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27.12.11

Quanto a escrever,

Minha crise criativa vem em momentos de crise de vida em que me refastelo no sofá assistindo todas as novelas que posso. Estou dizendo assim, em primeira pessoa, não pretendo nesse texto criar qualquer personagem que seja: me sinto rasa demais pra isso. O mundo reviravoltou, minha vida é o mar em ressaca e não existe amor ou ódio, tristeza ou alegria demais que me faça querer assim, literatura. Desisti de ler também, faz meses. Cem anos de solidão continua recostado no meu criado mudo cheio de bijouterias, no meio desse meu quarto cheio de coisas que já fizeram parte da minha história - e hoje não fazem mais.

Precisava desses tempos de descanso, inclusive das pessoas (talvez principalmente das pessoas), porque - dizem - olhando as coisas de longe se enxerga melhor. Não sei se enxerguei alguma coisa, me vejo sem perspectivas e sem vontades, completamente esquecida pelo crivo do destino. O crivo do destino é mau, a vida quando não pensada muito bem te leva para caminhos esquisitos. Me lembro que Mathieu, um dos protagonistas das histórias de jean paul sartré, engravidava sua namorada de quem, aparementemente, não gostava tanto-assim e saia pelas ruas de paris procurando uma senhora que fizesse um aborto nessa criança não quista. A criança de Marcelle. Sinto um pouco a minha vida nesse fim de ano como a criança de Marcelle, e sou Mathieu, procurando pelos cantos e becos dessa paris (que é londrina), alguém que possa tirar essa vida e me dar outra perspectiva. Ao mesmo tempo - assim como Mathieu - acabo por me questionar se quero mesmo sair dessa vida. Não sei se quero abortar a criança, é tudo confuso demais.

Me enfio a escrever livros, escrevo seis, sete páginas, depois odeio. Assim como odeio tudo que faço, enjoo dos meus empregos, das pessoas que escolhi pra amar (salvo certos amigos, que permanecem inabaláveis), enjoo até de mim e resolvo querer outra vida. Mas não se aborta vidas assim, pelas ruas de paris, com velhas em seus consultórios sujismundos e sem estrutura. A vida é a criança de Marcelle que não pode ser abortada, porque na vida a gente tem que lidar com os erros que cometeu, não se aborta escolhas com intervenções cirúrgicas e já dizia sartré que a angústia do homem é a angústia das escolhas. Nunca sei se escolhi bem, se escolhi certo ou errado e me angustio no momento seguinte à escolha. Mas não há o que se fazer, uma vez escolhido escolhido está, e é a angústia também, inabalável. Porque a angústia nunca cessa. Existe a angústia pré escolha de fazer a escolha certa, a angústia durante a escolha de estar escolhendo, e a angústia pós escolha de dever, talvez, ter escolhido outra coisa. Viver é a própria angústia e exige responsabilidade.

Exige responsabilidade de mim, que não sei nem arrumar meu quarto, e guardo comigo escritos de quando tinha treze ou catorze anos, junto com os livros de sociologia que talvez nunca mais lerei. Meu quarto é um amontoado de presentes de gente que já foi embora, de livros que sei que não vou ler, de fotos de gente que nunca mais verei, de roupas que já não fazem mais meu estilo. Minha vida também, um pouco disso, cheio de restos de coisas que não sou mais, de escolhas insensatas e rápidas demais, e gente que eu quero que fique indo embora e trombando com gente que eu não quero que fique: mas permanecem. Me vejo cansada, andando por todos os lados da vida procurando o que fazer, que carreira seguir, de que jeito me portar e como me vestir. Me vejo um ser mutável, sempre com escolhas novas, me angustiando demais pelo peso de não sabê-las certas. Escolhi os amigos que devia? Disse tudo que devia dizer? Estou na profissão correta? Faço a pós graduação que deveria? Escolhi o tema mais satisfatório? Nunca saberei, assim como nunca se sabe se foi certo ou não abortar uma criança, escolher a sua vida ou a vida do outro. Sempre a angústia, uma angústia que nenhum deus salva - só alivia, quem sabe.

Procuro paz nas ruas quentes de londrina, quero distância de tudo aquilo que me pressiona, me vejo refastelada no sofá, comendo doces, às vezes sem nem ter tanta vontade assim de ver gente, ou movimento. Meu mundo já me basta, me cansa demais, há muitas escolhas a serem feitas e eu não sei por onde começar. Há muitas coisas sobre as quais, quem sabe, eu poderia escrever mas escolhi calar por julgar imprudente. Calo então qualquer possível literatura, qualquer possível amor, qualquer possível convite, qualquer possível ensaio. Calo até as bandas novas que não conheci e os livros que ainda não abri, calo as mensagens de texto que não pensei em escrever, calo meus livros ruins que não passam da página dez, calo tudo que posso porque estou cansada, e gente cansada não sabe lidar com angústia, escolha, amor, ou até mesmo literatura. Me calo porque me angustiei, e porque nada é tão importante assim. Até a minha vida, calei e deixei pro ano que vem, as escolhas, a angústia, adiei-a. Deixei o filho de marcelle na barriga pra depois ver o que se faz. E quanto à escrever, mais vale um cachorro vivo. (um yorkshire, quem sabe).


12.12.11

I try but you see it's hard to explain.

talvez o ponto crucial da vida seja justamente o fato de que, todas as coisas - desde as mais simples às mais destruidoras - acontecerão nos momentos em que você estiver distraído, e não esperar nada, absolutamente nada. Todos os encontros fortuitos haverão de acontecer às sextas à noite depois de um dia de trabalho estressante, ou nos domingos à noite depois do fantástico. As melhores noites serão aquelas que você não planejou ha uma semana e, as piores notícias serão dadas nas segundas feiras à tarde, quando toda esperança ainda permanece viva. Porque talvez seja isso, a vida. O incerto, o inevitável, o problema e a solução, a notícia triste e a alegre, o destruição que cria. Há de se desconstruir para que se possa criar, há de se esquecer para que se possa recomeçar, há de se não esperar nada para que se surpreenda. Os nasceres do sol são sempre mais bonitos depois de noites em claro.

7.12.11

chegadas & partidas


Não era assim, amor. Porque não podia mais ser. Dizem que, toda vez que você trata mal o amor, ele te vinga com o karma de nunca mais voltar sem que seja com sofrimento acoplado. Tinha havido desencontro. A única vez que tentou amar de verdade perdeu. E perdeu pra vida, depois de ter perdido pra si mesma. A gente sempre sabe quando ama e, deixar o amor guardado em caixinhas é flertar com a possibilidade dele acabar. Acabou. Não acabou, mas foi-se. A chance estava perdida. O amor de sua vida hoje descansa dos problemas do trabalho nos braços de outra, e sossega de sua existência. Desse descaso com o amor sobra, sempre, um coração cansado que bate em descompassos. A vida, essa aventura esquisita não perdoa. Não a perdoou. O coração bate em silêncios e faz som. 

Era sempre isso, agora. Chegar em casa, sempre cansada, desiludida, olhar p'ros livros na estante que sabe que nunca vai ler, e aquietar. Aquietar da vida também, porque não tem pra quê tanta pressa mais. É muito desencontro, em tudo, pra tudo, pra sempre. As pessoas em casa sempre entediantes, sempre espaçosas demais e, estar sozinha parecia um luxo que custava caro. As paredes bege hoje estavam descascadas das fotos que houvera arrancado das paredes. Os sorrisos ali compartilhados já não faziam sentido algum. E de repente é isso. Um dia você acha que não pode viver sem uma pessoa, e de repente se depara olhando pra ela como uma construção errada de células, que não mais formam sentido na sua vida. Ciclos. É impossível querer que as relações permaneçam as mesmas sendo que, a gente mesmo muda o tempo todo. Lidar com escolhas definitivas era um peso que ela não sabia muito bem carregar, e por isso evitava. Sempre o transitório. Passar pela vida em contratos de experiência de três meses. Depois romper e tentar outra coisa. Não se apegar também é um jeito de ser estável. As separações costumam doer quando acontecem, e para tanto é melhor que nem haja a junção definitiva das vidas em primeiro lugar.

Naquele dia em especial ela trazia consigo a imagem longínqua de um avião que partia. A imagem e o sentimento. Seis meses, dois, três anos aprendendo a amar e conviver com os defeitos e qualidades de uma pessoa e um dia ela se vai num avião sem data pra voltar. O vazio continua em todo e qualquer programa que já tinha sido feito anteriormente em companhia da pessoa. A ausência é aquele sorriso que não há, aquele espaço em branco, aquela lacuna que só pode ser preenchida por uma coisa específica. Coisa essa que não mais está lá. Lembrava-se por vezes que, ouvia o celular tocando com o número das pessoas que partiram. Alucinava. Nunca era ninguém. O pior de tudo é saber que, algumas das pessoas que se foram nem avião haviam pegado. Sumiram ali, nas ruas da cidade, no massacre da vida. Tudo bem, não tem problema, acostuma-se. E acostuma-se porque tem de se acostumar, não há outra maneira. Algumas pessoas podem ser repostas e outras são insubstituíveis. É difícil evitar as do segundo grupo. É difícil porque, por mais que se acostume com a idéia de que tudo é transitório, algumas pessoas trazer em si a essência do imutável. Alguma coisa nelas, mesmo que mínima, continuará fazendo sentido com alguma coisa sua, mesmo que mínima. E eram essas pessoas que estavam naquela imagem longínqua do avião que partia. Um dia essas também vão. Porque todas vão um dia. E lacunas terão de ser preenchidas, mais uma vez.

Era esse o problema, e era por isso que tinha evitado o amor. Não assim, conscientemente. Mas inconscientemente sabe que se prendeu ao vício de não apegar-se quase nunca. É muito doída a imagem das pessoas partindo em ônibus, rumo à lugares que não se sabe, é dolorido o tchau do lado de dentro do vidro na pista de decolagem dos aviões. O ônibus parte, o avião decola e depois sobra o silêncio. É um silêncio infinito e uns passos pesados. Se sabe sempre que, de alguma forma, há de se continuar a vida. A pessoa que vai começa, mas quem fica continua. Tem que visitar os lugares apesar da ausência do outro, tem que arrumar outros tipos de compromisso social e ocupações aos sábados à noite. Ela tinha lidado com isso tantas inúmeras vezes que aprende a ter uma certa tolerância. Das últimas vezes em que foi se despedir, não chorou. Queria, mas não mais conseguiu. Sentia o vazio dos aviões decolando, dos ônibus partindo e dos carros pegando a estrada, mas continuou andando. No outro dia arrumava o que fazer "sempre tem mais o que fazer", e ficava assim certas saudades, que depois acabavam sumindo no meio de uma outra ocupação qualquer. Depois disso o descaso. Tudo bem, eles podiam ir embora, ou ficar mais dez minutos, ou resolverem nunca mais aparecer que tudo estaria bem. Havia, ela, se acostumado a destituir o sentido das relações e transformar tudo num "um dia de cada vez", que podia ser sempre o último.

Por vezes acabava mesmo sendo o último, o derradeiro, e não só o "último até a próxima vez". Chorava dez minutos e depois não via mais sentido. O desapego é um vício sem volta. As relações sempre frágeis, sempre na corda bamba, sempre podendo acabar no minuto seguinte, e tudo bem, porque a vida é transitória assim. Não era assim amor, mas era também. Porque se ama o vício de não amar, se ama a partida, e se ama - talvez, e principalmente - a esperança de um dia tropeçar no lógico e acabar por apegar-se enfim. Não mais os aviões decolando, os ônibus partindo, os passos vazios e sozinhos. Não mais o coração, esse portão de embarque e desembarque, cheio de gente saindo e entrando, levando as malas, deixando pouca coisa - ou nada - pra trás.  Não mais tantas chegadas & partidas, pra quê sofrer com despedida? 

5.12.11

apesar de tudo, e por tudo.

Talvez não tenha como não cair em clichês horrorosos tentando escrever sobre aqueles dias em que, você acorda achando que vai ser um dia comum, e acaba por ver toda a sua perspectiva de vida tranquila caindo escada abaixo. Seria legal, quem sabe, escrever uma enorme metáfora, um conto, um texto, uma poesia, qualquer coisa que seja assim, mais literata do que um desabafo, mas não existe como - e nem porquê. Não vem ao caso aqui citar tudo o que aconteceu, contar em detalhes a minha vontade de chorar assim, de dentro, botando pra fora outro clichê. O interessante dessas situações-limites em que a gente é colocado é que, a gente acaba por refletir a vida como um todo. E com isso voltamos a outro clichê: quem realmente se importa com você? o que você verdadeiramente deseja da vida? Era esse o lugar em que você sempre quis estar? São diversas questões que acabam entrando em ação toda vez que você se vê perdido de novo, começando de novo, botando o pé na estrada. A resposta pra esse tipo de questionamento também acaba por ser bem simples. Algumas pessoas se importam e sempre se importarão, e outras se mostrarão meros utilitários. Vão aparecer aquelas de quem você não esperava nada e, dentro do que podiam, te deram muito. A gente nunca sabe o que deseja verdadeiramente da vida. E o mais decisivo de todas as constatações: esse é um lugar confortável, mas não é o lugar onde eu sempre quis estar.

Abdicar a vida, querer estabilidade no meio dos 22 anos é, em primeiro lugar, odioso. Em segundo lugar é falta de juventude. Acontece isso mesmo, é necessário testar várias profissões, vários lugares, outras pessoas, outro tipo de gente, outras noites de sábado, outras tardes de domingo. Tenho outras cidades pra conhecer, várias noites em claro, coisas que pretendo provar. Não vi nem metade dos shows das bandas que eu gosto. Tenho muita gente por conhecer ainda. Existe mais de um grande amor na vida. Existe mais de um emprego dos sonhos. Existe mais do que um melhor amigo. Os beijos tem vários gostos. E eu só tenho 22 anos. 22 anos em que não preciso guardar dinheiro para a vida estável que nunca quis ter, para a família que ainda não pretendo formar, para a vida conjunta que ainda não planejo com ninguém. Recomeços são difíceis, sempre, traumáticos às vezes. "Mas tenho sobrevivido". Tenho sobrevivido desde os anos mais odiosos, e sobreviverei ainda. Porque se sobrevive, sempre. E se sobrevive mais quanto mais perto da morte se está. A vida não é feita apenas das 9 as 6, e tem um pouco mais de poesia na madrugada (quase) sempre. Talvez seja bonita daqui um tempo a vida dos almoços regrados, jantares pomposos, dormir cedo-para-acordar-cedo, mas por enquanto não é estritamente necessário. O rótulo de sucesso que eu nunca quis ter me pesa. Sempre preferi flertar com o fracasso, com a decadência, com as noites em claro, com as olheiras. Sempre preferi rum barato com coca, sentada na calçada, de frente pra santa da vizinha, ouvindo smiths. Sempre preferi passar vergonha dançando-sem-saber-dançar. É assim que a gente ri mais alto, é nos tropeços da vida que a gente acaba por descobrir quem é. Que venha o que vier, todo mundo é mais vivo quando deixa de ter medo da morte.

A vida é uma eterna escolha. Mas nenhuma escolha é definitiva. Eu nunca soube onde queria estar, de qualquer maneira. Apesar de tudo, e por tudo - sobtevivemos.

28.11.11

Tem coisa que tem que mudar

Minha monografia na pós de especialização web vai ser sobre conteudo colaborativo na internet. Como acabo pensando e lendo muito sobre isso o tempo todo, achei por bem separar os espaços. Esse sempre foi um blog muito pessoal (e por vezes muito íntimo), e os textos sobre tecnologia e sociedade não parecem coexistir muito bem com o resto dos outros textos daqui. Fica esse blog pra quando eu quiser fazer essa literatura marginal, e fica um novo blog pra textos como o da usp. Caso você, leitor, tenha gostado daquela reflexão sobre a usp, fique a vontade pra lê-la de novo - e saber outras coisas, nesse endereço aqui:


as vagabundagens pós modernas agradecem.

8.11.11

O retrato da minha geração.

vagabundagens pós modernas.

Minha geração ainda não tem livros, retratos, não tem um filme-voz, não tem nada disso. Minha geração é a geração que hoje luta, que hoje faz, que é o presente. Minha geração é a geração que hoje está ocupando a usp. Eu não queria falar sobre usp, sobre revolução, sobre maconha, sobre luta, sobre nada disso. Eu não queria porque acho irrelevante, porque acho chato, porque não julgava necessário emitir opiniões sobre isso. Eu nem tenho uma opinião formada, porque eu não estudo na usp. Eu não nasci em são paulo, eu não sei se o rodas é ou não é um ditador. Eu não entendo da militarização de são paulo. Tudo que eu sei, a tv me conta. Compartilham no meu facebook. Escrevem no meu twitter. Tudo que eu sei é a informação rasa, dos memes com o menino de gap e ray ban, a enxurrada de gente dizendo que, com o dinheiro dos pais, qualquer um é capaz de fazer a revolução.

Eu resolvi falar porque essa geração é a minha geração. Aqueles estudantes que ocupam a usp tem a minha idade. Eu poderia estar ocupando o prédio da reitoria da usp. Poderia, ou poderia achar tudo isso uma bobagem imensa. Eu não tenho o que achar porque eu não estudo na usp. Eu não sei quem está certo, quem não está, se a maconha é um problema, se a militarização é um problema, se os revolucionários de lá usam ou não usam gap, se são ou não sustentados pelos pais. Se a PM fazia o seu trabalho, se dentro do prédio da usp as pessoas foram ou não torturadas. Eu não sei. Eu sei que a minha geração é uma geração sem causa. Não estou falando dos revolucionários da usp, não estou falando dos ex-revolucionários da minha universidade, eu estou falando do que eu vejo. A gente não sabe porquê - ou pra quê - lutar. A nossa geração nunca teve ideais e os persegue de qualquer modo, porque todo mundo precisa de alguma coisa pra acreditar. Nós somos a geração de um deus que não há.

Estejam lutando por o que quer que seja os revolucionários da usp, seja por motivos contundentes como evitar a militarização da usp como projeto de governo, errado, dos governadores de são paulo junto com o senhor reitor da usp; ou seja pela simples vontade de fumar maconha dentro do campus, livre, debaixo das árvores, eles estão lutando por alguma coisa. Eu não quero defender aqui se isso é válido ou deixa de ser válido, mas o que eu enxergo na gente - e eu digo a gente, porque faço parte dessa geração de fim dos anos 80, começo dos anos 90 - é que a gente precisa de ideais, mas não os tem. Estejam lutando pelos motivos certos, ou errados, lutando certo ou errado, os meninos da usp não são ruins. Eles só estáo perdidos. Perdidos no mundo como eu estou. Perdidos porque somos uma geração que nasceu sem conflitos. No meio da liberdade, do liberalismo, do capitalismo já consolidado. Somos a geração que viu desenho animado na tv, que estudou em bons colégios, que passou no vestibular, que quer acreditar em alguma coisa, mas não sabe no que. Nossa geração não tem voz, não tem exemplo, não tem retrato, não tem james dean, não tem chico buarque gritando cale-se. Não tem nada.

Nossa geração dança nas boates ao som de lady gaga - talvez o maior expoente de contravenção dos meninos e meninas dos anos 90 -, e se compartilha no facebook. Nossa geração faz piada com tudo pra ser ouvida, amada, estrelada e retwittada. Nossa geração destituiu clarice lispector de sentido em um meme e ressuscitou caio fernando abreu em trechos perdidos no twitter. Nós citamos o escritor não lido da década de 80 porque não temos quem fale por nós. Não temos um momento histórico contundente, não precisamos ser contrários a nada. Tudo já aconteceu, as mulheres hoje trabalham, a corrupção já se entranhou, os políticos serão sempre assim, nós temos a nossa liberdade, nós temos opinião pra tudo, o tempo todo. Nós criamos ruído e não temos heróis. Não temos ícones. Somos vagabundos pós modernos, nos repetindo e querendo nos encontrar.

Toda a minha angústia com a história da usp se deu depois de ver as fotos das pichações na reitoria e da reação dos estudantes contra a PM. Citavam maquiavel nas paredes. Mquiavel e Chico science. Meninos vestidos de Gap e rayban se misturavam com o menino sem camisa que tentava declamar poesia pro PM, com uma flor na cabeça. Outros deles mostravam karl marx pro policial. Milhares de livros e ícones que não são nossos. As frases do marx já não valem nada contra o que quer que seja, o maquiavel não pode ser usado como reação em pleno século XXI e os hippies já fizeram essa revolução com flor e poesia, há pelo menos 40 anos atrás. Nossos pais fizeram a revolução com esses ídolos, e esses ídolos não são nossos. O marx não fala por nós, ele nem faz mais sentido. Nem ele, nem o maquiavel, e talvez nem mesmo o Chico Science, dentro desse contexto signifique alguma coisa. Mas nós repetimos padrões porque não sabemos falar. Se os estudantes da usp picham o A de anarquia dentro da reitoria é porque não há outra ideologia, não há mais ícones, modelos, não há mais deuses e então seguimos pegando emprestado tudo aquilo que já vimos acontecer. O marx, o maquiavel, a esquerda, a luta com flor e poesia, as frases escritas pelos estudantes que lutaram contra a ditadura. Nada é nosso. Nem o pensamento é nosso.

Nada é nosso porque seguimos compartilhando as coisas já escritas sem pensar sobre, seguimos declamando frases fora de contexto, refazendo sentidos otários, lutando por guerras que não existem. Deve existir no meio dos meninos tão criticados da usp, gente que realmente acredite naquilo que está fazendo. Também, é claro, deve ter gente que só está ali porque está, sem saber muito bem o que está acontecendo. Fiquei triste ao ver coquetéis molotov e frases de marx pichadas nos muros. Foices. Ideologias comunistas empoeiradas que não fazem mais sentido e a gente ainda repete porque não sabe o que pensar e nem fazer por conta própria. Somos uma geração perdida. Uma geração que protesta de gap e rayban, que declama poemas, que se veste de flores. Nós repetimos os modelos que vimos porque não sabemos criar nossos próprios. Não tem pecado nisso. Não tem pecado em termos sido jogados na pós modernidade e não sabermos como lidar com ela. Eu não sei, meus amigos não sabem e esses meninos da usp - desculpem - também não. É tudo meio jogado, meio esquisito, meio rapido demais pra que a gente realmente tenha uma postura critica e global sobre o que acontece com a gente. A gente não tem. A gente faz o que dá, meio de rompante. Nossa vida acontece na velocidade das notificações do facebook, nosso pensamento não ultrapassa os 140 caracteres do twitter. Somos mero compartilhamento de informação, readequação de ídolos e de sentido fora de contexto.

Nós não sabemos como lutar. Mas queremos - e fica nisso. A geração dos anos 70 nos criticará por não ter vivido a ditadura. Por sermos sustentados pelos nossos pais. Ninguém sabe lidar com a liberdade que nos deram. Nem eles, nem a gente mesmo. E nos perdemos. Jogando nossos coquetéis molotovs na rua como na revolução de 60, colocando flores nos cabelos e recitando poesia como nos anos 70, pintando a cara e citando marx como quem lutava contra a ditadura. Apenas repetimos modelos. Mas nós não somos ruins. Apenas estamos a procura de nossa própria voz, de nosso próprio retrato, de algo nosso. E enquanto não acharmos - reinventaremos. Desse jeito torto, esquisito, e meio ridículo, que é o que sabemos fazer - de garrafa na mão, fazendo a revolta no facebook. Nem a gente sabe no que acredita.

A revolta será transmitida na twitcam - e posteriormente, compartilhada no facebook. A pós modernidade é o retrato da minha geração. E castiga.

Os revolucionários da usp são o retrato da nossa geração. E contentem-se.

4.11.11

o slilêncio que precede o esporro.

estou cansada.

a vida faz um ruído que, por vezes, fica difícil suportar. rotina. me lembro de uma época em que metade dos meus textos reclamavam da rotina. os ônibus diários, as catracas, as pessoas com cara de vazio. mudaram os ônibus, os horários, mudaram também as pessoas - nem todas elas tem cara de vazio -, mas a rotina continua ali. o despertador sempre programado para a mesma hora, o mesmo caminho, as músicas, as lembranças. meio ridículo isso, esse parágrafo, esse texto, esse assunto, tudo isso - minha vida. o emprego vai bem, a vida vai bem - tirando o que não vai - e não tem lá muito motivo pro mundo parecer errado, p'ras tardes parecerem cinzas, não tem muito pra quê esse clichê todo, essa derramação.

acontece que o mundo faz um ruído que me impede de me ouvir. todo dia alguém está falando alguma coisa, te pedindo alguma coisa. os e-mails não param de chegar, existem layouts para fazer, existem e-mails pra responder, recados, mensagens, o celular apitando. a urgência. a urgência porque não se pode perder tempo nunca, porque temos que aproveitar a vida, porque cada noite de sono traz em si o peso de não estarmos produzindo. o peso do equilíbrio. os remédios, os psicólogos, as aulas de yoga. a cidade correndo, o tempo todo correndo, os computadores ligados, os carros que gritam as três horas da manhã em plena sexta feira. interação. somos interativos, tudo apita, tudo diz, tudo quer-dizer, tudo quer comunicar. a revolta da usp sem razão de ser, as fotos compartilhadas que gritam e calam numa mesma interface. as campanhas sem sentido, esse monte de gente vil, esse monte de gente que deseja a morte dos outros, esse monte de gente que não se ouve. não se ouve no twitter, no facebook e não se ouve na vida.

todo mundo se divertindo o tempo todo, bebendo muito, tirando muitas fotos, compartilhando, os sábados à noite que nunca podem ser vazios (por quê?), as sextas à noite que devem ser preenchidas, churrascos cheios de bebida, gente caindo desacordada na grama, vomitando no próprio cabelo. temos que beijar na boca ao menos uma vez por semana, temos que fazer sexo, temos que nos mexer, nos divertir nos divertir "o que tem pra hoje?" "o que tem pra amanhã?" "o que você acha disso?" a corrente da contra-corrente. a opinião da anti opinião. réplica, tréplica, quintúpla, décipla, o mesmo círculo vicioso, nenhuma conclusão. ninguém.é.feliz. o mundo faz um ruído imenso que me impede do simples, das noites na minha casa dormindo, dos livros, do meu celular sem receber mensagens. o mundo faz um ruído em que eu não me ouço mais.

quero ficar quietinha.

um monte de festa chata, de gente chata, de bebedeira chata, de assunto chato, de polêmica chata, de gente que eu não queria conviver mais convivo, de noite que eu não queria ir - mas vou. tudo pra escapar do ruído, das ligações, do celular que apita, eu nunca mais sentei pra conversar com ninguém no silêncio. silêncio sem twitter, sem rede social, sem facebook, silêncio sem música alta. filme em casa com o telefone desligado. discussão com lasanha e macarrão e só. tv desligada, violão. amigos, abraço, qualquer coisa dessas que comunique de verdade - sem ruído. sempre tem alguém no facebook enquanto a gente conversa, sempre tem alguém com o 3g, sempre tem alguém cheio de barulho no meio da gente que quer silêncio. eu quero silêncio porque eu não consigo me ouvir. não consigo. não consigo. paz. um momentinho só. um domingo fora, out, um domingo de filme, um domingo de conversa. um dia de paz. o ruído do mundo quieto por um instante que seja.

eu entrei em uma histeria louca, histeria de escrever o tempo todo. histeria. eu quero ficar quieta. um pouquinho quieta. pra pensar na vida que eu deixei passar, pra pensar nas coisas que eu disse, pra calar as coisas que eu digo demais - o tempo todo. pra sentir saudades, pra formular minha saudades, pra parar de ser hostil, horrorosa, fora de compasso. pra deixar de ser só mais uma, no meio do ruído terrível que tem sido existir. eu quero o silêncio, mesmo que seja o silêncio que precede o apocalipse, mesmo que o silêncio seja insuportável, mesmo que a solidão dê vontade de morrer. me desobriguem, me aquietem, me deixem num canto um momento que seja pra eu entender como é que funciona mesmo isso de existir, de lidar com os outros fora da tela do computador. como é que funciona mesmo isso de viver? eu acho que eu esqueci. amar eu nunca soube mesmo, mas existir tem doído. me deem o silêncio, uma vez que seja, o silêncio.

o vazio. o último suspiro antes da grande explosão. onde tudo começa de novo.
onde tudo ao menos começa.


3.11.11

é drummond, um dia a gente enxerga.

(a literatura estragou suas melhores horas de amor).


31.10.11

feedbeck song for a dead friend.

É dificil encarar as esquinas da cidade sem você. Todas elas. As que rodeiam a minha casa, e as um pouco mais longe. Você teve essa coisa de conseguir deixar lembranças em todos os lugares que podia deixar. No meu quarto, nas paredes da sala, nas colheres da cozinha. Um monte de lugares sem conexão que se encontram na tarefa de lembrar uma mesma coisa: você. As mulheres no ônibus apertadas em suas meias kendall não sabem que a minha deseducação e a minha cara amarrada as seis da tarde é muito mais saudades que cansaço. Entrego o lugar pra elas, pareço esgotada, elas me dizem "senta, você trabalhou demais". E eu aceito, porque ter amado demais também me esgotou as víceras.

Te dizer que talvez eu sinta mais saudades de mim do que de você. Você, que era a minha religião, meu encontro-com-o-sagrado, meu ponto de equilíbrio. É dificil andar em linha reta sem você me guiando os passos. Depois que você se foi, a vida se deu num eterno descompasso em uma busca terrível por um deus que não há. Porque não há socorro na literatura, ou na festa, ou no copo de vodka barata que eu tomo que me faça voltar a ser aquilo que eu era. Crescemos. Você cresceu, eu aprendi coisas e mais coisas depois que você me deixou, mas o meu descompasso é qualquer coisa com a qual eu não sei mais viver. Você me via largada no chão de tanto desgosto e me segurava firme, dizia que a vida era mais que isso, que eu tinha que acreditar nesse meu potencial. O potencial que eu não te fiz acreditar, que eu não te mostrei, que eu não te dei prova. Que você só enxergava, e daí me pegava pela mão e dizia que a vida é mais que isso, poxa, mais que esses meus lamentos constantes, minhas depressões, meus altos e baixos. E eu, destrutívissima, não queria acreditar em você dizia pra mim mesma, baixinho "você não entende, você nunca vai entender esse meu vício na busca, no incerto, no vazio". Mas aceitava o abraço porque às vezes não há mais o que se fazer.

E tinha esses teus olhos complacentes com qualquer coisa, com as minhas posturas arbitrárias, com o meu jeito errado, com os meus tropeços. Eu era tão mais gente com você, tão mais grande, tão mais bonita. A cumplicidade dos teus olhos que não esperavam mais de mim do que eu podia dar. Uma palavra desajeitada aqui, uma coisa demais ali. Você com tanto medo de me fazer sofrer, me tratando como um desses elefantinhos de cristal que não tem muito valor, mas que a gente criou apego, então cuida pra não quebrar. Justo eu, que cheguei na sua vida arrombando as portas, tirando seus filmes do lugar, te chacoalhando, te fazendo correr segurando na minha mão seca. E você, tão frágil, tão incerto e tão doce, me mostrando que a vida não precisa de tanto assim, que eu podia ser feliz, que eu podia ser tudo que eu quisesse no meio da minha literatura marginal, das minhas teorias que eu aprendi pela metade. Você acreditava na filosofia que eu não li inteira, você me admirava mesmo eu sendo esse ser-pela-metade que eu sempre fui. Você ria das minhas gafes, cuidava dos meus tropeços, dividia comigo o espetinho que você pagou com seus últimos dois reais.

Eu não queria sentir tanta falta de mim assim. Eu não quero mais amar, que se dane, eu não quero mais ninguém, mais nenhuma pessoa é capaz de carregar meu mundo, você sabe? De me mostrar que a gente não precisa ser assim tão amargo, não precisa ser assim tão erudito. Que eu posso ser assim pela metade, cheia de defeitos, cheia de bobagens e que é possivel ser melhor, ter vontade de ser melhor. Eu queria conseguir sorrir, de novo, nessas noites de quarta feira meio mornas, com comida barata. Eu queria achar graça nos teus filmes ruins, eu queria que alguém ao ver o descompasso que eu me tornei, me olhasse com olhos cumplices e me desse uma vontade qualquer de mudar, de ser melhor, de crescer, de qualquer coisa assim dessas que você me dava.

Você não ia sentir orgulho dessa criaturinha que eu me tornei, e eu não sei como você tá. Eu só sei que a cada tombo, a cada porre, a cada choro no banheiro, a cada vômito que eu dou no meu próprio pé eu só peço baixinho que você volte porque desde que você se foi, eu estou sentada na sarjeta esperando que você me dê a mão - e um pouco de equilíbrio.

(escrito sei lá quando - estou resgatando os textos não publicados no blogger, enquanto a inspiração me fugiu).

20.10.11

I want to live offline


(where soul meets body).

dia desses, não tanto tempo assim, nem tão logo também, me deparei com gente fazendo o inimaginável: as pessoas largaram suas contas na internet. na época pensei que seria mais fácil pra mim deixar de ver tv, ou ficar sem celular do que apagar minhas contas na internet. minhas contas na internet são, de certa forma, minha identidade num mundo. talvez não nesse mundo palpável, de sol e chuva, de ilusão, desilusão, trabalho e café morno. mas num mundo à parte, eu sou o que eu posto no meu facebook - e as minhas estrelinhas no twitter. sempre olhei com certo descaso as pessoas que apagavam suas contas na internet. um facebook não é nada, não tem pra quê apagar. além do que, deixa a comunicação mais difícil, pra quê dificultar a comunicação quando vivemos na era das redes sociais, na comunicação instantânea? não usa mais, mas apagar, pra quê? até lembro de ter visto um desses vídeos anti-facebook do tipo "você não é o que você posta no seu mural", e pensado que as esferas da vida de uma pessoa são tão maiores que o facebook, que era meio simplista - e ridículo - ver as coisas desse jeito meio piegas, meio clichê.

hoje eu entendo essas pessoas que apagaram suas contas. 

não agüento mais o ruído que essa comunicação instantânea faz em mim. meu celular apitando, milhares de novas notificações de nada, as pessoas expondo as suas opiniões como se gritassem em praça pública. nunca ouvidas, nunca compreendidas, no máximo compartilhadas - e pelo sentimento egoísta da identificação. facebook traz consigo uma neurose. a neurose de postar um vídeo e esperar ser curtido. a tristeza de não ser amado por não receber comentários. traz consigo a necessidade de compartilhar. estou no shopping. estou comendo batatas fritas. estou me divertindo. estou me divertindo tanto que tenho que compartilhar. uma urgência. uma urgência que espera balões vermelhos com notificações numéricas em forma de amor. não existe amor no feice, parafraseando o criolo. existir até existe. mas não é como se essas pessoas não arrumassem um jeito de se amar que não fosse ali, em meio a curtdas e comentários. o facebook expõe todas as facetas da vida de uma pessoa. você entra em contato com todos os círculos sociais dos seus amigos. você sabe as coisas que ele te escondia que gostava. você o julga pelos seus guitly pleasures. você sabe quando ele está saindo sem você. você se deprime aos sábados à noite quando alguém está no bar e você está sozinho. demonstrar uma felicidade - por mais legítima que ela seja - não nos faz pessoas mais felizes. 

não existe mais comunicação que não espere uma validação vazia. você espera sorrisos em suas perguntas do formspring. você espera estrelinhas e RTs em seus tweets. você espera que maria, fernanda, claudia e mais 12 pessoas curtam aquele vídeo. você se sente rejeitado quando isso não acontece. o que a gente esquece é que o sentido é muito subjetivo. eu amo as músicas do oasis e de repente, ouvir "masterplan" faz todo o sentido do mundo pra mim. por coisas que eu passei. e eu preciso colocar aquilo pra fora. e coloco meu video no facebook. ninguém curte. ninguém liga pras coisas que eu acho legal. não. as pessoas simplesmente não ouviram oasis na adolescência e nem tiveram um encontro com o sagrado naqueles versos. o sentido é relativo. a gente se grita em praça pública no twitter em 50 updates por minuto e nem consegue se entender. não sabemos nos comunicar frente a frente e criamos mal entendidos terríveis. ao invés de mandar nossos versos de música diretamente para a pessoa, nós colocamos no facebook esperando que ela saiba que aquilo ali era pra ela. ao invés de esclarecer as brigas da vida, nós indiretamos as pessoas com uma agulhada que começa com "gente que". ficamos neuróticos. ficamos centrados em nós mesmos. colocamos carapuças que não foram jogadas pra gente. criamos terríveis mal entendidos. não sabemos demonstrar amor. não sabemos conversar frente a frente. nós esperamos que as pessoas nos entendam por aquilo que escrevemos no twitter quando elas não estão nem nos lendo. precisamos de validação, de aceitação, ok, somos humanos. mas precisa? talvez precise. precise porque a cada tweet estamos mais sozinhos. a cada vez que postamos um vídeo com uma música ao invés de mandá-lo diretamente pra pessoa que queremos que veja, estamos um passo atrás da aproximação de fato. precisamos das estrelinhas e dos RTs porque precisamos nos sentir ouvidos, entendidos, compreendidos. enquanto isso as outras pessoas só nos compartilham por identificação. catarse. só que uma catarse tão rápida e vazia que a gente nem aproveita direito.

Eu estou cansada. cansada da neurose da minha timeline. cansada de imaginar se aquelas palavras eram ou não pra mim. cansada das pessoas que fingem ser felizes o tempo todo. escrever no twitter que você vai ter uma bela noite com o seu namorado não restaura seu relacionamento. as pessoas precisam mostrar o tempo todo que estão fazendo coisas legais, estão sendo amadas, que tem muitos amigos, que se divertiram no sábado à noite. e elas nem estão. as pessoas felizes de verdade não tem tempo de escrever suas felicidades no twitter, no facebook, porque elas estão ocupadas se divertindo. os casais felizes não twittam o tempo todo que são felizes, porque não precisam se convencer disso. felicidade não precisa de validação. amor não precisa de validação. acontece. e eu estou cansada dessa vida que não acontece. de ao invés de chamar alguém pra sair soltar que "alguém podia me chamar pra sair". é claro que eu estou pensando em alguém específico. por que eu não chamo aquela pessoa então? por que eu me frustro quando aquela pessoa - que não tinha a menor obrigação de entender que aquilo era pra ela - não responde ao meu pedido? por que eu espero que as pessoas gostem de tudo que eu achei genial? por que eu espero que elas tenham a mesma perspectiva que eu sobre qualquer assunto? por que eu me acho mais ou menos amada pelo tanto de estrelinhas, RTs, smiles e curtidas que eu ganhei? por que a minha vida virou um ranking ridículo? 

Eu tenho achado triste esse mundo de favstar, esse mundo cheio de números, de rankings. esse mundo em que existem os primeiros alunos da classe e aqueles que ficam na enxurrada da informação. é deprimente. é deprimente apertar o f5 na espera de mensagens, mentions, e recados de amor que nunca chegarão. é triste esperar que na sua caixa de e-mail chegue alguma coisa a mais do que e-mail de compra coletiva sendo que vivemos num mundo em que as pessoas nem se falam diretamente. elas se cutucam. sinto falta dos recados. sinto falta da época que saudade e admiração não era demonstrada com uma estrelinha no twitter e sim com um simples - mas bonito - "estou com saudades. acho que começo a achar inválido o tanto de sentido que a gente tem que atribuir a uma ação só pra demonstrar um sentimento simples. é simples amar. é simples sentir saudades. mas por quanta interpretação de sentido a gente não tem que passar até se dar conta que aquele vídeo com aquela música que a gente ouviu pela primeira vez que ele postou no mural do facebook era pra dizer que ele sente a minha falta? essa informação jogada e ambígua dificulta os relacionamentos humanos. a gente não sabe o que o outro quer. a gente imagina. e pode errar. porque a gente sempre erra.

cansei da urgência, do compartilhamento, cansei de olhar minhas redes sociais a cada cinco minutos em busca de algo que não vem. cansei de gente contando suas vidas medíocres de um jeito que pareça interessante, cansei de gente que pensa tweet pra receber estrelinha. que mundo babaca é esse? cansei de estar on-line o tempo todo e não conseguir mais nem conversar com as pessoas. só mandar indiretas - de amor amigo, ou de escárnio e maldizer - no twitter. esperando que elas encontrem o sentido naquilo que nem eu mesma sei o que quer dizer. quero a vida mais simples. quero me livrar da urgência, da angústia, e da internet 3g. não que não exista beleza nesses amores jogados, também. às vezes é bonito, uma estrelinha, uma curtida daquela pessoa no vídeo que você colocou pra ela. essas sutilezas modernas. mas é mais simples dizer que estar com saudades e mandar o vídeo diretamente. e é tão sutil quanto. provavelmente não apagarei minhas contas na internet. mas cansei. estou esgotada. preciso me desconectar, preciso reaprender a me comunicar com as pessoas diretamente de novo, e não mediada por uma timeline. cansei de todo o processo de interpretação de sentido que o outro tem que passar pra entender o que eu quero. ninguém tem a obrigação de me entender quando nem eu mesma me entendo. 

nós vivemos na era da comunicação, e desaprendemos a nos comunicar que nem gente. soltamos palavras ao vento, esperando que alguém pegue e faça com elas algum sentido. no fundo, esperamos a mesma coisa que alguém esperava antes do advento das redes sociais: ser amado. e pra isso não é preciso twitter, nem facebook, nem ao menos celular. é preciso duas pessoas dispostas. a grande verdade é que, a gente não está disposto. não agora, não assim, não desse jeito torto.

cansei. de verdade. tudo ficou muito idiota. cansei desse mundo de "eu sei, porque li no seu twitter", eu quero me contar pras pessoas, eu quero ouvir coisas que ela tem pra me contar, diretamente. eu não quero ler tudo no twitter. eu quer contato também. cansei dos mal entendidos, cansei de me superexpor esperando reações, cansei de enviar indiretas-convite, indiretas-amor, indiretas-frustração, sem nunca falar diretamente com a pessoa em questão e entender o sentido dela sobre aquilo tudo. cansei de tudo isso que não funciona. quero amar, quero ser amada, quero viver mais e esperar menos notificações. eu quero estar offline, eu quero viver where soul meets body.

ainda existe amor em algum lugar. onde é que há gente no mundo?

18.10.11

don't wanna be myself no more


(I wanna be somebody else) 

tinha descoberto que precisava de equilíbrio. e não era um desses equilíbrio que vendem em comercial de tv não, uma paz interior qualquer. era um equilíbrio mesmo, um equilíbrio de verdade. tinha percebido que era assim, mais uma daquelas pessoas descontroladas que povoavam o mundo. todo mundo no mundo moderno tem neuroses, todo mundo tem os seus problemas. ela tinha se dado conta dos dela. era isso, era sempre afastar o outro por medo do abandono, era a neurose paranóica da possibilidade da perda. sempre um achar que existe uma tramóia por trás de tudo, porque é difícil e perigoso ser feliz. ser feliz não dura. fazia um tempo que tinha então abdicado de qualquer salto no escuro, esperando assim a coisa vir até ela. às vezes também tentava destruir a coisa. qualquer coisa que pegue qualquer profundidade que seja precisa ser afastada porque pode ferir. tinha amado uma vez e foi bom, foi lindo, sentia-se viva e o sangue corria pelas veias, pelos cabelos, o sorriso da paixão se via nas fotos, o olhar dele pra ela, o olhar dela pra ele. se amavam mais quando desavisados porque o amor aparecia. o amor aparecia nos arquivos perdidos no computador. qualquer dúvida sobre o fato do amor ter acontecido estava acabada ali, naqueles arquivos de alguns mil megapixels. mas acabou, como tudo sempre acaba, e desde então é cansaço. cansaço, neurose, medo. medo de ser abandonada por outra, medo de sofrer caso aconteça e é por isso que desapegou-se. desapegou-se desde a infância em que seu pai foi-se pra longe, não parava em casa, trabalhava demais. percebeu ser mais fácil a partida daqueles a quem não nos apegamos muito. quando tem apego tem dor e todo mundo vai embora, não vai? preferi deixar antes se for assim. e deixa. deixa até o que poderia dar certo, inventando histórias, narrativas fantásticas. "ele não me ama mais, ele nunca seria capaz de me amar", diz baixinho. a realidade não existe. não nesse mundo desequilibrado em que escolheu viver. sabota-se, mutila-se, resguarda-se, abandona, desapega. amar é muito karma, é difícil, é terrível, tem que se entregar. e depois de se entregar o inferno. a paranóia, o controle, a chantagem, o medo do abandono, sempre o medo do abandono. "você me esqueceu?", perguntava ingênua. quase sempre respondiam que não, mas sabe-se lá. não acreditava nos outros, duvidava, testava o amor sempre que podia. tudo isso no meio de histórias, de sonho de "ele não me ama mais". tudo isso no meio de frustrações por qualquer convite recusado, qualquer resposta demorada, qualquer recusa percebida. histórias inventadas, fantasias terríveis, o se frustrar por uma realidade que não é. o medo. o medo do abandono. o teste do amor. cansou-se. daí deu-se conta de tudo isso. que difícil é viver assim, nesse medo, nessa urgência, nessa neurose, nesse abandono-iminente. resolveu mudar. mas dói. a cada novo sintoma um respiro fundo. "isso não está acontecendo do jeito que você vê". virou vício. um trabalho, um exercício, um dia de cada vez. tentar viver, tentar se entregar, tentar não se desesperar com as frustrações cotidianas. difícil, pesado, doloroso. difícil sair do isolamento pra colocar o pé na vida de novo. ser sozinha dói menos, bem menos. é menos esforço, menos necessidade de controle, menos briga consigo mesma. o terrível exercício diário do equilíbrio, do ver as coisas claras, do não se desesperar, do não fazer tempestades em copo d'água, de não manipular, jogar a culpa, espalhar indiretas infundadas. surtar, enfim. todo dia uma luta no silêncio que precede o surto. era mais fácil viver na negação, mas agora que deu-se conta, quer parar de sofrer pelo simples fato de estar viva. quer ser, quem sabe, plena. quem sabe de novo o bom corpo, o sorriso, o amor que se vê pelas fotos. lidar com o silêncio que precede o surto. ir um dia de cada vez. tentar, enfim. 

à todos, do passado e do presente, desculpa qualquer coisa. 

16.10.11

a título de curiosidade.

a título de curiosidade, esse nunca pretendeu ser um blog sobre a minha vida. o uso da primeira pessoa é apenas um vício de linguagem. não sei me distanciar nem dos filmes que eu assisto, porque me distanciaria dos personagens que escrevo? não tenho aqui a vontade de mostrar nada pra ninguém. não espero me redmir dos meus erros, nem mostrar novos caminhos. não acabe a mim, nem a você - o leitor - descobrir se alguma dessas personagens aqui descritas são de fato eu. nem eu sei se são. nenhum personagem aqui transcrito existe do mesmo jeito na vida real. tudo que passa pelos olhos dos outros para ser descrito já não é o que era em primeiro lugar. mascaro a realidade e escrevo textos. escrevo textos que inventam uma nova realidade. escrevo porque preciso viver em um outro mundo que não o meu. escrevo porque a realidade crua me desgasta de sobremaneira. escrevo porque tenho insônia, porque sofro de distúrbios ocasionais, escrevo porque me frustro, escrevo porque preciso sublimar. não escrevo por sua causa, nem por causa dele, nem por causa dela, e nem por causa de vocês. escrevo pra mim. escrevo por mim. escrevo do que vem de dentro de mim. nada do que existe aqui aconteceu de verdade. é tudo literatura. literatura de 1,99, de romance de banca de revista escrito em papel jornal, mas literatura. não exponho a ninguém nos textos desse blog. não escrevo à ninguém nos textos desse blog. eu escrevo pra nada, pro silêncio, escrevo porque é meu vício primitivo, porque é meu único jeito de me expressar completamente, escrevo porque preciso falar e não sei, porque queria ser livre e não sou. escrevo pra me libertar. saibam, nenhuma pessoa é a motivação da minha literatura. a minha literatura é que é a motivação do meu existir. e se vocês se enxergam aqui uma hora ou outra é porque fazem parte da minha vida. e eu só sei escrever sobre aquilo que já senti.

nenhum romance é completamente imparcial.

15.10.11

do you think love is a laserquest?

(para se ler ao som de love is a laserquest )

sexta feira. madrugada. eu sou uma alma errante no meio da cidade fria. minha cerveja, sempre a minha cerveja. minha solidão. meus cabelos sem corte e mal cuidados. não te esperava mais porque eu não esperava ninguém em especial, eu nunca mais esperei ninguém. só foi assim. eu só cansei de esperar. estaria segurando um cigarro se fumasse, mas seguro bem minhas pulsões de morte. do jeito que posso. existir me dar náuseas, mas eu tenho medo de morrer. tenho medo de morrer porque tenho medo que o paraíso exista, e eu não sei o que fazer com a eternidade. a eternidade me dá calafrios na espinha.

seu atraso de meia hora, quase quarenta minutos. eu devia ter ido embora, mas nada me abala mais. uma, duas, três cervejas. as pessoas do bar me olham com certa pena. algumas cochicham. cochicham a minha solidão intrusa. as pessoas não sabem lidar com gente sozinha. eu sorrio um sorriso sádico e agradeço por pelo menos não ser o casal da minha frente que não se conversa. eu já fui neurótica pela sua presença e hoje evito até te mandar mensagens perguntando onde você está. podia ser um acidente de carro, uma fatalidade, é claro que podia. mas eu não acredito mais nisso. eu não acredito mais em você. eu não me importo se você morrer. eu sempre esperei que você sumisse, mas você continua. continua me perseguindo só porque você é sozinho, e quando você foge é porque se enxerga em mim. eu pensei isso no meu quinto copo de cerveja. esperaria mais vinte minutos e foda-se. se você não aparecer eu dou tudo por acabado sem te falar nada. e vou embora. eu sempre te disse que eu não sabia cultivar relacionamentos. você disse a mesma coisa. é pra isso que a gente nasceu. foi por isso que a gente se encontrou.

 dai você chega. chega, não me olha nos olhos, pega um pouco da minha cerveja. pede desculpas, meio desajeitado. eu não ligo, não é como se você me machucasse. eu digo que tudo bem e sorrio. você sorri de volta, me conta da sua vida, dos seus sonhos, das suas perspectivas. quando eu falo você não me ouve assim, não completamente. seus olhos sempre procuram alguma coisa longe de mim que eu nunca vou saber o que é. talvez eu saiba. talvez seja outra garota, talvez seja a liberdade, talvez seja alguém mais simples. eu não te culparia por isso. eu nunca te culpo por nada, porque não há do que te culpar, assim, exatamente. eu soube de tudo quando te conheci. soube que nós não nos apaixonaríamos, não viveríamos uma bela história de amor, eu soube - como quem compra uma bandeja inteira de iogurtes na promoção - que eu tinha que te aproveitar logo porque a gente tinha data de validade próxima. e eu achei que fosse ali, naquele dia. você chegou desinteressado, bebendo várias cervejas, eu tinha que inventar assuntos sem vontade. você não queria meus assuntos daí a gente tentava comer, ou tentava beber, e você até tentou ocupar o vazio segurando as minhas mãos, mas nem isso daria jeito. foda-se. eu queria te deixar pra sempre. te deixar sentado na mesa segurando seu copo de cerveja e sua empáfia e te abandonar dizendo que na verdade eu nunca te quis. eu talvez te abandonasse sem dizer nada. não tinha nada a ser dito. nunca houve. eu te olhava como olhava as fotos do mural do meu quarto. meu quarto cheio de gente morta na minha vida, cheia de gente sem sentido e sem significado. eu te olhava e não achava o sentido em você. eu, vivendo a procura dos sentidos ocultos. não tinha mais o que te dizer, eu não tinha mais como fazer aquilo funcionar, eu tropeçava no meu salto alto, o mundo girava de um jeito enjoado quando você tentava me beijar. há quantos anos estamos juntos, eu pensava. pra esse cansaço todo? sete anos, talvez quinze. eu não lembrava direito nem o dia em que tinha te conhecido. eu sabia que não tinha que te anotar na agenda. eu não gosto de ser imprudente com sentimentos.

 mas aquele dia tinha uma coisa, talvez o meu cansaço da vida, talvez a náusea de existir, talvez a simples vontade de romper com tudo e sair correndo. qualquer coisa dessas. qualquer coisa dessas me fez querer vomitar em você, te bater, te dizer que não precisava mais daquilo, que você podia ir embora e me largar pra sempre, e ia ser melhor assim. ia ser melhor assim porque eu não sabia lidar com seu silêncio, com o nosso cansaço, com essa merda toda. eu queria te dizer pra ir embora, ir embora de vez. me deixar, cuspir na minha cara que seja, mas acabasse logo com isso. eu já fui abandonada tantas vezes, tantas inúmeras vezes que não faz diferença, eu ia te jurar, não faz mesmo. ia ser mais uma. mais uma vez. eu ia acabar esquecendo teu rosto em dois meses e arrumando outra coisa pra me apaixonar. e você, quem sabe, se encontraria com o amor da sua vida porque é assim que funciona. é assim que funciona na minha vida. e eu, tão cansada de tudo, tão terrivelmente apática, de repente levantei e gritei:

- porra, que merda, me abandona de vez.

 você me olhava e não entendia nada.

 - me abandona, caralho, me abandona de vez. vai embora, me deixa a pé, andando na chuva, mas não me faz sentir como aqueles putos da mesa da frente. casados há duzentos mil anos e que não conseguem nem falar sobre o tempo. me faz pelo menos sentir raiva de você já que você tá matando todo o carinho. eu não sinto nada, caralho. eu não sinto nada você tá entendendo? na-da. me tira dessa merda. me tira. não dá assim, eu não sei continuar assim.

 você pagou a conta, me puxou pelo braço, me sentou no banco lá fora. você me odiava. eu podia sentir que você me odiava. me odiava porque eu não tinha tido um porre e vomitado no seu pé, eu não tinha feito um escândalo de subir na mesa e dançar, eu não bati no teu carro nem risquei a lataria nova, eu só vomitei o que eu sentia em você. e com isso você não soube lidar. essa parte de mim você sempre preferiu esconder que existia.

 - por que você fez isso?
- porque eu não nos agüento mais.
 - e precisava, assim, no meio de todo mundo?
- na verdade o plano inicial era te dar as costas e ir embora sem te dizer nada. mas eu tô bêbada. eu tô bêbada e olhei pra essa sua cara de tédio e não deu. só te largar era muito pouco. eu tinha que te jogar isso, essa coisa. não dava pra ser assim, do jeito que eu achava que ia ser.
- você já gostou de mim, me diz você já gostou de mim em alguma parte disso tudo?
- eu gosto ainda.
 -você disse pra eu te abandonar.
 - justamente porque eu gosto de você. porque acabou a nossa urgência, dá pra ver, você olha pra mim contando as horas pra me levar pra casa. eu nem lembro qual foi a última vez que eu conversei com você alguma coisa com empolgação. é só assim, você fala, depois eu falo e você não me ouve e a gente come, depois trepa, e é tudo um pretexto ridículo, e quando não é isso estamos bêbados, e você me segura e eu vomito no teu pé, no teu carro, depois na cama. acabamos desacordados, um pra cada lado. decadentes. que rotina ridícula. a gente é ridículo. terrivelmente ridículos.
 - eu não sei o que te dizer.
- você não sabe o que me dizer porque você nunca soube, porra. mas alguma coisa você sente.
- eu gosto de você.
 - você gosta menos de mim do que gosta do seu cachorro.
 - meu cachorro não exige validações de sentimento.
- e eu não exijo nada de você.
 - isso é o que você acha.
- pode dizer que eu sou louca.
- e é. é porque complica tudo do jeito mais terrível.
 - por que você não me abandona de vez?
- porque eu não consigo, tem alguma coisa em você. qualquer coisa.
 - por que você não me abandona de vez?
- porque eu não quero.
 - você ia mesmo me virar as costas?
- ia.
- não virou por quê?
 - porque eu tinha que tentar pela última vez, vai que não sei, vai que dá certo, vai que eu redescubro em você aquilo que eu vi no primeiro dia.
 - é isso que a gente vive buscando, será? aquilo que a gente era no primeiro dia?
 - acho que é isso que todo mundo busca, no fim das contas. até aquele casal terrível e sofrido que tava sentado na nossa frente. todo mundo vive na esperança de voltar a sentir o encantamento e a urgência do primeiro dia.
 - naquele dia você falava mais, bem mais.
- naquela época você era encantado por mim.
 - você ainda sorri do mesmo jeito.
 - e você nunca sabe direito a hora de me beijar.

 você me beijou. eu te sorri. não queria mais te abandonar. não naquela hora. mas eu sabia, um dia aconteceria. talvez não hoje, e nem daqui há uma semana. mas chegaria o dia em que não existiria mais em nossos ossos o encantamento nem a urgência do primeiro dia, e nem seria possível recuperá-los. eu não anotei nosso primeiro beijo na agenda. não quero acreditar em amor como não quero acreditar no paraíso, porque eu não sei o que faria com a eternidade. a eternidade me dá calafrios na espinha. me enxergo te deixando deixando pra nunca mais voltar. imagino você me abandonando pra sempre, por causa da minha loucura insuportável. sorrio assim. me fazem feliz as bandejas de iogurte compradas na promoção para serem consumidas rápido, num tempo determinado. tudo tem data de validade.


."..and in the end gets easy to pretend that you are just some lover. "

14.10.11

Entre o ser e o nada

Jean paul satre ou um outro filosofo qualquer disse que o ser humano esta fadado a uma terrivel angustia a partir do momento em que se dá conta da própria existência. Essr mesmo sartre escreveu um livro chamado a naúsea. Naúsea é o que eu estou sentindo agora. Nausea do existir. Quero vomitar minha vida pela boca. Quero nascer de novo. Quero ao menos conseguir revidar o tapa, sair da inércia, gritar a dor: voltar a sentir enfim. Porque hoje sou o ser - e o nada. Sinto meu coração na ponta da faca, sangra, mas eu não sei mais gritar. Estou cansada de existir - a naúsea.

13.10.11

anti-métrica

versos livres, 
brancos
a caneta não toca o papel
a escrita não toca a alma
você não toca meu coração

o amor é só um jogador na reserva de um time,
que nunca vai entrar em campo.

8.10.11

do aleatório do ser que derrama em plena madrugada

chego em casa. penso em escrever. penso em conversar. penso em dizer quinhentas mil coisas que ficaram engasgadas em mim, mal resolvidas. as noites não tem sido assim tão interessantes, e nem adianta mais ser a menina mais-bem-vestida-da-festa. as coisas não fazem sentido. não é culpa sua, não é culpa minha, não é culpa de tudo-que-deveria-ter-sido-e-não-foi. não é culpa do passado nem do presente, nem dos trânsitos astrológicos pelos quais estou passando. é da vida. é da vida essa insatisfação sem fim, essa busca sem fim em si mesma. uma semana a gente flerta com a decadência, vomita a alma pela boca, desmaia e não lembra de nada. na outra a gente sai e volta dama da sociedade, garota alternativa e bem vestida de classe média. é tudo assim, meio cíclico, meio errado, meio cheio de voltas. é tudo assim, meio indefinido. queria  escrever o texto da minha vida, queria a catarse, o perfeito, a criação. queria tirar de mim o que quer que seja isso. o peso que ficou nos meus ombros depois de tanta perda, de tanta morte, de tanta solidão. cheguei na terrível parte da vida em que se todas as pessoas que eu conheço sumirem eu sou capaz de acostumar. vivo sozinha, um bicho meio apático, ninguém sabe muito das coisas que eu quero, das coisas que eu faço. nem eu mesma. por isso não culpo. hedonismo. a busca pelo prazer. sei lá, que seja. eu vomito na janela do carro, eu experimento tudo que há para experimentar, eu vivo nesse filme sem nexo pierrô retrocesso meio bossa nova e rock and roll e ninguém se importa muito. nem eu mesma. joãozinho bobo na mão da vida, se você me empurrar eu vou. pra qualquer lugar que seja. não esperem de mim as mais belas cartas de amor, as demonstrações mágicas, os textos bem escritos. tudo deu um tempo. sobrou em mim esse vida que vai indo do jeito que dá, do jeito que pode. um dia beija, depois não beija mais, um dia sai, depois não sai mais. passo dias inteiros indo em casas desconhecidas, refazendo amizades, conversando sobre qualquer assunto. depois outra semana inteira em casa com meus livros & filmes, minha pizza metade napolitana metade brócolis. tanto faz. tanto faz você, tanto faz eu, tanto faz a vida. tanto faz. eu já quis ser feliz, eu juro, eu quis mesmo. quis ser feliz, equilibrada, quis levar essa vida regrada que todo mundo gosta tanto. essa vida de tv no domingo, de ligar pra dar boa noite. mas não sei lidar. tudo na minha vida veio fácil demais pra que eu quisesse manter comigo, não sei, vai saber, essas coisas não fazem mesmo o mínimo sentido. eu não faço o mínimo sentido. hoje só sei viver assim. um dia não bebo nada, depois bebo demais, chego em casa, vomito no meu próprio pé, tenho pena de mim mesma, me acho velha demais pra essas coisas. sento na cama digo pra mim mesma que quero sossegar, quero viver mais calma, quero um amor-quem-sabe, alguém pra me pegar na mão, pra me fazer feliz. mas sei que esse não é o caminho, o caminho sou eu. eu sou meu próprio desequilíbrio. eu sou isso. sou um dia de videogame e coca e outro dia de porre de cerveja com tequila. sou de ímpeto, de aventura, de ser livre. sou assim de ser livre e acho que não há o que fazer. olho pra mim cansada, os cabelos mal cuidados e as roupas mal escolhidas e sorrio porque podia ser pior, podia ser muito pior. eu sei que podia. eu sei que me mantenho nesse equilíbrio frágil. um equilíbrio que toma porre, e fala demais. que diz o que não deve e que se atropela, mas o meu equilíbrio. eu sou capaz, eu sei, eu sou bastante capaz mas no momento, sabe, no momento que seja, tanto faz, tanto faz de verdade. no momento eu não sei ser de outro jeito e não tem pra quê ter pena de mim. talvez eu devesse quem sabe ser mais capaz, mais ajuizada, mais dessas pessoas que não acham que tudo acaba, tudo-sempre-acaba. quando você acha que tudo acaba você aproveita tudo muito intensamente mas esquece de fazer-durar. é assim com tudo até com a minha vida. não sei lidar com manutenção, não sei atender expectativas, eu vou sempre as minhas mensagens guardadas na pasta de rascunho, inadequadas. vou ser sempre esses textos de desabafo, o querer consolar e fazer piada, o não saber demonstrar nada muito profundamente. mas por enquanto nada incomoda, vai bem assim, obrigada. todo mundo sabe que a gente muda quando tem que mudar, quando chegar a hora eu mudo também. alguém me ensina. eu aprendo. ou ninguém ensina nada pra ninguém nem aprende nada e sai de mão dada tropeçando e atropelando a vida.

tanto faz. no fim todo mundo é feliz na medida que pode. menos feliz do que queria ser. (bem) mais infeliz do que diz ser.

29.9.11

Minha vida é um filme do linklater (ou do kaufman)


Nunca entendi o porquê de não gostar tanto-assim de todas as histórias de amor cults do universo cinematográfico. No mundo cinematográfico existem as comédias românticas feitas para o "público em geral" e as comédias românticas feitas para um clube mais seleto. No segundo grupo se encaixam: "brilho eterno de uma mente sem lembranças" "500 dias com ela" "before sunrise" e "bafore sunshine". Coicidentemente o kaufman e o linklater, os diretores desses filmes, escreveram alguns dos filmes que eu mais gosto na vida. Só que os em que eles falam de amor simplesmente não me encantam. Hoje eu finalmente assisti "before sunrise". O filme conta a história de um casal que se encontra num trem indo pra viena e acaba por passar uma tarde e uma noite apenas juntos, sabendo que eles iriam partir pela manhã. No meio disso há diálogos sobre questões da vida, arte, amor e é claro, beijos e algum romance. Os diálogos são bem trabalhados, a história é fascinante, existe magia. Mas não me encanta. Eu me enxergo na personagem, mas não me sinto tocada. Tudo isso me fez pensar e repensar mil razões e porquês. Porque se eu me acho tão parecida com clementine the tangerine, ou com a francesa da sequencia de antes de amanhecer e antes do por do sol, eu não consigo me emocionar genuinamente com elas? por quë esses filmes que de certa forma retratam partes de mim não figuram entre os meus preferidos? A resposta veio na cena do jogo de perguntas entre os personagens de "antes do amanhecer". Eu fiz um jogo de perguntas, uma vez. Igualzinho. A partir daquilo eu consegui entender que eu não gosto desses filmes, porque esse romance já existiu na minha vida. Existe. E quando uma coisa retrata apenas a realidade, ela não é interessante. É preciso o sonho, a idelização, o mais-alguma-coisa.

Eu imagino que milhares de meninas assistam esses filmes e queiram ser clementine-the-tangerine. E queiram achar um joel. Talvez elas esperem um dia em viena conversando sobre assuntos variados e tomando vinho no parque. Diálogos interessantes, jantares, dançar no meio da rua, tomar vinho no parque, falar de sexo abertamente, discutir política no meio de um jantar romântico. Coisas-que-só-acontecem-no-cinema. O que eu presto atenção quando penso na minha vida é que todos os meus relacionamentos - dos mais duradouros aos que duraram uma noite - tiveram em si essa aura de aventura. Sempre dividi com meus amores, amantes, ficantes, homens, essa espontaneidade. Eu já discuti assuntos seríssimos andando de mão dada na rua. Já beijei no meio da calçada as três da tarde. Já dancei nos lugares onde ninguém dançava. Já rolei na grama do parque numa quinta feira à tarde. Fiz piquenique. Levei vinho pra tomar no chão do quarto. Ouvi beatles na cama. Discuti cinema, literatura, política, minha vida, deitada na cama olhando pro teto. Andei na montanha russa e na roda gigante do parque. Andei na montanha russa infantil do shopping. Levei bichinho da máquina de ursinhos do playmaster. Namorei no parque da rodoviária. Me agarrei em cantos escuros. Demonstrei amor em lugares públicos. Saltitei na rua de mão dada. Sentei no chão do carrefour. Pedi dinheiro no sinal pra dividir coca cola no shopping. Discuti sobre vida, morte e deus, na sacada da minha casa as sete da noite. Comi pipoca discutindo jean baudrillard e sua relação com matrix a uma da manhã de um dia de semana. Falei de existencialismo. Dancei na sala. Passei uma noite com um cara que ia embora pela manhã, também. Sabíamos que era a última noite das nossas vidas. Vimos pulp fiction na última noite da nossas vidas. Tentamos fazer de pulp fiction uma narrativa linear. Não conseguimos. Acabamos algum tempo depois. Não nos encontramos seis meses depois em viena. Mas foi bonito, enquanto durou foi bonito. Tudo na minha vida foi muito bonito enquanto durou. 

Talvez eu tenha dificuldade em ver beleza nesses filmes porque eles fincam a beleza na coisa transitória. O amor vai acabar no momento seguinte. Personagens intensas, sempre. Todas as minhas relações nunca foram pautadas num "seremos felizes pra sempre". Eu nunca nem tinha certeza se ia continuar vendo a pessoa amanhã. Ou daqui uma semana. Na verdade, eu até hoje parto do pressuposto que todo encontro é na verdade e último e me espanto quando acontece o próximo, e no próximo eu já vou achando que vai ser o último e assim por diante. Sempre o último. Nada vai durar pra sempre. Nem pra sempre, nem até amanhã. Meu namoro mais duradouro se deu no meio da distância. 1000km de distância. Encontros mensais. Tinhamos que aproveitar todo tempo juntos como se fosse o último momento das nossas vidas. Ele me fez almoço ao som de vinícius de moraes pra dançar na sala. Ele discutiu a abertura de um restaurante chamado sgt.peppers comigo na praça de alimentação do shopping, num domingo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre todos os assuntos do mundo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre tudo. Precisávamos nos descobrir enquanto tinhamos tempo juntos. Nos embrenhavamos em aventuras impensáveis, roteiros turísticos improvisados, conversas que não acabavam nunca, encontros amorosos em lugares insusitados. Tinhamos urgência um do outro porque sabíamos que nos dispediriamos pela manhã. Essa manhã que às vezes demorava uma semana, mas às vezes dois ou três dias. Cada minuto com ele precisava ter em si pequenos pedaços de eternidade. Conversávamos sobre qualquer assinto, bebíamos qualquer vinho, entrávamos em qualquer restaurante. Ele me tinha como queria, eu o tinha do jeito que bem entendesse. Sempre. Corremos pra são paulo pro show das nossas vidas. Brigamos e nos amamos ao som de radiohead. Experimentamos os novos drinks, as novas músicas, vimos todos os filmes que podíamos, conhecemos todos os lugares. Nos amávamos intensamente, brigávamos intensamente, tudo intenso. Tudo como se o mundo fosse acabar pela manhã. E ia. Ela ia embora. Eu ia ficar. Nossa vida ia voltar a ser separada. Nossa relação era sazonal. 

Só sei ter amores, amores talvez não seja a palavra, mas relações assim, lindas, dignas de filme alternativo. Roteiro do linklater. Conversas, diálogos bem elaborados, garrafas de vinho, música bem escolhida, coisas compartilhadas, risadas e todos eles, todos eles sem nenhuma exceção, encontros felizes que tinham em si o karma de se acabar pela manhã. E por isso tinha de ser intenso. "Essa por ser a última vez que eu te vejo". Essa vai ser a última vez que eu te vejo. A próxima é um acidente. A próxima já é a última. Nunca soube prometer nada, nunca soube lidar com regularidade, não sei o que são amores que se comem pela rotina, não sei o que é ver dvd no domingo, sair pra jantar, não querer agarrar cada minuto com as mãos porque aquele minuto pode nunca mais acontecer. Não acho o amor bonito nos filmes porque eu já vivi tudo isso. Não em viena, não fazendo anjinho na neve, não com casas se dissolvendo e programas para apagar o amor da sua vida de sua memória, mas já tive. Já tive os diálogos incríveis, já me abri sobre a minha vida, já ouvi muito sobre a vida de todos eles, já dancei, já me acabei, já passei madrugadas acordada discutindo a vida, já perdi todos os meus pudores, já passei vergonha, já fui muito feliz. Em momentos com data de validade, mas muito feliz. Eu não preciso dos filmes. Eu tenho a minha vida. A vida que às vezes é tão arte quanto a própria arte. A vida que também está programada pra acabar no momento seguinte e precisa ser vivida com intensidade. Eles todos me deixaram num trem e nos despedimos prometendo nos ver. Talvez aconteça, talvez não. 

Vocês vêem beleza no inesperado e eu vejo beleza na rotina, no dia-a-dia, no trivial, no previsível, no calmo. Talvez porque só se enxergue a beleza naquilo que ainda não se tem. Queria experimentar um dia, a regularidade. A certeza do encontro no outro dia. A certeza do ter, talvez. Talvez eu odiasse. Talvez eu descobrisse que isso não é pra mim. Insatisfação. Love is a losing game. E eis que descubro que continuo jogando pelo prazer do jogo, e nunca - quase nunca - pra ganhar. Até que chegue o dia, quem sabe, o dia. 

25.9.11

eau de perfume

Lembro. Quero dizer alguma coisa, qualquer coisa assim que invadisse todos os sentidos, os poros, que fizesse uma sinestesia da alma. Qualquer coisa que fizesse a alma ter cor, gosto, cheiro, que desse pra pegar a alma com a ponta dos dedos. Ensaio. Ensaio mil e uma vezes o melhor jeito de dizer, sem que pareça muito, sem que pareça pouco, sem que pareça nem demais e nem raso. O suficiente. Queria dizer o suficiente dessa coisa assim, sabe, essa coisa que não tem nem nome nem jeito, nem denominação. Dessa coisa que chegou um dia, de madrugada, não avisou nada, não avisou como vinha e nem se ia embora. Teria nascido a coisa? o que nasceu afinal? nasceu assim de um jeito torto, estranho, linha cruzada da vida. Interferência, atraso, desvio, atalho. Caminho? Seria esse o caminho a seguir? Não sei. Sei que lembro. Lembro e repasso os momentos aqui e ali, num de cada vez, não sei o que pensar, despenso, não sei o que dizer, desdigo, tento escrever e não sai. Canto, canto para mim qualquer coisa assim sobre você, mas não isso porque essa não é a banda certa. Danço na sala, relembro de novo, ensaio uma declaração de qualquer coisa, te dedico todos os versos. Depois te esqueço, te enfio debaixo dos cobertores e saio, sou sozinha, sempre fui, te afasta, te afasta eu não sei o que te dizer. Não hoje, não assim desse jeito, amanhã talvez-quem-sabe, mas amanhã também não, amanhã é muito cedo, ou seria tarde demais? Quando é o tempo certo. Existe? o tempo, senhor relativo das coisas, apressado, cruel. Penso no instante certo e o instante se foi, se perdeu, eu me perdi. O que foi que aconteceu? o que é isso que tem acontecido? Não sei. Esqueço. Lembro de novo. Faz frio. Aquele caminho, sempre aquele caminho. Corro. Corro dez metros, vinte, trinta, cem metros, um quilômetro inteiro e quase explodo. Explodo e depois caminho. Caminho devagar pensando. Lembro. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, gritar, correr, tentar explicar usando as palavras, um gesto, um cartaz, gifs animados. Queria soar menos brega, menos clichê, mais madura, queria uma ficção bonita, inventada pra dizer tudo isso. Tudo isso o que? Nem eu sei. Existe? Penso de novo em versos, saudades quem sabe, pipoca às três da tarde, uma metáfora qualquer. Uma história dessas, dois personagens, aventuras, o romantismo está nas pequenas coisas. Pequenínissimas. O mesmo verso cantado da música. Você me faz sorrir. Talvez seja isso. Talvez não. Lembro. Queria uma história inventada, qualquer coisa sublime, sentir orgulho, terminar de escrever e sorrir, explicar tudo isso, mas não consigo. Não sei dizer das coisas vivas. Só das que já morreram. E essa coisa sem nome se faz viva. Viva demais. E invade como esses perfumes baratos que impregnam. Invade e fica no nariz. Esse cheiro de perfume. E eu, que sofro do medo ancestral de perder tudo, prefiro me afastar. Me dissipo no ar como o perfume que não dura. E acabo por não dizer nada.

23.9.11

Saber amar é saber deixar alguém te amar.

"No dia em que ocê foi embora eu fiquei, sozinho no mundo sem ter ninguém, o último homem no dia em que o sol morreu." Lenine - O último pôr do sol.

Ouvi essa música e dei de chorar. Foi assim, terça feira no trabalho, de tarde, uma merda. Uma merda dessas que me deixou improdutiva,  sem vontade, sem jeito, sem nada. Pensei em amor, é claro, só podia ser a falta de amor, de um amor qualquer, daquele amor. Achei que era. Acordei no outro dia, num sopetão, escrevi um outro texto desses, caramba, mais um sobre o único amor que eu tive que se foi. Só sei escrever sobre isso talvez, o tempo todo assim, esse repetir das coisas que eu já nem sei se sinto. Digo que não sei porque tenho sofrido de saudades, uma saudade imensa, uma nostalgia que me faz quase-chorar a cada vez que eu repito essas histórias de nós dois, nós três, nós quatro, nós cinco. Sofri de angústia, a semana toda. Não soube lidar. Achei que o problema comigo, depois botei o problema em você, estive descontrolada, mal, falando demais, me derramando em todas as redes socias, em todos os lugares que podia. Quase pegava na mão das pessoas e pedia pra elas conversarem comigo, pra por favor me ouvirem, olha pra mim eu preciso de atenção, eu preciso contar essas histórias pra vocês, essas coisas que me afligem tanto, preciso contar essas crônicas desse amor que se foi, esse amor que eu preciso, esse amor que eu perdi. Preciso contar do dia em que ele foi embora.

Achei que precisava. Achei que o problema todo era ele. Sempre ele.
Não era. Não dessa vez.
E talvez não tenha sido nas outras também.

Existe uma coisa em psicologia que se chama "processar o luto". O luto não processado parece causar uma espécie de problema, a curto ou a longo prazo. O luto não processado deve causar câncer. Metaforicamente falando, ou talvez não, que seja. No último ano, esse ano que passou, eu acabei perdendo muita coisa. Engraçado, só de escrever isso vem lágrima no olho. Meu melhor amigo mudou pra são paulo no fim do ano passado. Eu, essa desajeitada do sentimento, não soube direito nem chorar a partida dele. Me lembro de ter dado um abraço nele, lá embaixo, depois de uma noite de jogar videogame. Subi o elevador meio atônita. Chorei um pouco sentada no sofá e dormi. Acordei no outro dia lidando com isso como uma espécie de sonho. Quando ele se foi chegou o outro amigo. Ele também tinha data pra ir embora. Março. A gente aproveitou esse dezembro-a-março como se fossem os últimos meses da nossa existência. As noites em casa, na balada, no carro. As bebedeiras, as conversas, as saídas pra comer iscas de frango. A sucessão de festas que deu pra gente as últimas três semanas mais maravilhosas antes da ida dele. Em março ele se foi. Eu não consegui chorar no aeroporto. Eu não sei chorar as partidas, eu não sei nem dizer "eu vou sentir sua falta".

Antes deles tiveram as pequenas perdas. A amiga que começou a namorar e não mais nos emprestava a casa dela. O amigo que começou a namorar e parou de nos chamar pra dançar na sala. A gente era assim. A gente tinha essas tardes de tomar rum com coca e ouvir smiths. Depois acabava a vodka, o rum, a coca e sobrava as músicas. A gente conversava e conversava e conversava. E dançava na sala. E tinham também as tardes de macarrão e brigadeiro e conversar. Tenho sido nostalgica das tardes no shopping tomando coca e conversando. Tenho sido nostalgica de tudo, de tanta coisa que se eu fosse contar encheria três páginas inteiras. Mas esse não é o ponto. O ponto é que as pessoas foram sumindo, uma a uma, e eu fui agindo como faço sempre. Como se fosse normal, o curso da vida, como se eu não me importasse, não sentisse falta. No intervalo de um ano eu perdi todos os meus melhores amigos. Todos eles. O que sumiu da minha vida depois começou a namorar. O que mudou pra são paulo. O que foi pros estados unidos. E fiquei aqui, bicho solto nesse mundo, e meu deus o mundo é imenso pra gente se cuidar sozinha. Até daquele que eu achava chato às vezes porque me fazia dançar salsa no meio da sala e dizia que eu devia beber mais eu sinto saudades.

Depois que vocês se foram eu nunca mais me derramei inteira pra alguém. Vocês foram embora levando minhas noites de conversa sem fim, meus desabafos, minha depressão entendida. Ter que lidar com o mundo sozinha, meu deus, é muito dificil. Ter que lidar com um mundo de só sair pra beber, só sair pra dançar, nunca contar como vai a minha vida. As pessoas aqui não tem mais tempo pra isso, gente. E com as que tem eu ainda não criei essa intimidade. Só vocês me conheciam assim, tanto, pra sempre, desse jeito. Eu sinto a falta de vocês três como se tivessem tirado meu braço direito. Saudades de tomar coca no shopping e sair pesado de tanto pensar. Saudades de rum com coca, radiohead, smiths, dormir no sofá. Saudades de dançar em rodinha no meio da sala. Saudades de fazer macarrão no almoço e ficarmos todos até as dez da noite, conversando e só. Saudades de vocês, caralho, saudades de vocês. Saudades do videogame, dos videos do youtube, saudades do jeito que a gente cuidava um do outro, mesmo sem perceber. Saudades de não precisar sair e ficar sempre-sempre na loucura porque a nossa presença nos bastava. Saudades de vocês.

Saudades de vocês que eu só consegui processar e enxergar agora. Eu, que não chorei a partida de nenhum de vocês. Que não consegui contar pra ele o quanto ele me fazia falta. Que não consegui chorar nas outras duas despedidas. Que falho redondamente em mandar recados dizendo que sinto saudades. Eu, que principalmente, falho em dizer pra mim mesma o quanto eu fiquei sozinha, incompleta, sentida com a partida de cada um de vocês. Eu, o ser desapegado e autossuficiente. Eu, a independente, tenho estado perdida na vida desde que vocês se foram. Faz falta. Sinto falta. Queria vocês de novo. E hoje chorei o luto.

De resto só digo que sei que tenho falhado redondamente nas minhas novas relações. Tenho sido arredia, medrosa, esquisita, fugitiva. Não sei lidar. Não sei lidar com a possibilidade de outra pessoa que eu goste muito sumir de repente da minha vida. Daí prefiro assim, essa distância segura, esse descaso, esse meu jeito de nunca me contar demais, nunca olhar nos olhos, nunca convidar pra uma nova saída. Desajeitada, tropeçando nas palavras, me despejando demais e sendo inevitavelmente cruel.  É dificil recomeçar. Dar o primeiro passo, se abrir de novo, lidar com novas pessoas, entender que elas não te entendem tanto porque nem te conhecem tanto assim. Porque você não deixa elas te conhecerem tanto assim, então nem tem o direito de exigir. Engraçado enxergar tudo assim, às seis da tarde de uma sexta feira com chuva e se derramar num blog.

Sofro do terrível medo da perda do ser amado. E o ser amado nem sempre é o homem amado. Talvez essa tenha sido a grande epifania do dia. A maior delas foi ter percebido que eu chorei porque de fato "fiquei sozinha no mundo sem ter ninguém" me sinto "a ultima mulher no dia em que o sol morreu". Mas não porque me foi tirado o ser amado. Mas sim porque me foram tirados os amigos, amados, lindos, queridos, necessários.

Eu também preciso de outros seres humanos pra viver, mesmo que eu não saiba dizer isso com palavras. Eu sinto saudades de vocês, tanto, tantas. Mas a vida é sobre enxergar os erros e tentar recomeçar. A vida é sobre não saber como lidar, e ter que lidar.

Um desabafo que ninguém vai ler,  ou o texto menos literário e mais importante do ano.
I'm going back to the start.

19.9.11

A única maneira de se enterrar um grande amor é um epitáfio


PRELÚDIO– O NASCIMENTO

         Nasci três ou quatro semanas antes do previsto, disse a minha mãe. Tempo exato para ter nascido assim aquário, e não peixes – embora eu não acredite na sorte do zodíaco. Nasci assim, de bunda virada pra lua, sem saber esperar, sem saber que existe jeito errado de nascer (e de se viver). Nasci em fevereiro odiando o carnaval, filha única de pais zelosos. Não soube perder, não sei dividir e tendo os pais me amado inteira e completa, só sei amar pela metade. Receber muito amor, quem sabe, nos ensina a não saber amar de volta. Ou não é nada disso. Não se sabe, nada se saberá com certeza dessa epígrafe de um grande amor. Se eu escrevo é pra te matar de dentro de mim. O único amor que senti. A única criatura pela qual o corpo se fez carne. O único olho no qual eu me enxerguei, me cegou. E se fez cego.


Preciso de uma opinião: se fosse o primeiro parágrafo de um livro que você lê em pé na livraria, você continuaria lendo? É isso que vocês estão pensando, mesmo. 


18.9.11

um escritor renasce nos olhos do outro.

E aqui estamos, sozinha, no meio de jornalistas frustrados, intelectuais sem nome. Uma mulher declama um pedaço de um livro de uma maneira sofrível. João Paulo Cuenca, é claro, nunca saberá da minha existência no planeta terra. O problema da literatura são os estudantes de literatura. O problema do texto é ser dito por alguém que não tem talento. O problema da literatura são os amantes de literatura. O problema do mundo é querer encontrar sentido em tudo.

João paulo cuenca adentra no recinto.
Diz coisas que eu pensava, mas nunca tinha dito antes.
Toma em duas horas o tanto de água que eu não bebo em três dias.
Deixa o recinto me deixando três frases escritas, uma pergunta respondida, esse trecho de coisa alguma e um sentimento comum: no fundo, todo mundo sente igual.


16/09/11 - o único final feliz para uma sexta feira comum seria um acidente. 

13.9.11

você é o grito que ninguém ouviu no teatro


NÃO SE MATE

                                     Carlos, sossegue, o amor
                                     é isso que você está vendo:
                                     hoje beija, amanhã não beija,
                                     depois de amanhã é domingo
                                     e segunda-feira ninguém sabe
                                     o que será.

                                     Inútil você resistir
                                     ou mesmo suicidar-se.
                                     Não se mate, oh não se mate,
                                     reserves-e todo para
                                     as bodas que ninguém sabe
                                     quando virão,
                                     se é que virão.

                                     O amor, Carlos, você telúrico,
                                     a noite passou em você,
                                     e os recalques se sublimando,
                                     lá dentro um barulho inefável,
                                     rezas,
                                     vitrolas,
                                     santos que se persignam,
                                     anúncios do melhor sabão,
                                     barulho que ninguém sabe
                                     de quê, praquê.

                                     Entretanto você caminha
                                     melancólico e vertical.
                                     Você é a palmeira, você é o grito
                                     que ninguém ouviu no teatro
                                     e as luzes todas se apagam.
                                     O amor no escuro, não, no claro,
                                     é sempre triste, meu filho, Carlos,
                                     mas não diga nada a ninguém,
                                     ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond.

Existe uma hora, na vida de qualquer pessoa - e nas das que escrevem, principalmente - que se falta a vida e, pior ainda, faltam as palavras. Uma coisa meio morte, meio enxergar sua vida como personagem de outra coisa, outra história. Não se faz parte, não se existe, quase se morre. Nesses estados de quase-morte empresta-se as palavras de outra pessoa pra querer se dizer o que não se consegue. É que os que não escrevem fazem. É pra isso que servem os escritores. Para dar voz àquilo que se vive, mas não se sabe colocar em verso, nem prosa, e nem mesmo grito. Deixo que nesse hiato Carlos Drummond fale por mim. É terrível não conseguir escrever com suas próprias palavras aquilo que se sente. A catarse, pra quem cria, é apenas parte do processo. É bonita, mas não preenche. Os olhos às vezes cabisbaixos indicam tristeza. Eu preciso de tempo, eu preciso ficar sozinha, eu preciso me encontrar pra poder entender o que pode virar texto e o que não pode. A metalinguagem de escrever sobre o não-escrever também não preenche. É só uma constatação. Alguma coisa dentro de mim precisa colar pra que se crie. É preciso criar pra que se viva. Eu preciso escrever pra me sentir parte. Parte do mundo, parte de mim, parte do universo. A cura pela fala sempre fui minha cura pela escrita. Sublimação. Freud explica, mas não consola. Aos olhos dos outros, toda pessoa aparentemente amarga precisa de amor. “Você precisa amar, você precisa ser amado”. Todos querem. Eu, inclusive, não nego. Só que hoje, eu preciso criar. Porque o escrever é necessário. E o amor, acontece quando tem que acontecer – hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda feira ninguém sabe o que será.

Mas não diga nada á ninguém, ninguém sabe nem saberá”

Não.se.mate