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14.8.10

Cinzas-Sábados

Eu tinha me prometido. Tinha dado adeus a literatura vazia para meninas de quinze anos. Não queria mais, nunca mais amor. Nunca nunca mais. Tenho me achado fraca, boba e imbecil. Tanto como escritora quando na vida. Tenho me enjoado de vomitar palavras como se a literatura nascesse de dentro de mim como coisa-viva. Pra quê? É como se eu fosse a invisível guardiã da felicidade alheia enquanto triste sou e me vomito. Vomito minha infelicidade nas costas de todos para que eles sintam culpa de serem felizes.

Aprendi em uma aula qualquer de literatura, ou produção de texto que se escrevem os títulos no fim da história. Deve ter sido a lição que melhor aprendi porque tanto na vida quando na literatura eu nunca sei do que estou falando exatamente nem como e quando vai terminar. Hoje é sábado, o dia amanheceu ensolarado e frio e tem um azul acinzentado no céu de londrina. Londrina tem sido a minha casa por exatos vinte-e-um anos e hoje me sinto não ter exatamente uma casa, percebo que posso me acostumar a qualquer lugar desde que continue em condições normais de pressão e temperatura. Uma sobrevivente, talvez. Me lembro de enormes sábados chuvosos e frios e também os sábados quentes e também tantos outros sábados mas esses tem sido tristes. Tenho vontade escrever longas cartas para todos e dizer que estou infeliz. Eu não sei como nem quando aconteceu essa separação de interesses mas tem acontecido há algum tempo, eu até queria explicar exatamente quando isso aconteceu, mas eu prefiro me calar.

Data de um ano que descobri a coadjuvância das pessoas na minha vida e que tentei ser a mocinha da história sem sucesso algum, e é algum tipo de dor entalhada e doida que não vira nem literatura de tão real que é. Vocês percebem? Existem coisas que de tão reais não podem ser contadas, ou escritas, pois cada palavra malfeita pode trazer consigo o peso de uma ferida aberta e cada novo parágrafo é como jogar o sal na ferida e continuar salgando e batendo. Eu só me expus assim quando transbordei. Hoje eu preciso calar um pouco. Já derramei muitas lágrimas tentando sem muito sucesso transformar vida em literatura, tentando maquiar aqui e ali pra ver se tirava a dor. A dor continua, bonita ou não bonita, fazendo o que tem que fazer. Às vezes as dores criam lindos personagens ou incríveis exposições de arte, mas a minha de dor se transforma em dor e de dor em dor e assim sucessivamente. Hoje estou cansada. Cansada de relembrar a tristeza dos sábados vazios. Cansada das pessoas a minha volta, dessa insistência que tem as pessoas de mostrarem que são fortes e pouco suscetíveis a qualquer paixão ou desamor que seja. É estranho parecer a única pessoa frágil do mundo.

Mas eu sei que vocês doem também, nas suas vidas erradas, nas suas felicidades não contínuas, nas suas manias de esconder tudo por pura vergonha. No vício de continuar amando aquilo que não amam, de continuar enxergando amor onde não existe ou nunca existiu qualquer coisa que seja. Eu sei que as pessoas são infelizes nas janelas de suas casas vendo televisão, já não amando mais, já tendo perdido o romantismo. Eu sei que são infelizes nos cigarros que acendem novos, nas garrafas de cerveja sem sentido, nos sonhos que ficaram. Sei que são infelizes a cada tragada de maconha, a cada inconseqüência juvenil, a cada amor da sua vida que perderam pelo caminho, a cada estrada errada que continuaram seguindo por puro comodismo. Sei que são infelizes em seus cursos, em seus trabalhos, em seus namoros que continuam unilaterais: você ama sendo desamado mas então acha que pode amar por dois e amaldiçoa quem inventou a besteira da reciprocidade como se ela não existisse (quando você sabe que existe).

Eu sei que ser feliz é simples. Você sabe também. Todos nós sabemos que o que a gente tem não é felicidade. É outra coisa. Eu me sinto o único ser infeliz da face da terra. Vocês me tratam como um bichinho esquisito e fora de lugar. Eu digo o que vocês temem em dizer. Vocês também já tiveram muitos sábados mais felizes que esse na vida. Só temem em dizer. Mas sabem. E assim como eu, choram a falta. Em seus quartos, com suas cervejas, com seus cigarros, com a sua namorada, na frente da tv, depois do sexo, rindo pra disfarçar. Mas choram.

Todo mundo sente igual. O vazio.