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19.1.15

há muito tempo eu sofri calada, mas agora resolvi falar.

era 2007, eu tinha acabado de entrar na faculdade e tinha desistido de escrever numa plataforma chamada livejournal pelo simples fato de ninguém ler ou entrar naquela merda. postava em blog desde sempre. desde quando ainda escrevia miguxês e o cara pra quem mandei uma carta dizendo que estava apaixonada e depois descobri ser só mais uma das minhas loucuras descobriu meu endereço no wordpress onde eu tinha um template da "emily, the strange"e começou a me mandar comentário anônimo me xingando de ridícula.

houve esse tempo em que a gente só podia escrever depois da meia noite em dias de semana ou nos fins de semana porque o pulso da internet discada era mais barato. nesse tempo a gente expunha a vida de forma ridícula em fotologs e blogs e eu, como sempre tive essa necessidade maluca de me mostrar pra estranhos através de textos, tive blogs, fotologs e tudo mais que a internet discada da época podia proporcionar.

era 2007 e blogger era já uma efervescência meio velha. ninguém escrevia cartas de amor por aí na internet. já tinha surgido o orkut e a gente podia mandar testimonial. mas eu gostava de ter meus textos publicados em algum lugar. principalmente porque escolhi fazer design onde descobri muito cedo que ninguém gostava nem de ler, o que dirá de escrever. esse blogger foi a única coisa que perdurou desde então. desisti de um blog sobre futebol (era terrível) e um outro sobre moda em que eu escrevia mal e tirava fotos piores ainda. mas esse sobrou.

nunca fiz sucesso com ele. não sei se por vergonha de divulgar ou se porque eu escrevo mal mesmo. teve uma vez que eu escrevi um texto sobre a usp que virou um hit de um dia, mas não me rendeu muita coisa além de cinco solicitações de amizade no facebook e três marxistas me xingando de maneira pouco gentil. hoje acho que eu nunca fui muito lida porque meus textos eram confusos e, por vezes, ruins. quando eu escrevia eu não achava, mas hoje acho que esfregar a própria vida desse tanto na cara de qualquer pessoa (ou mesmo no papel) é um pouco nocivo e três tantos infantil.

mas esse universo num pedaço de papel foi o único jeito que eu encontrei de lidar com as trezentas crises amorosas que tive durante a faculdade e depois dela. só me meti em roubada. tente achar um texto sobre amor feliz nesse espaço e fracassarás. eu era uma roubada também. tem tag aí com "amor verdadeiro e eterno" que na verdade são só textos sobre um amor platônico que tive pelo meu melhor amigo e encasquetei que ele era o amor da minha vida e nunca teria alguém como ele. hoje sei que se tivéssemos namorado hoje já estaríamos separados e ele vive feliz e bem com alguém que é o total avesso de mim. prova concreta que eu romantizo demais as coisas. culpo o caio fernando abreu que lia na época.

prova cabal também do meu descontrole. qualquer terapia bem feita ou ida ao psiquiatra mais cedo teria dado cabo à esse monte de aventura amorosa errada que me enfiei. renderam bons textos, talvez. alguns nem tanto. essa coisa de aumentar o que não existia é o que fez tudo isso que existiu aqui. nada disso existiu nessa intensidade que vocês leram um dia. na minha cabeça, sim. na realidade, nunca. mas é claro que tem muito de mim em tudo isso e sem esse espaço eu já estaria pelas ruas surtando há muito tempo atrás.

escrevo muito sobre mim. o tempo todo. uso aquele verso do carlos drummond pra quase tudo. "me exponho cruelmente nas livrarias. preciso de todos". sei que isso me define desde os 14 anos, quando li "mundo grande" pela primeira vez e a única coisa que a gente tinha pra postar na internet era o fotolog. naquela época não tinha "era da informação" "selfie" e essa palhaçada toda. naquela época eu tinha que esperar a uol conectar ao telefone pra postar meus textos, que por muitas vezes ficavam só guardados no computador mesmo.

escrever sobre si é sempre um exercício menor. quando a gente ouve sobre os bons escritores eles quase sempre tem que inventar uma ficção maravilhosa sem usar como matéria prima a própria vida. dão ao nome de quem escreve sobre si "autoficção". eu também achava uma literatura menor, até que fiz um curso sobre autoficção e percebi que tá ok escrever sobre a própria vida. grandes nomes o fazem. gente respeitada. livros bons pra caralho. escrever sobre si não é crime. pode ser narcisismo, mas crime não é.

fiz esse curso três meses depois de terminar um relacionamento em que ouvi centenas de vezes que eu me expunha demais. minha vida deveria ser uma conchinha sagrada e eu devia ficar com aquela montoeira de coisas só pra mim. "ninguém quer saber das suas histórias, ainda se fosse uma boa ficção". essa mesma pessoa via muitos filmes. fico pensando que alguns desses filmes são baseados na vida dos autores. imaginem se eles tivessem resolvido que ninguém quer saber das histórias deles, quantos filmes a menos teríamos?

mas isso não vem ao caso. não estou me comparando ao woody allen de maneira alguma. é só que por muito tempo pensei em deletar isso. deletei por um tempo. pensei em migrar de endereço. pensei em setenta e oito coisas pra fazer com isso. me culpei pelas coisas que escrevi aqui e olha que eu sempre ficciono tudo. nada do que aconteceu aqui era somente o que aconteceu. não teria como. a partir do momento em que eu começo a contar uma história ela já não é o que aconteceu. fiquei num hiato de meses. acho que de anos. temia que esse cara de quem eu queria amor me visse aqui expondo as coisas e nunca mais quisesse saber de mim.

a gente teme muita coisa trouxa nesse mundo e essa foi mais uma delas.

eu fui trouxa mesmo. por anos. nesses últimos anos mais. eu parei de escrever porque alguém me disse que ninguém queria ouvir as minhas histórias. e olha que eu nunca quis que ninguém ouvisse. eu só preciso escrever. de vez em quando vem um e-mail dizendo que eu disse o que a pessoa não conseguiu dizer e pra mim tá bom.

aí eu me tratei, vivi a minha vida, passei (e ainda passo) por grandes barras e sofrimentos pesados como todo o ser humano. não tenho mais tantas histórias de amor tristes pra contar porque entendi que amor não tem que ser essa loucura, não tem que ter vinte textos de tragédia. amor tem que ser leve e eu vivo um desses agora.

dia desses esse amor me deu uma caneca com da definição do que é escritor. ele disse que aquele era o meu trabalho. eu disse que não. ele disse que sim. que eu vivo escrevendo. e se eu vivo escrevendo eu sou escritora. e aí eu percebi que tudo isso teve importância. cada história. cada momento desses fez o que eu sou. eu vivi escrevendo. eu escrevi o que eu vivi.

e se eu pudesse dar só um conselho (embora eu deteste conselhos) ele é: nada do que voce faz ou fez é desimportante. nada. é a sua vida e a sua vida vale a pena. sempre vale. e quem não acredita nisso junto com você não merece fazer parte das suas histórias.

voltei.