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29.2.12

É triste a saudade longe de você.

Vó.

Nunca recebi conselhos seus, que resolveu se ausentar desse mundo muito antes de eu sequer entender os mistérios da vida e da morte. Tudo que você teve tempo de me ensinar foram algumas coisas muito pontuais: gostar de café, de paçoca, arrumar os cabelos do jeito correto, e orar a deus quando as coisas apertam. Continuo seguindo os conselhos rigorosamente, embora o relacionamento com deus não esteja lá muito estreitado ultimamente. Não sei se isso é bom, vó. É bom ter algo em que acreditar, e eu, sinceramente, ando muito sem esperanças. Tudo que eu aprendi com você foi a mãe que me contou. Sabe, vó, esses dias ela me disse muito triste que se você estivesse viva, não se orgulharia dela. Ela disse que não soube tomar as rédeas da própria vida e que, tem sido, nos últimos anos, uma pessoa sem iniciativa. Ela tem vivido pelo pai, que exige muito dela, porque sempre exigem demais as pessoas que só sabem enxergar seus próprios narizes. Acho que ela não sabe o quanto é forte. O quanto é difícil se manter nessa vida ainda acreditando que alguma coisa boa há de acontecer. Eu acho que já teria enlouquecido no lugar dela. Eu passo por muito menos e já estou quase enlouquecendo. Viver não é nada fácil.

Não sei se a senhora se orgulharia de mim se me visse. Cumpri a primeira parte do seu conselho muito bem. Estudei. Continuo estudando. A mãe diz que você sempre falou que uma mulher deve ter independência financeira e nunca depender de homem nenhum. Acho que levei esse conselho a risca e tento, o quanto posso, lutar pra ser bem sucedida. O vô dizia que a gente tinha que estudar fora, mas eu nunca saí do brasil. Vó, sabe, eu tenho dificuldades de sair de Londrina. Às vezes acho que se você me visse, ia dizer que eu sou muito molona. E eu sou mesmo. Me faltam as iniciativas. Ou eu acho que faltam. Você sabe que, eu consegui me virar um pouco bem em São Paulo sozinha. A gente sempre sobrevive. A mãe tem muito medo por mim. A gente sempre foi muito apegada. A gente anda é. Não sei como a gente conseguiu segurar as barras da vida. Não sei como sobrevivemos à sua doença, ou a morte do vô. Não sei como permanecemos fortes depois de perder vocês dois, que foram por anos, a nossa companhia diária. Eu vi você morrer na minha frente, e continuei viva. O vô se foi, e eu continuei viva. Eu e a mãe, continuamos. Continuamos também naquela vez que tivemos que enfrentar uma viagem toda de Londrina até Campinas sabendo que o pai estava na UTI. A força vem, de algum lugar. 

Mas sabe, vó, eu tenho estado um pouco fragilizada. Acho que é da vida. Passei por bastante coisa nesses vinte três anos, e tive muito pouco tempo pra pensar na minha vida. É claro que eu nunca tive que tomar as rédeas da minha própria vida na marra, como você e a mãe tiveram, e também espero que não tenha que ser assim, tudo tão traumático. Mas a vida é feita de traumas. Eu não sei que você diria se estivesse viva. Talvez mandasse eu enxugar essas lágrimas do meu rosto e ir viver. Imagino também que diria, em todas as vezes que eu me desesperei nos últimos dez, talvez cinco anos, que homem nenhum no mundo merece o nosso sofrimento. A mãe sempre diz que a senhora dizia que a gente nunca devia se rebaixar por homem. Sempre tomar as rédeas da própria vida. Sempre ser independente o suficiente pra poder estar com o homem por escolha, e não por necessidade. Investir um dinheiro num apartamento só nosso. Ter um lugar pra morar em eventualidades. Saber cozinhar e lavar a própria roupa. Acho que não sei nada disso direito, vó. E tenho passado pelo inferno. O inferno da insegurança, do não-saber-o-que-fazer, de não me sentir capaz. Eu sei, eu sei que você diria que ninguém no mundo tem o direito de fazer a gente se sentir incapaz. Que ninguém no mundo tem o direito de dizer que a gente não pode fazer alguma coisa. Porque a gente sempre pode. Você dizia que a gente tinha que acreditar na gente, na capacidade da gente. Eu sei, vó, que você ia me mandar enxugar essa auto comiseração e ir viver, ir ser essa menina "sacudida" na vida. Não tenho conseguido me sacudir, não, vó. Nem com café, nem com paçoca, nem sabendo que você, a mãe e o vô estariam bem bravos com essa minha preguiça de viver. Até meu pai anda menos orgulhoso do que já foi de mim, e vive falando das filhas dos amigos dele que fazem cursos no exterior e dos meus primos com seus apartamentos nos jardins.

Sabe, vó, eu nem queria ser rica. Vocês não foram ricos nem nada. Eu só queria ser feliz, sabe? Não chegar um dia e querer desistir da vida como você quis. Ser diagnosticada com depressão, a doença incurável, porque de repente, mesmo depois de todo o esforço, a vida parecia pesada demais pra ser vivida. Nem você, a mulher mais forte que eu já conheci, teve vontade o suficiente de continuar lidando com as injustiças da vida. Você viu um neto morrer e decidiu que era demais aguentar isso da vida, e então não quis aguentar mais. E foi parar num outro mundo. Um mundo em que de vez em quando você lembrava do meu nome e me oferecia café. Me lembro de, vez ou outra, você me pedir pra te levar pra casa. E eu, na minha inocência infantil dizer "Mas vó, você tá em casa". Eu acho que casa não é o lugar onde a gente mora, né vó? Casa é o lugar onde a gente se sente confortável no seu próprio corpo, e você só queria voltar pra um lugar onde fosse feliz. Na sua cabeça era minas gerais. Eu não sei onde é esse lugar. Acho que ainda não descobri. Não sei se você se orgulharia da pessoa que tenho sido. Acordando depois do meio dia sempre, e com pouca vontade de viver. Provavelmente, ao ver me ouvir te contar essas coisas, você me diria pra largar de "bobiça" e eu concordaria com você. Viver é uma estrada complicada. Hoje eu entendo porque você desistiu. Tem vezes que é muito mais do que a força da mulher mais forte que eu conheci pode suportar. A vida é cruel. Eu tenho medo de desistir um dia também. 

Só que sabe, vó, por enquanto não. Por enquanto eu sei que se você aqui estivesse me diria que eu sou nova demais pra esse tipo de lamentação e que, existe muita coisa além disso que eu vivi pra viver ainda. Eu teria que concordar com você. Tudo seria mais fácil se você estivesse aqui me falando isso com biscoito de polvilho e uma xícara de café, mas eu me contento em saber que aprendi pelo menos um pouco daquilo que você ensinou. Tem sido difícil. Às vezes eu também tenho vontade de voltar pra casa, essa casa que eu não sei onde é. Às vezes eu sei que sou fraca demais, e sei também que por vezes me deixo acreditar quando me dizem que eu não sou capaz. Mas se eu aguentei te perder, né vô? se eu aguentei perder você e o vô, porque eu não aguentaria perder um emprego, um amor, uma casa, dois ou três amigos. A vida é feita de perdas. Umas doem mais do que as outras, mas a gente sobrevive. Sobrevive porque tem que. Sobrevive porque você ensinou a mãe a ser forte, e me ensinou também. Esse é o jeito que a vida deu de te manter viva, vó. Você vive nos meus cabelos finos e oleosos, na minha mania de nunca sair desarrumada, e principalmente, em tudo que me ensinou a ser. Eu estou devastada, mas não vou sucumbir. Ninguém tem direito de tirar a felicidade da gente, é isso que você dizia. Você dizia também que a gente nasceu sozinho e vai morrer sozinho então cabe a nós e somente a nós traçar o nosso caminho. E eu espero que o meu te deixe orgulhosa, vó. Onde quer que você esteja. 

Com o cheiro de café e bife com alho que vai estar sempre na memória, 
Sua neta mais nova. 


26.2.12

Desculpa se te chamo de amor.

Sinto muito sono na Campinas que não é (e nunca foi) minha, e torno-me então esse ser incapaz de dizer qualquer coisa que seja - dessas coisas importantes que são necessárias dizer de vez em quando - e desisto de escrever sobre meu voo atrasado, as velhas que se amontoaram medrosas, as turbulências por entre as nuvens. Me sinto incapaz. Meus olhos fecham de cansaço e me sinto exausta. Foram muitas horas sem dormir, e um domingo inteiro passado nessa terra de ninguém chamada aeroporto. Tive muito pouco tempo, em meio a fome, a sede e a irritação com as brigas dos meus pais para que pudesse pensar nessas coisas da minha vida, essa minha vida sempre confusa. Sei que me excedo, eventualmente, e sei que tenho esse vício inconsciente de ferir de algum jeito meio esquisito tudo aquilo que sei que posso vir a amar. Tenho muito medo. Um medo que não posso te contar porque não consigo nem entender direito e de repente me sinto cansada sentada naquelas cadeiras desconfortáveis e cinzas, em frente à um menino que ronca quase como você. Eu queria te dizer várias coisas, mas sempre acabo desabafando desse jeito meio errado e usando as palavras inadequadas.

Talvez eu quisesse brigar com você, te ferir de verdade, te machucar de um jeito muito profundo, pra que você sentisse vontade de me machucar também e aí, quem sabe, eu pudesse sair correndo de você com um motivo quase-concreto. Talvez você faça a mesma coisa, essa defesa esquisita, de sempre usar as meias palavras pra tentar dizer aquilo que queríamos dizer, ou talvez não seja nada disso, você sabe, eu tenho muito sono. Muito sono mesmo. Tenho tanto sono que de repente sinto vontade de deitar na sua cama apertada, no seu quarto quente e cheio de pernilongos, e chorar no teu peito molhando sua camiseta branca. Eu choraria sem saber porquê, mas seria um choro sincero, esses choros que vem de sentimentos que a gente não explica direito, que vêm dessa vontade de se sentir em casa. Eu quis sair da minha casa porque me sinto melhor na estrada. É bom não estar em casa nenhuma que seja minha porque assim eu tenho a impressão de não estar morando no lugar errado. Estar no meio das nuvens era mais reconfortante do que estar no meu quarto. Eu me sentia livre. A liberdade que eu não tenho naquele edredom de flores que nada tem a ver comigo, que eu não tenho naquele calçadão de londrina já tão diferente do da minha infância.

Te via dizer que me queria nos seus cafés de domingo, ou na sua tarde vazia e fazia um pouco caso quase ensaiado. Eu queria não te querer de volta. Eu queria não querer acordar com você na sua cama apertada e tomar café na sua padaria preferida, e almoçar em meio a garçons que não nos atendem e pratos que vêm errado. Eu queria não sentir medo de te perder, assim, clichê como são os meus textos de mulherzinha. Eu queria confiar que a vida, traiçoeira, não vai nos separar na próxima esquina, ou no próxima vez em que você for apresentado à uma garota nova, e ela quem sabe, não amarrar a camisa jeans do jeito errado por cima do vestido. Eu queria não querer de novo os sábados e os domingos, e até as terças feiras em que você dormia enquanto eu sentia aflição, porque você não sabe, mas eu tenho aflição de ficar acordada sozinha, em qualquer lugar que seja. Tenho também muito medo da vida dar errado e tenho também muito medo daquilo que sinto, porque gosto um pouco mais de ser eu-lírico na vida, inventando sentimentos que na verdade não existem. Eu não sei se alguma coisa existe de verdade assim, concretamente, mas sei que te agrido sem querer toda vez que percebo que você está distante demais desses meus braços magros que precisam de abraços todos os dias ao acordar. Te agrido só porque queria você mais perto, porque queria estar no fim dos seus dias cansados pra te fazer um chá, um café, uma salmoura. Me dói ver você recebendo notícias tristes e não poder te abraçar, tem me doído a distância, e ela já não dói física, dói por me privar do poder-estar-presente em qualquer coisa mais do que mensagens de celular e comunicações mediadas via aúdio e vídeo. Me sinto impotente. Te agrido porque tenho medo de estar querendo errado, e acabo por sucumbir a joguinhos infantis de quando tinha dezoito anos e não sabia amar.

Ainda não sei amar. E tudo isso soa débil. E esse texto é débil. E eu sou débil. E o amor é débil. Mas o amor existe, enfim? Esse assim, existe alguma coisa mesmo em mim? Não saberia te dizer. Nunca sei o que te dizer. Não sei terminar esse texto. Não sei estar longe. Não sei o que estou sentindo. Isso não é literatura. Sinto muito sono e espero que você me dê notícias. O tempo todo espero notícias suas para ter a falsa impressão de você estar mais perto. There are many things that I would like to say to you but I don't now how. Não sei o que sinto por você, me confundo nas nomenclaturas, me irrito, te irrito, brigo com você e te quero no momento seguinte. Com suas camisas furadas. Fells like home. Eu com sono sinto vontade de te dizer que você é a minha casa e eu moraria em você. Queria ter tomado com você um café, visto filmes na sessão da tarde (que de domingo não é sessão da tarde), segurado a sua mão o dia todo, te deixado deitar na minha coxa enquanto fazia cafuné. Só que sinto tanto medo disso que te tenho vontade de te socar na cara. E soco. E sei que não devia. É a minha defesa. As dores da vida nos deixam com umas manias idiotas, tipo fechar os olhos quando o avião parece que vai cair. Isso não impede a queda. Nada impede a queda, se ela tiver que acontecer. Desculpe por não saber lidar. Desculpe se te chamo de amor. 


(desculpe por esse texto).



20.2.12

Londrama

Rascunhei nos cadernos mil coisas pra te dizer e queria te explicar, solenemente, em forma de literatura bem produzida todos os motivos que me levaram a ser como sou, ou ser o que sou, ou ter me tornado enfim isso, assim, malfeito, mas preferi calar. Meus cabelos mal arrumados já não aguentam o peso de tantas escolhas e eu enfim descubro não precisar tanto assim ser aquilo que nunca desejava ser. Há outros caminhos, outras medidas, o ano se põe leve para que eu coma mais do que deseje ser magra e queira mais ser amada do que esquecida no canto da festa então eu só quero te dizer que: já parti.

Free and easy, we'll disappear completely

Queria dizer a ele milhares de coisas. Calou-se deixando a caneta e o papel de lado e deixou a mensagem escrita nos rascunhos. Pensou em talvez marcar pra dizer pessoalmente que "nós não damos mais certo", mas achou esforço demais. Ele não estava assim tão interessado em nós - se é que havia existido algum 'nós' em qualquer momento que fosse - e ela estava cansada demais. Seria assim: ele chegaria em casa e não mais a veria. Tinha feiro as malas, empacotado os presentes, separado os livros. Não mais uma estante compartilhada, não mais os almoços feitos pra dois, não mais coisa alguma. E não precisava de explicação nenhuma porque a explicação era lógica: nunca haviam se amado. Parecia cruel dizer assim, depois de tantos meses de convivência, mas era essa a verdade enfim: não havia amor.

Quando se conheceram se julgaram compatíveis. Deveria ser fácil conviver com alguém tão igual assim. O mesmo jeito de pensar a vida, o mesmo gosto pra música e filmes, o mesmo gosto para comidas. Haviam apaixonado-se em uma festa de faculdade, conversaram por horas e horas e depois julgaram-se aptos para ter um relacionamento. Três meses depois estavam morando juntos: era mais fácil dividir as despesas. Viviam como colegas de apartamento. Nunca se chamavam de namorados quando saiam um com o outro e nunca haviam se dito "eu te amo". Nem esses que a gente cala, envergonha e diz com os olhos. Nada disso tinha acontecido. Ela ainda tinha alguma esperança. Talvez fosse aquilo, o jeito torto dele de amar. O deixar chocolates na escrivaninha, o trazer um livro que ela talvez fosse gostar, o colocar a sua música preferida na hora do almoço. Mas ele nunca soube o que é o amor, e ela estava velha demais para ensinar. 

Seria mais simples se os amores ocorressem assim, tal como fórmula matemática. Dois seres extremamente compatíveis, somados com afinidades em vários aspectos teriam que ter como resultado: o amor. Mas acontece que, aparentemente, a formula para os encantos da vida é um pouco mais complexa que essa e envolve algumas variáveis. Ela se irritava com o jeito apático dele frente a tudo. Por vezes chegava da rua com várias novidades pra contar e ele ouvia desinteressado. Cabia a ela procurar um amigo pra contar tudo aquilo que lhe era importante. No começo ela ainda insistia, contava-lhe as coisas, as novidades, suas conquistas, mas depois desistiu por inteiro. Não compartilhava mais nada. Sentia-se cansada. 

Se fosse mesmo escrever uma carta para explicar o porquê do abandono, teria terminado com "eu deveria ter tido mais paciência". Deveria ter tido mais paciência, porque eram felizes. Esquisitos, mas felizes. Conseguiam se divertir com filmes, os programas na tv, as aventuras culinárias. Conseguiam discutir livros, indicarem-se músicas, sair pra dançar. Mas isso nem sempre bastava e ele parecia sempre um pouco enjoado da presença dela, depois de um tempo. Dificilmente saiam sozinhos e ela sempre dividia o seu homem com uma legião de amigos. E depois dos amigos, dividia-o com seus ídolos. Ele sempre admirava em alguém alguma coisa que ela não tinha. Ora era a cor do cabelo, depois era o jeito de escrever, e às vezes qualquer coisa sem sentido, que a fazia sentir sempre inadequada. Por mais que se esforçasse, tentasse, se superasse ela era sempre pouco. A profissão errada, o jeito errado de colocar o cabelo, a escolha inadequada das frases, o desajeito, o falar-demais. Ela aprendeu a esquecê-lo na vida também e acabava por troca-lo pelo trabalho, pelos livros, pelos filmes que preferia ver sozinha. Não demorou muito tempo até que perdesse completamente a paciência por se julgar completamente inadequada - e dispensável - na vida daquele homem que um dia se julgou capaz de amar. Deveria ter tido mais paciência, mas não era capaz.

No dia que resolveu partir, havia percebido que, por mais que tentasse, nunca seria capaz de amar completamente aquele homem pela metade. Era preciso mais. Era preciso mais que as noite divertidas em que viam filmes, era preciso mais do que ter as mesmas opiniões sobre os mais diversos assuntos, era preciso mais do que ter a mesma banda preferida. Havia percebido também que não tinha porque se explicar porque a verdade era clara: nunca tinham se amado. Gostavam da companhia um do outro, mas nunca houve espaço para o coração esperar apressado pela nova mensagem de texto, pela hora do outro ligar, pelo momento em que chegaria em casa. Não havia o olhar apaixonado e cumplice, não havia o companherismo, não haviam nem ao menos piadas de casal. Não havia nada exceto a promessa de um dia poder ter sido.  E pareciam seguir esperando, os dois, pelo dia em que se olhariam e qualquer mágica fizesse com que finalmente se tornassem um casal. O casal que nunca haviam sido. 

Pegou as malas - não eram muitas - e naquela manhã mesmo deixou a casa que nunca tinha sido um lar.  Queria ter se explicado, queria se perguntar porque foi que aquilo que podia ter dado tão certo acabou assim, desavisado, mas calou-se. Sabia que a culpa não era de ninguém, que amor não é jogo de somar. Amor acontece, ou não acontece e é preciso um pouco mais do que dividir o mesmo espaço pra se ter um lar, assim como é preciso um pouco mais do que um segurar de mãos para ser um casal. Deveria, quem sabe, ter tido mais paciência, mas sabia que não podia. Queria mais, queria ser amada, queria ser admirada, queria de novo o nervoso, o suor nas mãos, o medo de dizer algo errado e estragar tudo. Queria ser olhada nos olhos, desejada, conduzida, queria ser mostrada com orgulho, queria ser priorizada, queria se sentir parte de algo maior. Não se sentia. Talvez descobrisse não ser possível viver sem ele, meses depois. Talvez ele descobrisse que devia ter se esforçado mais, depois de perdê-la. Talvez não descobrissem nada e seguissem as suas vidas. Tudo que soube ao deixar a casa é que subitamente se sentia inteira demais para ser querida assim, tão pela metade - e se sentiu completa. 

17.2.12

half the world away

(I've been lost I've been found and I don't feel down)

Era difícil transformar a distância em coisa palpável, digna de ser escrita. Talvez fosse necessário uma metáfora, dessas assim bem feitas, dessas que traduzem perfeitamente o sentimento que não tem representação, e nem se pode desenhar. Podia, é claro, desenhar no mapa, contar em quilômetros, representar através do google maps qual era a trajetória mais rápida para ligar dois pontos. 480km. 8 horas de viagem de ônibus. 6 horas de carro. 1 hora de avião. 84 reais de passagem. 60 reais de pedágio. 119 reais pela gol em promoção. Qualquer coisa dessas não seria digna de traduzir o que é estar longe daquilo que se queria perto. A distância é cruel. Sabe-se que é cruel quando se vê os choros nos aeroportos e nas rodoviárias, as pessoas se abraçando sôfregas, se beijando com gosto de sal, não querendo largar as mãos. Depois que se entra no ônibus, no carro, ou no avião, tudo é uma coisa meio sem volta. Meio porque sempre há como se voltar, pegar o mesmo avião em que se partiu, voltar pelo mesmo caminho que se foi, pagar os mesmos reais na passagem de ônibus, mas enquanto a volta não acontece tudo é cruel.

Os dias passam rápido demais quando em boa presença, mas dão de passar devagar depois que se dá a distância. É difícil se manter presente na ausência. Às vezes as palavras dizem muito pouco, e por mais que a tecnologia esteja avançada, os audiovisuais ainda não aprenderam a substituir o toque. Consolar à distância também se torma uma arte difícil, é preciso fazer todo um tratado, uma epopéia quem sabe, pra poder chegar perto do que um chá e um colo - quem sabe um cafuné - fariam. Estar distante é sentir-se preocupado por coisas que não fazem parte da sua rotina, é estar aqui e a cabeça voar pra outro lugar, é querer notícias e notificações em qualquer lugar que seja, que digam que o agente causador da saudade está bem, vivo, respirando e quem sabe: feliz. Sentir que a outra pessoa não vai bem na distância dói duas vezes. Dói primeiro como doeria em qualquer pessoa, porque ninguém gosta de ver a pessoa que gosta sofrendo, e depois dói porque ao ver a pessoa que se gosta sofrendo, as formas de fazer isso se atenuar se tornam escassas. É possível, é claro, dizer várias palavras por telefone, mandar e-mails, sms, conversar pelo skype, pelo msn, seja lá por onde for, mas não se pode abraçar, não se pode olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem, não se pode dar as mãos, levar pra um café, colocar um filme, fazer uma comida. A distância extirpa a possibilidade mais bonita do estar com a outra pessoa: o silêncio que só é possível em presença. Porque às vezes não é preciso dizer nada, só é necessário estar junto. E pra se fazer presente em meio à distância é preciso a fala, é preciso o texto, é preciso o aúdio, e não é possível o calor do toque.

A distância é cruel porque tira a possibilidade mais primitiva do relacionamento entre duas pessoas: o simples estar junto. E é no meio da distância que às vezes a gente percebe que pra estar bem, não é necessário muito, é só necessário estar junto. É claro, são interessantíssimos os programas a dois, os cinemas, os bares, as lojas, as livrarias, os restaurantes e todo o universo que uma cidade é capaz de dar a duas pessoas que saem juntas, mas existem dias que nada disso é assim, tão imprescindível. Era possível que estivéssemos felizes sentados na calçada, na cama, no sofá da sala. Era possível que estivéssemos felizes se ele estivesse no quarto lendo um livro enquanto eu termino um trabalho no computador. Era possível até, que estivéssemos cada um em uma parte da cidade, mas pudéssemos contar com a certeza do encontro daqui há algumas horas, quando fosse necessário, ou quando simplesmente quiséssemos. A distância é cruel porque tira a possibilidade da presença, diminuindo ela aos feriados, às viagens, aos telefones, às mensagens de texto, às chamadas no skype. A distância é cruel porque separa. Porque separa dois corpos, duas mãos, duas bocas, dois olhares, dois cheiros, porque mina a possibilidade de. A distância é cruel porque faz com que se viva as vidas meio que pela metade. Tudo que se vive aqui acontece duas vezes, ou acontece pela metade. Acontece duas vezes quando eu penso que esse café é legal, mas também seria legal na presença dele. Acontece pela metade quando um lugar é chato, mas poderia ser legal na presença dele. Acontece triste, quando eu sei que ele não está bem e eu não posso fazer muita coisa. Acontece preocupada quando eu não estou bem, e ele sabe que não pode fazer tanta coisa assim. E dói porque por mais que façamos, sabemos que poderíamos fazer mais, se estivéssemos mais perto. A distância é cruel porque ata, porque diminui, porque impossibilita.

É difícil dar nome e voz à distância. É difícil mensurar a saudades, a falta, a preocupação. É difícil suprir a vontade de um abraço com uma mensagem de texto, é estranho querer chamar pra um café e só poder ligar. A distância é o livro que leio e não posso te mostrar, é o lugar novo que conheci e que não posso te levar, é o sorriso que dei e você não viu, a distância é aquele cachorro que corre em círculos tentando pegar o próprio rabo sem nunca conseguir. A distância é o andar em círculos desse cachorro que corre, que quer muito, que chega perto, que tem a parte junto de si em seu corpo, mas que nunca alcança de fato. A distância é essa lágrima que cai e que ninguém seca. É o vazio da presença, é o estar nessa cidade, no meio de 500 mil pessoas diferentes e nenhuma delas servir tão bem quanto. É um querer que ninguém mais ocupe o lugar do seu lado no cinema, é sentir-se plenamente feliz faltando um pedaço, é um quebra-cabeça que sempre falta uma peça. Estar distante é não conseguir dividir a tristeza e nem compartilhar a alegria, é o simulacro quase sem sentido da realidade que acontece separada, é ficar tentando emular como seria se estivéssemos perto, é nos mandar beijos por vídeo esperando que eles fossem reais. A distância - eu pensava que não - é essa coisa que castiga. Castiga meu coraçãozinho forte, que pensava sobreviver (porque já sobreviveu) à longas distâncias e baixas temperaturas. Sobreviver ele sobrevive, mas hoje bate devagar, como viajante que respira menos em longas altitudes. A distância é meu coração tentando respirar com ar rarefeito. 

Eu respiro com o ar rarefeito nessa cidade de terra vermelha, sinto um tico da sua dor e me sinto impotente. Tenho vontade estar mais perto, e de algum jeito estranho - e muito pouco racional pra essa cabecinha que sempre gostou de coisas palpáveis, exatas: dois mais dois é igual a quatro - sei que vai ser  possível. É que apesar de todos os pormenores da distância que castiga, existe aquele sorriso de fim de noite, depois de uma ligação que me gastou metade dos meus créditos telefônicos, porque existe alguém ali pra mim. Alguém que se faz presente em mensagens de texto, notificações de redes sociais e na conversa rápida do audiovisual e das linhas telefônicas. Alguém que é o meu café pra começar o dia disposta, e o chá de camomila depois do dia cansativo. O ombro pra encostar, o olho esquerdo piscando moleque, uma espécie de porto seguro pra essa minha vida que vai barquinho na correnteza, o cais onde eu posso quem-sabe atracar por tempo (in)determinado. Hoje eu sou aquele cachorro que abocanha o próprio rabo. Porque a distância existe, castiga, machuca, mas parece transponível. A distância é só um clique. 



12.2.12

a plataforma dessa estação é a vida

Me lembro de ter algumas vezes nesse ano, clamado por uma luz. Não sei se acredito tanto assim em luzes e em caminhos que se abrem, mas estive tão sôfrega que achei ser necessário. Entrei 2012 com o gosto do ano novo entre amigos que já não são o que eram, tudo parecendo uma casa meio despedaçada em que a gente continua querendo fazer a imagem da casa bem pintada da infância. Amo alguns deles ainda, e poderia dizer que amo todos, sem estar mentindo, mas fato é que não somos aquilo que éramos ano passado, quando tudo parecia ter um pouco mais de esperança. Foi no meio dessa diáspora da amizade que me perdi bastante, e foi no meio disso que estive muito próxima de todos aqueles que na verdade sempre foram o meu caminho. Entrei o ano com a esperança de uma vida que não seria mais aqui, mas seria boa. Viajariamos por são paulo e curitiba, até arrumar uma cidade certa pra morar: essa cidade é a nossa cidade. Nós sempre soubemos (eu e ele) que londrina era pequena demais pros nossos sonhos cheios de cafés e noites que duravam até as seis da manhã. A londrina que fecha cedo e nos deixa aberto só o patio san miguel (caro) e o drive trhu do mc donald's (lotado), já não abracava a nossa vontade de comprar tudo aquilo que sempre desejamos comprar. Dificil admitir isso assim, num país tão cheio de desigualdades, mas fomos criados pelos nossos pais tendo tudo aquilo que desejamos. Estivemos acostumados às boas cervejas, boas roupas, boas carnes, bons lugares, bons drinks e uma casa grande. Não nos satisfaz a vida de poucos mil reais, em uma casa média, com uma família mais ou menos feliz. Ele soube disso um pouco antes de mim, quando foi pros estados unidos. Eu só me dei conta quando fui meio desavisada parar em são paulo, e percebi que, talvez seja necessário pra uma vida plena, pelo menos uma vez na semana sentar em pufes lotados das livrarias depois do trabalho, ou pedir, extrapolando o clichê, um café no starbucks, nos aproveitando da internet wifi.

É engraçado quem nos ouve dizer tudo isso, porque parecemos caipiras com o sonho da cidade grande. É que nascemos em Londrina, mas de repente percebemos que Londrina não nasceu tanto assim em nós. É bonita a cidade, o calçadão, o jeito com que os ônibus sempre voltam para o mesmo terminal, seja lá qual for o trajeto, o shopping catuaí, as duas ou três boates frequentáveis, os quatro ou cinco bares de que gostamos genuinamente. É bonito também o lago, caminhar no zerão depois do trabalho, o jeito como nada aqui dura muito depois das sete da noite (nem os trabalhos, nem as padarias). É esquisito perceber que o jeito interiorano divide um espaço com os usuários de drogas que se instauram perto daquela que já foi a alta sociedade londrinense, então somos apresentados ao nascer de uma crackolândia no meio de uma cidade que não sabe nem respirar sem choro depois das dez da noite. Nossos passos já foram menos amendrontados, nossas noites já tiveram mais sorrisos, já fomos mais amigos, Londrina já foi mais a minha casa (a nossa).  Entra 2012 e tudo isso muda, com uma naturalidade que não deveria ser, e as coisas se encaixam como jogos de tetris. Acontece São Paulo, que podia ser o descaminho, o desvio, o horror e de repente vai se encaixando nos horários certos, nos encontros fortuitos, nas oportunidades agarradas do jeito que se pode agarrar. Acontece o amigo que volta e espera estar nessa mesma São Paulo no próximo ano, e dividir apartamento, e dividir a vida. Acontece dos empregos que chegam na caixa de entrada, das pessoas que aparecem do nada, acontece até de eu pensar baixinho que, precisava de mais uma semana inteira pra ver se essa tal cidade cheia de metrôs e congestionamentos é mesmo a minha cidade, e ter a semana nas minhas mãos, como que caída do céu.

Nunca acreditei em metas, maldisse todos aqueles que planejavam a sua vida como quem planeja um roteiro de viagem onde não pode haver erros, mas de repente gosto das metas, que hoje chamo carinhosamente de: perspectivas. Espero, depois de muito choro, ser essa pessoa que trabalha com design e é extremamente bem sucedida com isso. Quero sim o reconhecimento na profissão, o salário digno, poder gastar bastante num jantar ou num vestido. Descubro que gosto dos desafios, dos planos, das análises descabidas das redes sociais. Gosto também de escrever, amo. Mas escrever pode-se se escrever nos bares, nos cafés, nas madrugadas insones. Porque de repente percebo que escrever é o que eu sou, e ser designer é a minha profissão. Designer, social media, analista de interfaces, consultora, planejadora de marketing e todas essas alcunhas que um dia maldisse, agora parecem perfeitamente encaixáveis. Parece ter se encaixado também a noção de que, para se ter férias é preciso trabalhar, e para se ter uma carreira é preciso começar de algum lugar, mesmo que doa. E eu, que já me doi de todos os jeitos, em todos os lados, me sinto pela primeira vez em vinte e três anos, preparada. Talvez seja difícil, talvez eu encare choros compulsivos durante a noite e queira desistir de tudo, mas se tem uma coisa que eu aprendi é que sempre existe uma mão pra segurar, onde quer que seja. A mão surge da onde a gente menos espera, e de repente diz pra gente, como disse aquela música chiclete do legião urbana uma vez: que o caminho é um só. Eu mudei meu caminho de rota, finalmente resolvi tomar as rédeas da minha vida, ter meu próprio cartão de crédito, acreditar um pouco mais nas pessoas. Crescer é preciso, ainda que doa um pouco os ossos enquanto a gente dorme. E eu, que nunca esperei muito da vida, percebo finalmente que existe muito mais mundo do que esse, em que a gente volta morrendo de medo sozinha, pelas ruas da cidade que dorme às nove da noite.

Não sei se acredito em sinais, me perco nesses textos pouco literários que tentam escrever qualquer palavra bem pobre e clichê de esperança em qualquer coisa que seja.  Faço uma crônica mal feita do meu dia a dia perdido, preferia estar escrevendo um novo romance, ser menos livro de auto-ajuda, mas acontece que, cheguei naquela fase da vida em que se acredita em sinais. Só que não foi a havaiana que caiu de um jeito especial, nem eu que tropecei no amor da minha vida na rua (embora tenha tropeçado um pouco pelas ruas paulistanas sim), fui eu que resolvi escrever a minha própria história, e por mais clichê que isso soe, ela tem se encaixado, feito jogo de tetris. Vou por essa (nova?) vida como pessoas que se encaixam (e se espremem) nas plataformas do metrô ansiando por voltar pra casa, ou encontrar a namorada, e aguardo pela próxima estação: paraíso.


11.2.12

the best thing you ever had has gone away

Era dificil admitir: eu tenho deixado de te amar. Eu achei, realmente, que ia te amar pra sempre, um tipo de amor encroado e fininho, que fica maltratando a gente até os últimos dias. Um tipo de amor daqueles que, depois de casada e frustrada, a gente se lembra suspirando da janela, imaginando como teria sido se tivesse dado certo. Acho que suspirava na janela até alguns meses atrás, e até dei de chorar baixinho ouvindo as nossas músicas, mas eis que de repente eu vejo as suas fotos e você não faz mais nenhum sentido. Fica, é claro, mais bem apessoado de terno, e acho que seu sorriso tímido (o sorriso que tem sido desde que nos deixamos) até tem uma certa magia ingênua, mas não me sinto capaz de te amar. Não hoje. Sei que já disse isso repetidas vezes, meio falsa, e sabia que ao dizer isso escondia o fato de que te abraçaria sôfrega se você batesse no meu portão e te diria um "eu te amo" apaixonado enquanto atropelava as sílabas. Hoje já não sei se te diria "eu te amo", porque me sinto completamente incapaz de te amar no meio dos seus novos alargadores e das suas novas escolhas. Existe um abismo entre nós, que é muito mais do que o fato de você torcer pro corinthians e eu pro são paulo, que é muito mais do que seu jeito esquisito de vestir as camisas que nunca combinam, que é muito mais do que o fato das suas piadas serem sempre sem graça. Existe um abismo entre nós enquanto você ainda cursa sua faculdade que é a mesma que a minha, e eu compro roupas cada dia mais caras. Você sempre disse, meio tímido, que eu era nobre demais pros seus vinhos em copo de plástico, e eu te dizia que isso não era nada. Hoje não sei. Não sei se ainda é possível que nos encontremos nas ruas cheias de usuários de crack perto de onde eu moro e nos cumprimentemos ainda encantados. Ás vezes fico pensando que pode até ser da vida nos encontrar quando percebermos que demos errado, assim, muito errado, e que o caminho da gente só podia ser esse mesmo, sem nem precisar adicionar novos sobrenomes depois de casados. Talvez eu tenha me apegado muito ao fato de que nosso casamento significaria a continuidade da família que eu prezo tanto e que vai morrer de sobrenome. Talvez eu tenha me apegado muito à uma imagem de você que nem existe mais, e que hoje eu enxergo meio míope. Eu tenho deixado de te amar mesmo, e isso de certa forma me desfigura. Eu achei que fosse te amar pra sempre. Não que eu quisesse, mas pensei que fosse inevitável. Eu nasceria, cresceria, tentaria me reproduzir e continuaria te amando. De repente não é assim. Eu me vejo esquecendo de você e só lembrando de lembrar quando te vejo perdido nas fotos que eu não faço mais parte. Você sorri sem mim, eu saltito em ruas que você nem conhece sem você e me sinto bastante plena. Eu não achei que isso fosse possível, nunca mais achei ser possível, mas parece que é. Pode ser, é claro, uma decisão precipitada, mas é que meu coração não palpita mais nem ao te ver de terno. E eu não quero matar a menina que te faz feliz. Quero mais é que vocês continuem. Você nunca entenderia porque agora eu dei de combinar calça vermelha com camisa de seda, e eu não gosto tanto assim de ouvir você falar de ilustração, eu sempre preferi literatura. E na verdade, eu acho que até é bastante a sua cara essa coisa simples que ela tem. E é bastante a minha cara essa coisa fina que eu descobri. Acontece que você esqueceu o meu aniversário que você lembrou religiosamente até o ano passado, e pelo primeiro ano, eu não quis teu parabéns também. Eu tinha outros tão plenos quanto, e você tinha uma outra festa. Você comemorava a conquista da sua garota, enquanto eu comemorava meu primeiro ano cheio de perspectivas. E de repente eu descobri que te amar, assim como a cidade em que eu moro não é uma condição, é um estado. Passei vinte e dois anos achando que não podia morar em outro lugar e três anos inteiros achando que não era capaz de gostar de outra coisa, até que conclui sorridente que me enganei. E eu, que sempre gostei de certezas, descubro finalmente o prazer secreto de um engano fortuito.