". você precisava de alguém que deixasse até as suas convicções por você e eu nunca fui convencida, assim como a hannah, em deixar nada por ninguém. não é que eu não te amasse, é que eu não sei me anular, e quando o faço fico quase demente. fico quase a hannah enfiando os cotonetes dentro da orelha e cortando o cabelo sozinha em casa. fico querendo achar um sentido pra mim, uma mudança que me faça existir e a verdade é que eu nunca precisei de mudança nenhuma, eu só queria encontrar o meu próprio caminho. e meu próprio caminho não era o seu, infelizmente ou felizmente. a vida quis assim. desde o começo.<br />
<br />
quando a gente olhava a hannah e o adam, a gente sabia que uma hora eles não iam ser mais. ele vivia dizendo a ela como viver e ela tinha um jeito muito próprio de viver pra se curvar ao jeito dele (embora ela tentasse). só que o tentar da hannah, assim como o meu, era capenga e ela nunca conseguia ser exatamente o que o adam queria. e quando conseguia, assim como eu, se sentia mutilada. eu, quando tentava ir ao trabalho de bicicleta subindo ladeiras que nunca soube como, parecia muito com a hannah vestida de gótica indo até a casa do adam só pra agradar. eu também te deixaria aqui pra fazer um curso de escrita criativa, mesmo sabendo que eu corria o risco de voltar e te ver morando com alguém, porque seria eu a desertora. sempre fui eu a desertora, embora nós dois soubéssemos que nós dois nos afastávamos com a mesma intensidade e velocidade, a cada momento. eu quando agia menina minada e egoísta, que só olhava o meu lado, e você quando me dizia como eu devia ser. eu tinha que ser isso que eu sou, e você tinha que ser isso que você é.<br />
<br />
assisti à cena em que a hannah volta pra casa e encontra o adam namorando e feliz e senti que aquele era o fim que nós dois podíamos ter tido. foi a minha catárse pessoal, embora eu já tenha me encaminhado na vida e eu sei que você também. eu também esperneei na cama querendo impor minha presença pra você, que claramente já queria outras coisas. fiquei como a hannah, enfurnada no quarto numa casa que já não me pertencia, querendo entender tudo sobre as novas garotas que te teriam. "o que elas têm?". mas se fôssemos civilizados, teríamos terminado daquele jeito. teríamos sentado e dito que sim, um dia nos amamos um tanto, um dia (mesmo que tenha sido só um, e eu me lembro que houve) pensamos que podia ser pra sempre. a gente se amou mas acabou. e era isso. teria sido isso se eu já fosse essa pessoa que sou, ciente de que tenho que tomar remédios pra acalmar meu medo de viver (tenho a mesma doença que a hannah, toc, veja a ironia) e se você não quisesse sempre machucar o outro pra fingir que não sofre. teria sido assim, se nós soubéssemos admitir que éramos duas partes de um amor que houve mas não podia ser. era questão de tempo até você achar alguém igual a você e eu correr atrás de alguém que me deixasse ser.<br />
<br />
eu encontrei esse alguém, eu sei que você também encontrou, assim como o adam encontrou a mimi-rose e a hannah vai quebrar a cabeça até perceber de vez que tem amores que acabam e só, mas depois vai acabar achando um rumo pra vida. acho um pouco triste que nosso amor tenha terminado pior do que um episódio de seriado, e admito que pareço muito mais com a hannah do que gostaria, mas tenho tentado ser o melhor que posso. e você vai pensar que um texto bobo assim, usando personagem de seriado só podia sair da minha cabeça tosca, que pensa e age como um personagemm de tv às vezes, mas eu lamento informar que se eu era a hannah, você era o adam e nós nunca daríamos certo juntos.<br />
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(e tudo bem).<br />
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<br />Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-85131515800108432132015-01-19T19:24:00.001-08:002015-01-19T19:24:25.754-08:00há muito tempo eu sofri calada, mas agora resolvi falar.era 2007, eu tinha acabado de entrar na faculdade e tinha desistido de escrever numa plataforma chamada livejournal pelo simples fato de ninguém ler ou entrar naquela merda. postava em blog desde sempre. desde quando ainda escrevia miguxês e o cara pra quem mandei uma carta dizendo que estava apaixonada e depois descobri ser só mais uma das minhas loucuras descobriu meu endereço no wordpress onde eu tinha um template da "emily, the strange"e começou a me mandar comentário anônimo me xingando de ridícula.<br />
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houve esse tempo em que a gente só podia escrever depois da meia noite em dias de semana ou nos fins de semana porque o pulso da internet discada era mais barato. nesse tempo a gente expunha a vida de forma ridícula em fotologs e blogs e eu, como sempre tive essa necessidade maluca de me mostrar pra estranhos através de textos, tive blogs, fotologs e tudo mais que a internet discada da época podia proporcionar.<br />
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era 2007 e blogger era já uma efervescência meio velha. ninguém escrevia cartas de amor por aí na internet. já tinha surgido o orkut e a gente podia mandar testimonial. mas eu gostava de ter meus textos publicados em algum lugar. principalmente porque escolhi fazer design onde descobri muito cedo que ninguém gostava nem de ler, o que dirá de escrever. esse blogger foi a única coisa que perdurou desde então. desisti de um blog sobre futebol (era terrível) e um outro sobre moda em que eu escrevia mal e tirava fotos piores ainda. mas esse sobrou.<br />
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nunca fiz sucesso com ele. não sei se por vergonha de divulgar ou se porque eu escrevo mal mesmo. teve uma vez que eu escrevi um texto sobre a usp que virou um hit de um dia, mas não me rendeu muita coisa além de cinco solicitações de amizade no facebook e três marxistas me xingando de maneira pouco gentil. hoje acho que eu nunca fui muito lida porque meus textos eram confusos e, por vezes, ruins. quando eu escrevia eu não achava, mas hoje acho que esfregar a própria vida desse tanto na cara de qualquer pessoa (ou mesmo no papel) é um pouco nocivo e três tantos infantil.<br />
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mas esse universo num pedaço de papel foi o único jeito que eu encontrei de lidar com as trezentas crises amorosas que tive durante a faculdade e depois dela. só me meti em roubada. tente achar um texto sobre amor feliz nesse espaço e fracassarás. eu era uma roubada também. tem tag aí com "amor verdadeiro e eterno" que na verdade são só textos sobre um amor platônico que tive pelo meu melhor amigo e encasquetei que ele era o amor da minha vida e nunca teria alguém como ele. hoje sei que se tivéssemos namorado hoje já estaríamos separados e ele vive feliz e bem com alguém que é o total avesso de mim. prova concreta que eu romantizo demais as coisas. culpo o caio fernando abreu que lia na época.<br />
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prova cabal também do meu descontrole. qualquer terapia bem feita ou ida ao psiquiatra mais cedo teria dado cabo à esse monte de aventura amorosa errada que me enfiei. renderam bons textos, talvez. alguns nem tanto. essa coisa de aumentar o que não existia é o que fez tudo isso que existiu aqui. nada disso existiu nessa intensidade que vocês leram um dia. na minha cabeça, sim. na realidade, nunca. mas é claro que tem muito de mim em tudo isso e sem esse espaço eu já estaria pelas ruas surtando há muito tempo atrás.<br />
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escrevo muito sobre mim. o tempo todo. uso aquele verso do carlos drummond pra quase tudo. "me exponho cruelmente nas livrarias. preciso de todos". sei que isso me define desde os 14 anos, quando li "mundo grande" pela primeira vez e a única coisa que a gente tinha pra postar na internet era o fotolog. naquela época não tinha "era da informação" "selfie" e essa palhaçada toda. naquela época eu tinha que esperar a uol conectar ao telefone pra postar meus textos, que por muitas vezes ficavam só guardados no computador mesmo.<br />
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escrever sobre si é sempre um exercício menor. quando a gente ouve sobre os bons escritores eles quase sempre tem que inventar uma ficção maravilhosa sem usar como matéria prima a própria vida. dão ao nome de quem escreve sobre si "autoficção". eu também achava uma literatura menor, até que fiz um curso sobre autoficção e percebi que tá ok escrever sobre a própria vida. grandes nomes o fazem. gente respeitada. livros bons pra caralho. escrever sobre si não é crime. pode ser narcisismo, mas crime não é.<br />
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fiz esse curso três meses depois de terminar um relacionamento em que ouvi centenas de vezes que eu me expunha demais. minha vida deveria ser uma conchinha sagrada e eu devia ficar com aquela montoeira de coisas só pra mim. "ninguém quer saber das suas histórias, ainda se fosse uma boa ficção". essa mesma pessoa via muitos filmes. fico pensando que alguns desses filmes são baseados na vida dos autores. imaginem se eles tivessem resolvido que ninguém quer saber das histórias deles, quantos filmes a menos teríamos?<br />
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mas isso não vem ao caso. não estou me comparando ao woody allen de maneira alguma. é só que por muito tempo pensei em deletar isso. deletei por um tempo. pensei em migrar de endereço. pensei em setenta e oito coisas pra fazer com isso. me culpei pelas coisas que escrevi aqui e olha que eu sempre ficciono tudo. nada do que aconteceu aqui era somente o que aconteceu. não teria como. a partir do momento em que eu começo a contar uma história ela já não é o que aconteceu. fiquei num hiato de meses. acho que de anos. temia que esse cara de quem eu queria amor me visse aqui expondo as coisas e nunca mais quisesse saber de mim.<br />
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a gente teme muita coisa trouxa nesse mundo e essa foi mais uma delas.<br />
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eu fui trouxa mesmo. por anos. nesses últimos anos mais. eu parei de escrever porque alguém me disse que ninguém queria ouvir as minhas histórias. e olha que eu nunca quis que ninguém ouvisse. eu só preciso escrever. de vez em quando vem um e-mail dizendo que eu disse o que a pessoa não conseguiu dizer e pra mim tá bom.<br />
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aí eu me tratei, vivi a minha vida, passei (e ainda passo) por grandes barras e sofrimentos pesados como todo o ser humano. não tenho mais tantas histórias de amor tristes pra contar porque entendi que amor não tem que ser essa loucura, não tem que ter vinte textos de tragédia. amor tem que ser leve e eu vivo um desses agora.<br />
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dia desses esse amor me deu uma caneca com da definição do que é escritor. ele disse que aquele era o meu trabalho. eu disse que não. ele disse que sim. que eu vivo escrevendo. e se eu vivo escrevendo eu sou escritora. e aí eu percebi que tudo isso teve importância. cada história. cada momento desses fez o que eu sou. eu vivi escrevendo. eu escrevi o que eu vivi.<br />
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e se eu pudesse dar só um conselho (embora eu deteste conselhos) ele é: nada do que voce faz ou fez é desimportante. nada. é a sua vida e a sua vida vale a pena. sempre vale. e quem não acredita nisso junto com você não merece fazer parte das suas histórias.<br />
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voltei.Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-5686585032549234982014-04-12T22:59:00.001-07:002014-04-12T22:59:08.232-07:00pequena nota sobre a vida às vezes não se pode conseguir amor e nem equilíbrio (ou pelo menos não se vislumbra nada disso num raio de, pelo menos, três meses), mas ao menos se pode ser mestre em Coetzee.<br />
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<br />Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-67954432788096106032014-02-17T18:36:00.001-08:002014-02-17T18:36:38.396-08:00o amor não se acaba no espaço de tempo em que se grita gol <div class="p1">
<span style="font-size: x-small;">(escrever pra ele nesse blog é, no mínimo, irônico. mas é que sem ele tudo que me sobra é o vazio das redes - e as folhas em branco. cada um se vira com o que tem. eu continuo me virando nesse imenso espaço vazio)</span></div>
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O som da tevê longe, narrando o jogo do corinthians parece ser o mundo avisando em voz alta que você me deixou.</div>
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A gente passa a reparar mais nas coisas depois que as conhece, e foi depois que você se foi que tenho a impressão que todos os domingos mostram os jogos do corinthians, que todos os noticiários noticiam que eles compraram o Jadson, que todas as vezes que eu ligar o jornal alguém vai dizer alguma coisa que me lembra você. Desde que você se foi eu tenho a impressão que o mundo inteiro anda de bicicleta. Os pedreiros das obras que ficam perto do meu trabalho andam. O meu vizinho do terceiro andar, também. O rapaz com quem nunca conversei no trabalho carrega uma mochila com uma camiseta a mais pra trocar assim que chega, e guarda a bicicleta dele no posto em frente. Um dos meus amigos comprou uma bicicleta quase igual a sua, só que azul. Enquanto eu espero sentada no ponto de ônibus, nos dias de muito calor, um rapaz passa às dez pras oito subindo de bicicleta a avenida higienópolis. Todas as vezes que eu desço o ônibus que pego às seis e quinze, um moço de capacete passa de bicicleta virando a esquina, e me acena com a cabeça. Quando perco o ônibus da frente do trabalho e tenho que subir na avenida pra pegar o outro, encontro ciclistas com roupa de ciclista andando em fila. </div>
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Quando volto de bicicleta do trabalho, pego a ciclovia e lembro do dia em que tentei voltar a andar de bicicleta pela primeira vez, e você teve que andar comigo na grama.</div>
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Também passo em frente ao banco onde nos reconciliamos umas duas vezes, e pedaladas depois passo em frente ao banco onde você me disse, cruel, que talvez nunca tivesse gostado de mim. Que não pensava em mim no percurso antes de me encontrar. Que não me imaginava como mãe dos seus filhos. Que imaginava a outra. Sempre a outra, maldita em sua presença que me enlouqueceu. Às vezes acho que você já está com ela de novo. Dói. Prefiro ser atropelada de bicicleta do que descobrir que isso aconteceu. Quando fico muito cansada, sento em um desses bancos e ouço de novo alguma coisa que você me disse em alguma dessas vezes. Refaço na minha cabeça os diálogos que deveria ter tido com você. Você não me ouve, e eu sento sozinha no banco tendo do lado a única coisa sua que sobrou comigo: a bicicleta que você passou dias reformulando pra que eu pudesse, um dia, te acompanhar nos seus rolês de bike. Cuido dela como cuido do amor que já não tenho. Cuido dela como, quem sabe, deveria ter cuidado de nós. </div>
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Quando estaciono ela na rua, retorno ao lugar onde a deixei de maneira quase obsessiva, como um portador de toc que continua conferindo se a porta está mesmo trancada. Desço duas vezes por dia ao poste em frente ao trabalho onde a estaciono e suspiro aliviada quando percebo que ela - ao contrário do nosso amor - continua exatamente do jeito e no lugar onde a deixei. Perdi o medo de morrer ao andar com ela na rua. Talvez eu tenha perdido o medo de morrer em qualquer ocasião, por mais mórbido e terrível que isso soe. Tenho mais medo de perdê-la do que tenho de uma queda enquanto atravesso a rotatória onde ninguém tem paciência com ciclistas. Machucado por machucado, os na pele a gente cuida com remédio. As feridas da alma não saem nem com muito choro. Eu suportaria uma fratura exposta qualquer, mas não suportaria outra perda. Cuido bem para manter a bicicleta que você me deu. </div>
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Meu fôlego continua ruim por mais que eu treine e, enquanto desço com o vento nos meus cabelos cada dia mais curtos pela descida da cascata onde várias vezes te vi, concluo que me levaria muito mais de dois ou três meses pra te acompanhar nos muitos quilômetros que você anda com naturalidade. </div>
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Continuo detestando as subidas todas, minhas pernas não aguentam, meu corpo não aguenta e pelo menos agora eu não choro sentada em um dos bancos de madeira pensando que eu ia demorar muito pra ser mais uma menina do seu role de segunda. </div>
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Enquanto escrevo o rádio narra a rodada de domingo, e eu me lembro dos vários domingos em que você ocupava comigo o sofá ao lado. Eu, sempre desajeitada, nunca soube muito bem te escolher os filmes certos, preparar um bom lanche ou deixar a TV desligada. Também te disse muito poucas vezes - ou quase nunca - que o simples estar do seu lado assistindo um jogo que não era do meu time me fazia uma pessoa muito próxima do completo.</div>
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Às vezes me parece que o mundo inteiro me faz lembrar você. A ausência no sofá da casa, nas quartas-feiras de futebol, nas cervejas do posto onde passo diariamente voltando do trabalho, no vale onde te vi pela última vez, nos eventos pra onde sou convidada e vejo presença confirmada dos seus amigos, no parque que evito aos sábados, porque fatalmente lembraria que foi ali que fazíamos piqueniques aos sábados, e os casais felizes me irritariam. </div>
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Aos domingos sempre acordo me perguntando onde você pode estar, já que agora eu não te ligo mais quando acaba o meu almoço pra saber da sua programação. Nesses mesmos domingos eu não vou mais ao cinema, nem chego tonta de cerveja depois da meia noite, caindo na cama e adormecendo rápido. Faço outras coisas - e evito sempre que posso deixar a tv ligada na rodada do paulista -, mas sempre vai chegar a hora em que lembro de você. Nessas horas, tento lembrar de outra coisa, mas as outras coisas também lembram você. Você roubou meu seriado, porque todas as vezes que assisto girls me lembro de você dizendo que sou a hannah. O fórum onde baixo filmes também me lembra você, e de vez em quando espio seu perfil querendo ter alguma migalha de notícia sua, mesmo sabendo que nada sai dali. </div>
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Nada sai de lugar nenhum, e eu sei que talvez logo eu comece a esquecer o som da sua voz, o jeito como você sorria, e até exatamente as feições do seu rosto, se eu parar de olhar as suas fotos.</div>
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No meu quarto, presentes que te dei e você deixou pra pegar outra hora, e que acabaram ficando comigo, como uma espécie de assombração que me lembra de vez em quando que eu te perdi tão rápido que não deu nem tempo de te dar essas coisas numa sacola pra que fosse você a lembrar de mim de vez em quando. Quando arrumo as gavetas encontro algumas cartas que escrevi pra te dar e não dei, por causa dessa mania que eu tenho de ter medo de dizer o que sinto. Tinha tanto medo de te amar, que amei com pé atrás e te perdi no meio dessa cidade que nem é tão grande assim.</div>
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Aos domingos enquanto o corinthians empata eu já não sei onde você está, onde você e sua bicicleta da cor da minha foram, se outra menina já está descobrindo que quando você ri formam rugas do lado do seu olho, que você ronca-e-sorri quando está feliz por estar com alguém. Não sei se outra pessoa já esteve com você em um piquenique noturno e já te viu adormecer roncando depois de beber um pouco demais. Talvez essa nova pessoa não reclame e durma bem enquanto você ronca. Talvez ela não fique roxa com as suas mordidas de amor no braço esquerdo. Talvez seja ela a te acompanhar nas trilhas que descobri com você que gosto de fazer, apesar de ser bastante desajeitada para a função.</div>
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Enquanto o corinthians empata e o neto me irrita com o falatório, eu fico pensando se já chegou a menina que anda de bicicleta e que não come carne. Se já chegou a menina que sabe te amar direito, contrastando comigo que sempre tropeço e desastro e que torço pro São Paulo. Quanto tempo demora até que você enlace outra cintura quando seu time fica perto de fazer gol? Quanto tempo demora para que você esqueça o som da minha voz e meu jeito complicado de tentar ser com você?</div>
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Sei que faço muitas perguntas que não podemos responder. Parece que esse é meu vício maior. Não consigo me viciar em nenhuma outra coisa que não seja isso: o estrago. Sua banda preferida que eu detesto cantaria essa frase "eu gosto é do estrago". Me lembro de você dizendo que eu complico e simplifico demais a vida pra querer viver qualquer coisa que seja. Complico o que é simples e quero simplificar demais o que é complicado: estar junto não é tão fácil assim.</div>
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Foi você também que me disse que eu acho que as coisas na vida acontecem num estalo de dedos. De uma hora pra outra eu ando vinte quilômetros de bicicleta, de uma hora pra outra a gente volta, e que a vida não acontece assim, no tempo do meu destempero. Te esquecer também não tem sido tão rápido quanto gostaria.</div>
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Essa noite passada sonhei que estávamos numa cachoeira. Acordei sem ter a mínima idéia de onde você estava, mas certamente não estava na cachoeira do meu sonho. Talvez acordando com alguém, enquanto eu acordo sozinha. Desde que você se foi, minha vida tem sido um eterno acordar sozinha - você bem que tinha me alertado.</div>
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Às vezes penso: será que a gente volta? A gente é tão diferente, mas será que a gente volta? Você me responde do outro lado da linha que nem existe mais que, quem sabe, em dois mil e dezesseis. A gente é tão diferente, você não vai mais me ver por aí. A gente é tão diferente, eu preciso de outra companheira. A gente é tão diferente, a gente vai acabar se esquecendo. A gente vai? Ou melhor: Eu vou? Eu queria ter certeza. </div>
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É que o jogo do corinthians acaba, eu suspiro aliviada por um lado e por outro choro: o amor não acaba em dois tempos de quarenta e cinco. É preciso muito mais de noventa minutos pra esquecer um amor. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-82018191125667291092013-09-01T20:41:00.000-07:002013-09-01T20:41:53.935-07:00trecho de um livro que nunca será<div class="p1" style="text-align: justify;">
Eu não conheci o Matheus. Eu o reconheci. O primeiro grande clichê da minha vida que nunca conheceu essa palavra. Sempre detestei os clichês, os encontros, os filmes de amor. Amor, essa palavra. Amor essa palavra que a gente não sabe muito bem o que é, entende o que é no filme e busca reconhecer na vida. Nunca soube reconhecer amor na vida. Gostei de algumas pessoas, beijei algumas bocas. Disse "eu te amo", sem saber muito bem o que era, como criança que repete as sílabas do hino nacional. Dizia "eu te amo" pros garotos que beijava porque tinham me ensinado assim. Te beijei, você segurou na minha mão, me ensinou um caminho, me mostrou teu livro preferido. Devo te amar. Te amo então. E assim se faziam essas relações sem emoção nem sentimento nas quais eu me meti desde a adolescência. </div>
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<span class="Apple-tab-span"> </span>Mas quem não sabe o que é amor, não reconhece amor. Tentar reconhecer o amor sem nunca ter amado é tentar reconhecer uma mesa como mesa sem nunca ter visto uma mesa. É preciso ter um primeiro contato com o objeto para poder reconhecê-lo como tal. E eu, até conhecer o matheus, nunca tinha sido apresentada ao amor. Não assim, apresentada ao amor no ato de sentir. Só conhecia amor como palavra, como história de livro, como pedaço de filme. Mas o amor nunca tinha entrado em mim para que eu pudesse reconhecê-lo. Sendo assim, tudo que lembro do meu primeiro encontro com o Matheus, é que ele me despertou os sentidos. Todos os sentidos. Me acordou pra vida de tal forma que as cores se faziam mais vivas, as palavras saltavam com mais facilidade, as sílabas tinham cheiro. Sinestesia. Ele me mostrou que a vida pode ter gosto. </div>
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<br /></div>
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<span class="Apple-tab-span"> </span>Foi assim, inesperado. Ele foi o último a me aparecer naquela lista de gente que estudaria comigo na faculdade. Lista de espera da faculdade de publicidade e propaganda. Não soube dizer o que tinha nele, mas tinha. Não soube dizer o que tinha em mim, também, que tive urgência em lhe dar as boas vindas tardias do único jeito que sabia: lhe escrevendo as palavras. Mas fui assim, como quem não espera nada. Um desses recados simples, até meio bobos. Qualquer coisa como "seja bem vindo à essa selva de gente louca que queria ser artista e se contentou em ser publicitário". Ele me sorriu com os dedos respondendo qualquer coisa como "não me contentarei nunca em ser apenas publicitário. É meu projeto paralelo enquanto não me reconhecem como artista. Mas reconhecerão, reconhecerão". E sorri. Sorri com as palavras do primeiro homem que foi capaz de me fazer sorrir logo no primeiro encontro.</div>
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<span class="Apple-tab-span"> </span>Antes dele, é claro, houveram vários. Os mais diversos tipos. Os gordos, os magros, os meio engraçados, os inteligentíssimos e os meio burros. Todos eles com seus encantos atrozes, com seus jeitos de me pegar pela mão. Houveram aventuras, grandes aventuras imensas dançando em seus corpos, em suas bocas, em trechos de livros lidos em voz alta as três da manhã. Houve a poesia dos filmes alternativos clichês que tratam de amor. Houve, houveram. Tudo isso que podia ser reconhecido como amor, mas ainda não o era. </div>
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(Escrito em 2011, nos intervalos do trabalho esse algo qualquer que almejava ser um livro. anos depois acho meio completamente ruim e já não acho que a única maneira de se enterrar um grande amor seja um epitáfio-livro. os amores morrem sozinhos, no tempo em que devem morrer. difícil também elencar as razões de porque não mais escrevo nesse blog. talvez porque seja a confusão que me faça ter de escrever qualquer coisa. talvez por outras razões distintas que eu nem sei. em todo caso, obrigada pelos comentários dizendo que sentem falta dos meus escritos. acho que também sinto, talvez mais que vocês). </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-9495971524613690072013-06-02T23:40:00.001-07:002013-06-02T23:40:32.315-07:00essa não é uma carta de amor <div style="text-align: right;">
<i>para um nhô</i></div>
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<i><br /></i></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Pensei em te dizer inúmeras coisas antes de partir - porque eu sabia que ia partir, e sabia exatamente o dia e hora em que o faria - mas desisti momentos antes. a conclusão era certeira: você não entenderia. acho que tentei, meio descompassada, te explicar que eu estava indo. que eu ia, sabe? que eu ia e você nunca mais ia falar comigo. nem mostrar um poema, uma crônica, nada. eu queria te deixar ciente das minhas razões, elencando em tópico pra que você entendesse. você não entendeu. eu tentei um pouquinho. lembro que você me disse - meio bravo, até - que então era isso, que eu não queria mais conversar com você caso a gente não pudesse mais ter um envolvimento amoroso (na verdade você usou outros termos, mas há de se manter a qualidade literária da carta). acho que você pensou que eu te tratava, naquele momento, como uma coisa descartável. como essas garrafinhas biodegradáveis de água que a gente amassa e joga no lixo no momento em que termina a água. uma garrafinha tão vagabunda que não serve nem pra guardar água na geladeira depois, ou pra levar suco de pozinho pro trabalho. tentei te explicar que não era, que era outra coisa, que era uma coisa aqui dentro que me machucava e que era melhor pra mim que a gente se afastasse. você continuava sem entender e eu ia ficando pequena. já não tinha mais coragem de falar nada. não falei nada. não tive coragem. disse que era melhor que ficasse assim, então. que fosse indo. um dia a gente descobria o que ia ser da gente. você concordou, mas eu sabia que estava indo embora.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
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<div class="p1" style="text-align: justify;">
no começo foi difícil. era difícil não querer saber de você. daí eu ficava me distraindo com outra coisa pra não falar com você. se ainda estivéssemos nos tempos do telefone eu teria apagado seu número. não estando, desapareci. desapareci muito mais por mim do que por você. eu gosto muito de conversar com você e era dificílimo lidar com as minhas urgências de te contar as coisas que aconteciam na minha vida - embora não fossem muitas, porque nunca são. as razões de porque eu fui embora eram muito particulares. não porque você era descartável, e muito menos porque eu queria te exterminar da minha vida como coisa que não serve mais. eu só fui embora porque estar com você mexia comigo de um jeito que eu não sabia o que era. e machucava. machucava porque eu não tinha certezas. machucava porque eu lidava mal com todas as outras mulheres que eu sei que fazem parte da sua vida. elas aparecem em fotos, por vezes. em outras é num poema. li com o coração doendo um ou dois poemas que eram dedicados a pessoas que não eram eu. um deles eu li na rodoviária, pouco depois de chegar na cidade que é muito mais sua do que minha. tinha uma foto, uns livros, umas coisas-todas de uma história que me machucava mas eu não queria mexer. era isso: eu não queria mais ser a inquisidora da sua vida. e eu sabia que estando perto, fatalmente eu iria. longe eu podia pelo menos começar a entender o que tudo aquilo queria dizer. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
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eu nunca disse que te amava. e se me perguntarem, eu vou dizer que nunca nem cheguei perto de te amar. não sei mais o que o amor faz, e então diria isso muito mais por inexperiência adquirida do que por certeza. pode ser sim, que eu tenha te amado um pouquinho em algum lugar pelo percurso em que você disse alguma coisa bonita ou em que eu deitei no seu ombro acreditando que estava salva de todos os males do mundo. eu sempre te ouvia dizer de um jeito meio debochado que só justificaria eu agir louca daquele jeito se eu estivesse muito apaixonada por você. você tinha uma flexão na frase, como quem diz uma redundância. eu dizia que o louco era você. às vezes eu ficava pensando em responder "e se eu estiver?" só pra que você me respondesse alguma coisa. mas você sempre tinha pressa, me levava pelos corredores da sua universidade apressado, me mandava embora de casa, se irritava com os meus jeitinhos. achei que não compensava. inclusive, da última vez que nos vimos achei que estávamos caminhando pra nos tornar aquele casal que já não deu certo e virou amigo. você não me beijou direito nenhuma vez. mas aquelas alturas eu já não queria questionar nada, e fiquei pensando que são paulo tem um dos por do sol mais feios que já vi na vida. eu prefiro o da sacada lá de casa, mas o da sacada de casa não tem você. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
é difícil te explicar porque eu quis ir embora. faz quase um mês e eu ainda não entendi. tem uns fins de noite que eu acabo cedendo e perguntando como vai você. no último você respondeu bem, hoje você foi seco. você foi seco e eu fiquei pensando que deve ser bem chato ter que lidar com alguém que some e volta assim, sem explicar porquê. quem sabe você ficou se sentindo uma dessas garrafinhas biodegradáveis que a gente joga fora assim que acaba a água, embora você pareça feliz sem mim. qualquer carta de amor soaria muito mais bonita se eu dissesse: fui embora porque te amo. por mais que você não me amasse de volta ia ter um quê de sofrimento que justificaria qualquer um dos meus atos - por mais impensados que eles sejam. não posso te dizer isso, mesmo pra fins literários soaria exagerado. fui embora porque não sei. fui embora por todas as coisas que não sei. fui embora pra nunca mais ter que te perguntar quem é a menina da foto ou quem é a garota que recebe poemas no meu lugar. fui embora porque estive cansada do meu descompasso e porque minha vida com você é um dançar na batida errada sempre sempre. e você sabe, eu fiquei cansada de dançar sozinha e fora do tom. seria bem mais fácil se eu passasse por cima dessas dores todas e continuasse a engolir todas as vezes que eu percebo que além de mim há outras várias e que talvez eu nunca venha ocupar um lugar de destaque - embora nos conheçamos há muito tempo, e meses atrás você parecesse gostar muito de mim. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
eu não sei o que aconteceu com a gente e foi por isso que eu fui embora. pra não te desgastar com perguntas bobas e sem resposta. pra não te exigir estando longe. pra não me doer num contato que vai me mastigando por dentro. eu te deixei pelas coisas que não sei. pelas coisas que eu não sei te explicar. eu resolvi te deixar depois da nossa última briga. ver você com outra me machucou. e outra que eu sei, por conhecimento de causa da sua vida passada, que já existe há muito tempo. bem antes da gente retomar isso que a gente tem - seja lá o que for isso. outra que eu trombei no corredor da sua universidade e você agiu como se eu fosse invisível. o fantasma da outra me deu um embrulho no coração. não soube agir naturalmente, nem te dizer as coisas com clareza. te disse coisas que não sei. e são essas coisas que não sei que você faz nascer em mim que eu não quero mais. doeu tanto. tudo doeu tanto. doeu tanto você me dizendo que você tinha o direito de colocar aquela foto em qualquer lugar. doeu tanto você me dizendo mil e uma coisas. doeu quando lembrei que eu também tenho com você uma foto quase igual. tudo doeu tanto que eu chorei na sacada sem saber porquê. chorei tanto. chorar tanto assim pelo que eu não sabia me fez pensar que só tinha um jeito: ir embora. ao menos de longe, se doesse de novo, eu não ia agir com você de um jeito que não sei. ia ser melhor pra nós dois. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
não está sendo fácil. hoje mesmo quis perguntar como você está, e fui. tem um monte de coisas que às vezes eu quero te contar e não conto. viver sem você sempre foi complicado, tanto que quando estivemos separados eu te escrevia umas cartas que eu achava que você nunca leria (mas leu). eu fui embora porque eu não sei o que sinto por você. e enquanto eu não descubro, ser uma coisa indefinida me dói. a cada vez que eu estou perto eu sei de coisas em você que eu gosto e aí por vezes eu relembro porque é que eu nunca te deixo. eu tento te falar aqui das coisas que eu não sei. com a distância você vai sumindo. tem dias que eu esqueço de pensar em você. depois você aparece me mostrando pedaços da vida da qual não faço parte e eu fico triste. às vezes eu destilo tudo isso em forma de rancor. no fundo eu queria que você fosse mesmo um dessas garrafas que a gente joga no lixo. você ia me odiar um pouco, mas logo ia passar, e eu ia viver bem. eu ia viver longe dessa infinidade de coisas que eu não sei, pelo menos. eu não consigo ser só sua amiga porque me machuca a idéia de você gostar de outra pessoa e essa pessoa não ser eu. também fico pensando e não sei se seria sua namorada. daria certo? todos os seus amigos me odeiam, a gente brigaria infinito pelo meu jeitinho e você ronca. eu sempre consegui ser mais uma no meio de várias, sendo também uma que tem vários. por que com você não? por que você me aperta o coração de um jeito estranho e porque o vislumbre besta de "te perder" me faz chorar na sacada? quanto sentimento mesquinho, eu nunca fui assim. coisas que não sei.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
em resumo, eu gostaria que você soubesse que eu gosto muito de você. e muito me encantaria continuar na sua vida, e quem sabe até ser esse arquétipo louco da grande amiga com quem a gente sai pra conversar e dividir impressões sobre livros, e de vez em quando transa,e de vez em quando dorme junto e eu queria muito ser o que eu sempre fui com o resto do mundo com você e ouvir com distanciamento as histórias das suas outras garotas, e aí eu te contaria sobre os meus encontros casuais enquanto dividimos um café. mas com você eu não sei. não te deixei porque você não me serve. eu fui embora porque você desperta em mim coisas que eu não sei. coisas que vão além. essa carta mesmo, não faz o mínimo sentido. quase consigo pensar em você me dizendo qualquer coisa como: isso só se justificaria se você estivesse mesmo muito apaixonada por mim. você diz isso sempre com um ar de deboche meio convencido e eu rio dizendo que até parece. e se for? imagina o estrago? estrago já teve. mas acho que ficaremos melhores sem isso. nós dois. prometo que volto às vezes, quando sentir que posso conviver com você sem enlouquecer dizendo dessas tantas coisas que não sei explicar. espero que você continue escrevendo, que a sua casa nova seja aconchegante, que a faculdade não te mate e que tudo isso que sempre foi continue sendo. tudo isso que você é e eu não sei lidar. por aqui continuo descompassada, meio ansiosa, sempre sofrendo de gripes e sem ter a mínima idéia do que eu faço com a minha vida. desculpe pelas vezes que te ignorei. era preciso. pra que minha vida siga adiante, diriam os los hermanos. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
eu nem gosto de los hermanos, aliás, mas dia desses ouvi essa música aí que eu acho que chama "adeus, você" e acho que posso terminar te dizendo pra que você acalme e te sustente, e não pense que eu fui por não te amar. também não pense que eu fui por te amar. eu fui porque eu tive que entender todas as coisas que você faz nascer em mim e eu não entendo. sigo os seus conselhos, por vezes. em outras percebo que gosto bastante de algumas partes de mim que você detesta. um dia você me disse, convencido, que era difícil achar alguém melhor que você. eu ri achando uma bobagem. não espere que eu diga agora: você tinha razão. não é nada disso. é que eu percebi que quando a gente gosta de alguém, seja lá do jeito que for, ela acaba por ficar única do jeito dela. e então eu te digo que achar alguém como você deve ser mesmo um pouco difícil. razão pela qual eu percebo, depois de quase um mês longe, que eu não quero de novo ser louca, romper contatos abruptamente e esperar que alguém te faça sofrer. espero que você seja feliz e que eu ainda leia alguns dos seus textos e alguns dos seus trabalhos, embora eu saiba que eu conto com várias assistentes pro posto. talvez um dia você ame alguém e me esqueça de vez. talvez aconteça antes comigo e a gente se encontre de vez em quando pra contar as novidades. não sei da vida. pensei em te dizer muitas coisas antes de partir, mas acho que podia ter deixado só um bilhete: "se eu for embora saiba que não foi por não gostar de você, e sim pelo avesso disso". mas eu nunca penso em soluções inteligentes quando o assunto é você. continua sendo feliz, não me odeia, eu sou desajeitada, mas tenho o coração bom.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
esperando que você leia isso e mantendo a tradição da comunicação indireta, me despeço como quem deixa uma carta em cima da mesa e parte com as malas. te mandar diretamente exigiria respostas e esse é tipo de coisa que, acredito eu, nem carece de resposta (a não ser que você queira). sinto uma coisa bonita por você, um negócio que me faz querer que todas as suas potencialidades sejam postas em prática logo, uma urgência de te ver bem, feliz e fazendo o que gosta. acho que é recíproco e imagino que esse seja o porquê das suas incontáveis broncas. quando penso na gente se dando bem (o que exclui os meus surtos e suas grossuras) me dá vontade de sorrir. é isso que vale. </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
eu volto logo, </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
lembra de não me esquecer. </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
te gosto muito, sempre, ainda que preferisse não às vezes. não por nada, é que acho chato. só isso, acho chato. </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
um beijo, </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
eu </div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
(que sempre assino as cartas egocentricamente). </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-25642765206267047782013-05-27T00:57:00.000-07:002013-05-27T01:17:53.694-07:00eu também sei dançar se não for com você <div class="p1" style="text-align: justify;">
Foi ele que me fez dançar de novo. Coisa besta dessas, pensei enquanto descia do carro, numas das mil e uma vezes em que ele me deixou em casa. Às vezes as pessoas ficam na vida da gente e a gente não percebe. Custei a perceber que foi ele que me ajudou a encarar aqueles dias horríveis de cinza e medo, enquanto me levava pra passear nos lugares conhecidos da minha cidade velha. Nem sei se ele dançava, antes de mim. Imagino que não, acho que lembro de uma vez em que ele me disse que fazia anos que estava aqui, mas nunca tinha ido em lugar de dançar. Fomos em lugar de dançar, e você dançava esquisito e daí eu podia dançar esquisito também. Não lembro, antes dele, quando é que tinha dançado. Talvez com um outro, um pouco antes dele, é verdade, que me fez dançar na sala. A gente só se beijava quando dançava, coisa esquisita. Mas depois desse veio um outro, que não me fez dançar e não me fez feliz, e aí eu parei de dançar. Parei de gostar de mim, também. E aí ele apareceu e aos poucos foi me fazendo dançar de novo. Foi ele que me fez dançar de novo. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
A vida é cruel. Sentada no meu quarto, depois de uma longa viagem, percebo o mundaréu de coisas que a gente deixa pra trás. Nas gavetas da escrivaninha, o manual da câmera que meu tio me deu logo que eu comecei a tirar fotos. A câmera empoeirada, num canto, com o filme da minha última viagem pra Curitiba. Nunca mais fotografei nada, eu disse assim, baixinho pra mim, como quem conta um segredo triste. Perto das câmeras, meus trinta e poucos livros não lidos. Não lembro quando, exatamente, eu parei de tirar fotos ou de ler livros. Só sei que aconteceu. Aconteceu eu, ali, perdida na vida e de frente pro meu computador querendo achar um sentido qualquer pra existência e falhando miseravelmente. Quietinha embaixo das cobertas, no frio, um ano atrás, eu não tinha vontade de viver. Só sabia escrever. E sei que escrevia porque esse era o meu único jeito de dizer que eu ainda existia. Existência besta, eu sei; mas ainda existência. Depois que tudo aquilo aconteceu eu me perdi de mim. Eu não sabia dançar, eu não sabia ler, e eu nunca mais tirei nenhuma foto. Numa pasta velha no meu computador, encontro fotografias de shows que eu fui. O mundo visto através das lentes ruins da minha câmera ruim. A voz do meu tio me perguntando a quantas anda a fotografia e eu respondendo baixinho, como quem sentencia uma morte: nunca mais fotografei. Nunca mais. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Foi esse ano que voltei a dançar e que, timidamente, voltei a ler alguns livros. Concentração me falta, e vez ou outra eu prefiro mesmo ficar na internet perdendo tempo com a vida das pessoas que não são eu. A vida dos outros não é melhor que a minha, mas tem como grande qualidade: não ser a minha. Estive bem. Estive tão bem que parei de falar de mim. Não precisava, não tinha o quê e o mundo parecia ter, agora, algumas nuanças. Eu tinha voltado a dançar com ele. Eu, ainda que devagar, ia riscando a lista de livros a ler. Ia vivendo. Não era ainda o melhor jeito de viver, mas era um jeito. Um jeito meu. No meio disso tudo até peguei a câmera de novo e tentei tirar umas fotos, acho que uma orquestra, não lembro bem. O filme deve estar velho e é bem capaz que ao revelar amarele ou queime tudo. Não importa. É um pequeno registro de quando eu voltei a ver. Voltar a ver é importante. Voltar a ser, parece imprescindível.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Uns dois meses atrás - talvez menos, não me lembro bem - entretanto, as coisas voltaram feito filme de terror. A mesma história. De novo, aquilo, a mesma conversa. Que saco sou eu que não sei viver a vida que nem gente, sempre nos meus tempos estranhos, na minha falta de planejamento e urgência, nos meus livros não terminados. Que saco sou eu, sempre andando em círculos, sendo pouco atraente, com o cabelo estranho, seco, toda fora de compasso e sempre conferindo o sentido certo do metrô. Merda de cidade enorme em que a gente chora no meio da rua e ninguém percebe. De novo eu chorando na rua e me perguntando porque é que eu me maltratava assim? Desci dois pontos antes do que devia de medo de não chegar no lugar certo. Minha ansiedade ainda ia me matar. Um dia ainda mata, essa merda que não sei controlar ainda. Mata também essa urgência besta de querer ser feliz e se atrapalhar, sempre atravancada pela vontade dos outros. Tudo de novo. O quarto escuro, o sono que não passava, uns tremeliques que vinham do nada. Eu, encolhida entre cobertores paraíba, numa cidade que nem frio fazia, chorando de vontade não viver nunca mais. E lá na escrivaninha se formavam de novo pilhas de livros que não lia mais e uma câmera que empoeirava. Eu já não queria que ninguém me tirasse pra dançar. Tudo chato, não adianta, eu sou um desastre. Queria dizer pra todo mundo ir embora de uma vez. Eu não ia dar certo. Não tinha como. Não tinha como alguém descompassada como eu dar certo. Era necessário que todos soubessem logo disso. Eu ia gritar pro mundo: eu sou um fracasso. Era isso, fracasso. Nunca terminarei de ler um livro, que dirá escrever meu próprio, e sou um fracasso.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Os dias iam passando feito assombração. Era tudo lento, tudo triste, tudo cinza. Cinza feito as olheiras imensas que iam se formando embaixo dos meus olhos que agora já tinham voltado a ser tristes. Tudo vai indo porque tem que ir. Eu não queria dançar. Não queria fotografar. Não queria saber o fim dos livros que comecei. Não queria nunca mais aprender alemão. Nem francês. Nem nada. As pontinhas dos meus dedos formigavam e no coração tinha uma espécie de peso que é difícil de explicar. Eu queria que tudo isso desse um conto bonito, mas eu não conseguia escrever. A duras penas ia completando as minhas atividades, até que as coisas foram ficando mais leves. No começo da semana ele tinha me levado pra dançar. Meus coturnos pesados atrapalhavam tudo, mas ele tinha esse jeito torto de me fazer sorrir no meio da tragédia. De vez em quando a gente tinha que perder a hora dos compromissos do outro dia. Fiz tudo que devia. Ia renascendo no meu tempo, mas ia. Sou meio desorientada, mas ia dar conta. Estava dando. Tudo parecia leve. Eu ia suportar. Até que vem tudo de novo. O mesmo inferno. As mesmas brigas. Você é louca você é louca você é louca sendo repetido como um mantra. Eu quase acreditei. Eu era louca mesmo, não era? Por que é que eu me maltratava assim? Não sabia responder. Olhava pra sacada tentando entender tudo aquilo que ele tinha me dito e o mundo rodava esquisito. O mundo não girava. Era isso. O mundo tinha empacado de novo e eu tinha ficado. Besta. Sou cheia de bestagens. Eu era um fracasso. Era isso, eu ia fracassar de novo. Perdida em pensamentos e naquelas mesmas desilusões no dia de começar de vez um projeto. Adeus, mestrado. Adeus. Eu te deixei por conta de uma desilusão. Chorava feio, daqueles choros de criança sentida. Até soluçava. Não era possível. Mais uma vez. A gente cansa de se reerguer. Eu já tinha decidido: nunca terminarei nada e sou um fracasso. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Ia ser mais uma nas coisas que eu deixei pra trás. Sonhos ali empilhados na estante junto com uma máquina com filme pela metade e uma porção de livros que pouco me interessa o final. Tudo inacabado, feito eu. A única coisa que eu conseguia sentir era dor. Punhal enferrujado no coração devia doer uma dor feito aquela. Desilusão. Mais uma pra botar na estante. De novo. O inferno. Tudo que lembro daquele dia foi ter me enfiado numa cama qualquer com um desses caras de sempre e quase ter chorado baixinho no começo de tudo. Mas depois gozei. Acho, nem lembro. Só lembro dele me dizendo que ia ficar tudo bem enquanto me dava suco pronto de maracujá. Desses de pozinho. Era tudo que eu precisava, no fim das contas. Aí decidi que não dava pra negligenciar a vida por mais um ano. Fui lá e fiz. Chorando, mas terminei tudo que tinha que fazer. De novo estava eu naquela cidade chata carregando documentos e subindo ladeiras. Conferindo no mapa o sentido do metrô. Dóia um pouco ainda. Lá dói um pouco mais. Inferno de cidade empacada. Mas eu ia sobreviver. Ia colocar a desilusão do lado das coisas que eu não uso mais, ali na estante. Estante das desilusões. Era problema de quem esperava demais da vida. Certamente. Depois tudo foi indo. Às vezes doía, mas doer acaba que dói sempre. Não era a primeira vez. Era isso: não era a primeira vez. </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Deve fazer um mês, mais ou menos - talvez menos, não me lembro bem. Sei que faz uma semana que voltei de viagem e percebi o mundaréu de coisas que a gente deixa pra trás. Meus livros, minha paixão pela fotografia, minha mania de dançar, meu gosto pelo futebol e minha vida. Lá estava eu deixando minha vida pra trás mais uma vez. Que perigo. Aí resolvi que não dava. Voltei com os livros, prometi deixar tudo em ordem, acordar cedo. Não dá pra ficar fazendo doer pra sempre. Por que é que eu me maltratava assim? Seja o que for, se um dia valeu, hoje não vale mais a pena. Daí dei de andar na chuva, dar trela pra desconhecido, sair pra dançar sempre que der e ler antes de dormir. Quando tiver tempo volto a fotografar também. Fiquei sabendo de gente que comenta futebol. Voltei a ver futebol. Ouvi que é muito legal que eu saiba sobre diversos assuntos. Começo a achar engraçado o espanto que, de quando em vez, meu cabelo causa. Sei que sou perdida e louca. Aceitei. Gosto de mim assim, mesmo que esse "ser assim" me cause formigamentos nas pontas dos dedos. Dia desses andei na chuva, descabelada, ouvindo música. Sozinha. Sou, primordialmente, uma pessoa sozinha. Sorri baixinho, como quem descobre um grande segredo. Quase chorei de levinho quando me li comentando futebol de novo. Senti leve orgulho de conseguir ler meio livro em dois dias. Volto a ser eu. Dia atrás ele me fez dançar de novo. Sou feliz quando danço com ele, coisa besta dessas pensei descendo do carro e aí quase pensei que talvez, quem sabe, ele fosse a escolha certa a se fazer e que a escolha às vezes está mais perto do que imaginamos, o grande clichê. Mas ele não é a única pessoa que dança no mundo, e talvez essa seja a grande chave de tudo. Tem muita gente pra dançar comigo no mundo. E pensando assim, sei que volto a ser livre, como sempre fui. Percebi o mundaréu de coisas que a gente deixa pra trás. No meio delas, estava eu. E aí eu me fiz dançar de novo. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-22061525249260495682013-05-19T18:50:00.001-07:002013-05-19T18:54:08.661-07:00janelas da alma <div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
tinha show do raça negra e eu não fui. vontade senti, mas o cansaço foi maior. cansaço físico não digo, sempre acho que cansaço físico acaba curando uma hora ou outra - nada que cinco ou seis horas de sono não resolvam, mas sim o cansaço da alma. estive de alma cansada; triste, melancólica, com medo de ter crise de ansiedade no meio do metrô. portuguesa-tietê não é coisa pra gente com nervos fracos, são paulo menos ainda, são paulo com virada cultural menos ainda. imagina só aquela gente toda indo de um lado pro outro, meio louca, meio histérica. eu tendo que tomar cuidado com a bolsa porque podem vir mendigos, ladrões, gente, gente, gente, gente de todo lado e de todo jeito. eu nem gosto de gente. não gosto de gente tanto assim, não desse tanto. também não queria pegar um ônibus, não queria conversar, não queria nada. absolutamente nada. tudo pesava demais, meu coração tem sessenta quilos desde que a história se repetiu. as histórias se repetem, assim, e eu volto a escrever em primeira pessoa. meus textos em primeira pessoa não são bons. minhas histórias não são interessantes o suficientes. o sentimento me retarda, o sentimento retarda a todos inclusive a mim. queria ficar o mais longe possível de mim e da história. queria ficar mais longe de são paulo. queria ficar longe. longe. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
longe fiquei. angústia é um sentimento estranho de explicar. dá arrepio de choque. um dia pesquisei na internet se ansiedade dava choque. dá sim. dá choque, dá ânsia, dá tremedeira a formigamento nas extremidades. tristeza também é coisa física, concluo. viver é coisa complicada demais, concordamos eu e o guimarães rosa. amar então, deus que nos livre e guarde. e deve guardar mesmo, porque o amor é o diabo. se o diabo fosse um sentimento, seria a paixão. longe estando, resolvi que devo ficar perto das coisas perenes. paixão é o diabo encarnado, amor não. amor é simples. amor de pai e de mãe, dizem, é a única coisa que não perece. deve ser a única coisa que dura muito no mundo, além dessas árvores que vivem milhares e milhares de anos. mas as árvores morrem, acho que o amor fraternal deve permanecer no espaço, quem sabe. no cinema perto do hotel onde estava, meu pai disse, ia passar um filme de dança. sabe-se lá que filme de dança era esse, mas minha mãe não quis ir ver e resolvi ir com ele. ir com ele porque não me lembrava qual a última vez que tínhamos saído juntos pra ver alguma coisa. há tempos meu pai não vê. não enxerga. há tempos o mundo do meu pai é feito de vultos. o mundo do meu pai era feito de memória e sensação. os olhos dos meu pai eram os olhos dos outros, e eu acho que deve ser triste ver com os olhos dos outros. os olhos dos outros não vêem o que a gente quer ver. coisa estranha é o olhar dos outros.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
o prédio devia ter uns duzentos anos. engraçado falar que uma coisa tem duzentos anos, porque é tanto tempo que parece que ela existiu desde sempre. casarão de gente rica que hoje é museu. o museu da imagem e do som da cidade de campinas é num antigo casarão. casarão onde devem ter sido açoitados escravos propriedade de velhos senhores de café. senhores de café do oeste paulista. desgraça acontece em lugar bonito. a arte toma conta desses casarões. a arte ou os bancos. mais comumente os bancos, mas nesse, em especial, ia ter filme de dança. o filme de dança era "pina". wim wenders é um dos meus cineastas favoritos, mas ele só fez uns três ou quatro filmes bons, segundo a crítica. dizem que wim wenders começou com grandes sucessos e depois perdeu a mão. ou isso, ou não entenderam ele. não sei dizer, também só vi os filmes aclamados. os outros devem ser tão ruins p'ros outros que a gente nem acha por aí. talvez eu entendesse os filmes ruins do wim wenders porque eu entendo de fracasso, e entendo também de não ser entendida. entendo muito sobre não ser vista direito pelo olhar dos outros. coisa estranhíssima é o olhar dos outros. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
o tal filme de dança conta a história de pina, uma coreógrafa de dança contemporânea que morreu enquanto faziam o filme. ao que consta, ninguém entendeu muito bem a pina. não sabiam se o que ela fazia era dança ou teatro, e ela foi muitas vezes criticada por mostrar coisas muito agressivas. eu não conhecia a pina antes do filme. meu pai também não. fiquei apreensiva ao perceber que o filme tinha falas e que, talvez, meu pai pouco entendesse sobre a pina ou sobre a dança. felizmente, o wim wenders fez um filme com poucas falas e poucas legendas. pra entender pina, era necessário entender a dança. a dança meu pai enxergava, e isso me deixava feliz. feliz porque eu conseguia ver através dos olhos do meu pai que ele conseguia ver de novo. enxergar. há tempos meu pai não enxergava nada do que a gente via. via pelos olhos da gente, via com olhos que não eram os olhos normais. via som. via vulto. via vento. via barulho e via calor e frio. via cheiro. mas ver, ver mesmo, há tempos que não via. daí ele viu a pina, e a dança meio louca da pina. e tudo que o wim wenders queria mostrar sobre a pina. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
o filme tem poucas falas, quase nada de falas. quando tem fala, são os dançarinos da pina tentando explicar a pina. mas a pina não é gente que se explica. o wim wenders, que não emplaca um sucesso a pelo menos vinte anos, sabia que não precisava explicar a pina. precisava mostrar a dança da pina. ninguém entendia direito o que a pina queria dizer com as danças dela. era alguma coisa de angústia, e alguma coisa de felicidade e alguma coisa de medo. a pina dizia p'ros dançarinos, que pra dançar alguma coisa é necessário sentir. todo mundo da companhia de dança da pina achava ela genial. é sempre genial, a gente sabe, alguém que nos faz sentir e transentir alguma coisa. é por transver a dança que o filme da pina não precisa de fala. vendo a dança a gente entende muito sobre ela, e entendendo muito sobre ela entende muito sobre a dança e sobre sentimentos, e entendendo muito sobre sentimentos entende o mundo. e pra entender o mundo não precisa mesmo de legenda. meu pai enxergava o filme. não lembro qual foi a última vez que vimos um filme que ele enxergava com os próprios olhos juntos. da última vez, assistimos santiago. santiago é um documentário que o joão moreira salles fez sobre o seu mordomo, santiago. santiago se expressava através de histórias. era falando que se sabia de santiago. meu pai viu o filme com os ouvidos. não viu uma ruga sequer de santiago, ou as vezes que ele olhava tímido pra câmera. mas entendeu santiago. pra entender o mundo não precisa enxergar com esses olhos físicos. é preciso ver com a alma. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
é com a alma, primordialmente, que se vê pina. ver a dança pela dança não diz nada. se formos ver pina com olhares técnicos, pouco entenderemos. também pouco entenderemos sobre o porquê do wim wenders ter feito o filme daquele jeito, cheio de gente dançando no meio da rua. a dança de pina nada diz se for vista com os olhos de todos. pra enxergar pina, é necessário transver as coisas. pra enxergar pina é preciso de mais. meu pai enxergou pina. com certeza não viu a dança com os mesmos olhos que eu ou que as outras pessoas da sala viram. o wim wenders mesmo uma vez participou de um documentário chamado "janelas da alma" em que a grande coisa era entender como as diferentes pessoas com diferentes problemas de visão enxergam. a conclusão é simples: ninguém vê igual. é impossível prever como o outro vê, mas não é igual ao jeito que eu vejo. meu pai não viu pina com meus olhos, mas enxergou. para enxergar, percebo, não é necessário uma visão perfeita. o jeito que meu pai viu o filme era o mais bonito de todos pra mim, porque ele estava vendo de novo com os olhos dele. e seja lá o que ele tenha visto com os olhos dele, é mais bonito do que qualquer um vendo. porque são os olhos dele vendo de novo. são os olhos dele vendo por si. eu não preciso mais ver por ele. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
pina é um lindo filme porque ninguém entendia muito bem a pina, mas o wim wenders entendeu. ninguém entendeu muito bem o wim wenders por vinte anos, mas pina é um de seus grandes sucessos. talvez porque ele se encontrou com alguém que, como ele, via coisas a mais. via com a alma. e quando se vê com a alma se enxerga o outro. enxerguei a pina com meus olhos e não sei dizer se entendi pina, mas sei que me entendi, e entendi sobre os sentimentos. e vi. alguma coisa eu vi. vi meu pai vendo de novo, o maior presente do meu ano. maior que qualquer show do raça negra. me vi angustiada e triste. me vi. percebi que eu, assim como a pina ou o wim wenders às vezes enxergo tudo tão com os meus olhos que não sou entendida. coisa terrível é o olhar dos outros. o olhar dele não me entendia. era por isso que eu queria estar longe de tudo. longe daqueles metrôs de gente gente gente gente longe dele o mais longe possível. e longe dele estive perto de mim. o mais perto de mim possível. pina dizia que é preciso dançar. dançar, creio eu, é um jeito de enxergar o mundo. parafraseio pina e digo: é preciso enxergar. é estritamente necessário enxergar. me enxerguei, enxerguei a pina, o wim wenders e o meu pai. concluo: pra enxergar não são necessários os olhos, é necessário sentir. pra sentir é necessário querer. pra enxergar é, então, necessário querer sentir. só enxerga quem quer sentir. só sente quem quer enxergar. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
talvez seja também esse texto uma dança não compreendida de pina. um filme sem bilheteria de wim wenders. tipo de coisa muito minha pra ser vista com os olhos dos outros. todos nós às vezes somos nós demais pra ser vistos com os olhos dos outros. eu, meu pai, a pina, e o wim wenders. mas alguém sempre entende. alguém sempre enxerga. bilheteria de um homem só. alguém na platéia sempre sai chorando. olhares que se encontram. </div>
</div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-66775745183110282832013-05-13T22:25:00.001-07:002013-05-13T22:25:36.762-07:00somos tão jovens?
<br />
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Eu tinha doze anos quando ouvi legião urbana pela primeira vez. Não foi exatamente por escolha minha. Com essa idade, meus pais colocavam os cds numa altura em que eu conseguisse pegar e eu acabava pegando os que me interessavam ou pela capa, ou pelo nome. "Legião Urbana" não é um nome lá muito atrativo pra uma pré-adolescente de doze anos, e a capa do "dois" (o único cd que meu pai comprou do legião), era bege e pouco atrativa. Eu, nessa idade, me dividia entre ouvir algum rock, as cantoras pops que faziam sucesso e Caetano Veloso. Sempre fui uma criança chata. Crianças chatas ouvem Caetano Veloso e se tornam adultos chatos. Eu sou uma jovem chata.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Mas o legião urbana eu ouvi por causa do Leonardo. Leonardo era um aluno novo que apareceu na minha sala logo no começo do ano. Ele tinha aquele jeito de não se importar com nada e passava a aula toda batucando na carteira, numa espécie de bateria imaginária. Atrapalhava a sala toda, os professores sempre reclamavam, mas o Leonardo não parecia ligar muito. Ele era baixinho, os cabelos meio compridos que sempre caíam em cima do rosto. Eu gostava do Leonardo. Daí, numa dessas conversas de sala descobri que ele gostava de Legião Urbana. Lembrei que meu pai tinha comprado o "dois" não fazia muito tempo e roubei o cd pra mim. Ouvi todas as músicas e achei que, assim, um dia teria assunto com o Leonardo. O que eu não esperava era essa identificação com as músicas do Legião. Ouvir Legião Urbana era como ouvir um amigo que conheça histórias. Renato Russo me entendia. E era muito difícil até pra eu me entender naquela época. O começo da adolescência é uma época chata e eu era uma adolescente chata. Passava muito mais tempo lendo e ouvindo música do que me importando com o que as outras meninas se importavam. Acho que nessa idade já tinha guria na minha sala que já tinha beijado na boca e eu, o máximo que sabia sobre o amor era aquilo que eu sentia sobre o Leonardo, de longe, enquanto ouvia meu primeiro CD do legião urbana. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
O tempo passou, eu pedi pro meu pai outros cds do legião, que ele me deu com certo gosto porque também tinha sido uma banda da juventude dele. Gostava cada vez mais das músicas, e cada vez menos do Leonardo. O Leonardo era meio chato, baixinho demais pra mim e, depois de um tempo, os batuques constantes de caneta em cima da carteira me deixavam irritada. Mas o Renato era genial. Me lembro que uma vez tive um desentendimento sério com umas meninas da minha sala. Cheguei em casa e prestei atenção pela primeira vez na letra de "Andrea Doria". Eta como se o Renato tivesse escrito pra mim. Era essa a sensação que eu tinha com o legião: as músicas tinham sido escritas pra mim. E se essa sensação é importante hoje que tenho vinte e quatro anos, aos doze ela era ainda mais importante. Ser uma pessoa em crescimento nesse mundo louco não é fácil. Se entender é coisa complicada. Achar alguém que diga por você é um dos grandes triunfos da adolescência. O Renato dizia por mim. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Renato dizia por mim não só nas letras, mas naquele jeito dele. Dei de ver várias entrevistas dele, ler várias coisas e percebi que a gente pensava parecido. Eu não era a única a me sentir daquele jeito. Alguém já tinha sentido antes. Renato era meu amigo. Renato, aos treze anos, era tão meu amigo que eu ficava imaginando que quando eu morresse, eu ia encontrar o Renato no céu e íamos tocar violão. Um pouco mais tarde, alguém me disse que o Renato não ia pro céu porque era gay. Os gays não vão pro céu. Fiquei pensando por um tempo. Não fazia o mínimo sentido. Deus não ia ser tão tonto assim de deixar um cara tão legal quanto o Renato queimar no inferno só porque ele gostava de namorar homens. Ele tinha me ajudado durante uma época duríssima da minha vida, eu pensava. É impossível que não tenha ajudado outras pessoas. Deus deve levar isso em consideração. Uma vez, ouvindo "pais e filhos" fiquei penando que o Renato, por ser gay, nunca tinha sido pai. Imaginei se ele queria ter filhos. Depois descobri que ele teve um menino, que tinha mais ou menos a minha idade. Fiquei um pouco contente. Renato parecia ser do tipo que ia gostar de ter filhos. Devia ser legal ser filho do Renato, eu pensava. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
É até um pouco complicado explicar - e tentar entender - a dimensão das letras da legião urbana durante a minha adolescência. Dos doze aos dezesseis foi a banda que eu mais ouvi. Eu sabia todas as letras. Todas as partes da minha vida tinham sido guiadas por alguma coisa que o Renato tinha escrito. Conheci todos os CDs, até aquele que ele cantou em italiano e é meio chato. Parte do que eu pensava foi formado pelo Legião. Não sei dizer se eu seria tão chata assim se tivesse ouvido só Britney Spears. Foi ouvindo o Legião, por mais clichê que fosse, que eu consegui ter alguma dimensão do quão errado as coisas podiam ser. Viver não era nada fácil. Nadinha. Eu sempre achei isso, mas não tinha quem falasse por mim. Daí o Renato falava, e eu ficava mais tranqüila. Ouvir legião era como ter um irmão mais velho que me explicava as coisas do mundo. Por alguns anos, o Renato foi o meu irmão mais velho. Tinha música pra confusão, pra felicidade, pra fossa, e pra indignação. Eu ia percebendo cada vez uma coisa diferente nas letras. Eu cresci com o Renato. O Renato me ajudou a crescer. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Essa semana fui ver o filme sobre ele, o "somos tão jovens". O filme é horrível, o Renato é super caricato, tem cenas desnecessárias e é muito mais um filme de comédia do que algo sério sobre esse homem que também não é um mito. É só um homem como qualquer outro. Mas eu descobri coisas interessantes. Renato também estudou no Marista e ganhava medalhas de bom comportamento. Renato também foi um adolescente chato, egocêntrico, dono do próprio nariz. Ele, assim como eu, enfiava o dedo na cara das pessoas e cobrava indignação. O Renato acreditava em alguma coisa e ficava triste porque o mundo tem uma mania bem chata de não ser exatamente como a gente imagina. Eu fui uma adolescente muito parecida com o Renato. Exceto pelo fato de que eu bebia bem menos e não me drogava nada. O filme do Renato é chato. O Renato, convenhamos, também não era nada fácil de se lidar. O legião urbana está longe de ser a melhor coisa do mundo, e eu ouço muito pouco desde que passei dos vinte. Mas existe alguma coisa sobre essa banda que me formou.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Na ultima cena, o Renato canta. E é o Renato mesmo, não é o ator. Canta "será". E nessa cena, parecia que eu tinha doze anos de novo e queria conquistar o Leonardo. O Renato que cantava era aquele mesmo que foi meu amigo. Existe algo sobre o legião que ajudou a formar o que eu sou. Foi segurando naqueles versos que eu passei por essa fase negra que é a adolescência. O filme do Renato é horrível. O legião não tem as melhores letras do mundo. Hoje, eu prefiro Radiohead. Quem segura na mão da minha vida agora é o Thom Yorke. E outros caras. O Renato eu ouço de vez em quando e lembro que existem certas coisas em mim que não mudaram, porque certas coisas permanecem. Foi isso que eu percebi enquanto umas tímidas lágrimas caiam do meu rosto ao ver o Renato cantar. Já não acredito que tenha tanto tempo, que dirá "todo o tempo do mundo". Acredito menos - muito menos - no Renato e em mim. Acho que é porque eu cresci, o Renato morreu já faz quinze anos e o mundo, o mundo piorou muito. O filme do Renato é horrível, mas eu sei que ele sabe quase sem querer que eu vejo o mesmo que você. Aquele ao cantar "será" dançando do jeitinho que eu danço quando ninguém está vendo ainda é meu amigo. Não sei vamos conseguir vencer (e é muito provável que não), mas eu sei que continuo tentando. Eu sei. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-73372650226808183742013-05-10T18:24:00.000-07:002013-05-10T18:24:04.164-07:00o pior poema das galáxias
<br />
<div class="p1">
Quem te escraviza? </div>
<div class="p1">
E pergunta ao coração como quem chora</div>
<div class="p1">
Suplica uma resposta que não vem</div>
<div class="p1">
Sabe estar escrevendo o pior poema</div>
<div class="p1">
Das galáxias.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
As constelações mostrariam um nome?</div>
<div class="p1">
Dariam uma solução?</div>
<div class="p1">
E se apontasse pro cruzeiro do sul, </div>
<div class="p1">
Construísse um dirigível </div>
<div class="p1">
Fosse até lá</div>
<div class="p1">
Então, enfim, encontraria quem te escraviza?</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele tem olhos cor de terra</div>
<div class="p1">
Os pés no chão</div>
<div class="p1">
Um olhar que não faz festa nem solta foguete</div>
<div class="p1">
Um coração que não chacoalha </div>
<div class="p1">
E nem se entrega </div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele se dá, </div>
<div class="p1">
Às moças bonitas, </div>
<div class="p1">
Às moças feias,</div>
<div class="p1">
Às que tem coração que cintila,</div>
<div class="p1">
Às que são ocas</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele tem um andar solene</div>
<div class="p1">
Jeito de homem que sabe das coisas do mundo</div>
<div class="p1">
Entende as regras gramaticais</div>
<div class="p1">
Não confunde o lugar das vírgulas </div>
<div class="p1">
Mas ainda não entendeu os mistérios da vida </div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que foi ele</div>
<div class="p1">
Que chegou de mansinho</div>
<div class="p1">
Não fez barulho, não arrombou a porta</div>
<div class="p1">
Que prometeu ficar</div>
<div class="p1">
E que foi embora causando estrago.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
As estrelas entendem o mistério do desamor?</div>
<div class="p1">
E se construísse um foguete, </div>
<div class="p1">
Apontasse pra via láctea, </div>
<div class="p1">
Fosse até lá</div>
<div class="p1">
Então, enfim, entenderia como o amor acaba?</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Grita, </div>
<div class="p1">
Desespera-se </div>
<div class="p1">
Pede uma explicação</div>
<div class="p1">
Se Deus existe, Deus não quer explicar.</div>
<div class="p1">
Se Deus existe, não inventou esse tal de amor.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Quem te escraviza?</div>
<div class="p1">
Pergunta ao coração e já sabe a resposta</div>
<div class="p1">
E os dois então se olham, </div>
<div class="p1">
Se entendem</div>
<div class="p1">
Choram no sofá da sala de estar.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele chegou, </div>
<div class="p1">
Tinha o olhar cor de terra, </div>
<div class="p1">
Os pés no chão </div>
<div class="p1">
Um coração que não chacoalha </div>
<div class="p1">
E nem se entrega</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele chegou, </div>
<div class="p1">
Sorriu</div>
<div class="p1">
Prometeu-lhe ser gentil</div>
<div class="p1">
Pegou seu coração </div>
<div class="p1">
E amarrou num tronco de árvore.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Ouviu-se dizer que ele chegou, </div>
<div class="p1">
Ficou por um tempo</div>
<div class="p1">
Construiu uma nave,</div>
<div class="p1">
Apontou pro céu </div>
<div class="p1">
E foi devastar outra terra. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-5372304284893917762013-05-07T23:21:00.003-07:002013-05-07T23:34:45.327-07:00mas quando eu me zango, não sei perdoar <br />
<div class="p1" style="text-align: justify;">
O Roberto Tem Te Traído Você Sabia?</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
A pergunta veio como um daqueles carros desgovernados que você não vê passando, só sente o impacto. Quando a frase veio, já podia me ver desmembrada em quarenta pedaços diferentes e com sangue espalhado por todo chão. Tinham descoberto, então. O filho da puta não tinha tido nem a decência de esconder direito a outra com quem saía. Alguém viu. Alguém viu, alguém foi espalhando a história até que chegou na boca dela e ela veio me contar. O Roberto Tem Te Traído Você Sabia? E quase esboçava um sorriso cheio de dentes. Sorriso de quem quer mostrar que sabe alguma coisa terrível sobre a sua vida que parece perfeita. Teu namorado tem te traído. O merda do teu namorado não quis nem esconder direito que tem saído com outra menina e aí descobriram e não só descobriram como vieram te contar. Roberto era um canalha tão canalha que não fazia nem questão de esconder, ir em motel podre de beira de estrada. Não queria ser cínico, não queria deixar debaixo dos panos. Roberto deve ter saído do shopping, de mãos dadas com alguma menina dessas de quem ele gosta. O filho da puta dando voltinha em livraria de shopping com essas meninas de sorriso fácil e meio burras de quem ele gosta. O filho da puta esbanjando todo seu conhecimento merda sobre as artes & tudo mais em galeriazinha meia-boca de shopping com fulaninha de curso de humanas de universidade. Tinham descoberto. Tinham descoberto, e fizeram questão de me contar. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Onde Você Viu Isso? Não que importasse. A verdade é que eu sabia. Sabia que tinha sido no shopping porque ele tem <i>modus operandis. </i>Se não fosse no shopping era num café. O filho da puta não tem nem imaginação. Sempre os mesmos lugares. Os mesmos lugares onde ele me leva, ele leva elas. Elas não se entediam, eu me entedio. Eu sou a chata que não gosta dos lugares frescos onde ele leva todo mundo. Café. Quando não é café é cinema-livraria. Café-livraria. E o desgraçado lá, mostrando todo seu conhecimento raso sobre tudo isso que ele conhece. Roberto é um filho da puta pós-moderno que acha que sabe muito sobre vários assuntos e a grande verdade é que quando se sabe um pouco sobre todos os assuntos, se sabe nada sobre tudo. Ele não sabia de muitas coisas, mas não é como se as meninas que acham ele lindo se importassem. Dava pro gasto. O filho da puta fodendo e presenteando essas meninas que gostam de ganhar presente. O filho da puta dessa vez tinha baixado a guarda e aparecido em público com uma dessas meninas. Tinham descoberto. E vieram me contar. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Naquele Café Que A Gente Foi Semana Passada, Sabe Qual? Não era shopping, era café. Tudo a mesma coisa. Café, conversas, arte, os problemas do mundo, literatura, as últimas notícias do jornal, Você Leu o Último Livro Daquele Escritor Fantástico? Leram, sempre lêem. Leram, discutem, sorriem, se beijam e acabam na cama. Tinha sido assim comigo e devia ser assim com todas as outras, porque ele não ia se dar ao trabalho. Sei Qual, Aquele Da Avenida Perto da Livraria, Né? Sim. Ele Não Te Viu? Acho Que Não Eu Sai Rápido. Não que se ela visse ele ia disfarçar, ou se sentir culpado. Ia continuar ali, jeito de quem não deve nada a ninguém, as contas pagas em dia, cuidando da própria vida. Eu que sou atarantada. Agora tinham dó de mim. Filha da puta, veio me contar e me olha com esse sorriso meio assim. Então o relacionamento de vocês não era perfeito? Regozijava-se. Por dentro dela devia tocar uma fanfarra. Eu era também uma amélia burra que ficava em casa comendo chocolate e vendo TV enquanto o Roberto fodia outra menina no apartamento de solteiro dele, no outro lado da cidade. Ele que não deve nada a ninguém. As contas pagas em dia, dono da própria vida. E eu, coitada de mim. Virei mulher que faz vista grossa pra traição. Perdida e jogada num apartamento imenso onde dá pra guardar todas as minhas mágoas. Ainda Bem Que Tem Dinheiro Pra Comprar Chocolate Suiço E Pagar Analista, deve ter pensado a ordinária. Um saco inteiro de chocolates belgas, analista sete vezes por semana, se quisesse. Mas nada disso. Nada disso. Eu só ficava lá, meio tristonha, olhando a agenda de contatos e pensando pra quem ligar. Tanta gente no mundo. Grandes bostas. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Era Uma Menina Que Acho Que Já Vi No Face Dele. Dizia com olhar de quem se perguntava E Como É Que Você Não Notou? Notei, claro que notei. Noto tudo, sei de tudo. Se bobear sei até os dias. Roberto tem umas desculpinhas esfarrapadas pra disfarçar traição. Inventa que não pode sair porque apareceu um trabalho de última hora. Sempre se enrola com as datas, quando você pergunta. Diz duas versões da mesma coisa, depois fala que Desculpa Eu Ando Mesmo Muito Cansado Embaralho As Coisas. Esquece as minhas datas e eu já cheguei a pensar que qualquer dia eu apareço nua na frente dos amigos dele e ele não faz nada. Dia desses esqueceu que a gente tinha marcado um jantar. Aí depois ligou, se desculpou. É Muito Trabalho Você Entende? Entendo, claro que entendo. Sempre entendo. Me faço de sonsa, é sempre melhor. Brigar vem ele com aquela conversinha de Você Leva Tudo A Sério Demais Isso Não É Um Casamento. O que ele não entende é que é questão de respeito. Aí. A filha da puta vê ele com uma qualquer e eu tenho que ouvir que O Roberto Tem Te Traído Você Sabia? Claro que sabia. Sei, sempre soube. Sei de todas elas. Os nomes delas. Os bilhetes que ele escreve pra elas. O jeito que elas acham que ele as acha as únicas do mundo. O jeito com que ele explica que Do Nosso Amor A Gente É Que Sabe. Tudo papinho barato pra todas elas acharem que não precisam de exclusividade. Que o sentimento é algo que paira no ar, muito maior e mais sublime que os rótulos. Rótulos São Para Potes De Maionese, disse um desses caras aí que tem frases espalhadas no facebook. Acho que um filósofo. O Roberto gosta dessas merdas. Nunca leu nem um livro inteiro de um desses caras, mas gosta dessas merdas. Claro que eu sei que o Roberto me traí. Sempre soube. Ele não sabe disfarçar.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Sei Quem É. E disse o nome da menina. Sempre o mesmo tipo. O Roberto escolhe o mesmo tipo de meninas, sempre. E elas não disfarçam. Sempre tem vestígios delas em algum lugar. E olha que eu nem fuço mais nada. Na casa dele nem o computador dele eu uso, porque se a gente fica sabendo de alguma coisa tem que tomar providência e eu desisti. É Essa Mesma. E ela me olhou com dó. Poxa, coitada de mim que tenho um namoro em que me traem. Coitada de mim, em casa, lendo livros e corrigindo trabalhos enquanto o Roberto ia levar outra menina pra tomar café. Só suspirei. Não ia dizer que eu sabia porque ia soar meio ridículo. Aí sim ia ser caso de pena, ela contando pra todas as amigas que Você Ficou Sabendo Da Carolina Ela Tem Sido Traída E Não Faz Nada. Todas iam pensar em mim com dó, iam sorrir um pouco pensando que o meu namoro nem é tão legal assim, mas que sempre desconfiaram. Acho Que Ele Me Dava Umas Olhadas. E quem sabe iam elas também se engraçar com o Roberto. Filho Da Puta Ainda Bem Que Chumbo Trocado Não Dói. Hein? Me olhou com olhos de surpresa.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Traio Ele Também, Ué. Os olhos dela pareciam envergonhados agora. Podia jurar que nesse momento ela preferia não ter contado nada. Queria que eu chorasse, me descabelasse, perguntasse Como É Que Ele Pôde Fazer Isso Comigo? E aí depois ela ligando pra todo mundo que conhecia dizendo que eu chorei num café no shopping quando ela contou que Roberto tem me traído. Tem Me Traído. Uma coisa constante, ainda. Várias. Todo mundo já sabe. Eu, desolada, molhando a blusa toda de lágrima e elas pensando que eu era uma mulher bem sucedida, porém infeliz como todas as outras. Trai? Traio Ué. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
E não era mentira. Traia mesmo. Traía porque me sentia melhor assim, ainda que ele nunca soubesse. Era discreta. Marcava as coisas por telefone, às vezes por mensagem. Os encontros nunca eram um lugares muito públicos. Uma vez por semana, às vezes no meu apartamento. Às vezes no deles. Uma lista fixa. Uns cinco caras. Por um deles eu sabia que podia me apaixonar, mas esse era o que estava menos interessado. Todos eles me comiam melhor que o Roberto. Todos. Um amigo meu dizia que eu gostava é do que não prestava. Concordava. Todos os cinco eram pessoas interessantes. Uma vez marquei encontro com um deles logo depois que o Roberto me deixou em casa. Uma vez lembro que descobri mais um dos casos dele. Ele não escondia. Vi os dois se beijando. Voltei pra casa, liguei pra um deles e trepei chorando. Destruída. Dei uma desculpa qualquer, disse que estava preocupada com o trabalho. Ele me disse que ia ficar tudo bem e me deixou dormir com ele. Eu trepava com outro chorando, mas trepava. Era a minha vingança. Eles existirem em silêncio era a minha vingança. Roberto esfregando na cara de todos os seus casos e eu, resoluta, fingindo que estava em casa trabalhando. Sempre Muita Coisa Pra Fazer. Ele nunca desconfiou. Acha que eu nunca vou largar ele por homem nenhum porque não existem homens melhores que ele. Existem. Vários. Eu continuo com ele por causa de uma dessas razões irracionais. Não faz sentido. Ele não toma cuidado. Eu tomo porque prefiro assim. Queria que ele me pegasse dando pra outro cara quando a gente marcasse um encontro, mas depois despenso. Eu não sou igual a ele. Me vingo em silêncio. Me vingo e sei. Sei que também mando bilhetes e marco encontros com homens que não são ele. Me machuco do mesmo jeito. Finjo que não. Mas agora a filha da puta tinha vindo contar. Era demais. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Ele Te Traí Porque Te Descobriu? Agora o Roberto era a vítima. O canalha, vítima. Claro Que Não, Eu Comecei a Trair Quando Descobri A Primeira. A questão que pairava no ar era porque então eu continuava com ele? A questão era uma questão que eu não conseguia responder. Não pagava analista, embora tivesse dinheiro. Me enganava pensando que, se eu fazia a mesma coisa, então era porque devia ser assim mesmo. Tenho idade de ser assim, livre. No fim era fácil levar quando eu não ficava sabendo. A primeira eu nunca nem esqueci o nome, se chamava Rafaela. Eu vi os dois andando no shopping. Ele não sabia que eu precisaria pegar um livro pra levar pra uma aula no outro dia. Levou a menina. Eu nunca ia naquele shopping. Ela durou por muito tempo e ele nunca fez questão de esconder direito. Hoje Não Posso Porque Preciso Dormir Cedo. No outro dia a Rafaela colocava uma foto emblemática de um café com uma fatia de torta. Já teve até foto dos dois, porque esconder nunca foi lá uma preocupação do Roberto. Acho que ele nunca soube o que me machucava, ou, o mais provável: ele só pensa nele. Resolvi pensar em mim também. Arrumei uns caras pra sair. No começo pensava em levar eles nos lugares onde a gente ia, mas depois acabei bobagem. Se ele descobrisse o que ia adiantar? Nada. Uma hora eu ia me apaixonar por um dessas caras e ia largar ele. Nunca aconteceu. Ele sempre com aquele ar empoado de quem acha que nunca vai ser deixado. Era fácil antes, eu também gostava dos meus outros caras. Com cada um eu fazia uma coisa diferente. Nunca mais me perguntei porque não largava o Roberto. Ia levando assim. A vida dele não me interessava mais. Sabia de poucas coisas. Quando nos vemos é agradável. Dá pra ser assim. Até que vem um carro desgovernado e te destroça os ossos. Você Sabia Que o Roberto Vem Te Traindo? Sabia, mas eu tinha esquecido. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Faz Tempo Tudo Isso? Acho que Faz Acho Que Sempre Foi Assim. Eu tinha relembrado. Antes a coisa corria, era mais fácil, ele era mais um no meio de vários. Agora aparece ela, me lembra de tudo isso. O filho da puta não faz questão de esconder, aparece em café com as outras. Na frente das minhas amigas. Elas vem me contar. Vem Te Traindo. Todo mundo já sabe. Eu, trouxa. Trouxa, comendo chocolates belgas. Bem sucedida, mas tristíssima. Se sujeitando às traições de um namorado. Se sujeitando. Por que? Não sabia responder. Olhava pra ela que me olhava num misto de pena e espanto e não sabia o que dizer. Eu tinha esquecido. Dele, do descaso, da mania de sempre pensar primeiro nele e nunca no fato de eu também ter um coração. Você Tem Que Entender Que A Vida É Assim, ele dizia toda vez que eu questionava qualquer coisa que seja. A Vida Não Tem Que Ser De Jeito Nenhum, eu pensava. A vida a gente faz. Não tem pré-requisitos, viver. Não existem as coisas que são assim e pronto. Talvez a morte. O resto, o resto é pura invenção. Acontece que o Roberto era fatalista e eu era cheia de invenção. Por Que Você Continua Com Ele Então? Pela primeira vez ela fazia uma pergunta que fazia sentido. Por que? Eu olhava para os destroços de tudo aquilo e também não sabia responder. A essas alturas ela já estava encharcada de pena de mim. Eu também tinha um pouco. Queria me colocar na minha frente e me estapear dizendo Você Não Precisa Disso. Não precisava que alguém viesse me dizer que ele vem me traindo. Não precisava aceitar coisa alguma porque nada tem que acontecer de jeito algum. Meu coração destroçado em cima da mesa daquele café no centro e eu pesando quando foi que eu deixei que ele me destruísse assim. Nada está bem, nunca esteve. Ele, elas, nada disso eu mereço. Não mereço as condolências da estranha que vem me dizer que O Roberto Vem Te Traindo, porque ele nem faz questão de esconder. A Vida É Assim, e se eu me machucar, eu que lide com isso. A culpa é minha. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Por Que você Continua Com Ele Então? Eu tinha que responder a pergunta sem resposta cabível. Nenhuma resposta cabia nessa pergunta. Respondi a única coisa plausível. É Que Não Estamos Mais Juntos Você Não Ficou Sabendo? Ela me olhou com espanto. Mas É Que Eu Achei Que… Não Faz Muito Tempo Mesmo. Ela me olhou com olhos de alívio. É Que O Roberto Tem Me Traído E Eu Não Mereço Isso. Chumbo trocado também dói. Tinha cansado. A resposta da pergunta era simples: não havia porque continuar com ele. Meu coração destroçado ainda descansava em cima da mesa daquele café no centro de onde eu podia ver a cidade. Já podia me ver desmembrada em quarenta pedaços diferentes. Era como se tivesse passado um daqueles carros desgovernados que você não vê passando, só sente o impacto. Tinha sangue espalhado por todo o chão, mas eu ia sobreviver. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-33267212619140077272013-04-25T20:13:00.000-07:002013-04-25T20:13:57.149-07:00it's friday and I'm in love
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os últimos dois anos me envelheceram quinze anos.</div>
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você me olhava e sorria. </div>
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o seu sorriso me irrita porque você tem os dentes certinhos. dente de quem usou aparelho na infância. eu nunca usei aparelho na infância, não tenho os dentes certinhos e detesto sorrir em foto. sempre saio feia. você evita as fotos sempre que pode. mania besta, já pensei. hoje entendo. também não gosto muito de fotos. pelo menos comigo você tira. depois guarda. tenho uma pasta no computador com o seu nome. gosto das nossas fotos, mas o seu sorriso me irrita. me irrita porque você tem os dentes certinhos de quem usou aparelho na infância. eu não usei aparelho na infância e raras vezes sorrio. você diz que não tem porque, que o meu sorriso é bonito. na pasta das nossas fotos tem fotos minhas sorrindo. tem uma, em especial que gosto muito em que eu estou sorrindo pra você. você tirou quando disse que gostava muito do jeito que eu te olhava. a gente nunca sabe o jeito que olha pra uma pessoa, só tem uma noçãozinha. aí você tirou a foto. eu te olho de um jeito bonito. deve ser parecido com o jeito que você me olha. eu só gosto do meu sorriso quando ele sorri pra você. eu não tenho os dentes certinhos. </div>
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você me olhava e sorria e quando você sorri se formam rugas do lado dos seus olhos. </div>
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acho que você está ficando velho, mas pode ser só uma impressão. </div>
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acho que todos nós ficamos velhos dia a dia. os últimos dois anos me envelheceram quinze anos.</div>
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quando eu digo isso você sorri e diz que é bobagem. eu não fiquei velha coisa alguma, eu amadureci. acho engraçado quando você diz que eu amadureci porque você não me conhecia antes pra saber se eu era mais ou menos infantil. em todo caso, você tem razão. não sei se o amadurecimento envelhece a gente, mas acho que envelheci. me sinto cansada. você me diz o tempo todo que a vida cansa a gente. você tem seis anos a mais do que eu, e nem parece. quando a gente anda na rua ninguém pergunta. da primeira vez que você conheceu meus pais eles se assustaram porque você já tinha casa, carro, um gato e planos de investimento. ninguém percebe que você é velho, ninguém nota as rugas que já se formam quando você sorri. só eu sei das suas rugas. eu gosto delas porque elas aparecem quando você sorri pra mim. </div>
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você não é velho. eu sempre te digo isso e aí você desanda a contar episódios que não participei. as diretas já. o fato de você ter nascido num brasil ainda não democrático. toda uma história que existe e eu não vivi. você lembra de quando os ramones ainda não haviam acabado. nessa época, se muito, eu sabia uma letra inteira do sandy e jr. talvez nem isso. você ri e diz que eu sou uma criança. você também é, só que nem parece. </div>
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estamos sentados na sua cama e não assistimos tv porque isso nos distraí. </div>
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eu gosto muito mais de tv do que você, muito mais de livros do que você, e você entende mais de cinema do que eu. vemos muitos filmes e às vezes você assiste filmes na tv enquanto deitada no seu colo eu leio livros. eu não ligo quando você para a minha leitura pra contar uma cena, e você não liga quando eu paro suas cenas pra te ler um pedaço do livro. às vezes você desiste do filme e me ouve contar histórias. às vezes eu desisto do livro e vejo o filme com você. somos um casal besta como qualquer outro casal besta que pode acabar um dia porque não concordamos mais com a marca de leite que devemos comprar. eu sei que um dia você não vai mais achar meu café genial e eu não vou mais achar que o seu beijo é o melhor beijo de todos. você sempre me disse isso: que nada é eterno. eu concordei com você que eu não acredito em certezas. "uma escolha nunca é definitiva, ela está sempre sendo feita; razão pela qual o casamento é imoral". gostava dessa frase da simone de beauvoir antes de te conhecer, e quando te conheci me encontrei comigo mesma. achamos o casamento imoral mas cogitamos morar juntos. a vida é feita de ironias. </div>
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estamos sentados na sua cama e conversamos sobre a vida, desse jeito que fazemos sempre. </div>
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anos de diferença nos separam, mas eu sei que eu já sou você, só que mais nova. eu sei que de algum jeito já sou tudo isso que você pensa, já sou a moradora de um apartamento pequeno, mas bem decorado. já sou sozinha com meus gatos e não tenho sonhos de casar. eu olho no fundo dos seus olhos castanhos e enxergo os meus. quando eu te conheci e eu enxerguei coisas em mim que eu sempre soube que existiam, mas eu nunca tinha percebido. é como se você soubesse coisas sobre mim que eu já sabia, mas não tinha exteriorizado. </div>
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o nietzsche diz que o amor é uma espécie de egoísmo. eu amo tudo que você faz em mim, mas não te amo. </div>
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eu acho que te amo desde a primeira vez que eu te vi. lembro com exatidão de certas coisas sobre você. a roupa que usava, as músicas que tocaram no seu carro. posso narrar feito história de filme tudo isso que aconteceu com a gente. eu fingi que não te amei porque te amar não estava nos meus planos. você foi uma curva da vida, um acidente, uma pedra no meio do caminho. no meio do caminho havia você. no meu do teu caminho havia eu, pedra. foi você que me perguntou sobre paixão quando nos vimos pela segunda vez. eu não sabia o que te responder. você dizia que as coisas ou eram, ou não eram. eu te respondi que então era. era paixão. você me disse que vinha sentindo a mesma coisa, só que não podia ser naquela hora. era estranho. as coisas não tem hora certa pra acontecer, mas acontecem. eu era uma pedra no meio do seu caminho. no nosso caminho havia seu outro relacionamento. "eu gosto dela também, você entende?". entendo. entendo mesmo, sinto a mesma coisa. </div>
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você é tão pragmático que até seus dentes são certinhos. te imagino pensando que se os dentes eram tortos, é porque precisavam de aparelhos. aí usou o aparelho. eu pensei nas várias variáveis e acabei não usando. deixei pra depois. deixo tudo pra depois. até você eu deixei.</div>
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pragmático, segundo o dicionário, é "aquele que contém considerações de ordem prática". foi assim que você me quis e teve, foi assim que você decidiu em conversa rápida que me amava e não amava a outra, e aí eu concordei com você que eu te amava e ficamos juntos. você não me deixou relativizar e foi melhor assim.</div>
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<br /></div>
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hoje estamos deitados na sua cama e você encosta no meu ombro dizendo o quanto o seu trabalho é idiota, mas que não tem problema porque ele te dá dinheiro. eu sorrio dizendo que nunca pensei que além de gostar de um trabalho ele pudesse ganhar dinheiro. você me diz que a vida tem lá seus jeitos estranhos. </div>
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você me olha e sorri e eu acho que envelheci quinze anos nos últimos dois anos. </div>
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eu já tenho a sua idade e você não sabe. </div>
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você morde o meu pescoço enquanto eu falo e eu percebo que somos um casal besta como qualquer outro casal besta que divide a cama numa quarta feira à noite depois de um dia cansativo de trabalho. podemos acabar semana que vem, quando eu começar a achar essa sua mania de morder meu pescoço enquanto eu falo bem irritante. talvez ainda duremos dois ou dez anos e casemos, mesmo acreditando que o casamento é imoral. </div>
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confesso que já pensei que se eu tivesse que refazer a escolha, a escolha sempre seria você, mas acho isso um pensamento besta. acho que somos meio bestas quando estamos apaixonados, você me disse isso uma vez que me ligou no meio da tarde pra ouvir minha voz. você diz que eu tenho uma voz diferente quando falo com você, mas eu não sei que voz é essa. às vezes suas mensagens não fazem sentido algum, como aquela que pergunta se dostoiévski é um clássico porque tinham te perguntado se você gosta de clássicos. te respondi que era. você me replicou que não queria ser um desses caras que gostam de clássicos, mas certas coisas são inevitáveis.</div>
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<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
nós dois somos tão diferentes do resto do mundo, mas fazemos compras juntos e cantamos em uníssono as músicas que amamos nos shows das nossas bandas preferidas. nós dois viramos um clichê enorme todas as vezes que não queremos ser clichês. </div>
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<br /></div>
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você tem um jeito de me olhar que só acontece quando você me olha e eu te olho e sorrio de um jeito que só faço com você. eu só gosto de sorrir quando te sorrio e isso já faz de nós mais um casal besta no meio de um emaranhado de outros casais bestas, embora você nunca diga que quer ficar comigo pra sempre porque considera isso sem sentido. eu também considero então a gente não diz isso, mas diz </div>
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toda vez que diz que "você é a única pessoa com quem eu gostaria de estar agora". </div>
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você me olha e sorri e eu acho de um jeito besta que você é uma versão estranha de mim vivendo em outro corpo. </div>
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quando discordamos e eu gosto, penso de um jeito besta que você me complementa. </div>
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"eu gosto muito de conversar com você", foi nosso primeiro "eu te amo" não dito, depois de nove horas ininterruptas de conversa. </div>
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<br /></div>
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Eu odeio clichês, mas soube que eu te amaria da primeira vez que percebi que seus olhos formam rugas quando você sorri. Seu jeito de não acreditar na vida combina com o meu e me faz suspirar doído. Amor dói. Amor dói e eu odeio seus dentes certinhos.</div>
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<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Me olho no espelho do seu banheiro e te vejo me olhando de volta.</div>
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<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Sei que envelheci quinze anos nos últimos dois anos, mas você me olha e sorri com seus dentes certinhos e eu quase acho, besta, que eu envelheci tanto foi pra te encontrar. </div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Mas nós podemos acabar depois de amanhã, quando você detestar o fato de eu cantar sempre a mesma música. E então eu aproveito enquanto você ainda me sorri de um jeito diferente do que sorri pro resto do mundo. Você me olha e sorri. Por hoje, estamos a salvo.</div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-63078906777048782042013-04-20T00:20:00.004-07:002013-04-20T00:20:50.227-07:00Canção pra quando você voltar
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<div class="p1" style="text-align: right;">
<i>"E quando a noite passa por mim</i></div>
<div class="p1" style="text-align: right;">
<i>Eu rego o seu jardim</i></div>
<div class="p1" style="text-align: right;">
<i>Você já vai voltar"</i></div>
<div class="p1" style="text-align: right;">
<i>(Canção pra quando você voltar - Leoni) </i></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Seu avatar permanece na coluna esquerda mesmo em sua ausência. Jeito estranho que você tem de ser lembrado sem saber. Não precisava ter foto pra que eu me lembre que faz uns dias que você não aparece. Uns dias que você não me conta da sua vida e que eu não sumo. Eu reapareço, você some. Balé desencontrado das nossas pernas compridas. A vida tem poucos denominadores comuns. Longe de mim você tem seus afazeres, toda uma vida, uma casa, um quarto com uma janela que dá pra uma escola onde eu ainda lembro que as crianças usam calças vermelhas. Um dia presta atenção que o uniforme é feio. Todos os uniformes de colégio são um pouco feios, imagino que o seu também era, embora pouco saiba sobre você-criança que nasceu dois anos depois de mim, depois que nem existia mais muro de berlim e divisão das Alemanhas. Quando você nasceu o Pedro Bial já tinha voltado pro brasil e você tinha três anos na copa de 94, razão pela qual não deve ter imitado meio besta o galvão gritar "tafarel" (só se tiver memória falsa). Eu já tinha cinco anos e já sabia ler gibis da turma da Mônica, porque aprendi a ler muito cedo, porque aprendi várias coisas cedo demais e outras tarde demais. Você trabalha, e eu não. É por isso que às vezes penso se você tem muito o que fazer, quantos trabalhos pra entregar até segunda feira, quantas noites em claro, quantas olheiras, a quantas aulas você chegou atrasado? Quantos cigarros você teve que acender pra aplacar a tensão? Alguns vários, imagino, e às vezes ao ver fumantes lembro que você voltou a fumar e acho uma mania besta porque se você se visse fumando de longe ia perceber que não combina tanto assim com você, por mais que você tenha um ar descolado (que todos tentam ter, diga-se de passagem), ao acender e tragar essas milhares de substâncias tóxicas. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Os cigarros, assim como as garrafas de bebida as quais recorro semanalmente pouco podem fazer para melhorar a vida, que é, te digo, completamente inevitável e imprevisível. Não acho que você tenha paciência pros meus arroubos filosóficos. Não agora. Sei, que você tem muito a fazer, sempre muitos trabalhos e talvez nem tenha tempo de ler esse texto e todos os outros que vieram antes desse, mas é que eu sei - e você deve saber também - que os textos são feitos de intenção e pouco importa o tempo em que vão ser lidos, desde que eles sejam lidos. Em distância, essas palavras são sempre o que posso fazer por você. Talvez, e digo talvez como quem encara uma possibilidade (porque podia ser que sim, e podia ser também que não), se não houvesse distância entre nós eu soubesse mais dos seus trabalhos, dos seus textos, visse as suas olheiras e olhasse com ar de enfado todas as vezes que você acendesse um cigarro. Talvez também você não tivesse tempo pra sair, ou pra visitar a minha casa. Eu, que te faria um bolo, que sei fazer café coado, que ficaria te contando bobagens pra ver se te distraio e te ouviria, sempre atenta, contar das suas aulas intermináveis, dos seus projetos que terão de ser refeitos, dos seus trabalhos de prazos curtos. Ia até gostar da função de ouvir desabafos oferecendo bolo e café, talvez uma janta (e saiba que eu sei cozinhar, embora você nunca tenha provado da minha comida), talvez até contasse feliz os minutos antes de ouvir o interfone tocar já antevendo que era você a visita a aparecer cansado e com olheiras de quem não dorme direito faz dias, porque a vida nos açoita com o chicote das obrigações. </div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Eu também teria meus problemas pra contar, porque os trabalhos são chatos mesmo quando são bons e os professores de mestrado são desinteressantes mesmo quando são maravilhosos, porque a vida é chata na maioria das vezes. Passaríamos muito mais tempo no metrô e nos livrando de obrigações corriqueiras do que sendo felizes, mas há de se saber, depois de certo tempo vivido, que ser feliz é coisa que se faz nos intervalos e, às vezes, quando estamos distraídos. "Sentir é estar distraído", já dizia o Alberto Caeiro, o heterônimo campestre de Fernando Pessoa, que não sei se você gosta ou prefere o Álvaro de Campos, ou quem sabe o Ricardo Reis. Ainda há coisas que eu não sei sobre você, porque na verdade ainda guardamos a mania de nos encontrar corridos ou em lugares cheios de gente. Não que eu precise saber tudo, você também não sabe tanta coisa assim, mas às vezes fico pensando pequenas coisinhas sobre você. Essas pequenas coisinhas que às vezes pensava enquanto te via dormir porque seu ronco não me deixava adormecer. Onde será que estaremos daqui dois, cinco ou dez anos? Será que seremos escritores de sucesso, ou será que teremos vida besta de todo mundo, essa vida de acordar às sete da manhã e chegar em casa perto da hora do jornal nacional? Estaríamos juntos? Nos falando com regularidade? Nos odiaremos? Casaria eu com um homem que nunca nem havia aparecido na história e que cursa economia e que pouco lê? Estaria você com alguém otimista, sorridente, sem arroubos de desalento com a vida e que acredita em Deus e te pediria pra casar na igreja, ou pelo menos em presença de um padre? Invento histórias. Essa é a minha ocupação. Invento histórias pra mim e pra você, invento histórias bonitas e trágicas, invento você me fazendo feliz e me fazendo sofrer. Invento porque essa é a minha ocupação.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
E penso, o que será que você está a fazer quando some, e aí te imagino cansado, olhando com a mão segurando o queixo pro computador, limpando os óculos de quando em vez, saindo pra cozinha de vez em quando pra tomar água e comentando qualquer coisa com seu colega de casa que me odeia tanto quanto as pessoas de bem odeiam o marco feliciano. Leio as colunas do pondé e me pergunto se você gostou. Às vezes rio porque sei que sim. Guardo trechos de livros que leio pra comentar com você mais tarde. Guardo as minhas novidades pra te dizer mais tarde. Sei que logo também não vou ter tempo porque tenho um mestrado pra entrar, concursos pra fazer, uma vida inteira pra resolver. Aprendi a ler na copa de 94, mas sou lerda com o mundo. O mundo não me representa, você se dá bem melhor do que eu com ele. Ao menos você trabalha, e eu não. Trabalha e acende cigarros cuja fumaça não me incomoda porque estamos longe demais. Quilômetros e quilômetros, é como se houvesse um muro de berlim e cada um de nós estivesse numa parte da Alemanha. Um dia, eu sei, logo, parece, o muro cai. Não que isso seja parte determinante da história toda. É só um muro, afinal de contas. Estamos os dois dividindo a mesma Alemanha. Próximos, de alguma forma sempre estivemos assim meio perto. O resto todo é isso, é você que faz falta quando some porque de certas pessoas a gente tarda a esquecer. Saiba que fico aqui, de longe torcendo para que seus afazeres sejam cumpridos e que seu cansaço não te esgote demasiado. Fico escrevendo um livro que já odeio e que acho que continuo só porque você disse que um dia queria ler e mostrar pra todo mundo. Gosto de você, você sabe, é tudo que tenho a dizer por hora. E se você me pergunta "gosta como?" eu te replico com "gosto, ué" e fico assim achando chato às vezes não poder te chamar pra um café e depois te levar na livraria pra você me contar dos livros que gosta e eu ficar quietinha porque gosto de ouvir você falar. Fico achando chato não poder rir quando você olha no espelho e fica triste porque está ficando careca e vai ficar careca e daí quem sabe deixe de ser tão atraente para as mulheres - uma de suas grandes preocupações. Acho chato, e só.</div>
<div class="p2" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="p1" style="text-align: justify;">
Seu avatar permanece na coluna esquerda e eu sei que um dia você volta querendo que eu leia qualquer coisa pra saber se "ficou bom mesmo", e eu sempre acabo dizendo que ficou sim, exceto quando resolvo desgostar dos seus poemas e você diz, convencido e trouxa, que é ciúme e a verdade é que de repente percebo que parei de querer te guardar numa caixa ou num vasilhame ou seja lá onde eu queria te guardar pra que você não se fosse porque percebi que, assim como eu, você é um bicho chato e solto que só fica quando quer e vai embora quando a gente quer-que-fique. Então que seja, espero que seu dente do siso tenha parado de doer. Sei que dói porque te li, sei que você sabe de várias coisas sobre mim porque me lê e então deixo esse texto meio ruim aqui pra quando você voltar, que eu sei que você volta, que eu sei que a gente se sente as ausências mas não admite nada porque a gente é chato e solto, porque a gente gosta de inventar histórias, e que mesmo com olheiras fundas e afazeres a gente se torce e se admira, em meio a essa vida imprevisível e esse balé desencontrado das nossas pernas compridas. </div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-67991124508572047132013-04-18T01:50:00.001-07:002013-04-18T14:27:32.956-07:00canção de amor clichê para se cantar bêbado <br />
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Eu sabia que o diabo era a paixão. Diabo forte, demônio mesmo; encosto. A paixão devia ser exorcizada de todos nós antes que tomasse conta do corpo, fizesse o coração disparar, permitisse que a gente lembrasse da pessoa ao ouvir uma música ou ao ver alguém que anda de um jeito parecido com o dela. O diabo, se fosse um sentimento, seria a paixão. Paixão é ruína, é dor, é morte. Tudo vai bem antes dela, e se tudo der certo, tudo irá bem depois dela também. Amor é mais brando. Amor é calma, é tomar café da manhã junto, é ter certeza do estar. Paixão é urgência, é chato, é o coração pulando feito bateria de escola de samba, é um eterno olhar no celular pra ver se chegou notícia. A paixão é uma mensagem mal escrita que grita desesperada e cheia de erros de ortografia: "estou aqui!". A paixão é desajeitada, corrói, pede por cigarros, por mais chocolates, por uma dose de pinga antes dele chegar e você não saber o que dizer. A paixão é tonta, fica bêbada, tropeça nos próprios pés e descobre, sem ele ter dito, qual é o bolo preferido dele pra fazer numa ocasião descompassada. A paixão tem ciúmes, é muito amostrada, não traz paz e, se não descamba em amor, acaba na sua própria ruína. Eu sabia muito bem o que era a paixão. Tinha acabado de passar por ela e não queria mais. A paixão era o Diabo. E eu andava com uma cruz e sal grosso dentro da bolsa pro caso dela resolver atracar em mim de novo. "Paixão é coisa que mata", já dizia a minha vó, sábia e perspicaz, quando percebeu meu primeiro arroubo de paixão. Matar não matou, mas me deixou de cama por uns quatro dias enquanto ela me tratava a chá e bolo de fubá. "Essas coisas destrói com o coração da gente, fia". Ela tinha razão. Nunca soube se ela tinha sido apaixonada pelo meu vô ou se ela falava isso de alguma outra paixão que não pode viver pra que virasse amor. Em todo caso, seja lá como ela tinha aprendido isso, ela tinha razão: essas coisas destrói com o coração da gente.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Não vou em festas, não gosto de festas, evito festas, mas naquela eu fui. Fui enquanto repetia pra mim mesma durante todo o trajeto do táxi que não deveria ir. Torcia pra algum evento inesperado acontecer e eu poder enfim me convencer que eu não podia ir, era o universo que tinha dito que não. Pedia baixinho por acidentes, trânsito horroroso, chuva torrencial no meio do caminho, blitz, acabar a gasolina do táxi. Qualquer impropério servia. Não aconteceu. O taxista foi pelo caminho mais curto e não houve trânsito, blitz, acidentes e nem ao menos uma chuvinha dessas de fim de tarde. Tudo maravilhoso. Detesto ir em lugar que conheço pouca gente, eessa era uma daquelas festas em que eu não ia conhecer nem cinco pessoas. O porteiro atendeu simpático, acho que também um pouco cansado, porque imagino que deva ser um saco explicar pra todo mundo que "você entra naquela segunda porta lá, aí sobe o elevador, é o sexto andar, pode ir, ela tá esperando". Chega uma hora que você deve querer escrever num papel e mostrar pras pessoas ao invés de repetir pausadamente a mesma frase. Agradeci, entrei na segunda porta, abri o elevador, me olhei no espelho. Sempre me olho no espelho em elevadores, e raríssimas vezes me encontro sem essas olheiras profundas, sem a maquiagem um pouco borrada, sem o cabelo estranho. Também, não podiam esperar muita coisa de mim. Eu, fodida, conciliando mestrado e emprego, nada de tempo pra sair, um emprego de bosta desses que sugam a alma da gente e dão olheira. Tinha vindo direto, não dava pra esperar que eu estivesse deslumbrante. Além do mais, não gosto de festas, evito festas, nunca tem ninguém interessante e eu sempre acabo com aquele intelectual esquisitão meio bêbado que acaba te agarrando num canto depois de perguntar se é verdade mesmo que você viu "cenas de um casamento" inteiro. Vi sim, claro que vi, vi a versão estendida, dois dvds, quase cinco horas de filme. Sou mesmo genial, superculta, superlegal, e vi um filme enorme do Bergman inteiro. Se ainda fôssemos crianças, eu sempre replicaria esse povo que se acha melhor do que os outros porque viu tal filme com "grandes bosta". Era isso que eu falava toda vez que uma menina aparecia com a nova sandalhinha melissa antes das outras meninas. "Grandes bostas". Se vangloriar de ter visto um filme e lido alguns clássicos não é lá muito diferente de se achar legal porque comprou a nova sandália melissinha antes das outras meninas do colégio. Aliás, talvez a sandália melissinha tenha mais status-quo.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Sexto andar, avisto a porta: apartamento 606. Quase penso que devia dar meia volta e ir embora, mas daí também não, né? Já tinham me anunciado, já tinha gastado vinte conto de táxi pra chegar até ali. Agora que estava ali, ia. Toquei a campainha e Fernanda me atendeu solicita. "Ai, você veio, que legal!". Era sempre assim, sempre surpreendente quando eu ia mesmo numa dessas festas, e mais surpreendente quando eu não chegava quase no fim, bêbada e segurando outros três desconhecidos que eu encontrei no bar pelo braço. Fernanda era sempre a Fernanda. Receptiva, meio burra, mas cheia de amigos intelectuais. Nos conhecemos na faculdade, eu sou fodida e ela é jornalista de moda numa dessas revistas legais. A Fernanda mora num apartamento grande, desses que tem duas portas e que o porteiro tem que explicar como que faz pra chegar no elevador. Eu não vivo tão pior que ela, só que eu não gosto de apartamentos legais e gasto todo o meu dinheiro em livros que ficam empilhados pelo apartamento todo e em viagens para lugares que ninguém faz muita questão de ir. Eu e a Fernanda somos muito amigas, embora eu deteste bastante as festas dela e os amigos dela, principalmente os que mexem com moda. É um povo pedante. E sempre tem um, ou vários intelectuais esquisitos que acabam se atracando comigo no canto da festa ou no quarto da Fernanda depois de eu vomitar cinco ou seis referências interessantes que eu tenho porque tenho. A Fernanda inveja um pouco minha vida, mas sempre fica falando que eu devia ter um namorado e, não raro, ela me apresenta uns caras amigos dela que "tem tudo a ver com você". Nunca tem, sempre uns caras péssimos, uns caras que usam chapéu ou suspensório e aí eu acabo ouvindo deles sobre uma peça "ma-ra-vi-lho-sa" que estreiou em um desses espaços culturais meio alternativos, ou senão sobre uma nova poetisa "en-can-ta-do-ra" que tem uma "literatura fortíssima" e que é sempre uma merda, essas poetas da nova geração são todas horrorosas, eles que não sabem. Mas daí não falo nada, até concordo, cito uns versos e a gente acaba se agarrando, indo pra minha casa e depois eu nunca mais ligo pro cara. Fernanda me dá bronca posterior dizendo que "ai, poxa, ele tinha gostado de você". Não tinha. Eu nunca gostaria da literatura fortíssima de poeta contemporânea nenhuma, e ele tinha gostado dessa menina, mas a vida é sobre fingir um pouco, também. </div>
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<br /></div>
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Fernanda me oferece uma bebida, me bota pra sentar no sofá, aquele monte de gente. Deviam ter umas quinze ou vinte, e eu só conhecia o de sempre. O marcelo, que era gay e os amigos do marcelo, sempre um pouco chatos, mas engraçadinhos. Acontece que dessa vez tinha um elemento estranho na festa chata da Fernanda. Um cara, lá do outro lado da sala tinha uma rodinha de gente perto dele. Imaginei logo que devia ser algum papo chato sobre um novo escritor que eles tinham descoberto, ou sobre um novo conceito de moda, que é sempre um cara que diz que vai fazer moda sustentável e contrata uns bolivianos pra costurar os tecidos orgânicos pra ele no fundo de fábrica, mas as pessoas acham incrível. Não era. Cheguei perto e o tal menino falava sobre a pec das empregadas. Dizia meio alterado que é uma bobagem que se ache que elas não precisam de direitos. Daí ele tava explicando que pagava junto com os pais dele a aposentadoria da empregada dele. Eles contribuíam lá com uma quantia x pra que ela tivesse direito a se aposentar, até porque ela já vinha ficando velha e não ia ter condições de trabalhar tanto tempo mais. Ele parecia o único lampejo de vida inteligente na festa da Fernanda nos últimos sei lá, cinco anos. Suspirei fundo. Não queria ouvir mais nada porque das duas uma: ou aquele era o único lampejo de sobriedade dele e, minutos depois, ele começaria num papo sobre o quanto os artistas contemporâneos são maravilhosos, ou eu me encantaria por ele e minha vó já tinha alertado que "paixão é coisa que mata". O diabo era se apaixonar. Não dava, não podia, e eu nem acreditava nisso de destino. A vida é um negócio inevitável que quanto mais você tenta controlar, mais a lógica escapa pelas mãos. Através desse raciocínio, não fazia o mínimo sentido a sensação que eu tive quando ele cruzou seus olhos castanhos nos meus. Era uma terrível sensação de inevitabilidade: se eu conversasse com aquele cara, fatalmente eu me apaixonaria por ele. Apaixonaria de um jeito terrível, de ruína mesmo. Me apaixonaria sem volta e sem escape. E não podia: essas coisa destrói com o coração da gente. </div>
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<br /></div>
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Resolvo que vou ficar sentada no sofá e que não vou puxar assunto, não vou oferecer bebida, não vou perguntar pra ele se ele já provou aquele salgadinho de queijo porque eu queria muito provar, mas vai que não é bom, a gente nunca sabe esses salgadinhos de festa, né? Não ia. Além do mais, ele era um desses caras bonitos, sabe? A barba grande, ruivo, a camisa xadrez, o tênis estilosinho. Ainda vinha com essas idéias meio intelectuais, meio de esquerda e então já tinham pelo menos umas sete meninas na fila inevitavelmente apaixonadas por ele, aquela altura do campeonato. Peguei uma cerveja, uns salgadinhos estranhos que acho que eram de tomate seco. Eu nem gosto de tomate seco, mas festa tem mania de tomate seco. Tomate seco e rúcula, péssima combinação. Peguei o salgadinho, a cerveja, sentei perto da sacada e resolvi que ia ficar lá pra sempre, até algum chato vir puxar conversa comigo e eu ter que concordar que, realmente, bela poetisa essa da nova coletânea de novos poetas, "poemas fortíssimos". Ele não viria conversar comigo, e eu estaria a salvo. Ou ele viria conversar comigo e falaria qualquer asneira e eu não me apaixonaria mais por ele. Ia ser somente uma impressão falsa e tola de uma pessoa que no alto de seus vinte e cinco anos, já deveria ter parado de acreditar em coisas vagas como "sexto sentido" "sentimento ruim" "inevitabilidade das coisas". Olhava São Paulo da sacada da Fernanda. De cima parece a cidade mais habitável do planeta, apesar da gente não ver estrela nenhuma. de cima não tem trânsito, não tem mendigo te pedindo dinheiro na rua, não tem gente alternativa fazendo protesto no vão do masp. De cima é calma, luz, e um ar gostoso de comecinho de noite - sempre um pouco frio. </div>
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<br /></div>
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<div style="text-align: justify;">
Penso que estar sozinha do meio de um monte de gente é uma das formas mais genuínas de solidão. Penso e suspiro, olhando São Paulo, mais de cinco anos que moro aqui, desde que vim cheia de esperança do interior fazer faculdade de jornalismo. A vida é mesmo inevitável e acho que eu nunca ia pensar que acabaria como jornalista de economia num dos jornais mais caretas do país. Eu esperava coisas mais emocionantes, ser correspondente internacional, cobrir o caderno de cultura, fazer crítica de cinema, crítica literária, roteiro gastronômico. Nada disso. Sexta feira à noite e eu tinha acabado de fechar uma matéria sobre a alta de juros. Tudo sempre em tom fatalista. Os leitores ainda acreditam em esquerda e a gente nunca pode deixar de lado o caráter fatalista das decisões de um governo de "esquerda". O jornal careta, eu e todo mundo sabe (ou devia saber) que nem existe isso de esquerda, mas a gente tem que fingir. Aos vinte cinco anos, fingir era o que eu sabia fazer de melhor. </div>
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<br /></div>
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<div style="text-align: justify;">
"Tem alguém sentado aqui?". Saco, já tinha vindo um pentelho acabar com a minha solidão. A Fernanda, a Fernanda bem que podia chamar menos homem solteiro pra essas festas. Eu que não devia ter vindo. Devia estar em casa pedindo pizza e vendo filme na tv. Mas não, quis vir. Lá vai eu me atracar de novo com um intelectual de suspensório. Podia pelo menos esse não gostar de literatura contemporânea. Prefiro os que gostam de cinema nacional. Cinema nacional é quase sempre ruim, mas a gente sempre consegue conversar sobre o eduardo coutinho, se tiver alguma sorte. Daí é melhor do que falar sobre as novas caras de literatura contemporânea. Se bem que às vezes eles querem falar daquele tal de matheus, que faz uns filmes ruins e aí eu prefiro a literatura contemporânea. "Barba ensopada de sangue". A gente vive num país em que esse é o livro mais aclamado pela crítica. E pelos intelectuais da festa da Fernanda. Virei pro lado já psicologicamente preparada pra aturar uma conversa chata sobre intelectualidades diversas, quando olho pro lado e é ele. Ele, aquele dos olhos castanhos, que pagava aposentadoria pra empregada. Ele era mais bonito de perto. Saco. Eu acho que eu podia me apaixonar por ele, se eu não evitasse ao máximo.</div>
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<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Não tem ninguém sentado aí, não". Ele sorriu. Tinha os dentes certinhos. Daqueles dentes de aparelho. De perto ele era uns dois centímetros mais baixo que eu, e tinha umas ruguinhas de expressão do lado dos olhos. Acho que é porque ele era muito branco. Velho ele não aparentava ser. No máximo uns trinta e dois, mas isso já não era velho quando se tem vinte e cinco. Engraçado isso, quando chega essa idade em que gente com mais-de-trinta não é mais velho. "Por que você tá sentada aí? Toda a festa tá acontecendo pra lá". Bem, ele ainda podia ser desses caras que gostam de festa e que não gostam de gente sozinha. Devia ser uma impressão tola, eu não ia me apaixonar por ele. "Não gosto de festas, não venho a festas e prefiro estar onde a festa não está acontecendo". Ele sorriu. Sorriu como quem sorri pra aquelas crianças que dizem bobagem. Sorriu como quem sorri pra uma criança que não sabe nada da vida e jura de pés juntos que as nuvens ainda são feitas de algodão. Sorriu com um jeito de quem faria um cafuné na minha cabeça e depois diria "vocês crianças tem cada idéia". Não disse isso, mas foi quase. "Então você ainda está naquela idade de odiar festas, convenções sociais, os papos das pessoas e prefere se isolar no seu mundo, esse, extremamente mais interessante?". Disse e levantou a sobrancelha. Os olhos eram bem castanhos mesmo e ele tinha um sorriso certinho de aparelho. O diabo mostrava seu tridente e eu sabia que qualquer resposta que eu desse a ele ia soar estúpida. Eu, perto dele, era estúpida. Visivelmente estava lidando com um daqueles caras terríveis que não só parecem, mas são mais inteligentes que você. Ele era. Dois passos pra frente e era o abismo. Eu podia me apaixonar por ele. "Não é exatamente isso, mas também pode ser. Os vinte e cinco anos trazem consigo alguma prepotência, talvez uma certa enjoança. Mas eu gosto de ficar sozinha". Ele sorriu baixinho. </div>
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<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Te entendo, também gosto". Sorri também, mas preferi parar de olhar pra ele, pros tais olhos castanhos. Melhor assim. Quem sabe ele enjoava do assunto, levantava, ia pra "onde a festa está acontecendo" e tudo bem. A vida é imprevisível e não acontecer nada entre nós era tão possível naquele momento quanto casarmos três anos depois e ter um filho. Tudo pode. Só que ele não parou.</div>
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<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Já percebeu que São Paulo aqui de cima parece uma cidade extremamente habitável?"</div>
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<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"A cidade mais habitável do mundo, talvez, estive pensando antes de você chegar"</div>
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<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Daqui de cima não tem trânsito, nem mendigo pedindo dinheiro, nem taxista louco que anda na contramão. Nem tanto barulho. O chato é que não tem estrela. Lá no interior, onde a minha vó mora, dá pra ver as estrelas. Mas eu nasci aqui. Pra mim, ver estrela é um luxo de férias. Quando será que foi que a gente achou aceitável ver estrela no céu como luxo de férias?"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Pra essa gente de São Paulo, todas as outras cidades são interior. Lá da onde eu venho a gente fala "cidadezinha" "outra cidade", mas interior mesmo é lugar que tem vaca, boi. Ele era paulistano. Paulistano que doía o sotaque. O jeitinho, todo paulistano. Devia morar em moema. Esses paulistanos assim sempre moram em moema. Quem vem de fora não sabe pra onde ir e vai morar em perdizes onde tudo é caro e as padarias cobram cinco reais por um pão de queijo. Mas é perto do metrô. Eu já morei em perdizes, agora morava perto da paulista porque era perto do trabalho. Morar perto do trabalho é uma exigência pros paulistanos sem carro e eu era uma interiorana sem carro. Da onde eu venho dá pra ver estrela. Queria eu sentir saudades das estrelas de lá.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Não sei quando foi. Da onde eu venho dá pra ver estrela. Acho que devo ser do interior, também"</div>
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<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Ele sorriu com os dentes certinhos e chegou com a cadeira mais perto. Quando ele sorri, aparecem umas ruguinhas do lado do olho, mas não acho que ele seja velho. Deve ter no máximo uns trinta e dois anos. Também não convém perguntar.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Deve ser bom não ter estrela como luxo de férias, acredito eu. Mas deve ser chato não ter mercado vinte e quatro horas. A gente paga o preço das coisas, você não acha?"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"O preço da cidade onde tudo acontece é não ter estrela"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"É um preço meio caro, se você for ver. Mas o preço de tudo é um pouco caro. A gente paga o preço das escolhas que faz, as coisas tem conseqüências. Tudo tem"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Agora eu já olhava pros olhos castanhos dele e ficava bastante receosa. Ele dizia as coisas com uma certeza estranha. Uma certeza de quem sabia do que estava falando. Os olhos castanhos eram mais castanhos que os meus, quase pretos. E no meio da barba ruiva dava pra ver uns pelos loiros, perdidos. Podia ouvir o diabo chegando e a minha vó dizendo que paixão é coisa que mata. Talvez eu só estivesse acreditando num desses sentimentos vagos que a gente acredita de vez em quando. Talvez eu devesse ter evitado mesmo aqueles olhos castanhos.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Por exemplo, você ter sentado aqui ao invés de continuar na festa tem o preço de você não estar aproveitando a festa e acabar ficando com os salgadinhos ruins e a cerveja quente"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Mas tem a vantagem de ter te conhecido. A vantagem de não aguentar gente chata. A vantagem de olhar esse céu sem estrela"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Sorri, mas eu não tinha os dentes certinhos. Certamente ele não me achava genial, ou coisa assim. Eu era mais uma. Ele deve conhecer várias meninas interessantes todos os dias. Tem esse jeitinho dele de paulistano, de quem sabe puxar conversa. As frases, todas as frases bem colocadas. As ruguinhas do lado do olho quando ele ri achando graça de verdade. O diabo. O diabo era ruivo. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Na sacada da Fernanda faz frio, e eu sempre insisto em ir às festas de vestido. Ele colocou a mão na minha coxa numa tentativa esperta de aproximação. Devia estar acostumado. Deve ser uma cilada sem fim.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Você parece estar com frio"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Tenho essa mania besta de vir de vestido em todas as festas e esquecer que faz frio em São Paulo de noite"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Gosto de mulheres de vestido"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Não uso vestido porque os homens gostam, uso porque não gosto de sair de calça de noite. Frescura minha"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Não sei porquê, mas desconfiei que você ia me dar uma resposta dessas. Divide a conta do motel também?"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"E a do restaurante"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Mais um exemplar dessas horrorosas mulheres feministas que acham que tem o direito de ser donas da própria vida"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Eu fiz um olhar de indignação, mas eu sabia que ele não era machista. Era piada, uma dessas piadas bem feitas. Ele me sorriu com as ruguinhas do lado do olho. Eu gostava das ruguinhas. Colocou a mão na minha coxa mais uma vez e passou a mão no meu cabelo.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Você sabe que eu fui canalha só pra provocar, né? Gosto desses exemplares horrorosos que acham que tem o direito de ser donas da própria vida. Tem que ter coragem pra ser mulher e ser assim, não sei se eu teria"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
Eu sabia. Sorri.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Desconfiei que tinha sido piada, e é bom que tenha sido. Caso contrário levantaria e iria embora"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Não esperaria outra postura. Gosto de você"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Ele era rápido. Provavelmente nem tinha gostado tanto assim de mim. Eu gostava dele. Dos olhos castanhos, da ruga do lado do olho, do jeito de sorrir com os dentes certinhos. Gostava da barba que tinha fios ruivos e do jeito dele de pegar no meu cabelo. O diabo. Aquilo era o diabo.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Também gosto de você"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
Sorrimos.</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Tenho una proposta estranha pra você e você tem todo direito de não aceitar ou de sugerir outra coisa, mas é que eu acho que você é o tipo de pessoa que aceitaria esse tipo de coisa, e não entenda tipo aqui como "tipinho", mas, enfim. Essa festa tá chata, essas pessoas são insuportáveis, a comida já acabou. Eu gostei de você, você gostou de mim. Eu moro sozinho e acho que você também, mas escolher a casa de um dos dois é deixar um território conhecido pra uma das partes. E se a gente fosse agora pro motel, pagasse uma pernoite e fizesse o que a gente tivesse vontade? Eu quero dizer, ao chegar lá a gente conversa, ou a gente faz sexo, ou a gente faz sexo e depois conversa, ou a gente faz sexo e não conversa nada, ou a gente só conversa. Eu gostei de você, eu tô com meu carro. Eu deixo você pagar metade"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Pronto. Não pode aparecer um cara legal que ele vem com proposta estranhona. Motel. Agora o cara quer me levar pro motel e diz que a gente pode ficar a noite inteira conversando. Nada faz sentido. Se bem que, ele podia ter me mandado pra casa dele e na casa dele sim ele podia fazer o que bem entendesse comigo. No motel dá pra gritar, né? Esmurrar a porta. Além do mais, a Fernanda só chama gente que ela conhece pra casa dela porque morre de medo de assalto. Ela não ia chamar um louco que estupra meninas no motel e rouba as carteiras delas. Não ia ter como. Ele parece ser o último lampejo de vida inteligente, eu sou uma mulher livre. Sou? Não sou? Livre? Será? Ir parar no motel com um cara desconhecido só porque ele tem essas rugas bonitinhas do lado dos olhos e por causa desse sentimento besta de que eu ia me apaixonar por ele? Diabo, já está acontecendo. Eu tô cogitando ir. Ninguém em sã consciência faz uma coisa dessas. Imagina a manchete? Jornalista de economia do jornal careta de São Paulo é encontrada morta em motel. Minha mãe ia ficar louca. Coitada. Acha que a filha tá trabalhando sério em São Paulo e ela tá indo pro motel com desconhecidos. Dane-se, vou. O número da polícia tá na discagem de emergência. Morro de medo de estupro. Eu não ia morrer.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Tudo bem, eu vou confiar em você. Vamos"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Ele sorriu e dessa vez as rugas apareciam mais. Acho que ele parecia feliz de fato. Demos tchau pra Fernanda, que me olhou com aquela cara de "espero que dessa vez dê certo". Eu não sabia dizer. Entramos no carro dele e ele comentou que eu parecia assustada. "Acho que nunca fiz isso antes". "Se te tranqüiliza, eu também não". Sorrimos. A rádio do carro tocava Smiths. Eu gosto de Smiths, ele também. Nós dois gostamos muito do Thom Yorke, e ele não gosta muito de literatura, menos ainda da contemporânea. "Li umas coisas, mas não sou louco de livros, não". "Você tem cara de quem lê bastante". "Leio". Ele gostava de filosofia, mas encasquetava com o Nietzsche. Eu preferia o Sartre, embora soubesse que o Nietzsche é muito mais interessante. Os gostos, às vezes, não fazem muito sentido. Ele não vomitava referências, mas tinha um jeito lúcido de falar sobre qualquer coisa. Riu do meu jornal careta. "Lá eles acreditam em esquerda, né? Mas são de direita". Era engraçada a voz que ele fazia quando estava sendo irônico. Era um tom de voz. Uma coisa dele. "Eles não acreditam em nada, quem acredita são os leitores". Ele sorria e as rugas apareciam. "Se eu te contar que eu vim ver o Nirvana aqui, isso mostra que tem uma lacuna enorme de tempo entre nós?" "Depende com quantos anos". "Doze". "Ninguém vai ao show do nirvana aos doze anos". Ele me olhava com uns olhos de desprezo. "Você tem uns conceitos muito formados, sabe? eu vim, meus pais me trouxeram". Agora era eu quem sorria. O diabo,ele era o diabo. "Tenho trinta e um anos, e você?" Vinte e cinco, a lacuna temporal entre nós podia ser enorme, mas ambos estávamos vivos quando caiu o muro de berlim". "Exceto pelo fato de que eu já jogava bola e você mal sabia formar na cabeça o conceito que alemanha era um país". </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Eu não devia ter continuado a olhar para aqueles olhos castanhos pela razão que agora ficava muito clara. Dois passos pra frente e era o abismo. Ou o motel. Os motéis são sempre iguais com aqueles quartos com ou sem piscina, com aquelas duchas estranhas, seus monte de botões. A rádio do motel tocava uma músicas legais. Depois percebi que era porque a gente tinha colocado na mesma do carro. Ele abriu o frigobar e me ofereceu cerveja. Bebemos. Eu parecia conhecer ele há anos. Tantos anos que até os silêncios não traziam mais constrangimento. Anos, talvez uma outra vida se eu acreditasse nisso. Mas não acreditava. A vida é inevitável. E imprevisível. Tudo que eu sabia é que eu estava numa cama branca de motel com um semi desconhecido. E depois de comentar sobre todas as estranhezas de um quarto de motel "é muito botão, eu fico confuso", nos beijamos.</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Talvez se a gente fizer sexo logo e uma vez isso diminua a tensão sexual da conversa"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
Deve ter sido a coisa mais idiota que eu já disse, mas ele sorriu com as rugas bem aparentes e isso era sinal de que ele tinha achado engraçado. Sexo é sempre sexo, mas esse tinha alguma coisa de especial. Parecia que, de algum modo, ele já sabia o que fazer. E eu sabia também. Então sabíamos. Sabíamos e fizemos. Não sei precisar com certeza quanto tempo depois, estávamos os dois debaixo dos lençóis do motel conversando. Ele parecia arranjar muitos assuntos e eu tinha a estranha sensação de que a cada vez que ele falava alguma coisa em mim renascia. É como se ele me conhecesse partes a mais do que eu já conhecia. É como se quando ele falasse eu pudesse entrar em contato com aquilo que eu sempre fui. É como se ele conhecesse partes de mim que eu ainda não tinha visto. Era como se reencontrar. Com o quê, exatamente, eu não sabia. Acho que ele não sabia também, mas continuava falando. "Gosto de você", ele dizia e sorria com as rugas do lado do olho aparecendo. Será que quando eu tiver trinta anos também vou ter alguma ruga? Será que quando eu tiver trinta anos ele ainda vai estar presente na minha vida de algum jeito? Eram algumas das várias questões que eu não sabia responder. Algumas ele respondia. Outras era eu. Às vezes ficávamos os dois pensando em questões que nunca vão ter resposta. </div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Você acredita em destino?"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Não. Acho que é uma justificativa que as pessoas arrumaram pra não ter que ter a responsabilidade pelas suas escolhas"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Fico pensando que é um jeito de juntar os acontecimentos de modo que eles façam algum sentido"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Isso também, é mais fácil jogar pro universo a responsabilidade"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
"Isso aqui é o que, se não é destino?"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
<div style="text-align: justify;">
"Minha escolha, sua escolha e a vida acontecendo. A vida é imprevisível. Não dá pra saber o que vem desse encontro"</div>
</div>
<div class="p2">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="p1">
"Gosto de conversar com você"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
"Também gosto. Por enquanto, essa é uma das certezas desse encontro"</div>
<div class="p2">
<br /></div>
<div class="p1">
"Mas amanhã a gente pode odiar conversar um com o outro"</div>
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"Sempre pode"</div>
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Ele me olhava com aqueles olhos castanhos e passava a mão no meu cabelo. Eu podia ouvir a minha vó dizendo que "paixão é coisa que mata". Eu sabia que tinha alguma coisa de diferente nele. Alguma coisa que tinha nascido e eu não sabia o que fazer. Era como se eu conhecesse ele de anos atrás. Era como se eu soubesse que teria que ser ele. Mas eu não acredito em destino. Nem ele. Então não podia ser nada. Eu só sabia que se eu fosse pedir alguém, nessas listas bestas que a gente faz de "homem ideal", talvez nem eu soubesse que queria era um homem tipo ele. Eu nunca pediria rugas do lado dos olhos que aparecem quando ele sorri. Também não pediria fios loiros na barba ruiva. Talvez escolhesse alguém mais alto. Meu primeiro encontro ideal não aconteceria no motel. Se eu tivesse idealizado, ele nem teria olhos castanhos. Talvez gostasse mais de literatura. Talvez me abordasse com uma conversa qualquer sobre o livro que eu estava lendo. Mas era isso, afinal. Com ele eu era eu. Ele veio trazendo coisas que eu nem sabia que eu queria. Tinha de ser daquele jeito. Dois passos pra frente e eu caio no abismo. Eu sabia que a paixão era o demônio, era encosto. Eu via ele dormir encostado no meu ombro e sabia que eu não devia ter continuado a olhar naqueles olhos castanhos que eu preferia que fossem azuis. </div>
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A paixão é desajeitada, e eu não vou saber o que dizer pra ele quando ele me deixar em casa. Nem como começar uma nova conversa. Nem ser engraçada e dizer que eu quero ir no cinema e pagar nossos ingressos. A paixão vem como coisa estranha que faz a gente querer chocolate e cigarro, que faz a gente andar de um lado pro outro esperando que exista palavra e horário certo pra se mandar uma mensagem que sempre vai chegar em hora inoportuna e com erros de ortografia. Vou olhar da sacada de casa e lembrar dele me falando de São Paulo sem estrelas. Capaz de eu baixar um disco do nirvana e rir pensando como raios uma criança de doze anos vai num show de rock desses gritando "rape me rape me". Ele já chutava bola quando caiu o muro de berlim e eu nem conseguia formar a idéia de que a Alemanha é um país. Ele nasceu em São Paulo sem estrelas e eu nasci no interior vendo estrela todo dia antes de voltar pra casa. Mesmo assim nos encontramos. Podia não ter acontecido. Tem muitas coisas que eu não sei sobre ele, mas enquanto ele dorme encaixado perfeitamente no meu ombro eu sinto que conheço ele há séculos. Soube desde o primeiro olhar, mas eu não acredito em paixão a primeira vista. Fico querendo encontrar sentido nele e em mim, torcer pra ser feito do destino e ele ser uma daquelas coisas que tem-que-ser porque o que tem-que-ser sempre vinga, só que já não sou esperançosa assim. Só sei que a paixão é o diabo e que o diabo está se apossando do meu corpo. Mas a vida é imprevisível e amanhã a gente pode odiar conversar um com o outro. Sempre pode. Nós odiamos isso na vida, a imprevisibilidade. Eu só tinha uma certeza: essas coisas destrói com o coração da gente. </div>
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Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-64025338580135308122013-04-14T20:44:00.001-07:002013-04-18T15:06:29.005-07:00carta aos olhos de um pai <div style="text-align: justify;">
Pai,</div>
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Pai, você está no quarto do lado, já quase adormecendo (ouço seus roncos daqui), e eu não fui te dar beijo de boa noite nem desejar boa sorte na sua cirurgia porque não sei falar assim tão bem com você, nem te desejar essas coisas sentimentais que você nunca me ensinou. Você, pai, sempre forte, sempre seco, nunca me disse "eu te amo", exceto quando ficou doente de depressão e, por algum desequilíbrio químico, perdeu a vergonha de me abraçar em público e me perguntar da minha vida. Você, pai, está prestes a entrar naquela sala de cirurgia pela terceira ou quarta vez e eu já não sei o que esperar de você, dos médicos, dos seus olhos, da gente. Vou mandar pela mãe um "boa sorte", vou chegar descompassada quando você já estiver no quarto e te dar um abraço desajeitado como são todos os nossos abraços. A mãe, sempre ali, sempre intermediando as conversas que não sei ter contigo e que você não sabe ter comigo, embora tenhamos melhorado um pouco de uns tempos pra cá.</div>
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É muito difícil ser seus olhos, pai.</div>
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É muito difícil ter que te guiar pela cidade, te mostrar quando estão ou não estão vindo os carros, sobressaltar o coração a cada vez que eu distraio um pouquinho e não vejo que você já deu dois ou três passos sem mim. É muito difícil tudo isso, que eu prefiro não contar pra ninguém porque ninguém nunca viu o pai perdendo a visão e não entenderia. Meus problemas são meus. Nossos problemas são nossos. Me lembro do dia em que você acordou sem enxergar quase nada, e disse que uma folha escrita estava em branco. Fui chorar no banheiro, baixinho, e naquela hora, mesmo que eu não esteja certa sobre deus ou coisa assim, eu implorei com toda a fé que ainda existe (mesmo sendo pouca) pra que você não deixasse nunca de me enxergar. Deixou. Por vezes eu vejo que você não me vê sentada na sala, e procura com olhos meio mortos qualquer movimento que eu venha a fazer. Você me conhece por vulto e voz. São tantos altos e baixos. No fim do ano, quando você ficou quase bom eu achei que conseguiríamos respirar. Achei que finalmente seus jogos de loteria seriam de novo seus e que eu não precisaria mais ter a função chata de te acompanhar quando você sempre preferiu ir sozinho. Não que eu não goste. A rotina de dividir café com você acabou me deixando mais próxima, e qualquer proximidade na nossa relação estranha há de ser comemorada. Mas você é como eu, pai. Não gosta de depender de qualquer outra pessoa que não você mesmo.</div>
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Pai, eu fico esperando que logo você possa viver pela cidade sem mim e sem a mãe. Não porque não gostamos da sua companhia, mas sim porque eu sei que você prefere ser bicho solto na vida. Eu sou bicho solto na vida e entendo a sensação. Vez ou outra vou em lugares que lembro que você me deixava de carro e entristeço. Me entristece o mausoléu que virou nossa garagem. Você entrando vez ou outra nos carros pra que eles nunca deixem de funcionar, mas sabendo que não mais os dirigirá, que não mais xingará os maus motoristas da nossa cidade, que não mais me buscará três da manhã na casa de nenhuma amiga minha. Me entristece os jogos que você não pode mais fazer sozinho, o fato de você ter que assistir o futebol ao invés de jogar, o jeito sem focar com que você me olha. Temos que ir acostumando. Acostumando com seu jeito que agora enxerga o todo e esquece os detalhes. Com seu jeito de ver meio embaçado, com as coisas que pra você não existem. Não existem pra você os carros no escuro, os preços do mercado. Não existem diferenças claras entre pêssego e ameixa. Você segue pelo rumo, pelo pouco que vê. Eu te sigo preocupada, querendo que algum dia isso tudo passe e que você volte a enxergar pelo menos tudo aquilo que ama.</div>
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Eu queria muito que depois dessa cirurgia você voltasse a ver com mais clareza, que você não precisasse depender de mim e da mãe (que eu sei, às vezes parecemos cansadas e impacientes), pra ir fazer suas caminhadas de uma hora e quinze. Eu queria que você conseguisse preencher de novo seus jogos da loteria, que conseguisse ir todos os dias ao centro pra resolver suas urgências, que a gente sabe, nem são tão urgentes assim, mas que são as suas. Eu queria que se olhar focasse de novo, que você conseguisse perceber as diferenças das nuances do meu cabelo que vive mudando de cor. Eu queria que você fosse melhorando a ponto de conseguir perceber no seu futuro neto (se um dia você tiver um), os pequenos traços que ele com certeza vai herdar de você. Eu queria que você achasse minhas roupas estranhas, e que voltasse a escolher presentes que eu não gosto no meu aniversário. Eu queria nunca mais ter que digitar a senha do seu cartão de crédito. Eu queria que você conseguisse ler esse texto, porque eu sei, eu sei pai, que essas são coisas que eu não vou te dizer assim, pessoalmente. Você não me ensinou, eu não aprendi. É dessa carência de saber dizer que surgiu essa minha necessidade besta de escrever. Você só leria isso se eu pudesse deixar essa carta escondidinha embaixo do seu travesseiro e você lesse ela enquanto eu estivesse fora de casa, depois não comentasse nada comigo. E não ia precisar dizer. Seu silêncio diz. Seu silêncio diz que você me ama mesmo quando eu não sou a melhor filha do mundo e é nesse silêncio que eu queria que você soubesse que eu ficaria cega de um olho inteiro se fosse pra você voltar a ver mais ou menos bem dos dois que já não executam tão bem a função.</div>
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Ah, pai, enquanto você dorme no quarto do lado eu me desespero em silêncio pra que você não ouça. Pra que você não saiba. Porque eu sei que você sofre mais quando eu sofro também. Eu sei que pra você é mais fácil pensar que eu não ligo muito, que eu vivo nesse meu mundo a parte, nesse computador que eu não largo Então eu finjo. Finjo que é fácil, que eu tirei de letra, que isso nem me abala tanto assim. Por dentro eu sangro. Enquanto você dorme no quarto ao lado eu torço pra que depois dessa vez você venha melhorando sempre e que a nossa vida fique mais fácil. Nossos olhos tem nos dito tanto. Os seus olhos que veem pouco, os olhos cansados da mãe, os meus olhos tristes. No fundo desses olhos todos, pai, eu sei que tem amor. Pai, eu sei que apesar das vezes que eu canso, eu não me arrependo nem um pouco de ter ganhado a função (ainda que a contragosto), de ser seus olhos. Eu só queria não mais os ser porque eu quero que você enxergue o mundo do jeito que você sempre viu. Através de mim ele é incerto. Através de mim ele é outra coisa.</div>
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Pai, enquanto você dorme no quarto do lado eu vigio e rezo, até rezo, pra que tudo isso passe, pra que você enxergue, veja, transveja. Eu fico torcendo baixinho pra que um dia você possa ler tudo isso que eu queria te dizer e não sei. Fico torcendo baixinho pra que essas lágrimas que agora caem dos meus olhos curem os seus. Pai, eu espero que com os olhos da alma esteja bem claro que você e a mãe são meus amores-maiores. Ainda que você não possa ver assim, claro. Ainda que você não perceba meus olhares tristes, meus olhares preocupados, meus olhares de amor, eu torço todos os dias por você, pai. Eu amo você todos os dias, pai. No claro ou no escuro. Pra sempre.</div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-16488552983032148452013-03-26T00:22:00.001-07:002013-04-18T15:07:09.250-07:00conto de silêncio para um sentimento inominável<div style="text-align: justify;">
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Ela separava as roupas de maneira metódica. Por baixo as calças; depois os vestidos; em cima as camisetas enroladas em pequenos rolinhos; nas laterais uma toalha (pra não ter que ficar usando a dele); os sapatos (bem arrumados dentro de sacolas de mercado); e por último pequenas necessaires com coisas muito necessárias ao seu dia-a-dia: maquiagens, escova de dente, escova de cabelo, seu perfume novo, uma porção de bijuterias. Tomava cuidado pra escolher roupas que a sua memória ainda lembrava que ele gostava. Lembrou-se do vestido preto que ele um dia elogiou, da saia colorida, de uma camiseta que tinham comprado juntos, de uma camisa branca. Lembrou-se do óculos escuro que ele não gostava tanto assim e deixou em cima da escrivaninha. Colocou um livro na bolsa de mão, para caso de alguma eventualidade. "Sempre bom ter um livro na bolsa", pensou. Pro caso de ter que esperar ele voltar de algum lugar, pra quando ele tiver outros afazeres. Sempre bom ter um livro. Por último colocou na bolsa o computador, os cabos todos do computador, o tocador de mp3. Checou três vezes pra ver se não tinha mesmo esquecido o celular, fechou a bolsa e ficou esperando ele chegar. Ele tinha combinado que passaria de carro em sua casa e iriam passar três ou quatro dias na casa dele na cidade grande. Ela não sabia muito bem porque tinha aceitado o convite, mas achou que era coisa montada pelo destino. As curvas daquela estrada tinham cheiro de ilusão. Ilusão de quê não sabia bem. Sentia de algum jeito, numa dessas inquietações que nos vem sem mais e nem porquê, que aquela seria uma viagem meio abismática. Abismática é certamente uma palavra que não existe na língua portuguesa, mas deveria. Se há uma coisa que as relações humanas gostam de fazer é se encaminhar pro abismo. Aquela seria uma viagem abismática. Uma dessas viagens que apontam para o abismo. E ela sabia, como todos nós sabemos, que uma vez colocado em contato com o abismo só existem duas possibilidades: a morte, ou voltar pra trás. Ela sentia que, de algum modo, aquela viagem os faria retroceder tudo aquilo que tinham construído, ou os faria morrer de algum jeito trágico. Segurava a única mala com as mãos suando. Ele chegaria logo. Chegaria logo e a encararia com olhar de desde-sempre. Ela já tinha percebido que, de uns tempos pra cá, ele a olhava como um desses objetos que sempre estiveram e sempre estarão ali. Olhar de desimportância. Tinha aceitado a viagem porque queria olhar pra dentro desses olhos que a fitavam com desimportância. Queria entender dentro daqueles olhos azuis onde é que ela tinha perdido o encanto. Porque só podia ter sido isso: uma perda rápida e sem explicação do encanto que antes havia e agora não havia mais. Segurava as malas e engolia desencantamento. Sabia que ele chegaria a qualquer momento e a indagaria sobre ter esquecido alguma coisa. Era por isso que já tinha checado tudo. Ela o esperava. Na frente da casa onde tinha vivido mais da metade da sua vida segurava uma mala e aguardava por uma viagem abismática. Tinha medo que aquela fosse a última viagem. Não sabia porque tinha aceitado o convite, mas de uns tempos pra cá tinha começado a encasquetar com essas coisas de destino. Se ele havia chamado é porque havia um porquê. Talvez as curvas da estrada mandassem todo essa inquietação pra longe. Talvez o amor fosse mesmo esse carro disposto a explodir na próxima curva (se é que podiam chamar isso de amor).</div>
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Ele chegou, lhe deu um beijo morno, lhe pediu as malas. Ela lhe entregou as malas. Não queria dizer nada porque não havia nada a ser dito. Ele perguntou se ela não havia esquecido nada e ela disse que não, dessa vez não, tinha checado umas porções de vezes a mala, a bolsa, as necessaires. Depois lhe veio uma dúvida se tinha mesmo colocado as escovas de dente. Não quis dizer nada. Qualquer coisa comprava uma escova de dentes numa dessas paradas no meio da estrada, ou na farmácia logo na esquina da casa dele. Os objetos são coisas fáceis de repor. Houvesse uma loja para repor sentimentos, talvez ela tivesse cartão-fidelidade. Ficou pensando por alguns momentos o quão engraçado seria ter uma loja de repor sentimentos. Pensou sozinha que talvez fosse bom. Talvez band-aids pra alma, ou para as sucessões de mal entendidos que vão criando ferida em qualquer relacionamento que continue se segurando nas estruturas nada sólidas da vida. De quantos band-aids ele precisaria para parar de olha-la com esse olhar de quem não se encanta mais? Cinco, seis, talvez uma caixa? Vez ou outra ela percebia que ele lhe olhava com menos empolgação do que olhava pra tv quando estava passando um programa chato. Da última vez que se viram, há algum tempo atrás, ela lembra perfeitamente dos olhos dele vidrados num desses programas péssimos do domingo enquanto ela se encolhia no peito dele feito peso morto. Um peso morto encostado em um peito que não quer aquela cabeça dela ali. Talvez quisesse outra coisa. Ela sentia saudades dos domingos felizes das primeiras semanas, das urgências, da necessidade dele em permanecer sempre com um pedaço do corpo junto ao dela para que, de algum modo, estivessem sempre ligados de maneira a formarem uma coisa só durante o período que estivessem juntos. Nas últimas semanas nada disso existia e ela ficava ali, como um abajur que já não ilumina bem, ou como aquela pizza requentada que já teve a sua graça, mas agora só serve pra saciar essas fomes meio insistentes que dão na gente de madrugada. Ele trocava insistentemente as músicas do cd do carro enquanto ela via a cidade onde haviam se conhecido sumir pela janela. O primeiro beijo tinha acontecido na porta de uma sorveteria, há mais de cinco anos atrás. Não era um relacionamento linear. No começo, logo que se conheceram, haviam se encantado perdidamente um pelo outro, em um desses encantamentos inevitáveis que acontece com quase todo mundo bem mais que uma vez na vida. Ele, mais velho, já tinha ido morar na cidade grande e começado a faculdade, enquanto ela permanecia por entre as esquinas de sua cidade de interior tentando terminar o último ano do colegial. Ele parecia ter surgido pra tirar dela aquele enfado que a vida tem toda vez que começa a se enfiar em uma rotina que não traz nada de novo. Passarm juntos o mês das férias dele. Conversavam todos os dias no café do centro e quando chegavam em casa ainda se ligavam porque o assunto parecia um daqueles assuntos infinitos que tinha que continuar sem muitas interrupções, ou podia se perder. No outro mês ele voltou pra cidade grande e sentiam urgência. A internet ainda não era tudo isso que é hoje e eles se mandavam inúmeras mensagens de celular. Se ligavam a noite. Contavam os dias no calendário para a próxima visita. Até que não houveram mais visitas porque a vida tem seu caráter abismático. Ela passou no vestibular em uma outra cidade e eles decidiram que talvez o tal do destino não estivesse lá muito empolgado com essa história de amor entre os dois. Choraram umas semanas. Se ligaram por alguns meses. Aí se esqueceram, se lembraram, se lembraram sem se contar, namoraram outras pessoas, desanamoraram, se lembraram, até que no último ano se encontraram, por acaso, numa festa qualquer. Se sorriram, conversaram, se estranharam e se encantaram de novo. Ela achou que era coisa montada pelo destino. Tinha encasquetado com essas coisas de destino. Encasquetar com o destino, dizem, é coisa de quem já enjoou da vida ser assim, esse grande caos, e agora espera que os acontecimentos tenham pelo menos um pouco de sentido. A vida continua um grande caos e os acontecimentos não fazem nenhum sentido, mas é melhor não acreditar assim. Ela acreditava que o reencontro era coisa montada pelo destino. Ele acreditava que era mais uma dessas improbabilidades do grande caos do qual é formado a vida. E assim ela ia olhando pela janela até que avistou a tal sorveteria onde haviam dado o primeiro beijo.</div>
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Ela perguntou se ele ainda lembrava dali. Ele disse que sim, sem demonstrar nenhum entusiasmo maior, a não ser um sorriso desses que não são exatamente de alegria, mas que também não chegam a ser somente por educação. Depois emendou que os sorvetes dali eram bem melhores há alguns anos atrás. "As coisas mudam de um jeito que a gente não consegue acompanhar", ela respondeu enfática. "As coisas mudam", ele repetiu baixinho. Se olharam e sorriram com dentes de angústia. O tempo não lhes havia sido assim tão generoso quando deveria. Talvez o destino nem sempre montasse coisas maravilhosas. Talvez o destino às vezes só montasse coisas. Coisas deixadas ao acaso que não fazem lá muito sentido. Ele continuava a dirigir e ela cantava sem muita empolgação as poucas músicas que ele deixava tocar até o fim. Ele parecia ansioso. Dessas ansiedades que fazem a gente achar que esperar um minuto e meio para o fim de uma canção é tempo demais. Mudava as músicas em tempo recorde. Às vezes ela reclamava e dizia que daquela ela gostava, que era pra deixar. Aí ele voltava a música, meio contrariado. Pouco conversavam. Os poucos assuntos que ela puxava pareciam arrastados e então ela se explicava por longos períodos enquanto ele respondia uma frase curta. Ela e sua eloqüência se sentiam menosprezadas pelas frases curtas dele e então se calavam, ou resolviam cantarolar algumas das canções do rádio do carro. A única função dela no banco do passageiro parecia ser a de separar as moedas para o pedágio. Vez ou outra ela colocava a mão na coxa dele e ele rapidamente tirava dizendo que "essas distrações atrapalham pra dirigir na estrada e eu acho que você não quer um acidente". Ela tirava a mão da coxa dela contrariada e encarava a estrada com olhares de choro que ele não percebia. "Talvez eu quisesse sim um acidente. Quem sabe com a eminência da morte você me fala alguma coisa", ela pensou baixinho. Ele indagou o que ela tinha falado, ela disse que não tinha sido nada, ele respondeu o que respondem todas as pessoas que são respondidas com o "nada" que é dizer "você disse alguma coisa, então não pode ser nada" e ela se ateve a responder "eu não sei, você tem andado meio distante". "é que eu estou dirigindo", ele respondeu. Aí ela sabia que viria toda aquela conversa sobre como existem certas funções na vida nas quais a gente tem que se concentrar e que ela não pode querer sempre essa atenção irrestrita, essa atenção de quem é a única coisa existente no mundo porque ela não é a única coisa existente no mundo. Teve preguiça de toda a justificativa e não respondeu nada, embora tenha pensado em dizer "imagino que a sua vida seja uma grande estrada, nesse caso, e que você tenha que dirigir o tempo todo". Não disse nada. Comia um pacotinho de balas de goma e fazia questão de devorar todas as gomas vermelhas e amarelas e deixar somente as verdes, que ela sabia ser as que ele menos gostava. Tinha esse tipo de vingança infantil, embora ele também não fosse assim tão adulto. Em uma de suas últimas brigas ele resolveu cortar contato por três dias inteiros e ficar sem atender telefonemas ou responder mensagens simplesmente porque ela deveria aprender que certos comportamentos não são toleráveis. Ela respondeu essa malcriação dizendo que não conversar sobre os problemas também não é exatamente um comportamento tolerável depois que se passa dos quinze anos, e com isso acabou por aumentar ainda mais a distância que já havia entre os dois. </div>
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Era por causa dessa tal distância que ela não entendia o porquê da viagem. Tinham passado semanas sem se falar direito. As conversas todas pareciam de um esforço imenso. Os assuntos não fluíam, ele não parecia interessado, ela já havia se desencantado com a falta de interesse e passava dias olhando pro celular dizendo pra si mesma que não deveria tentar contato algum porque isso era um jeito de postergar o sofrimento, e os sofrimentos, depois de uma certa idade, não devem ser postergados. Dias depois ele liga dizendo que ia estar na cidade e pergunta se ela não quer passar os últimos três dias das férias na casa dele na capital. Primeiro ela pensou em recusar, porque não tinha nada a ver com os surtos dele de solidão. Depois achou melhor aceitar e achou que era coisa montada pelo destino (ela tinha encasquetado com essa coisa de destino). Quando se viu ali, perdida no banco de passageiro encarando com dificuldade a distância que se formava entre eles, achou que teria sido melhor não ter aceitado nada. Ela se sentia como quem quebra um vaso e tenta colar todos os pedaços com cola, só que sem muito sucesso. Era possível ver as imensas rachaduras que já tinham se formado naquela história que formava anos. Alguma coisa ainda continuava. Ela não sabia dizer o que era, nem tampouco ele. Só sabiam que alguma coisa ainda restava, de vez em quando. De vez em quando ainda se olhavam e se sorriam e aí lembravam um pouco aquele casal de cinco anos atrás. Por vezes se enfiavam em longas conversas sobre os mais diversos assuntos e, dessa maneira, se achavam os dois seres humanos mais bem conectados da face da terra. Depois acabavam por cair na mesmice. Ela olhava fixamente para um ponto qualquer no quarto enquanto ele parecia se interessar sempre pelas coisas que não eram ela. Por vezes era o trabalho, depois os amigos; de vez em quando ele arranjava passatempos estranhos dos quais nunca havia gostado e se dedicava a eles com afinco. Ela continuava com a sua vida, porque às vezes a vida não nos dá muita escolha a não ser a de continuar, e tentava se distrair com qualquer outra coisa que não fosse esse imenso abismo que se formava entre os dois. Era um abismo que dava pra pegar com a ponta dos dedos. O abismo se sentia no ar. Era um abismo que dava pra respirar. A respiração dela ao andar angustiada pelas ruas da cidade onde se conheceram era respiração de ar de abismo. Respirar o ar do abismo é como respirar angústia. Aquela era sim uma viagem abismática. No começo ela achou que não, que podia ser que ao entrar no carro uma espécie de sintonia tomasse conta dos dois e aquela fosse a viagem de suas vidas. Não foi. Cada quilômetro de silêncio era uma pontada no coração. Nela se juntava um emaranhado de coisas pra dizer. Coisas que não se pode dizer assim, despretensiosamente. São coisas dessas que vem da alma. A vida às vezes é inundada de verdades e as verdades são umas coisas tão brutas que quase se pode pegar com a mão. Não se pode jogar as verdades assim, no meio de uma viagem que parece apontar pro abismo. As verdades só são ditas no conforto da intimidade ou no limite da morte. Ela sabia que diria tudo aquilo que não sabia como dizer quando percebesse que ele havia mesmo se perdido dela. Antes disso se atinha a comer todas as gomas que ele gostava e lhes deixar somente as verdes. As grandes feridas da vida começam nos pequenos descuidos. </div>
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Andaram mais alguns quilômetros, ele perguntou se ela sentia fome e ela respondeu que não. "Tinha pensado em não parar pra comer, assim a gente não perde tanto tempo, são só duas horas de viagem", ele completou. Ela disse que não tinha problema algum, que tinha uns salgadinhos na bolsa e que era até melhor não parar mesmo. "Você nunca tem muito tempo a perder, não é mesmo?" ela lhe disse com um tom meio triste. Ele respondeu com um olhar de desde-sempre. Continuaram a viagem. Uma hora se passou e ele continuava mudando as músicas do rádio com certa violência. Ela já tinha desistido de mandar voltar e ouvia seu próprio mp3. Pensava na vida, olhava as paisagens da estrada. Sentia uma certa paz quando andava na estrada. A paz de não pertencer a lugar nenhum. Às vezes parava os olhos nele que parecia não enxergar mais nada além do caminho que percorria. Ela se sentia como coisa invisível. Ficava encolhida no banco do passageiro cantarolando baixinho umas canções e se perguntava o que é que ela tinha ido fazer ali, naquele carro, com aquele homem que parecia deslocado do mundo e, senão do mundo, ao menos muito deslocado dela. Onde é que tinha acontecido o acidente que lhes matou? Ela não sabia a resposta. Talvez não tivesse havido ainda um acidente grave, e nem uma morte, mas que alguma coisa havia, havia. Vez ou outra ela pensava que só podia ser caso de ter se apaixonado por outra mulher. E se fosse, quem seria? Teria essa mulher menos defeitos? Moraria essa mulher mais perto, de um jeito em que se ele se sentisse sozinho ele poderia ligar pra ela e ela lhe acolheria no meio da noite com braços quentes? Estaria ele planejando um outro futuro onde ela não estaria mais inclusa e ela só seria informada disso tudo quando fosse tarde demais pra sair disso tudo sem cair num abismo e morrer? Preferia não pensar. Esses pensamentos são daqueles que começam pequenos e depois invadem a casa, roubam toda a sua paz e te tiram o sono. Há coisas que é melhor não antever. Da janela do carro já vislumbrava o trânsito pesado da cidade que não era sua, mas era a cidade dele. Ele colocou a mão no ombro dela e disse sorrindo "acho que chegamos". Nessas pequenas horas doces ela quase acreditava que o problema dele era mesmo a estrada, o trânsito, o trabalho e que ela continuava sendo alguma coisa importante que ele fazia questão de guardar, mesmo sabendo que essa coisa importante lhe exigia mais trabalho que ele gostaria de ter. Chegaram. Ele segurava todas as malas e ela segurava o travesseiro como uma espécie de escudo. A casa dele era uma dessas casas pequenas onde moram duas pessoas que dividem o aluguel porque custa caro morar em grande cidades. Tinha uma cozinha, uma sala, dois quartos e um banheiro. O quarto dele não era grande nem pequeno. Tinha um armário, uma cama e uma mesa onde ficava o computador. Na parede, as fotos que um dia foram dela, davam lugar a fotos quaisquer de gente quaisquer. Dentro de uma das gavetas ele guardava as cartas e os bilhetes que tinham trocado nos últimos cinco anos. Às vezes ela se sentia aquilo. Nada mais que uma gaveta fechada na vida dele. Ele parecia não ver nada com essa fatalidade que ela via. Pra ele a vida era um emaranhado de aleatoriedades e ela era mais um deles. Só que ela era uma dessas aleatoriedades que, de quando em vez, pareciam fazer algum sentido a mais. Algo como se a malha do universo tivesse tido um erro e grudado aquele acontecimento como uma espécie de acontecimento chave. Ao mesmo tempo que fazia parte do caos os reencontros, podia também ser coisa montada pelo destino. Mas ele não acreditava em destino. Ela também não, mas de uns tempos pra cá tinha encasquetado. </div>
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Ele sentou na mesa, ela perguntou se ele não queria um café. Ele disse que aceitava, e indagou se ela mesmo fazia. "Sim, faço, tenho feito muito café pra me manter acordada na vida". Ele riu da mesa dizendo "Acho que só assim, mesmo". Ela passava o café e respirava ar de abismo. Se sentia presa dentro daquelas paredes brancas que nunca tinham soado como um lugar que pertencia a ela. Parecia um lugar que pertencia a todo mundo, onde ela não tinha espaço e nem conseguia pegar com naturalidade as coisas pra fazer um simples café. Disfarçava bem, entretanto. Sabia onde ficavam as coisas, devolvia no lugar com certa destreza. Disfarçava o medo do desconhecido. Passava o café e tinha vontade de chorar. O desconhecido dói. As grandes decepções da vida começam nos pequenos descuidos. Colocou o café na garrafa, serviu as xícaras, botou uma cadeira do lado dele na mesa, serviu o café, tomou um gole e encostou a cabeça no ombro dele. Queria dizer muitas coisas, mas a distância parecia embaralhar as palavras e, se ela dissesse alguma coisa, tudo soaria um idioma estranho que nem ele e nem ela conseguiriam decifrar. Era tudo silêncio. As paredes brancas do apartamento pequeno ecoavam o silêncio. Os vizinhos logo bateriam na porta reclamando do imenso barulho que o silêncio fazia. Pôs-se a chorar. O choro é tudo que não se consegue dizer traduzido em coisa palpável. Molhava com lágrimas a camiseta branca dele e ele a olhava com olhar de susto. Ela não dizia nada. Só chorava e quanto mais chorava mais se aninhava naquele ombro que já não parecia assim tão aconchegante. Abraçava ele cada vez mais forte e chorava mais doído. Ele não dizia nada. Só deixava ela ficar. De uma hora pra outra achou monte de palavras e desandou a falar "é que eu não agüento mais. isso, você, isso. você. você…a gente, você, isso…quantos anos de casados nós fizemos? trinta, vinte e sete, sessenta? isso… você, sabe, isso tudo… a gente, essa casa… a viagem a viagem… elas, sei lá quem são elas….você, você, isso… há quanto tempo você me desama em segredo? duas, três semanas? há quanto tempo isso, você, a gente… a gente… a gente, você que não fala comigo eu que não sei nada… sabe, você, sempre isso, você… há quanto tempo isso? por que você não me diz mais nada, nunca? sempre isso, a gente… você, a distância. o silêncio, esse teu silêncio imenso. eu quero matar esse teu silêncio… quantos anos tem esse silêncio? me diz qualquer coisa…sabe? você, não esse silêncio, me manda embora me xinga me diz que ama outra… dez delas…não sei… esse silêncio, não quero esse silêncio…fala. isso, é essa a palavra: fala". Ele não dizia nada. Olhava estático pros olhos vermelhos e pro nariz inchado dela que ficava um pouco feia quando chorava, embora trouxesse em si um pouco de um desses bichinhos que dá vontade de cuidar. Mas amor não tem a ver com pena, não se pode amar ninguém com o mesmo sentimento que se ama um cachorrinho que se perdeu da mãe. Também não era isso que ele sentia por ela, embora fosse um pouco. Ele sabia que havia alguma coisa nela só que não sabia explicar o que era. Por isso o silêncio. Um silêncio de não saber. As lágrimas caiam e ela repetia baixinho "fala… você, a gente… fala". Ele não falava. Segurava com força as mãos pequeninas e suadas dela enquanto ela suplicava que ele falasse. O silêncio tomava conta do apartamento todo. Tinha sido uma viagem abismática. E quando se está a beira do abismo todos sabem que só existe dois caminhos possíveis: ou se pula e morre, ou se volta pra trás e se tenta outro caminho. Ele olhava ela fundo nos olhos e as palavras não saiam. De repente ele puxa ela pelo braço, chacoalha e finalmente diz. As palavras saiam como se tivessem tirando dele farpas que já doíam há muito tempo. "Eu não sei… de você, da gente… de tudo isso. a gente, essa casa, essa viagem… de você eu não sei. de você eu nunca sei e é por isso que você acaba sempre estando aqui de novo. essa casa, essas paredes, a gente, cinco anos. não sei. tem que saber? tem que saber tudo? eu não sei o que te dizer e aí fico em silêncio. não é essa a causa de todo o silêncio? o medo do desconhecido? de você eu não sei. tem que saber?". Ela não sabia se tinha que saber. Saber o quê exatamente? Exatamente o que ela esperava ouvir? Ela também não sabia. "Não sei se tem que saber", ela respondeu. "mas do que tem que saber a gente sabe… você, a gente… existe qualquer coisa…você aqui, eu te convidei, eu te busquei em casa". Ela olhava pra ele tentando compreender. Compreendia, mas tinha medo. Medo das coisas sem nome. Certamente haveria de ter uma palavra inventada pra esse sentimento que é e não é. É, porque existe. Não é porque não se sabe por quanto tempo nem o que é exatamente. Gostar parece pouco, amor parece demais, atração não contemplava o que existia de sublime. Não tem nome. Era isso. O que existia não tinha nome. Certamente haveria de ter uma palavra inventada para esse sentimento que é e que não é. E o que era?</div>
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Era isso. Ela pensava em dizer tudo aquilo, mas dizer tudo aquilo e calar tudo aquilo parecia ser mais ou menos a mesma coisa. Tudo aquilo, isso. Isso que é gostar de estar com ele e gostar também do jeito torto com o qual ele fica em silêncio. Odiar tudo nele. Odiar todos os cinco anos e ao mesmo tempo isso de querer estar junto a aceitar uma viagem. Não querer mais existir se a existência contemplar existir com ele na vida e então decidir tirar ele da vida. Voltar atrás e colocar ele na vida depois de uma conversa de encantamento. Se sentirem, ela e sua eloqüência, maltratadas pelos períodos curtos dele. Ficar se perguntando baixinho enquanto ele dirige "e a gente? o que é a gente, afinal?". Saber que não vai haver resposta pro silêncio e nem pra distância. Suspirar ar de abismo quando ele se distancia e saber que o próximo passo pode ser a morte deles dois. Continuar respirando ar rarefeito mesmo assim e dar dois passos pra trás prometendo tentar de novo. Tentar de novo e se perguntar se haverá um dia em que tudo isso, a gente… você, a distância, esse teu silêncio imenso serão alguma coisa a mais que isso que já existe. Se perguntar se precisa mesmo de mais do que isso que já existe. Cinco anos. Um primeiro beijo na sorveteria. Nos encantamos, desencantamos, apaixonamos, desapaixonamos e quisemos quase casar com outras pessoas mas daí isso, de volta, isso… a gente. Existe qualquer coisa. Qualquer coisa nela que é irritante e horrível e diz essas coisas espaçadas e lhe deixa só as gomas verdes numa infantilidade que não tem nem nome, mas depois é isso que sempre foi. Qualquer coisa dessas que é ela e ela é o que existe. Ela é o que ele deixa em silêncio. Ele é o que ela exacerba em falar. Certamente há de haver uma palavra inventada pra esse sentimento que é e que não é. Certamente, mesmo não havendo palavra alguma, existe o sentimento. Certamente se há uma coisa que as relações humanas gostam de fazer é se encaminhar pro abismo. Todos nós sabemos, que quando se chega no abismo só existem duas possibilidades: ou se morre, ou se volta pra trás. Deram eles dois passos pra trás e ficaram ali. Certamente ainda sofrerão de silêncio e grito desse sentimento que carece de palavra inventada pra se nomear, mas não carece de nada pra existir. Existe. Existe e inunda o apartamento de paredes brancas esse sentimento sem-nome toda vez que eles sorriem juntos por alguma bobagem; se beijam com alguma paixão; agem em sincronia invejável; versam animadamente sobre assuntos que amam; se admiram em silêncio. Talvez, um dia, não exista nenhuma outra solução a não ser pular o abismo que mata. Ela pensava isso. Talvez o silêncio dele ainda mate, já esteja matando. Talvez ela e a eloqüência dela resolvam pular antes mesmo de saber qualquer coisa de concreto. Talvez, no fim, se deva acreditar que estão os dois presos em uma dessas improbabilidades do caos da vida que não fazem nenhum sentido. Talvez se deva acreditar que isso, no fim, é coisa montada pelo destino. Ninguém acredita muito em destino, mas uma hora ou outra a gente acaba encasquetando. </div>
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Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-22747123916736369602013-03-23T02:05:00.003-07:002013-04-18T15:07:39.713-07:00você nunca vai ser uma canção de amor clichê <br />
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<i>"This one's optimistic</i></div>
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<i>This one went to market</i></div>
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<i>This one just came out of the swamp</i></div>
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<i>This one dropped a payload</i></div>
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<i>Fodder for the animals</i></div>
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<i>Living on animal farm"</i></div>
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<i>(Radiohead - Optimistic)</i></div>
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<i>"I told you I was trouble, you know that I'm no good"</i> cantava Amy Winehouse pela vigésima vez, trigésima vez, sabe-se lá que número de vez que foi que eu ouvi essa música e pensei baixinho "ela podia ter escrito essa letra pra mim". Em tempos espaçados sempre penso isso dessa letra e sinto um pouco de pena pela Amy que aparecia em todos os vídeos que eu vi com um semblante cansado de quem suspirava aquele suspiro que dá uma pontadinha dentro do coração que vive latejando um pouquinho. Um pouco de pena de mim, porque não é uma letra pra se orgulhar. Gostaria de ser mais essas pessoas que se identificam com alguma letra de alguma banda tipo o Snow Patrol, que tem um monte de letras positivas. Eu tenho uma amiga que gosta muito do Snow Patrol e toda vez que a gente fica angustiado ela não entende e fica olhando pra gente como se a gente fosse uma espécie de ET. Não acho que ela seja completamente feliz (ninguém é), mas eu posso garantir que ele nunca entendeu o semblante cansado da Amy Winehouse nos vídeos. Melhor pra ela que gostava muito daquele clipe em que luzes coloridas iam percorrendo a cidade e a grande mensagem era que tudo aquilo era estranho e falso, mas que o eu-lírico não desperdiçaria mais um minuto sem seu amor. Queria ser dessas pessoas que acreditam em conceitos flutuantes tipo "alma" e que realmente acham que existe um lugar escuro onde gente boa e que ama não deve ficar então eles se pegam pelas mãos e saem correndo enquanto um diz pro outro que é só esse outro abrir os olhos porque ele não vai desperdiçar mais um minuto sem ela, ou ele. Nunca gostei dessa música, achava cafona, mas ela gostava. De uma maneira geral, ela é muito menos angustiada que eu. É que ela lida com a vida desse jeito otimista de quem não vai desperdiçar mais nem um minuto sem a pessoa amada e coisa assim. Esse otimismo de quem quer sair desse lugar escuro e encontrar a luz, a paz, sabe-se lá o que, mas é uma fé. Já eu escutava Radiohead enquanto ela insistia com Snow Patrol, entendo todos os olhares enfadonhos de Amy Winehouse e às vezes concordo com ela que o amor é um jogo em que só se perde. Um dos personagens do woody allen alerta uma vez uma das moças do filme que ele tem uma visão de vida muito pessimista. A vida não faz um caminho de luzes coloridas pela cidade pra pessoas como a gente. Life is a losing game. </div>
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Os dias não tem sido fáceis, eu digo, repito, depois choro no meu quarto por quase quinze minutos ininterruptos enquanto ouço uma música qualquer dessas bem dramáticas cantadas por alguém meio fodido tipo a Elis Regina. A Elis Regina também tem esses olhares enfadonhos de quem já sofreu demais e não agüenta mais os baques da vida. Dia desses vi ela rodopiando e chorando ao som de "travessia" e chorei também porque bem que podia ser eu ali, rodopiando e chorando ao cantar aquela canção; sem rumo na vida. Eu não tenho rumo na vida. Os pouquinhos que eu tinha tem dado errado. Às vezes eu fico querendo ser uma pessoa mais positiva, dessas que dedicam Snow Patrol pros outros, mas daí percebo que eu só posso ser eu e lidar com isso que me deram. A alma esquisita de quem já teve o semblante triste de uma cantora que morreu de overdose. Não é auto comiseração, eu não espero que sintam pena de mim ou que me mandem uma mensagem de otimismo débil, ou nada disso. Às vezes as pessoas até mandam. Dia desses me deparei com o discurso do Steve Jobs em Stanford. No vídeo ele diz que também esteve perdido, mas que certas coisas acontecem no caminho da gente pra nos levar pro caminho certo. Fico querendo acreditar nisso, nele, em qualquer música com mensagem de amor, no Paulo Coelho, em qualquer coisa que me faça acreditar que a vida não é uma viagem rumo a lugar nenhum e com um sentido que na verdade não existe. Eu queria acreditar no Steve Jobs e pensar que um dia vou ser eu fazendo discurso pra uma turma qualquer dessas de faculdade dizendo que eu comecei bem errado, mas que no fim deu tudo certo. No fim dá tudo certo? Não sei dizer, e nem sei se acredito. Talvez todos eles estejam certos em me dizer que eu devo ir com calma e que o tempo cura as feridas e se responsabiliza pelas coisas que eu não sei consertar. Não adianta sair por aí se atropelando, mandando mensagens demais, usando toda a sua eloqüência pra coisas que não valem a pena. O que se deve fazer é sentar, respirar, esperar que a vida lhe mostre um caminho que valha a pena seguir, e dizem que esse caminho um dia chega para todos nós. Em alguns bem cedo, em outros mais tarde, mas sempre chega. </div>
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Então eu sento na sacada, rezo pra um deus que não sei se há, choro um pouco olhando pro céu, corro sete quilômetros por dia enquanto a minha cabeça não para de girar nem um minuto. Espero mensagens que nunca vem e então deixo de esperar. Fico quieta. Fico quieta dentro de mim que é pra ver se eu encontro alguma paz, fé, direção, vai saber. Organizo todas as coisas da minha casa na esperança que eu organize a minha cabeça também. Lavo as louças e coloco em pilhas. Limpo os meus óculos toda vez que percebo um embaçado. Organizo meus livros. Jogo tetris. Ando a cidade inteira, pinto meu cabelo, arrumo as minhas unhas, organizo a bagunça do meu quarto. Começo a perceber que todas as coisas fora do lugar refletem a bagunça dentro de mim. Olho pro meu armário cheio de roupas e quero organizar tudo. Jogo fora os papéis das minhas gavetas e encontro declarações de amor que nunca enviei pra pessoas que não sei se um dia vou ver. Faço listas dos livros que ainda não terminei de ler porque todas as coisas em aberto de repente me dão paura. Percebo os livros do melhor amigo que não tenho mais na estante e choro um pouco. Olho pra todas as tralhas e para os pedaços de passado jogados no meu quarto e fico pensando quando é que esse tal de nova vida começa e quando é que ela para de retornar sempre no mesmo ponto cego. Jogo no lixo os sonhos que tinha e não tenho mais. Não vou prestar um outro vestibular pra jornalismo. Não me interesso pelas coisas que me interessava antes. Não visto mais as roupas que um dia já achei bonitas. Pareço querer tirar tudo de velho que há em mim pra conseguir sair do buraco onde me enfiei. Fico ajeitando a postura quando me vejo nos reflexos dos vidros dos carros e percebo que eu não preciso ser sempre esse bichinho estranho, essa esquisita bonitinha de ver de longe. Organizo minhas bijuterias porque não agüento mais o meu desleixo de sair sem os anéis nos dedos. Prometo pra mim mesma não perder sempre os pares dos brincos e voltar os sapatos no lugar toda a vez que uso. Faço metas. Desisto das metas porque não sei se as quero. Deixo pra mais tarde um fluoxograma com todas as coisas que já pensei em fazer pra separar o que eu realmente quero e aí sim correr atrás. Me policio pra cuidar de mim, sempre, de mim primeiro e não dos outros. Aprendo alemão com alguma devoção. Me esforço em aulas de francês quase diárias. Ocupo meu tempo pra não pensar em bobagem. Fico em silêncio e o silêncio me dói. O silêncio me faz ter aquele suspiro que arde o coração. Vez ou outra sei que fico com o olhar perdido que a Amy tem quando faz shows. O olhar de quem não sabe o que está fazendo nesse mundo, mas tem um papel a cumprir. Eu não sei o que quero e nenhuma pessoa que já encontrou o seu caminho pode me entender. Força de vontade é um conceito muito abstrato quando você não sabe o que é que te faria ter vontade de levantar da cama. O que eu realmente quero fazer da vida? As perguntas continuam sem resposta e cada caminho abre várias bifurcações e tudo isso forma em mim uma dúvida tão imensa que seria capaz de ocupar todo meu apartamento de vários metros quadrados. E ocupa. E toda a casa fica pequena e claustrofíbica. E eu não sei onde me esconder de tudo isso. E aí eu sento e choro e fico esperando que o universo ou seja lá quem me apareça com uma solução qualquer, um caminho qualquer a seguir, um afago, três minutos de conversa ouvindo mesmo o que eu tenho a dizer. Antes mesmo de alguém ouvir eu fico quieta. </div>
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Optei pelo silêncio porque as palavras estavam me criando ruído. Porque cada frase me exigia um pedido de desculpas. Resolvi ficar quieta porque ninguém pode organizar a minha bagunça ou jogar tetris com a minha confusão. Fiquei quieta num silêncio tão imenso que era possível ouvir cada pedacinho de pensamento meu. Tenho uma cabeça que nunca para e um coração que só sabe sentir medo. Ninguém segura na minha mão e eu não posso colocar o pé em nada firme. Me sinto naquelas provas daqueles programas da tarde antigos em que a gente tinha que escolher o próximo quadradinho pra pisar sem saber se ele era firme ou afundava. Algumas das coisas eu tenho certeza que posso pisar. Outras estou quase certa que se eu pular, afunda. Ando pela minha cidade e não reconheço, não sei o que faço aqui, não tiveram a decência de preservar nem os lugares onde eu tinha boas memórias. Porque vez ou outra a gente se alimenta de lembranças. Roubaram, além de tudo, as minhas pobres lembranças. Eu não me sinto em casa e me sinto mal. Mal porque da última vez que me senti assim o mundo caiu na minha cabeça. Eu escolhi pular no quadradinho que afundava. Não posso afundar mais uma vez e então decido cuidar de mim. Me afasto de tudo e fico arrumando gavetas, arrumando armários, aprendendo idiomas, correndo da minha confusão por seis quilômetros ininterruptos. Me afasto de tudo a procura de um caminho que eu não sei qual é, mas faço de pouco em pouco. Me afasto sem querer me afastar e todo o silêncio me dói feito pontada. Se eu não me aproximo é de medo. Se eu não me aproximo é de cansaço. Cansaço do silêncio que é sempre mais forte que a palavra. Cansaço da distância. Cansaço de tudo isso que eu sinto e que eu não posso falar, não posso, nunca posso nada porque eu devi agir de maneira adulta. Os adultos jogam jogos estúpidos e as crianças é que são sinceras. A gente vive num balé, num esconde-esconde de sentimento e palavra, num tetris medonho de organizar a vida pra ver o que vai somar mais pontos no final. Todo esse labirinto me machuca e se eu fico quieta é porque eu não quero entrar mais fundo. Quanto mais fundo se entra num labirinto, mais longe se fica da porta de saída. Eu já fui demais. Não sei como eu volto disso tudo. Eu fico quieta na ponta da minha cama e guardo todas as expectativas numa caixa que eu não sei se vai pro lixo ou se fica guardada no fundo do armário. Guardo tudo que espero numa daquelas caixas no sótão sem saber se elas vão mofar ou se um dia eu mexo nelas de novo, revivo, reciclo, encontro sentido. Por enquanto não encontro sentido. Eu também estou guardada numa caixa daquelas pra-quem-sabe-se. Não sei se vão me achar daqui há um mês, um ano, se vão achar que eu ainda sirvo ou se vão me jogar pra fora. </div>
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Todas as incertezas da minha vida machucam. As que cabem a mim eu dou um jeito. Com as que não cabem mais eu resolvi não mexer. Às vezes fico querendo sair feito criança que não sabe mentir falando todas as verdades do mundo, todas aquelas certezas, as poucas certezas que eu sei que eu tenho. Explicar tudo isso que eu sinto pra ver se de uma vez por todas eu sou entendida, pra ver se de uma vez por todas esse silêncio e esse indiferença se transformam em algum desses sentimentos que arrebatam, nem que seja raiva. Raiva é melhor que silêncio. Vida acontecendo é melhor que stand-by. Eu suspiro baixinho e sinto pontada no coração. Tudo em mim tão bagunçado que eu quero organizar tudo e quase esqueço que tem coisa que não sabe a mim. Já não acredito no caráter fatalista da vida. A vida é isso que a gente vê. Sem surpresas mágicas, sem encontros inevitáveis, sem tanta poesia. A vida é crua e as distâncias somam a gente pra menos. As distâncias somam a gente tão pra menos que a gente some. Vejo tudo sumindo e me calo numa espécie de retiro espiritual que serve muito pouco pra mim. Se me calo é pra não criar atrito. Me calo e passo as madrugadas no escuro enquanto vejo a amy segurar um copo de whisky e olhar a vida com cara de enfado. Entendo o olhar. Reproduzo o mesmo olhar do lado de cá da tela. Não quero acabar como a Amy e sei que não vou. Continuo a minha vida com a fúria dos que querem sobreviver. É o único e o pior caminho que se tem a seguir: continuar. Sigo sem otimismo algum, mas sigo. Já entendi que o mundo é estranho e falso, e que eu desperdiçarei inúmeros minutos sem você. Eu já não espero que ninguém tenha o papel de me tirar da escuridão. O mundo é mesmo escuro, o tempo todo escuro. Assim como woody allen, eu tenho uma visão muito pessimista da vida. E é a única visão que eu sei ter. Talvez fosse mais fácil ser uma dessas pessoas que quando a gente fala de angústia nos olham estranho. Talvez fosse mais fácil sair sorrindo em todas as fotos. Talvez fosse mais fácil ser qualquer outra mas daí eu escolhi ser a melhor versão de mim mesma e entendi que - felizmente - essa é a melhor coisa que eu posso ser. Aceitei de uma vez por todas que eu nunca vou conseguir (nem querer) ser uma canção otimista. Eu não gosto dos clichês (e eu sempre preferi Radiohead). </div>
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Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-37030669693489415202013-03-20T00:18:00.000-07:002013-04-18T15:08:30.840-07:00do encontro e da despedida <br />
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Entro no aeroporto atrasada. Sempre atraso. Nunca sei onde deixei minhas chaves e checo a mala umas sete vezes pra ver se não esqueci nada. Mesmo assim esqueço. Vez ou outra viajo sem pijama ou sem escovas de dente. Nada grave. Sempre dá pra comprar outro pijama ou outra escova de dentes em qualquer lugar do mundo. Ao chegar no táxi sempre digo pro taxista se apressar um pouco enquanto reviro a minha bolsa pra me certificar que não esqueci a identidade. Se eu esquecer tem que pedir pro mesmo taxista que apressei dar a volta e me esperar buscar os documentos. Nunca esqueço os documentos, exceto em ocasiões importantes. Quando lembro de checar sempre estão lá, quando tenho certeza que estão os esqueci em casa. Metáfora pra vida. O que a gente não esperava está, o que a gente jurou ser pra sempre vai embora. Besteira. O taxista corre um pouco, eu pago e deixo o troco com ele. Entro no aeroporto atrasada. Sempre atraso. Entrego pra moça do balcão meu check in feito na internet e só despacho as bagagens. A moça da companhia me avisa com uma voz mecânica que vai anotar que os pés da minha mala já vieram quebrados. "Pra evitar problemas posteriores", ela diz. Eu assino o papel. Rio enquanto penso que todos nós deveríamos avisar onde já viemos quebrados para "evitar problemas posteriores". Despenso. "Os relacionamentos não são contratos, os relacionamentos tem de vir da vontade de estar junto". Sei lá quem me disse isso, mas lembrei. Bobagem. Pego a minha mochila e entro na sala de embarque. Minhas botas não passam no detector de metais. Nunca passam. Não uso tênis porque as botas pesariam demais na mala. A moça da companhia com sua roupa impecável me oferece um desses protetores de pé. Digo que não precisa. Ela diz que vai sujar minhas meias. Aceito "para evitar problemas posteriores". Coloco a bota de volta. Aproximadamente quarenta minutos esperando por um vôo que vai durar uma hora. Não gosto de aeroportos. Nem de aviões. Ele não me liga pra perguntar que horas eu vou chegar ou se eu vou mesmo. Não que eu esperasse. Ninguém me liga. Já tinha deixado todo mundo de sobreaviso "eu pego um táxi, um ônibus, eu sei me virar". Todo mundo acha que eu sei mesmo porque meu celular não apita. Evito tirar o computador da bolsa. Não quero saber de ninguém. Fico trinta minutos observando o moço que ronca na cadeira a minha frente. Acho que pegaremos o mesmo vôo. Ele é bonito daquele jeito exótico das pessoas que tem um mundo a parte e não fazem a mínima questão de que alguém entenda o universo delas. Gosto de gente assim, complicada. Ele ronca alto e a sala de espera toda vez ou outra olha pra ele. A moça anuncia o meu vôo. Não sei se é o vôo do moço. Cutuco ele e digo o número do vôo. Ele me agradece meio rabugento e coloca a mochila nas costas. "É meu vôo sim, valeu aí". "Valeu aí". As pessoas tem jeitos cada vez mais estúpidos de dizer "Obrigada".</div>
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Subo as escadas. Odeio as escadas do avião tanto quanto odeio o avião em si. Escadas mal projetadas e uma sensação louca de que cairemos todos estatelados com a escada que vai despencar. Sempre tropeço. Sempre tem um casal de senhores atrás de mim que me olha com reprovação. Acho meu assento na janela, não tiro os óculos escuros por nada desse mundo e fecho a janelinha no momento em que entro no avião. Não gosto de ver o avião subir, é uma coisa que eu tenho. Se eu morrer eu não quero ver o avião caindo. Morro de medo de decolagens. Não gosto do percurso e também tenho medo quando pousa. Não gosto de aviões. Uma hora inteira dentro de um negócio que voa e da onde a gente não pode sair. Uma hora inteira flutuando no ar de maneira inexplicável. Compro sempre os assentos no fundo do avião, mas longe da asa. Não gosto de gente do meu lado e pouca gente gosta de sentar no fundo. Só que o avião quase sempre lota e sempre tem alguém sentado do meu lado. Eu sinto muito medo e não gosto que me perguntem se eu estou bem, nem que se ofereçam pra pegar na minha mão. Uma vez um cara se ofereceu. Segurei a mão dele até o avião subir. Depois sei lá, não conseguia olhar pra ele por nada nesse mundo. Acho segurar a mão íntimo demais pra desconhecidos. Ele falava comigo e eu não respondia quase nada. Sei lá se era bonito, mas qual é o sentido de se começar um romance no avião? Eu ia descer e ele continuaria indo pra sei lá onde. De amores que se vão já me basta os que tenho em terra firme. Acho que disse isso pra ele "gente que vai embora já tenho bastante lá embaixo". Depois disso ele não me disse mais nada. Só segurou a minha mão na hora da aterrissagem. Eu disse que não precisava, mas ele disse que era um bom jeito de terminar a história. Acho que era mesmo. Os amores que eu tenho lá embaixo nem sempre seguram a minha mão quando eu tenho medo de cair. Nem perguntam se eu cheguei viva, aliás. Olha aí, desliguei o celular e nem um sms. Gosto de botar a culpa da falta de comunicação no sinal da operadora. A verdade é que essas operadoras de sinal ruim nos deram uma justificativa pra frustração. A gente sempre pode se enganar achando que vinha sim uma ligação um sms, mas eles não chegaram a ser completados. Bobagem. A verdade é que a pessoa em questão deve é estar muito ocupada fazendo outras coisas ou "cuidando da própria vida". Cuidar da própria vida é uma coisa que todos fazem e parece ser a grande e importante ocupação de todos os seres-humanos contemporâneos. "Não tenho tempo pra você porque tenho que cuidar da minha vida". Um dia eu tive uma crise de riso quando um cara me disse isso e ele me perguntou porquê. Aí eu respondi calmamente "Com essa frase eu pego a minha mochila e vou embora da sua casa pra nunca mais". Ele ficou me olhando perplexo dizendo que já tinha pedido a pizza. Eu respondi que se eu fizesse parte da vida dele, cuidar da própria vida contemplaria cuidar de mim também. Ele me olhou indo embora e perguntou "calma, você tá indo embora mesmo?" aí eu disse que sim, que assim ele ia ter tempo pra "cuidar da própria vida". Hoje a vida dele incluí uma noiva que, é claro, não sou eu porque ninguém gosta tanto assim de namorar pessoas que tem medo de avião, de cair, de angústias e, principalmente, medo de cuidar dessa tal de "'própria vida". </div>
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Já estava comemorando o banco vazio quando o moço que roncava checa a passagem e percebe que comprou um assento do meu lado. "Acho que meu lugar é aqui". Não sei o que ele esperava que eu respondesse, mas eu disse "Deve ser". "29A o seu, não?", ele perguntou inquisidor. "Sim, 29A o meu e o seu deve ser 29B, certo?" "Sim, eu sento do seu lado, então". "Pois é", eu respondi. Ia responder o que? "Seja bem vindo ao seu assento?". Toda aquela conversa já não fazia nenhum sentido pra começo de conversa. Ele sentou, tirou um livro da bolsa e me indagou sobre a janela fechada. "Você não abre a janela?". Eu achei um pouco de intromissão demais, mas respondi que não, que detesto decolagens. Aí ele me perguntou se eu tinha muito medo de avião. Eu respondi que não exatamente, mas que não gosto da sensação. "E medo de morrer, você tem?". Queria olhar pra ele e dizer que eu tenho medo de muitas coisas e a morte é a mais simples delas. É muito pior o medo de estar viva, o medo de estar naquele avião sem nenhuma idéia do que eu estava indo fazer naquela cidade onde ninguém me esperava no aeroporto, é muito pior o medo da incerteza, das coisas que acabam, é muito muito pior a vida do que a morte, mas daí me ative a responder um simples "Da morte em si não tenho medo, mas acho que a angústia até morrer deve ser um negócio ruim. Principalmente se for em queda de avião". Ele concordou comigo. "Nunca tinha pensado por esse viés, mas faz sentido. Você desce ou faz conexão?". O cara queria saber nos cinco primeiros minutos de diálogo se eu desço ou faço conexão. Reprimi o impulso de dizer "e o que isso te interessa?" e respondi que sim, desço. "Você faz conexão?". "Faço". E aí soubemos que esse era mais um dos amores que nem chegariam a descer em terra firme. E gente que vai embora eu tenho bastante lá embaixo. O avião começou a taxear e ele olhava atentamente pra mim a procura de qualquer traço de medo que fosse. Eu permanecia resoluta atrás dos meus óculos escuros. Vai que ele também pergunta se eu não quero que ele segure minha mão? Não gosto dessas vulnerabilidades. Acho segurar a mão uma espécie de contrato entre duas pessoas que não deve ser estabelecido se você de fato não tiver interesse em continuar protegendo a outra pessoa das tragédias da vida. E as tragédias da vida são um pouco piores do que a decolagem e aterrissagem de um simples avião da frota de aviões mais nova e moderna do Brasil (segundo dizia a aeromoça). A aeromoça explicava que existem quatro saídas de emergência, que os bancos flutuam em caso de queda ao mar e que, em caso de despressurização máscaras de ar cairão automaticamente sobre as suas cabeças. Todo tipo de coisa que não adianta nada se o avião resolver cair mesmo. Nunca ouvi história de gente que se salvou com o assento flutuante. Sempre penso essas bobagens enquanto as aeromoças fazem demonstração mas finjo estar interessada nas revista da companhia. As revistas da companhia agora atendem às necessidades da classe C emergente e tem entrevistas com personalidades tipo o Zeca pagodinho. O Zeca pagodinho é um desses caras que não parece ter muito medo das angústias da vida não. Sei lá né, a gente nunca sabe o que se passa dentro desse terreno misterioso que é o coração das pessoas. </div>
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O avião começou a subir e eu fechei os olhos enquanto mascava meu chiclete. Uma vez a minha tia disse que se a gente mascar um chiclete melhora a sensação da decolagem. Não sei se melhora mesmo, ou se é uma espécie de superstição, mas eu sempre masco. Pelo menos distraí. O moço do meu lado botou a mão no meu ombro e disse "não foi decolando que a gente morreu". Sorri. "Acho que não", eu respondi. Ele sorriu de volta e voltou a ler o livro. Dez minutos depois a aeromoça nos avisa que os aparelhos eletrônicos podem ser ligados e eu pego meu iPod. Abro a janela e fico observando as nuvens. Quando eu era criança eu achava que quando a gente andava de avião era possível tirar a mão pra fora da janela e pegar na nuvem. A nuvem devia ser alguma coisa tipo algodão, ou um desses gases de experiência de programa infantil que passam pela nossa mão sem ficar. Aos dez anos eu descobri que a janela do avião não abre e que era impossível pegar na nuvem. Essa foi só uma das impossibilidades do mundo que eu descobri. A vida é cheia de impossibilidades. Gosto de viajar porque me sinto longe de qualquer lugar. Ao mesmo tempo que me angustia eu gosto de ser o ser que flutua no espaço. O ser com o celular no modo avião impossibilitado de receber qualquer mensagem, ligação, ou acessar o Facebook a procura de algum indício de desamor. Acho que morte é pior que angústia. Um avião caindo traz em si a certeza da morte. Viver não, viver traz consigo esse monte de portas e caminhos possíveis que a gente nunca sabe se são as certas ou as erradas. A vida traz desamor e desamor é pior que decolagem de avião. Certamente é. Eu olhava as nuvens e pensava que queria estar longe. Longe do lugar onde eu ia pousar e longe do lugar onde sai. Queria ser alguém sem nome e nem identidade a descer num lugar estranho e começar tudo de novo. Começar a vida longe da incerteza do amor que não sabe se é ou não é. Começar a vida com um celular onde ninguém pode mandar mensagem porque ninguém ainda sabe o número. Começar a vida sem nome e sem endereço fixo. Começar a vida com uma mala com o pé quebrado, algumas roupas, dois livros e algum dinheiro no bolso. Começar a vida num lugar sem trauma e nem angústia, sem amor não correspondido, sem coisa em aberto, sem isso de chorar de noite toda noite sem saber o que vai ser o amanhã porque num lugar onde nada se sabe o amanhã só pode ser o que não se tem idéia ainda e, nesse caso, a angústia de existir seria menor. Começar de novo "para evitar problemas posteriores". Eu olhava o céu e tudo aquilo parecia tão imenso pra minha vida sem graça. Seria o mundo essa imensa gama de possibilidades que todos falam e eu não acredito? Seria possível que o moço ao ler esse John Fante do meu lado fosse meu grande amor (mesmo eu odiando John Fante?). Não. Essa era a resposta certeira. A vida é de viés muito mais que é de sorte. A vida é um jogo imobiliário onde a gente só tira revés e paga o aluguel pra pessoas que deram certo. As pessoas que deram certo são poucas. As outras vivem tipo eu, indo de um lado pro outro e segurando o choro em aviões que vão rumo a coisas da onde não se espera tanta coisa assim. Eu devia parar de esperar coisas da vida. Gente me esperando no aeroporto, ligações antes de eu embarcar, preocupações com as minhas angústias, um simples "tá tudo bem com você" que vem quando as pessoas entram em dúvida se está tudo bem mesmo. Queria não esperar nada. Não esperar nada assim como eu não espero nada do moço do meu lado que já está na metade do livro do john fanfe. Colocar na cabeça que todas as pessoas da sua vida estão fazendo uma conexão enquanto você desce antes. Sabe-se lá o que acontece com as pessoas depois que elas te deixam. Sabe-se lá o que a vida reserva. Eu suspirei.</div>
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Acho que suspirei meio alto porque quando dei por mim o moço do meu lado tinha largado o John Fante e me olhava com aqueles olhos inquisidores de novo. Eu percebia, mas não queria olhar pra ele. Só que aí ele me cutucou. "Moça, você parece um pouco angustiada, é o medo do avião?". Eu não ia responder nada. Eu prometi pra mim mesma que ia parar com isso de desabafar com desconhecidos no avião porque já tinham sido vários, inclusive uma vez que eu perguntei pro cara do meu lado se ele se sentia triste com certa freqüência e tudo que ele fez foi pegar o iPad e começar a jogar Fruit Ninja, então eu tive um pouco de certeza que ele era triste a maior parte do tempo. Só que eu respondi. "O problema é a vida que acontece depois que o avião desce". Ele me sorriu. "Esse problema não tem jeito, moça". Sorri de volta "Acho que não", respondi. Aí voltei a olhar a janela do avião e de repente me senti inquieta. A mesma inquietude que veio no dia que eu perguntei pro cara se ele se sentia triste. Ele não parecia estar lá muito interessado no John Fante e, além do mais, faltavam só mas vinte minutos de viagem. Nada de mal podia nos acontecer. Travei o diálogo:</div>
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- Cara, você acha que é perfeitamente normal a gente se sentir angustiado o tempo todo e nunca saber que raios vai ser da vida a partir do momento em que a gente bota o pé pra fora do avião? Eu quero dizer. A vida lá embaixo ela acontece de um jeito tão louco e eu não sei o que eu quero, você acha que é normal a gente não saber o que quer e sentir medo e um medo muito maior do que o do avião cair enquanto a gente decola?</div>
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Ele me olhava estaticamente e largou o livro do John Fante no chão. Quase achei que ele ia sacar um iPad e abrir um jogo qualquer, mas ele parecia ser mesmo uma dessas pessoas que vivem em seu próprio mundo e esse tipo de pessoa sempre tem opinião sobre as subjetividades da vida, aí ele me respondeu. </div>
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- Eu acho que você sente medo da única coisa segura que é justamente estar nesse avião vendo tudo lá embaixo como uma maquete dessas que a gente fazia na escola, sem participação nenhuma. Medo mesmo é saber que você faz parte de tudo que tem lá embaixo, que tem uma vida, um emprego, um namorado, e toda uma vida pra construir. Aqui é nada, aqui é um mundo paralelo onde os celulares não funcionam e o pior que pode acontecer com a gente é morrer, mas morrer é um clic. Viver é uma vida toda. O medo da vida é muito mais racional do que o medo do avião, no fim das contas. </div>
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Agora erra eu quem olhava pra ele estaticamente. Se eu tivesse um livro, eu também tacaria no chão. </div>
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- Você sabe o que quer da vida? Quero dizer, existe algo do qual você tem certeza?</div>
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Ele me sorriu.</div>
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- Todas as pessoas que tem certezas sobre a vida são idiotas completas. Exceto quando a gente ama. Quando a gente ama é bom guardar em si uma certa dose de certeza. Amar antevendo o fracasso também é coisa de idiotas completos. No mais eu acho que é normal que você seja cheia de dúvidas, e eu e todas aquelas pessoas que a gente não enxerga daqui mas que tem vidas, universos, casas, carros e sofás pra comprar em doze vezes pra poder assistir tv de fim de semana com a esposa e os filhos. Os caras das certezas são menos angustiados, mas viver sem angústia é viver sem medo e viver sem medo é nocivo. Se a gente tem medo é porque quer fazer alguma coisa. A gente só sente medo do desconhecido. Se você se angustia é porque ainda quer alguma coisa que não descobriu. A vida acaba quando a gente não quer mais nada que ainda não descobriu. Essas pessoas cheias de certeza estão fodidas, sabe? meio mortas. Os babacas que acham que o amor está fadado ao fracasso também. Achar que nada dura é ter certeza que um dia se para de descobrir o desconhecido na outra pessoa. A gente é cheio de desconhecidos a descobrir. O amor dura porque é feito de mistério. A vida também, sabe? E se não der medo é porque acabou o mistério. E se acabar o mistério acabou tudo. É perfeitamente normal a gente se sentir angustiado, se é isso que você queria saber.</div>
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Eu sorri. Ele pegou o livro do chão e voltou a ler. Eu voltei a ouvir música pensando que a vida era mais ou menos aquela nuvem que eu achava que podia pegar mas não podia. Não dá pra pegar a vida com a mão. Ela é um pouco aquele gás das experiências dos programas infantis. Ela passa pela nossa mão e se dissipa. A aeromoça avisa para apertarmos os cintos. O avião vai pousar. A cidade vai ficando cada vez mais próxima. Agora já é possível enxergar o emaranhado de carros, casas e prédios que constitui a vida das pessoas que não sei quem são. O aviso diz: "senhores passageiros, preparar para aterrissagem". Estou preparada. O moço do meu lado me olha e diz "esse é um dos medos mais simples". Eu sorrio e concordo. Pousamos no concreto quente do aeroporto. Pego minha mochila, me despeço do moço que ainda lê John Fante. "A vida nem sempre tem conexões, né?". Ele me sorri. "Às vezes a gente se encontra numa escala. E eu espero que você ainda sinta medo". Sorrio de volta. Ando pelo corredor do avião, agradeço a aeromoça simpática que me deseja boas vindas. Entro no ônibus que me leva até o saguão do aeroporto. Não ligo o celular. Não existem mensagens ou ligações perdidas. Devo ter perdido todos os meus amores em alguma escala ou em alguma conexão em que não fui informada. Queria que alguém tivesse vindo me buscar, mas ninguém veio. Provavelmente me diriám que "tinham que cuidar da própria vida". Só que eu não tenho mais o desprendimento de pegar a minha mochila e dizer que se eu fizesse mesmo parte da vida deles, cuidar da vida contemplaria cuidar de mim também. Não espero que ninguém cuide de mim. Espero, mas não admito. Prefiro não pensar. Espero minha mala chegar na esteira e tenho dificuldade de carregar tudo. Saio pra fora da sala de desembarque e vejo reencontros. Filhos felizes abraçam as mães. Namorados apaixonados buscam as namoradas. Casais casados há anos não se olham direito e não seguram mais as mãos. Casais que se conheceram pela internet levam no olhar a surpresa e o encantamento de se ver pela primeira vez. Ninguém me espera. Penso em mandar uma mensagem avisando que cheguei, mas desisto. Chego no limítrofe e me convenço que o que quer ser nosso acaba nos procurando. Um dia ele, ou qualquer outro, apareceria de surpresa em uma dessas minhas idas e vindas e aí quem sabe estivéssemos os dois dispostos a ir descobrindo os desconhecidos em nós, como disse o moço que lia John Fante no avião. Sei que o caminho pra pegar o ônibus pro centro é o mesmo de sempre. Sinto um certo enfado de sempre sair das salas de desembarque segurando as malas sozinhas. Sinto um certo enfado de passar a vida tomando conta das minhas próprias bagagens. Minha vida cabe numa mala de pés quebrados que eu sempre carrego sozinha "para evitar problemas posteriores". Eu também estou cuidando da minha própria vida, como qualquer ser-humano contemporâneo adulto faria. Mas eu cuidaria da vida de outro também. Às vezes eu queria ser a pessoa esperada ansiosamente do lado de fora da sala de embarque. Não sou. Fico querendo perguntar mil coisas pra pessoas a minha volta pra ver se elas tem uma resposta, mas sei que elas também não tem. A gente não pode pegar a vida com a mão. Não quero pegar o ônibus. Eu não sei mais onde é minha casa. Não quero chegar na cidade e encarar o silêncio do meu telefone celular que não toca nem vibra. Os silêncios. São tão angustiantes os silêncios, esses silêncios todos. Os silêncios que sempre são quebrados por mim e eu nem sou do tipo que gosta de quebrar silêncios. O nome disso é angústia. Canso de estar sozinha segurando desajeitada essa mala, essa mochila e essa vida indo encontrar alguém que eu nem sei se queria ser encontrado. Desisto. Fico parada no meio do saguão do aeroporto. Subo as escadas, vejo os aviões que sobem. Eu não quero mais correr pra encontrar ninguém. Não quero mais correr o risco de ser abandonada a minha própria sorte segurando uma mala que carrega toda a minha vida, sem saber pra onde ir. Eu quero ser aquela que parte. </div>
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Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-69219795449104431842013-03-15T11:35:00.000-07:002013-04-18T15:08:57.133-07:00perdoa o drama, e não desiste de mim<br />
<i>"Não, não diga que eu lhe trato mal,</i><br />
<i>Eu tento tanto te fazer feliz,</i><br />
<i>Mas acontece qu'eu sou desastrada."</i><br />
<i>(Mallu Magalhães - Cena) </i><br />
<br />
(Para se ouvir ao som de <a href="http://www.youtube.com/watch?v=saq_XX6k6f4" target="_blank">Mallu</a> ou de qualquer música que fale de gente desastrada como eu)<br />
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Quando eu acordo meus lençóis estão sempre fora do lugar. Me mexo muito durante a noite e não raro levanto puxando a coberta com os pés, carregando-a pelo quarto e enchendo de poeira do chão o cobertor onde eu durmo. Desastrada. Essa sempre foi a palavra que me coube desde que me entendo por gente. As meninas da educação física, quando me escolhiam por último, justificavam dizendo que eu era desastrada demais pra conseguir jogar qualquer esporte que exigisse muita coordenação motora. Elas estavam certas. Foi assim que acertei uma vez a bola na cara do meu primo quando jogavamos futebol. Sou péssima com direções e confundo direita com esquerda até hoje. Eu só servia pra natação, o esporte solitário e silencioso a que me prestei depois de perceber que eu não servia pra nenhum outro que não aquele. A natação não me exigia muito talento. Era preciso respirar debaixo d'água, mexer os braços de maneira a me tirar do lugar, evitar fazer barulho enquanto batia as pernas porque, segundo a tia cláudia, quanto mais barulho mais devagar a gente nadava. Menos barulho era sinal de eficiência. Tia Cláudia não sabia, mas esse é um bom jeito de ensinar a vida, também. Quanto menos barulho a gente fizer, mais devagar a gente nada. O silêncio é ouro. Eu sempre fiz barulho demais.</div>
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Eu sempre falei na hora errada. Passava muita vergonha esquecendo que estava no meio da sala de aula e conversando sem parar. Eu era a chata que conversava sem parar porque tinha facilidade de entender certas coisas. Na aula de matemática eu conversava, na de inglês eu conversava, nas aulas de educação física eu fugia da bola. Depois de um tempo eu descobri que não aparecer era um bom jeito de sobreviver no desastre. Deixei de tentar mostrar qualquer serviço nos jogos de vôlei ou de basquete. No máximo dava um passe ou outro. Não adianta querer ser o que você não é. Eu nunca seria uma esportista, mesmo que todo mundo vivesse dizendo que eu era alta o suficiente pra ser atleta. Não posso ser atleta porque sou desastrada. Me odiariam na olimpíada, me mostrariam o dedo em todas as competições em que eu corresse atrasada e tropeçasse no meu próprio pé ao tentar pegar a bola. Um desastre. Era isso.</div>
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Quando se é um desastre se tenta outras coisas. Depois de um tempo desisti de conversar na sala (já que isso gerava fúria nas professoras) e comecei a escrever. Tudo aquilo que eu queria dizer e ninguém entendia eu escrevia. Meu caderno de matemática era cheio de textos nas últimas páginas. A tal da professora marize odiava essa minha mania e sempre me mandava parar de escrever e prestar atenção na aula. Nunca seguia o conselho. As fórmulas de baskhara, mal sabia a professora marize, são muito mais simples de lidar do que as angústias da vida. Sobre as equações eu sabia, dos logarítimos eu entendia, o meu raciocínio lógico sempre foi muito perto do perfeito. O problema do mundo, professora marize, é o que a ciência não explica. A ciência não explicava meu desastre, meu desajeito, minha timidez, e o fato de eu sempre me achar mais feia do que todas as meninas da minha sala. A ciência ainda não conseguiu explicar meu desastre, meus vinte quatro anos ainda deixando cair molho na camiseta, ainda tropeçando no próprio pé, ainda derrubando produto empilhado em pirâmide no supermercado, ainda não sabendo lidar tão bem assim com esse tal de sentimento.</div>
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Certas coisas são adaptáveis. Sou menos tímida do que eu era a anos atrás, certamente. Sei continuar uma conversa se puxarem assunto comigo, sei ser simpática, lido com gente que odeio quase diariamente e não deixo transparecer. Fora isso, existem certas coisas que por mais que eu não queira, são minhas. O desastre é uma dessas coisas. Por mais que eu me policie eu acabo derrubando a comida pra fora do prato quando como, fico com molho no cantinho da boca, tropeço na rua e confundo direita com esquerda. Sou péssima com direções, embora agora crie estratagemas pra não me perder nessa cidade enorme que é São Paulo. Sei que pra descer em casa tenho que puxar a corda quando se passa da padaria Real, aquela eu fica perto da MTV. Sei que pra ir pra casa dele desço um pouco depois de uma banca de frutas, e no meio do caminho tenho certos pontos de referência como uma farmácia e uns postos de gasolina. No metrô vou bem porque tem placa, mas acho a linha amarela de uma confusão desnecessária. às vezes pergunto se estou indo mesmo pro lugar certo porque não confio em mim. Ele vai ao meu lado sempre me dizendo que não é possível que uma pessoa seja assim desastrada. Te digo: é possível sim. Tavez ele não entenda porque não foi zoado no colégio, não era o último ou o penúltimo a ser escolhido, nunca levou bolinha de papel nas costas e nem recebei apelido hostil de um bando de meninos babacas que nunca foram ensinados em casa sobre uma coisa simples chamada respeito. Quando uma mentira é repetida várias vezes ela vira verdade. Me repetiram inúmeras vezes que eu era um desastre, que eu era desajeitada, feia, esquisita, magra demais. Riam de mim quando eu corria. Essas coisas ficam. Quando eu tropeço na rua eu sempre acho que tem alguém me apontando e rindo. Quando eu derrubo o saleiro na mesa do restaurante eu sempre imagino a inquisição vindo e me dizendo que não é possível que alguém seja assim, tão desastrada. João Marcelo me aponta o dedo e ri. Por vezes, ele é de novo o meu João Marcelo, o menino da escola que não tinha aprendido em casa que nem todas as pessoas do mundo agem iguaizinhas, retinhas, sem tropeçar. Nem todas as pessoas são as meninas perfeitas e normais e limpam seus óculos com devoção. Nem todo mundo é normal, talvez essa seja a lição que a professora marize devesse ter dado ao invés da fórmula de baskhara. É isso que todo mundo devia ter aprendido, só que as pessoas, ao invés disso, decoraram que mais ou menos b, raiz quadrada de b ao quadrado menos quatro ac sobre dois a resolvem as equações matemáticas. Daí ficou essa gente toda achando que gente também tem fórmula. Vida e gente não tem fórmula. Somos ciências humanas, somos relativos, somos.</div>
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Nos últimos dias eu tenho me sentido um pouco a menina que era zoada pelo João Marcelo. Um misto disso com aquela cena da Julia Roberts em "Uma Linda Mulher" em que Richard Gere diz que ela é incrivel e ela diz que não, que é estranha, que é um desastre porque quando as pessoas vivem dizendo que a gente é um desastre a gente acredita. Sou um pouco aquela personagem. Certamente derrubaria os meus escargots, visto roupas inadequadas nas situações sociais, rio alto e não me submeto a qualquer coisa. Da última vez que vi o filme, chorei. Chorei mas achei que era uma página virada na minha vida. Não era. Tive de ouvir de novo que, coitada de mim que sou estranha. Coitada de mim que tropeço. Que porcaria ser eu, de óculos sujos, que vomitou a casa toda um dia, que estraguei um tapete que ainda não conseguiu ser limpo. Que porcaria. Não chorei porque não choro mais, porque a vida te deixa meio Julia Roberts em "Uma linda mulher", te deixa assim meio cheia de hematomas e achando graça ao invés de querer morrer. Chega uma hora em que você só suspira e aceita. Tem sido assim por tantos anos, há de se aceitar a condição. O que me irrita no mundo é essa falta de perceber que as pessoas não são iguais. A fórmula de baskhara que a professora marize ensinou não seria capaz de resolver um só dilema do coração. Pessoas diferentes fazem coisas diferentes e talvez essa seja a beleza do mundo. Não fosse minha inadequação eu nunca teria começado essa literatura que ele diz que gosta, e eu provavelmente teria feito engenharia e estaria agora compartilhando mensagens positivas no Facebook, como fazem mais da metade das meninas bem ajeitadas e nada desastradas que existem no mundo. Que existem aos montes no mundo. Todas iguais, de cabelos compridos, sorridentes e indo à praia nas férias. Mas eu sou o tipo de pessoa que nunca faria economia porque isso não preenche meu coração cheio de buracos. Eu sou esse tipo de idiota que quer mudar o mundo, escrever um livro, plantar uma árvore e que admira muito mais meu avô e as sua sabedoria sobre o mundo do que o Steve Jobs. Eu tenho as minhas angústias. Angústias que ele não entende e que eu nem faço questão que entenda porque são minhas. Eu não sou as outras meninas do mundo.</div>
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Pudesse eu escolher, se fosse uma questão de escolha, eu não seria assim. Não porque não goste, mas porque seria mais simples. Seria mais simples ser mais uma das meninas simples que todo mundo prefere. Seria mais simples querer um curso que dê dinheiro, não se preocupar muito e ouvir essas bandinhas chatas que falam sobre positividade. Se eu pudesse escolher eu não teria tido depressão na adolescência, manteria sempre a postura, teria me vestido com roupas da planet girls e preferiria ler capricho ao invés de carlos drummond. Se desse pra mudar eu não tropeçaria mais, não encanaria com bobagem, não deixaria ele nervoso, não derrubaria um farelo sequer de comida na cama ou na roupa e apareceria sorrindo em todas as fotos. Eu sempre fico me perguntando se ele acha que eu faço de pirraça, que eu escolhi ser assim bagunçada porque eu acho bonito. Se eu pudesse escolher, eu diria pra ele, eu seria qualquer uma dessas meninas que enchem o Facebook dele ou o Facebook de qualquer um rindo com "kkk", indo pra festas, sendo felizes e tendo as opiniões que todo mundo tem sobre todos os assuntos. Não foi divertido pra mim, nem ao menos legal ser a menina zoada no colégio. Não há orgulho em ser estranha. Há dor. A dor de ter sempre que ouvir de um ou outro que eu deveria ter agido de outro modo porque olha que bagunça que você deixou. Sempre sinto vontade de dizer que o caralho da bagunça que eu deixei em qualquer lugar não é nem metade da bagunça que eu tive que lidar dentro de mim por ter nascido assim e ter sido criada com esses pais estranhos que não me ensinaram a querer carreira e dinheiro, mas me ensinaram que o legal da vida é adquirir conhecimento, mudar a vida dos outros, se orgulhar de ser como é, e o pior de tudo, eles me ensinaram esse conceito muito vago, que ninguém entende que é essa vontade ridícula de tentar ser feliz. Eles só não me ensinaram que pra ser feliz a gente tem que passar por tanta coisa que sabe-se lá se compensa. Compensa?</div>
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Tenho chegado a conclusão que não sei se compensa. Queria dizer muitas coisas pra ele e pra todos outros que vieram antes dele. Dizer que eu entendo que as minhas manias sejam chatas, dizer que eu sei que deve ser um saco lidar com as minhas angústias, meu desajeito, meu desastre. Dizer que eu sei que seria mais fácil lidar com essas meninas sem drama e sem literatura, e até sem muitas vontades. Essas outras gurias com quem eu sempre convivi e que sempre me olhavam estranho porque eu sou muito cheia de desastre e muito cheia de opinião. Sempre fui a menina que as outras meninas apontavam e riam porque, coitada, tão estranha. Eu sou a menina que as meninas com quem ele convive não chamariam pro time nem passariam o recredio junto. Eu sou a menina que as meninas com quem ele tá acostumado cochichavam sobre e não chamavam pras festinhas. Eu queria ser uma dessas meninas que não são assunto no grupo de amigos dele porque se portou de maneira estranha. Acontece que eu sou estranha desde sempre. Tem coisa que eu consigo mudar e tem coisa que sou eu. Lidar com o que eu sou é difícil pra mim também. Se pudesse mudar mudava. Também canso de ser essa espécie de tamagochi que todo mundo acha engraçadinho mas não quer levar pra casa. Queria dizer pra ele que ele também tem um monte de manias irritantes e que não é todo mundo que implica se colocarem a mochila que veio da rua em cima da cama, não é todo mundo que precisa lavar a mão quando adentra os recintos, não é todo mundo que quer tudo limpo o tempo todo e nem todo mundo que não consegue escrever se tiver alguém perto. Ele também é cheio de idiossincrasias que eu aprendi a aceitar porque acho que todas as outras coisas compensam. Ele me compensa quando fala dos seus fimes preferidos, do paulo coelho, dos sabores estranhos de pizza (ninguém gosta de pizza de aliche).Compensa quando me explica com animação porque escolheu uma palavra e não a outra, e compensa quando me diz que só quer ser um desses caras de vida simples que tem uma rede na varanda (que eu chamo de sacada). E tudo bem ter uma rede na varanda, mas tudo bem também ele não ter gostado de pisar no chão sem chinelo até os dezesseis anos. Tudo bem porque eu aprendi desde cedo, escrevendo, que o que difere as pessoas das fórmulas matemáticas são o fato delas não serem iguais. É o que foge da curva que me encanta. O que me encanta nele é o que o resto do mundo não tem. O que o resto do mundo tem tanto faz. O que o resto do mundo tem não faz literatura nem arte. Tudo que existe de belo foi feito por essa gente desastrada que não era do jeito que todo mundo era e a quem, provavelmente, vários Joãos Marcelos apontaram os dedos e riram. O que existe de belo foi feito por meninas que não seriam chamadas pelas outras meninas nem pro time de vôlei e nem pro recreio. Tudo que existe de belo em mim vem do que eu tenho de louco. Vem do que ele não entende. Vem do que os amigos dele acham péssimo. Vem do que as outras meninas com quem ele convive não tem.</div>
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Eu fico ensaiando no meu balé torto mil jeitos de dizer tudo isso pra ele. Nunca pude ser bailarina porque tropeçava demais. E era muito alta. As bailarinas são baixas, graciosas e disciplinadas; ou seja, as bailarinas são tudo o que eu não sou. Eu nunca poderia ser uma bailarina, então resolvi que queria ser escritora. Foi por um desses textos meus que a gente se encontrou. Se eu não tivesse sido desastrada, desajeitada e louca eu nunca teria escrito esses textos que fizeram ele me encontrar. Tudo isso faz parte de mim de um jeito que eu odeio, mas aceito porque é o que me mantém viva. Eu queria ser menina-bailarina, mas só soube ser menina-escritora, menina-professora, menina que recusou o convite de ser modelo porque queria ser intelectual. Todas as outras teriam aceitado ser modelo. Eu escolhi o caminho mais difícil. Eu escolhi o caminho em que eu tropeço. No fim, por mais que doa, eu prefiro ser menina-escritora do que menina-bailarina. Prefiro querer um apartamento com varanda pra escrever meus textos. Prefiro querer continuar nesse caminho louco que hora ou outra me rende mensagens dizendo "esse seu texto disse tudo o que eu queria dizer e não conseguia". Meu ofício é esse de estranhar o mundo e ser estranhada por ele. Eu queria ser mais normal, só que eu não posso. Não posso porque não sei. Tem coisa em mim que não muda. Daí eu queria dizer pra ele que ou ele aceita que se eu não fosse assim, louca-tropeçante eu não escreveria, ou ele procura alguém mais simples. Não existe pecado em querer alguém mais simples. Se eu fosse ele eu também preferiria. Preferiria alguém que não confunde direita-esquerda, não aparece na vida dele no meio de uma crise depressiva, não tropeça, não suja a roupa, não derruba um bife em cima da bolsa na padaria mais chic de São Paulo. Preferiria alguém com mais pudores, que não ri tão alto, que não confunde a porta de descer do ônibus,que sabe fazer escolhas, que não suja a casa de ninguém, que gosta de praia e muita gente, que sai sorrindo nas fotos, que mantém a postura e que não tem medo de não ser feliz. Alguém que queira, como todo mundo, um emprego das oito as seis, hora extra e dinheiro pra ter uma casa boa, filhos e pagar escola particular pros filhos. Alguém que não queira subjetividades. Pelo menos não tantas subjetividades.</div>
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E eu preferiria não voltar nesse eterno retorno que é sempre acabar gostando dele que não é como eu. Ele que se organiza e segue cronograma. Ele que estuda na biblioteca e faz listas de afazeres pra empregada. Ele que pisa no chão de chinelo e demora pra tomar banho. Ele que não deixa nada pelo cronograma enquanto eu rasgo um cronograma por qualquer cerveja no bar. Ele transtorno obsessivo e paranóia enquanto eu sou paranóia e histeria. Não tem como isso funcionar, senhores psicólogos, senhores lacans e freuds, não tem como isso ser uma simbologia interessante e todo o inconsciente coletivo sabe disso, senhor Jung. Eu queria alguém mais simples pra mim também. Só que acontece que eu não gosto das coisas assim, simples. Eu gosto é da curva pra fora, das coisas que não se explicam com fórmulas, dos erros, das exceções. Daí eu só queria dizer pra ele, usando os versos dessa cantora que eu detesto, mas que me cabe tão bem, que eu juro que tento fazer ele feliz, mas acontece que eu sou (e, infelizmente, vou continuar sendo) desatrada.</div>
Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2798922013859579212.post-37790318857909937452013-03-12T20:17:00.000-07:002013-03-12T20:17:28.587-07:00poema exagerado para uma paranóia. ele não está em casa.<br />
eu sei que não está<br />
(ninguém usa o celular na própria cama<br />
quando possui um notebook).<br />
deve estar numa casa que não é dele<br />
numa cama que não é dele<br />
com uma garota que não sou eu<br />
e não tropeça<br />
não suja<br />
não discute<br />
sorri e é boa<br />
não o sufoca durante a noite<br />
não desarruma a cama dele.<br />
<br />
ele me evita e me manda dormir.<br />
não se preocupa com o meu mal estar<br />
não me pergunta se eu estou mesmo bem<br />
provavelmente sorri com outra garota<br />
e diz a ela que não foi nada<br />
só uma dessas mensagens sem importância,<br />
enquanto eu choro por ele.<br />
enquanto eu me desespero<br />
rasgo as páginas dos livros<br />
choro debaixo do cobertor<br />
maldigo tudo que fiz e disse<br />
me acho estúpida.<br />
<br />
antes ele queria me sorver a presença<br />
hoje me evita<br />
me lê e ignora<br />
suspira de cansaço<br />
me manda embora de sua casa<br />
me destrata<br />
não me beija, não me quer<br />
não me convida pra um café<br />
não escreve uma mensagem na minha mão<br />
<br />
esse é o ciclo da vida.<br />
e nesse ciclo<br />
os amores sempre rodam<br />
fora de compasso<br />
como num disco riscado<br />
que sempre empaca<br />
na pior música.<br />
<br />
o amor é esse disco que comprei<br />
mas não tenho vitrola<br />
pra tocar.<br />
<br />
meu amor é seu disco preferido de um ano atrás<br />
hoje esquecido na estante<br />
pegando poeira<br />
todo riscado<br />
irritante<br />
inútil.Larissa.http://www.blogger.com/profile/05510117303633637638noreply@blogger.com0