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8.6.10

Amor, Bolero e Bob Dylan

As noites são solitárias e os boleros são sinceros, e eu danço, imaginariamente. Fumando espero al el hombre que yo quero enquanto ouço bob dylan e despejo fumaça pra dentro e pra fora, pra dentro e pra fora enquanto penso em você, tão banal. As noites são frias nesses junho-julho desde que você me deixou, e seriam doídas mesmo no meio de um verão desses de dezembro, você não sabe como me dói. Você nem ao menos sabe que você é você, destinatário dessa carta que nunca vai chegar a você, ou a ninguém específico. A voz rouca de Dylan dizendo que It ain't me you're looking for, baby. E olha, eu acho que não era mesmo, você não estava esperando por alguém como eu embora eu sempre estivesse esperando por alguém com você e até nos encontramos e você até achou um dia que eu fosse ser o amor da sua vida mas despedaçamos tudo como margaridas, ou como cinzas de cigarros. Tinha que ser assim. Eu pensei em te ligar, em te dizer todas essas coisas que eu deveria. Poderia tomar uma garrafa toda de conhaque pra ver se tomava coragem pra dizer que eu ainda te amo, que eu vou sempre te amar, que eu vou tentar encontrar apenas pessoas esparsas desde que você se foi, e que eu sei - e vou saber sempre - que é você que eu vou amar, que é você que era o meu número que é a você que eu espero emprestar meus olhos, meus ouvidos, meu corpo todo e é pra você que eu já doei a minha vida e não tem mais jeito não, eu só estou tentando ser feliz para passar o tempo porque ser triste faz com que o tempo passe ainda mais devagar. Mas você não ia entender nada disso, ia me olhar com aquela cara de pena, depois ia ficar nessa indecisão de me tratar como alguma coisa que você ainda tem carinho porque sente dó, ou pensar em me largar pra sempre e daí não ia largar nem ter pena, ia mesmo me esquecer num canto depois voltar, esquecer, voltar esquecer. Como esses fumantes que vivem voltando e largando para o vício, cigarros eventuais para acompanhar os cafés e os conhaques, é assim que eu vivo pra você e também não me incomodo.

Podia. Podia virar pra você, pedir pra você ter um pouco de decencia, de vergonha nessa cara, de ser um cara certo, corretíssimo, educado. Pedir pra me tratar com consideração, pra cuspir em mim logo duma vez já que você não quer nada além de saber que eu continuo ali quando você quiser me fumar, mas também tanto faz eu até gosto disso. Ia mesmo te ligar depois de muitos álcools na cabeça e de ter ouvido todas as nossas músicas se caso você resolvesse me deixar de vez, isso eu não suportaria. Daí me dizem que eu devo me dar ao respeito, parar de pensar em você, nas noites quentes, nas noites frias, nos julhos, nos dezembros, enquanto eu fumo, enquanto eu bebo, enquanto eu passeio, enquanto eu brinco com as crianças e eu digo pra eles irem se danar. Essas pessoas não entendem nada sobre amor e daí vem pra gente com toda essa parafernalha de orgulho, de se-dar-ao-respeito, de saber seu valor, de dignidade e o caralho todo e olha, eu vou explicar pra elas que tudo isso aí não combina nada com esses amores fleumáticos que eu sinto. Isso é muito controlado, se-dar-ao-respeito e orgulho é coisa de gente que não ama assim, sanguineamente. E olha, eu amo assim então ao inferno com isso de me colocar no meu lugar. Não vou, você sabe que eu não vou e eu vou ficar insistindo nisso de te amar. E olha, desinsistir ia dar tanto mais trabalho que eu prefiro continuar desse jeito.

É, eu estou vivendo a minha vida. Eu só penso em você todos os dias. Eu não tenho culpa também, a gente tem muitas lembranças, foram muitos anos e além do mais eu estou sozinha. E é normal que enquanto eu resolva fumar olhando a sacada e ouvindo Bob Dylan eu lembre de você. Oras, claro. Porque eu nem ocupar o seu lugar no sofá consigo, então às vezes eu até olho pro lado e penso em comentar alguma coisa com você, dizer como o céu está bonito ou só encostar no teu peito e ficar lá enquanto você me olha com aquela cara esquisita pensando que tipo de garota problemática e linda você resolveu escolher pra dividir a vida e o amor pelo Bob Dylan. E o Bob Dylan nem tem culpa, todo mundo gosta dele. Eu, você, milhares de outros casais, mas a gente gostava junto, e da mesma música, então isso me lembra você. O Bob Dylan, o cigarro, as coisas de casa que você gostava, sabe, tantas coisas guardam um casal que é impossível que as pessoas realmente acreditem nessa baboseira que dizer que te esquecer é mesmo algum tipo de nobreza, veja só, elas queriam que eu te odiasse. Odiar o homem que foi minha poesia e a minha canção por anos, isso é maltratar demais o amor. Eu quero lembrar de toda essa doçura que foi te amar e que não merece ficar pedra, dura, feia e cheia de coisas pra jogar na sua cara dizendo que olha, eu te amei tanto e olha só o que você fez com o nosso amor, você jogou fora e agora eu estou aqui fumando e chorando e eu quero mais que você se exploda junto com seu novo amor. Não dá. O Bob Dylan não escreveria uma coisa dessas, e nem o Chico no seu eu-lírico feminino mais recalcado se prestaria a uma bobagem dessas. E eu, toda literária que sou ia lá transformar nosso amor numa novela? No máximo num bolero, bolero são fleumáticos, mas sinceros e também não ficam aí orgulhosos dizendo não amar tudo aquilo que um dia amaram.

E eu te amei. Quer dizer, eu ainda te amo. Eu guardo todo o seu amor aqui dentro de um jeito que não é alegre nem triste, eu só guardei. Eu resolvi não entristecer demais porque não devo, e porque nosso amor nunca foi triste, mesmo depois de acabar então qual seria o sentido também de eu ficar murmurando o acabado com vinhos, cigarros e boleros? Não que eu não faça isso, até faço, mas o tempo todo não faz o mínimo sentido. E sabe, eu até estou feliz. Não assim, exalando felicidade o tempo todo, saltitando e vendo flores nascer, mas eu estou indo como eu posso. Eu encontro novos amores aqui e ali e me jogo, pulo, me aventuro mas sei que amor mesmo é isso que eu sentia e sinto por você. O resto são paixões e eu sou assim, cheia de paixões e eu só te guardo tanto porque você é a única coisa que eu amei, que eu pensei deixar ali do ladinho e guardar no meio dessas minhas loucuras, insanidades, dessas minhas latinices todas e essa minha alma fleumática. Desde o dia que eu soube que eu te amava, amor mesmo, esse sentimento puro, eu resolvi que eu não ia te deixar e até agora estou cumprindo a minha promessa. Você não sabe o quanto é bonito, e grande, e indivizível isso que eu sinto aqui, enquanto penso em você te sentindo e caso um dia saiba eu sei que vai continuar me deixando sentir e vai ficar até um pouquinho feliz de ter conseguido fazer nascer isso em alguém, você duvida tanto do seu potencial. Não vou te ligar, nem te procurar e nem aparecer na sua porta e nem ter excessos. Você sabe, amor é uma coisa tão leve, grande, tão sincera que nem cabe tudo isso, todas essas minhas idiossincrasias e essas minhas loucuras que você amava-e-odiava.

Amor é coisa de matar e morrer, mas tem gosto de sorriso, aquela senhora Hilst disse, alguma coisa assim eu sei que ela disse e por você eu mato, e morro até se um dia for preciso mas hoje você tem gosto de sorriso, ainda que longe. Eu e o Bob Dylan sentimos sua falta, ele me canta que the answer,my friend, is blowing in the wind e a gente sorri, porque sua falta é doce e meu amor é grande e guarda pra você um lugar no sofá e no coração que era pra eu querer morrer, mas não. Você pode voltar, não voltar, pode desaparecer no vento ou sei lá, mas eu te guardei em mim e só de você ter me feito amar eu já te devo meio mundo e é por isso que eu não espero nada de você, além de saber que você existiu, eu te amei, eu fiquei com o Bob Dylan e lembranças suas e que será doce. Porque as noites são solitárias, mas os boleros são sinceros e eu (ainda) tenho muito amor dentro de mim, com ou sem você.

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