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25.11.12

uma dedicatória qualquer

hoje acabei lendo todo mundo compartilhando uma tal dedicatória de um tal amor que durou pra sempre e resolvi eternizar minha melhor de dedicatória, de um dos melhores livros, por um dos meus melhores amores. 

(em o "Cheiro do Ralo" em qualquer lugar perdido em  dois mil e dez e em um amor que foi muito bonito e aí passou).  

"A fim de melhor escrever essa dedicatória, dei uma rápida passeada pelo livro e encontrei isso: 'Estive no inferno e lembrei de você'. De certa forma, estive no inferno nesses últimos meses e lembrar de você era quase obrigatório. Esse livro e toda a viagem tenta timidamente representar a alegria que me dá estar contigo, embora eu saiba que nem de longe ela começa a ser desenhada. Tenho uma péssima caligrafia fora de linhas e estou tentando por palavras, então essa com certeza não será a melhor dedicatória do mundo, mas será para a melhor mulher e o maior amor. Espero que seja bom, e qualquer coisa me empresta

Te amo, feliz 21!" 

Todas as cartas de amor são ridículas, mas não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. 


20.11.12

já de saída minha estrada entortou; mas vou até o fim

Eu sempre soube, desde muito criança, que o otimismo não me caia bem. Preferia a melancolia. Nenhuma razão específica a não ser um fatal: tem que ser assim. A vida nunca foi lá muito simpática comigo. Me fez alta demais em comparativo com as minhas coleguinhas, e tivemos alguns acidentes de percurso. Nasci introvertida. Não gostava das outras crianças, dos clubes, das recreações; não tinha amigos de brincar no prédio. Eu só lia. Minha mãe me deu de presente uma assinatura de gibis da turma da mônica e aquele era o melhor presente que eu podia ganhar. Ler pra mim era prêmio. Eu sempre terminava os exercícios antes de todo mundo e aí podia ir na biblioteca escolher o livro que eu bem entendesse. Acabei com a coleção da bruxa onilda e do monteiro lobato. Depois veio a coleção vagalume e os livros do pedro bandeira. Todo um imaginário que era melhor que a vida em si. Toda e qualquer literatura, ainda que trágica, é melhor que a vida em si. A vida açoita sem poesia nem pausa. A vida não tem métrica e esquece de rimar. Soube, desde muito cedo, que o único caminho era a melancolia. Acreditar era confuso demais. Eu me desiludia com facilidade. Minhas amigas me deixaram sozinha na quinta série e eu passei alguns vários recreios chorando na biblioteca. Confiar sempre foi uma coisa rara em mim. Às vezes eu mesma achava que eu tinha algum desvio sério de caráter. Não era normal que eu fosse assim, tão sem querer alguém que soubesse cada linha de mim. Não entendo dos meus traumas de infância e evitei a psicanálise tanto quanto pude. Ainda evito. Não tenho dinheiro nem saco. Nunca fui otimista. Nem no amor nem em nada. Sempre soube que a vida está aí, traiçoeira, pronta pra te dar o bote em qualquer oportunidade.

Dois mil e doze foi meu maior bote da vida. Pareço disco riscado e vitrola velha quando digo isso. Às vezes eu fico pensando como sobrevivi à tudo aquilo. Eu, com tanto medo de viver me enfiando em vans que corriam mais do que deviam em plena dutra sem saber muito bem pra onde eu estava indo e nem onde eu queria chegar. Eu, bicho afugentado sem saber que o nome daquele olhar perdido no horizonte e da minha vontade de chorar era: depressão. Eu quis que alguma coisa fosse minha salvação. Por isso tudo assim, tão louco e rápido. Algo tinha que me salvar daquilo, da minha falta de vontade de sair, da minha vontade de me enfiar debaixo das cobertas e ficar pra sempre. Eu queria que fosse um emprego, ou ele. E é claro que colocar as expectativas da sua vida em qualquer lugar que não seja você tende a um risco enorme, ainda mais quando o problema é você mesma. Depois de estragar tudo a gente acha o problema, cuida do problema e sara de mansinho. Vontade de viver eu ainda não achei tanto assim. Não tenho plano nem meta, nem vontade louca de ser alguma coisa. Não tenho nada. Um bom conselheiro um dia me disse que uma das grandes vantagens de não saber pra onde se vai é que o mundo se torna então cheio de possibilidades. Sorri no meio do caos. Ele tinha um pouco de razão embora eu ainda estivesse bem perdida. Ainda não sei qual dessas possibilidades eu quero (se é que eu quero alguma), mas é, ok, a vida ainda tem possibilidades.

Hoje foi um dia ruim. Tem dia que é. Passei metade dele tentando criar coragem pra mandar um e-mail que já estava escrito e abrir um e-mail que já tinha recebido. Depois disso várias pequenas decepções. Fui correr. Viciei em endorfina porque sim, e só correr salva. Cazuza gritava no meu ouvido que "eu te avisei, vai à luta; marca teu ponto na justa e o resto deixa pra lá". Sorri. Talvez fosse isso. Fazer o que eu tinha que fazer e deixar o resto pra lá. Todo esse resto estranho, essa gente que não me entende, minhas terças feiras frustradas e a falta de fé. Tem que ir de mansinho, o resto vem. Vem mesmo? Deve vir. Cheguei em casa menos mal, e fucei por vício a página dele. Ele parece estar com uma outra que, é claro, não sou eu e nem tem tanto assim a ver comigo exceto pelo fato que ela também corre e ela também curtiu "morangos silvestres" do bergman. Quis chorar. Aquela era a constatação óbvia de que a vida continua, não importa o quanto eu tenha ficado jogada largada no chão enquanto tentava me recuperar. Chorei. Chorei por mim, por ele, pela menina nova dele e por todos nós que queremos tanto ser felizes e não somos. Chorei por todas as conversas que não consigo ter, pela distância, por todos os convites recusados e por todas as cervejas que eu não pude dividir no bar, com outras pessoas. Chorei pelo meu grande amor perdido, que nunca mais atenderá as minhas ligações e pra quem eu nunca mais poderei pedir socorro quando a vida doer que nem doeu hoje, nessa terça feira à noite com gosto de fracasso. Meu grande amor perdido hoje casado, segura pela cintura sua mulher e divide com ela as aquarelas dos desenhos que eu nunca soube fazer. Ficou na caixa nossa ideia revolucionária de escrever quadrinhos juntos. Meu texto e o desenho dele que hoje nem tem mais traço único. Meu grande amor perdido, e exorcizado ao som de death cab for cutie. Meu grande amor perdido que não mais me seguirá dentro da escuridão, caso eu precise. Meu último amor perdido segurando pela cintura uma menina de cabelos curtos e olhos verdes. Parecia feliz, nunca sei dizer quando ele está mesmo feliz. Meu último amor perdido exorcizado ao som de coisa alguma porque vejam, não tinhamos assim uma música-tema. Chorar com shakermaker não tem graça alguma, então resolvi chorar ao som de caetano porque essa vida já tá qualquer-coisa. Meu último amor perdido sem barba e com as roupas bem escolhidas de sempre, já nem deve lembrar de mim de um jeito diferente de: "aquela louca que vomitou minha casa toda". Não é assim com tudo? Viramos umas pessoas de adjetivos simples e piadas prontas. Viramos mais uma foto no hall de relacionamentos. Acho que nunca mais verei nenhum deles, a não ser que a vida se encarregue dessas loucuras. Não espero nada.

Quanto a vida, sabemos que ela é de idas e vindas, mas certas coisas permanecem. Permaneceu meu encontro único de entendimento mágico com o único homem que agora ouso chamar de "melhor amigo". Ele, que segurou as minhas barras e que me diz na cara o que eu devo ou não devo fazer se quiser continuar tendo alguma decência na vida. Minha carência era de palavra. Palavra entendida. Eu queria que alguém me fizesse um acalanto na alma, e ele sabe fazer. Nos entendemos. Sempre nos entendemos. Desde a primeira vez em que ele estava de coroinha que piscava na fila do trote da faculdade. Continuamos nos entendendo, quase seis anos depois. Eu tenho medo da vida, ele tem medo da vida, temos medo de ficar sozinhos. Ele tinha medo que eu fosse infeliz. Eu tinha medo que ele não conseguisse dar conta. Ele esteve comigo nos piores dias da minha vida, e nos melhores também. Foi quem conheceu e deu pitaco em todos esses amores que já perdi. É quem chegou antes e vai embora depois. Uma das únicas pessoas no mundo com quem eu posso falar de tudo. Nós dois sabemos do nosso desencaixe, da nossa desesperança. Nós dois sabemos um sobre o outro coisas que não falamos. Eu sei quando ele mente e ele sabe quando eu falo meia verdade. Eu sei que é por ele, e só com ele que é possível seguir em frente nas terças feiras ruins. A vida não tem jeito. Não vai chegar ninguém virando ela de cabeça pra baixo e fazendo dela um grande acontecimento. Nada de extraordinário acontecerá na maioria dos dias. Tem o que tem. É isso. Todos os dias um nada sem sentido pra de vez em quando haver alguma coisa qualquer que faça sentido.

Quanto ao presente, entendo que depois de ter perdido tudo, só dá pra começar da onde há alguma coisa. Eu faço tudo que eu posso, tento tudo o que tenho. Não dá pra querer o que eu não posso ter, não dá pra desejar o que eu não tenho mais. Meu grande amor perdido casou, meu outro amor perdido arrumou uma menina qualquer pra passar os dias e, quem sabe, namorar e cantar caetano; namorar e discutir Nabokov; namorar e dizer "eu te amo" em russo enquanto ela responde em alemão. Meu grande amor perdido hoje desenha coisas estranhas e não vai mais à orquestras. Não somos as mesmas pessoas. O que ficou pra mim é o que eu imaginava que ficaria. O outro cara que eu gostei desde o primeiro encontro desajeitado. O cara pra quem comprei uma revista que eu nunca tive coragem de dar e nunca dediquei um texto. O cara que me deixa falar sobre teorias estranhas e ouve resignado, mesmo que depois esqueça tudo. O que sobrou pra mim é isso que eu posso ter e que, talvez, seja o mais certo a se ter. E se não for ele será outro, ou não será ninguém. O que sobrou pra mim é uma pilha interminável de questionamentos sobre identidade, pós modernidade, globalização e tudo mais que o cerca. O que sobrou pra mim é uma cabeça confusa e chata, um jeitinho estridente de reclamar, uma amizade completamente perdida no processo e alguma esperança. O que sobrou pra mim é o que eu posso fazer. Não se pode antever a vida. Não sei o que será do meu próximo ano porque não sei nem como vai ser amanhã. Pode bem ser que o mundo acabe dia vinte e um destruindo todos os nossos sonhos. Deixando nossas monografias incompletas, os vestibulares sem resultado, os noivados sem casamento. Pode ser que tudo continue e o fim de tudo é isso: continuar. Porque o fim de tudo é sempre continuar. Continua quando você perde um grande amor; continua quando você perde seu último amor; continua depois de uma depressão; continua depois da doença dos seu pai; continua depois que todos os seus amigos foram morar longe de você e não existe conforto. Continua mesmo depois que você conhece o mutarelli ou o Zeca Baleiro, ou a Paula toller. Continua depois de síndromes do pânico, depois de um show visto de trás de pilastra e de inúmeras decepções. Continua mesmo nas terças feiras quando você chora encolhidinha no banheiro porque seu último amor já seguiu a vida e você ficou caída e atropelada.

Continua, porque tem que. E no meio disso tudo, não tendo outro jeito, resolvi eu continuar também. Meu último amor durou alguns poucos meses, terminou em desastre e foi exorcizado ao som de Caetano. Meu grande amor perdido durou alguns anos e foi exorcizado ao som de mick jagger. Minha decisão de continuar tem mais ou menos uma hora, veio depois de uma conversa e foi animada ao som de deborah blando. Eu soube desde criança que a vida é muito mais melancolia que otimismo, e isso daqui não é uma carta de otimismo. É uma carta de constatação: se tenho que continuar, que seja ao menos pretendendo não ser miserável. Que seja com mais café que preguiça e com mais alegria que choro encolhida no banheiro. Continuo porque, inevitavelmente, descobri que não há outro modo. E vou até o fim.

17.11.12

sempre vai haver uma canção contando tudo de mim



O Rodrigo nunca soube que eu ouvia "Ele quer me conquistar" enquanto sonhava platonicamente que ele era perdidamente apaixonado por mim e não só queria conferir comigo as respostas de matemática no colégio. O andré nunca imaginou que eu entendi aos doze anos - depois de descobrir que ele não era apaixonado por mim, e sim pela menina que eu mais odiava no colégio - o sentido da frase "agora você vai embora, e eu não sei o que fazer; ninguém me explicou na escola, ninguém vai me responder". O Fábio não sabia que eu pensava nele ao ouvir "amanhã é 23; são oito dias para o fim do mês. Faz tanto tempo que eu não te vejo, eu queria o teu beijo outra vez" porque ele fazia aniversário no dia 22 de janeiro (que vem a ser um mês de trinta e um dias, como na música). O fernando não imaginava que, enquanto ele me perseguia pelo colégio, eu ficava cantarolando "porque é que eu não desisto de você?" tentando entender como é que podia alguém que nunca tinha falado comigo me querer tanto assim. 

Perdi as contas das crises de ciúmes que eram entendidas ao som de "Seu Espião", das noites que chorei encolhidinha na cama me perguntando "se existe alguém ou algum motivo importante que justifique a vida ou pelo menos esse instante", de quantos amores eu pensei que, se não tivessem exagerado a dose, podiam ter sido grandes amores. Meu grande amor não soube que eu só entendi exatamente cada palavra de "os outros" quando o perdi. Não soube também minha mais recente decepção amorosa que, depois de anos ouvindo "alice (não me escreva aquela carta de amor)", eu finalmente fui entender que tantos sonhos morrem em poucas palavras; um bilhete curto e já não há nada. Estavam certos em pedir a Alice pra não escrever aquela carta de amor - eu não devia ter escrito também, concluí chorando. Não sei quantas vezes citei sem ninguém entender que "eu tenho pressa e tanta coisa me interessa, mas nada tanto assim" e mal pude explicar a mim mesma o quanto "nada sei" é uma música libertadora porque trouxe em si toda a sensação do não-saber dos meus treze ou catorze anos. Entendi exatamente o que paula me ensinou aos onze, quando eu andava pra lá e pra cá com meu diskman rodando kid abelha, quando dizia que "garotos perdem tempo pensando em brinquedos e proteção; romances de estação, desejos sem paixão: qualquer truque contra emoção" assim que tive minha primeira decepção amorosa. Paula sempre esteve mais certa que o Leoni. Leoni retratava o igenuidade de um garoto perto de uma mulher, mas a Paula sabia que os garotos gostam mesmo é de iludir, sorrisos, planos, promessas demais. Poucos deles não queriam que eu fosse outra, entre outras iguais. 

Além da minha mãe, das novelas da tv, dos livros que eu devorava quase que maníaca; a outra responsável pela minha formação com certeza foi Paula Toller. Não só ela, como todos os meninos do Kid Abelha. Só que ela era mais, porque ela também era uma menina. Fosse um homem cantando aquilo, não faria tanto sentido. É como o Legião Urbana: eu até gostava do renato, mas sabia que certas coisas ele nunca seria capaz de entender. Ele não escreveria "Garotos" porque era um garoto também. Era um pouco isso que eu pensava, de camiseta larga e calça esquisita, ouvindo meu diskman enquanto o mundo passava em volta. Tive todos os cds do Kid Abelha que existiam. Me apaixonei pelo acústico quase que perdidamente e, encontrei em "eu tive um sonho" minha música preferida por meses e meses. "Não deixe de cruzar o seu olhar com o meu; eu vou jogar meu corpo em cima do teu" era a maior declaração de amor que um ser humano podia fazer ao outro. Sonhava em encontrar um amor que não deixasse de cruzar o olhar dele com o meu, e que desejasse nunca deixar de jogar o corpo dele em cima do meu. Não encontrei naquele ano. Pensava num único garoto que nunca me deu bola. "Dizem que sou louca por eu ter um gosto assim, gostar de quem não gosta de mim". Em todo caso aprendi também que o pior de tudo era não amar, e jogava as minhas mãos para o céu porque tinha alguém que eu gostaria que. 

Minha adolescência foi toda embalada pelos inúmeros CDs do Kid Abelha que eu comprei. Fiz as meninas do meu grupo na educação física dançarem "Fixação"ao invés de backstreet boys com doze anos de idade. Eu nem lembro quantas vezes eu ouvi esse tal CD duplo. Tivesse uma last.fm naquela época, Kid Abelha facilmente estaria no topo de execuções. Eu tinha a pose exata pra me fotografar, e aprendi num filme pra um dia usar. Mantinha um ar cruel de quem sabe o que quer. Sabia todas as letras de cor. Eu tinha pressa, tanta coisa me interessava - mas nada tanto assim. Eu, minha franja que não se acertava direito, minhas roupas feias e meu nariz grande demais tinhámos em Paula Toller e seus abóboras selvagens um refúgio contra o horror que é crescer sem saber direito o que era crescer. Era anacrônico ouvir Kid Abelha nos anos 90. Aquele CD era anacrônico, mas as músicas eram minhas. A Paula Toller me entendia. Quando ela entrou no palco eu não soube fazer outra coisa a não ser chorar. Eles diziam que iam fazer uma viagem pelos 30 anos de carreira. Essa viagem era também a viagem pelos meus vinte e três anos de idade. Lembrei de amores, ex-amores, dos meus pais, de amigos que não são mais meus amigos, de boas noites e de noites terríveis. Eu ouvia os barulhos do começo de "Seu espião" e podia me ver de novo encolhida no banco de trás do carro sabendo que eu ia ouvir pela décima vez meu CD preferido. Não tem palavras que digam direito o que é ver de perto a banda que embalou toda a sua formação como pessoa adulta. Eu sabia todas as letras de cor. Todas aquelas frases já tinham sido escritas nas minhas agendas em algum lugar do passado. Todos os meus amores platônicos pelos meninos da sala ao lado tinham como trilha sonora uma música qualquer com a voz doce da Paula Toller. A voz doce da Paula Toller que dias atrás me fez chorar com "uniformes" que eu ouvi encolhidinha debaixo dos lençóis, igualzinho eu fazia quando eu tinha treze anos e não queria que a minha mãe me visse chorar. 

Tanta coisa que não muda. Eu ainda vou errando enquanto o tempo me deixar; eu escolho filmes que eu não vejo no elevador pelas estrelas que eu encontro na crítica o leitor; eu ainda não sei o que fazer quando alguém vai embora porque ninguém me ensinou na escola e ninguém vai me responder; eu ainda não aprendi com a Alice a não escrever aquela carta de amor (por que você precisa ser tão sincera?). Eu queria dizer de algum jeito pra Paula Toller que ela tinha sido minha amiga. Que ela, sem nem saber, me compreendeu durante essa jornada estranha rumo a ficar adulta (ou quase). Eu não ia saber o que dizer a não ser "obrigada". Eu não soube muito bem o que fazer a não ser dançar no meu mundinho particular no meu primeiro show sozinha. Ninguém seria capaz de entender minha íntima relação com aquela banda que é da geração passada. A relação era entre eu e eles, igualzinho era quando eu ouvia mil vezes o mesmo CD deles durante as minhas viagens. Ninguém, além de mim, entenderia o porquê dos meus olhos marejados ao perceber que aquela voz que me entendia nos meus fones de ouvido que sempre quebravam, existe e faz piada. Eles existem fora do meu universo e no universo de várias outras pessoas. Eles embaralam não só a minha vida como também alguma parte da história do casal na minha frente e do menino do meu lado. Eles foram a trilha sonora da vida da minha mãe e da minha. Eles foram a trilha sonora de romances que não existiram, inseguranças que eu não contei pra ninguém e, talvez, de partes da minha vida que ainda nem aconteceram. Eu redescubro identificações que não sabia aos dez anos quando roubei o CD duplo da minha mãe. Eu entendo coisas que não entendia na época. Certas coisas eu ainda sinto exatamente do mesmo jeito, e volto a ter doze, treze, catorze, quinze anos. Certas coisas sempre vão ser iguais. Perder um grande amor vai trazer sempre consigo a ideia de que "depois de você, os outros são os outros e só"; novos sonhos ainda vão morrer em poucas palavras e, eu ainda quero alguém não deixe de cruzar o seu olhar com o meu pra eu poder jogar meu corpo em cima do seu. 

O que eu entendi é que certas coisas continuam inalteradas. Eu cresci e continuo sentindo certas coisas exatamente iguais. A Paula envelheceu e continua tendo a mesma voz que tinha quando tocava no meu diskman da philips que funcionava com pilha. Amor dói e faz feliz; às vezes nada nisso tudo faz sentido; eu ainda vou errar muitas vezes e pouco vou saber dessa vida. O que fica é isso. O que fica é isso que tem dentro. O que fica é saber que sempre existe algo que você gostaria que estivesse sempre com você na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. E esse algo pode ser qualquer coisa, desde que faça sentido; até mesmo um CD velho de uma banda dos anos 80. Afinal, sempre vai haver uma canção contando tudo de mim; sempre vai haver uma voz contando tudo de nós. 

12.11.12

acho que eu sou um palhaço triste

devia ter feito mil coisas. até ia. me deitei no sofá e fiquei ali estirada pensando numa vida toda que poderia ter sido mais e não foi. meus pais brigavam e resolviam não se falar. em cima da casa jazia uma imensa nuvem cinza de tristeza e pesar que só podia (se podia) ser dissipada com algum paleativo desses que não cura nada, mas alivia a dor. brownie de chocolate. acertar o ponto do brownie é tipo conseguir ser feliz na vida. um equilíbrio frágil. nem sempre vai dar certo. cinco minutos a menos deixam uma massa mole demais, cinco minutos a mais deixam a massa um bolo de merendeira de colégio estadual. uma massa pesada e estranha, com uns craquelados que são açucar puro. as instruções são claras: começou a craquelar, tira do forno. aquela massa desforme e mole vai se tornar um belo bolo. não dá pra acreditar. é mais ou menos como dizer que sua cara errada e desforme vai ficar bem quando chegar a vida adulta. mas funciona. uma hora de descanso, um pouco de geladeira: temos um brownie no ponto perfeito. uma coisa meio bolo, meio massa-mole. gosto de chocolate, serotonina em estado puro. quietura no coração. era isso: eu precisava de um pouco de quietura no coração porque carregar o mundo dói.

gosto de fotos. uma época, na faculdade, queria ser fotógrafa de comida. gosto muito pouco de gente, não acredito em casamentos, subvalorizo formaturas. grande coisa ser fotógrafa de um album que vai ficar dentro da gaveta. comida não, comida dá gana. queria ser fotógrafa de algo que inspirasse desejo. acho que se não fosse comida seria gente nua. arrisco isso, mas ainda prefiro a comida. tem toda uma magia nas fotos de comida que faz delas puro simulacro. boa parte das fotos de comida que dá vontade de comer são de comidas incomíveis. feijão meio cru, linguiça corada com katchup, costela num ponto em que nem o ser humano com os dentes mais fortes seria capaz de devorar. queijo frio. coisas do tipo. o segredo todo da foto da comida é fazer com quem alguém tenha vontade de comer. desperta luxúria, gana, vontade, desejo. querer pular na tela e comer a coisa. e nem dá pra bater uma punheta pra comida, o que torna a coisa toda ainda mais fetichista. tirar foto de comida é, por vezes, tirar foto do inatingível. do lanche que nunca existirá. gosto da magia. sempre fotografo os pratos que faço. mas não assim, pra dizer: "olha a massa desse cookie aqui que eu prometo que vai ficar maravilhoso". nem pra dizer que sei cozinhar. foda-se. quem tem que saber sabe, quem tem que provar provará. não faço comida em troca de amor mais. faço pra quem já amo. tiro foto da comida porque gosto da estética. monto os pratos. gosto de comer em pratos bonitos. o instagram me irrita porque a questão não é o prato, é o momento. é o vender a felicidade: vejam, olha aqui, estou sendo muito feliz com meu bolo de chocolate; olha, vejam, sei cozinhar. eu só quero a estética. como se o brownie fosse uma modelo. eu não estava sendo feliz. era um paleativo. o pedaço de brownie pra dissipar um pouco o ar pesado. todo o horror de um dia estranho dentro de um ano terrível. queria mostrar pra alguém que eu conseguia também um desses brownies craquelados de revista. me orgulhei da foto, do brownie, de tudo o mais que o cercava. me orgulhei do poder de poder fazer algo no meio da apatia toda. se não der pra ser mais nada, que me sobre a culinária. e a foto. gosto da foto. e da mágica da cozinha. e do desejo da comida. todo esse imaginário é interessante.

comi. precisava fazer umas outras coisas. tudo nesse meu ano se torna uma batalha. até terminar o meu trabalho. ou o mais simples: levantar da cama. às vezes não quero. deixei a foto, chequei. bons comentários, curtir de gente que amo. gente que amo amando o brownie que eu sempra faço. pequenos pedaços de imaginário. meu primeiro brownie que deu certo fiz no aniversário de uma amiga minha. bonitos os elogios. a comida tem isso de agregar pro outro, e não pra gente, que eu admiro muito. até que o mundo veio e deu indigestão de novo. as pessoas tem direito de dizer o que elas bem entendem. eu digo o que eu bem enetendo o tempo-todo. por vezes dá errado, as coisas saem trocadas, acontece uns desamores. no mais das vezes a gente é só mais uma postagem correndo na timeline. eu já passei por tudo que podia e que não podia esse ano. boa parte das coisas aguentei sozinha, outras nem lembro. achei que ia morrer de gripe uma vez e chorei por dois minutos sentada no box do banheiro. eu gritava pra deus (se houver um deus) que eu não aguentava mais. chorei do mesmo jeito quando achei que meu pai ia ficar cego. aguentei. tudo passou a ser meio irrelevante, daí. problema amoroso, desavença com os amigos, opinião divergente. o que vale mesmo é o que importa: se a pessoa é capaz de estar com você quando seu mundo está desabando, todo o resto é perfumaria. recebi ajuda da onde nem esperava. uma das mensagens me disse pra eu ter mais paciência com meu pai. eu repetia isso como um mantra. deu certo. nunca agradeci. um dia ainda vou. todos os dias eu tento ter paciência porque preciso amar e preciso lidar com a vida. todos os dias eu tento sobreviver. ser feliz é luxo.

aparentemente as pessoas esperam um pouco mais do que isso. esperam uma espécie de perfeição. eu faço o que eu posso. esse ano eu fiz mais do que eu podia. é muito fácil chegar e delegar funções. algo como "nunca vai dar certo enquanto você não se tratar". é bastante fácil esperar sem dar nada em troca. e esse ano, eu juro, eu não pedia muita coisa. tudo que eu precisava era de alguém que no fim da noite me perguntasse se tudo estava bem. eu precisava disso e do meu espaço preservado. essa doença maldita dá medo de sair de casa, medo das pessoas, medo da gente mesmo, medo de morrer. tudo que eu precisava era de alguém que entendesse quando eu quisesse dormir até as quatro da tarde, quando eu quisesse falar sem ouvir julgamento de valores, quando eu não queria sair. tudo que eu precisava era de alguém que me fizesse sentir segura. tem muito poucas dessas pessoas no mundo. a maioria das pessoas espera que você esteja aí pra tudo. "ela é do tipo de amiga que topa qualquer coisa". só que o qualquer coisa das pessoas é sempre o que elas querem. a festa que elas querem ir, os shows que elas gostam, o bar preferido delas. "topar qualquer coisa" quase nunca inclui ouvir você dizendo que você queria mesmo é que o mundo acabasse, porque olha, tá tudo errado. é tudo uma porcaria. nessas horas a gente se apercebe que na hora da dor mesmo a gente aguenta sozinho. dói na gente. o punhal é no coração da gente. o resto das pessoas continua vivendo, bebendo as suas cervejas, sendo feliz. o resto das pessoas sai muito pouco da sua zona de conforto pra tentar entender o outro quando o outro não é ele. eu não era ela. a constatação foi um pouco essa: eu era eu demais pra que ela pudesse me entender. daí eu me afastei. quando a vida da gente dói demais sobra muito pouco espaço pra ficar reparando as coisas que, no fundo, não querem ser reparadas. quando a gente sente saudade a gente diz. quando a gente se preocupa a gente pergunta como vai a vida. a minha vida desmoronou e várias pessoas que eu achei que estariam comigo segurando os pedacinhos de mundo que caíram, continuaram vivendo as suas vidas. existem viagens mais interessantes, gente mais legal, outras companhias que dá pra botar no lugar. ninguém quer alguém que não tope qualquer parada. ninguém quer alguém que precise consertar antes de usar. ou nada disso e as pessoas só tem dificuldade pra entender tudo aquilo que não são elas, que não se parecem com elas, que são outra coisa. talvez a paula toller sempre tenha a frase certa pra minha vida e eu repita mais uma vez que "os heróis na minha blusa não são os que você usa, e eu não te entendo bem".

talvez isso, talvez nada disso. talvez todas as relações humanas estejam mesmo fadadas a acabar num ódio destilado em menos de 140 caracteres que acaba com o seu brownie, com a sua foto, que deixa um gosto amargo na boca. talvez seja só o curso estranho que a vida segue. eu nunca escondi meus erros. sei que estou longe de ser uma pessoa fácil de lidar. sei, também, que me contradigo o tempo todo. talvez seja essa tal de consciência pós moderna. ninguém é capaz de acreditar em nada por mais de duas horas, disse um filósofo aí. eu acredito nos relacionamentos. eles deviam perdurar as convicções, passar por cima de certezas e de outros compromissos. eles deviam continuar firmes mesmo em meio a pior das tempestades e mesmo no meio da pior das condutas. amar exige relevar. eu relevei demais. tudo que pude. daí cansei porque a vida já me pesou demais pra que eu consiga, além de tudo, levar tapa na cara e dar a outra face. fácil demais querer amar só com o bônus. fãcil demais querer ter sempre consigo quando precisa e a recíproca não ser verdadeira. fácil demais exigir ser amado e não amar tanto assim de volta. fácil demais falar qualquer coisa que seja achando que a gente não sente mais nada. algumas coisas ferem. eu já aguentei demais e meu coração é um pote até aqui de mágoa. ando frágil, fraca, relevante e amando muito quem me ama de volta. mesmo quando eles erram. de uniteralidades eu cansei. o mundo é uma porcaria. só funciona quando a gente tem alguém pra caminhar junto. esse ano me deu várias pessoas e tirou. colocou holofote em gente que eu achei que ia me esquecer pra sempre. me ensinou a ter paciência, mas me ensinou também que, talvez, eu tenha esperado demais de onde já não vinha mais nada. ou nada disso e tem coisa que não dá certo por pura incompatibilidade. ela esperava coerência, e eu esperava apoio. ambas fomos desiludidas. eu também não devo ter feito a minha parte, mas a minha parte foi o que eu menos fiz esse ano. sobreviver sorrindo já é demais. tentar um brownie e uma foto já é o bastante. acertar o brownie e me orgulhar da foto já pode ser considerada uma imensa conquista. eu me exponho por aí, eu espero afago como todo mundo. no fundo eu sou, também, mais um palhaço triste.

1.11.12

e quantas frases feitas vão me explicar?

você se espanta com o meu cabelo/ é que eu saí de outra história/ os heróis da minha blusa não são os que você usa/ e eu não te entendo bem. 

- para se ler ao som de "Uniformes - Kid Abelha"

Quando ele trancou a porta de casa e me levou pra comer, eu sabia que era pra sempre o abandono. Eu me segurava numa espécie de fantasia de alguém que podia ser eu, mas não era exatamente. O vestido xadrez roxo não combinava tão bem assim com aquele oxford vazado azul, mas era tudo o que eu tinha. Eu carregava a minha mochila de zebra que sempre caía uma alça e me sentia extremamente inadequada. É claro que a mochila que eu comprei teria que vir com uma alça com defeito. Eu combino com uma mochila capenga, cheia de repartições que eu não consigo manejar bem. Em uma das vezes deixei vinte reais com a moça do metrô e não peguei o troco. Enquanto isso minha mochila caia e uma legião de paulistanos tentava me alertar dos dezessete reais que eu tinha deixado no guichê. Não por compaixão; não existe com-paixão em SP, mas sim porque quanto mais eu demorasse pra pegar meu troco, mais eu atrasaria a fila. A linha amarela tem tanta escada quanto tem gente apressada pra chegar em algum lugar. Eram nove ou dez horas de uma quinta feira terrivelmente quente e eu me espremia chorando na frente de um cara que ouvia maroon five meio alto e não me percebia chorar atrás dos meus óculos marrons. Minha mochila capenga de um lado não combinava com um dos hotéis mais caros da avenida paulista, todo mundo podia ver, mas acho que eles não se importavam tanto assim. Eu, menos ainda. Tudo que eu queria era deitar naquela cama que cheirava a mofo e esquecer a noite passada em que eu tinha entrado num ônibus sem saber onde parar e tido uma noite estranha onde eu me dei muito mais por apatia do que por vontade. Eu soube na hora em que eu olhava pra minha janela que não abria e enxergava o prédio cinza: não existe amor em SP. Só que eu não quis acreditar. Continuei tentando arrumar do mesmo jeito que eu tentei arrumar a maldita alça da bolsa de zebra que sempre acabava caindo de novo. Tem certas coisas que a gente sabe que não tem conserto, mas também não consegue jogar fora.

Nesse dia foi ainda pior que essa sucessão de desastres. Eu estava do lado dele, e eu não sabia o que sentia por ele, e do lado desse outro que nunca foi nada na minha vida - mas me ofereceu soro caseiro. Minha mochila ainda caia, meus cabelos estavam errados, ele soltava da minha mão e tudo que eu não tinha conseguido fazer me passava como um filme. Eu era de novo aquela adolescente maltrapilha que não pertencia ao lugar onde estava. De vez em quando eu olhava pra ele e lembrava de tudo "ela vomitou em mim" "pra quê existe lei maria da penha?" "não se fazem mais mulheres como (insira aqui o nome de qualquer idealização que não seja eu)". Corta pra mim, com uma camiseta molhada de água de tanque berrando fluorescent adolescent. Os heróis na minha blusa não são os que você usa, porque ele preferia o brandon flowers. Mas o brandon flowers, imagino eu, é mormón demais pra entender gente depressiva. O alex turner não. Pisa na ferida da adolescência igualzinho a Paula Toller. "Landed in a very common crisis" não é lá muito diferente de "eu ouço sempre os mesmos discos, repenso as mesmas idéias". Ele um dia me disse que eu era bem esquisitinha. Ele disse isso e eu já lembrei de mim segurando aquele maldito livro do Drummond aos doze anos enquanto todo mundo se degladiava pelo Harry Potter. Concordei. Preferia assim. Antes óculos de aro grosso que "normalidade". "Normalidade é superestimada", eu quase retruquei. Só que não pra ele. Ele preferia que eu fosse mais normal.

Por várias vezes eu preferi que ele tivesse me batido. Doiria menos, apagaria o trauma mais fácil. Ninguém remói a história com alguém que te bateu. Agora, dar culpa pra alguém que já é ancestralmente culpada, daí sim era problema. Fiquei lá. Conseguia lembrar até das manchetes de vôlei que não conseguia acertar na educação física. De quando eu perdi o (até então) amor da minha vida pra aquela outra menina porque não soube falar o que eu sentia. Eu vestia uma camiseta do surfista prateado, na ocasião. Eu nem sei o que o surfista prateado faz, mas usava mesmo assim. Os heróis na blusa dele não eram os que eu usava, só que ele me entendia bem. Ao contrário dessa vez em que eu só ficava me perguntando se ainda podia doer mais do que estava doendo. Mais do que a adolescência. Mais do que quando me chamavam de esquisita e eu saia chorando. Bem, podia. Minha mochila de zebra quase derrubou um vinho caro da adega da padaria cara e de repente eu me sentia com treze anos tropeçando e levando a rede de vôlei junto comigo. Eu sempre sou aquela menina que era a penúltima a ser escolhida na educação física, antes só da menina claramente retardada que não falava. Naquele dia o mundo todo parecia que não era o meu lugar. Eu sabia que ele ia desistir de mim. Não adiantava eu pedir desculpas, ajoelhar no meio da paulista. Não adiantava que o relógio do itaú mostrasse uma mensagem de amor. Já tinha sido tudo. Éramos incompatíveis. Estávamos, ao menos. Minha depressão não me deixava fazer nada além de sentir culpa e reviver todos os momentos em que eu tinha estragado tudo. Eu, apática, no pátio do shopping relembrando todos os dias em que eu tinha feito alguma coisa inadequada e, enquanto isso, tentando arrumar pela décima vez a alça da minha bolsa de zebra. 

Eu não lembrava dessa tal canção da Paula Toller enquanto me arrumava pra sair e tentar esquecer. Tentava me animar com meu coturno "eu limpo as minhas botas, não sou ninguém sem elas". Foram elas que me acompanharam em boa parte desse desastre. No dia em si eu usava o oxford porque fazia parte da fantasia. Claro que nem as minhas botas me salvavam do desastre. Tropecei na rua, e tive que tirá-las no aeroporto porque elas tinham metal demais. De algum modo, essa canção tocou na minha cabeça durante todo esse episódio. A canção da inadequação. Tudo aquilo, desde eu errando tudo o que ele esperava de mim, até o fato de eu não saber que ele, como fernando pessoa, não gosta que lhe peguem no braço podia ser resumido nessa frase que permeou toda a minha adolescência: "os heróis na minha blusa não são os que você usa, e eu não te entendo bem". Eu sempre volto a ser a menina de franja feia, camisa larga e calça de gorgurão que tropeçou na própria calça e saiu rolando a arquibancada toda acabando assim por quebrar o dente da frente inteiro. Algumas quedas da vida nos quebram os dentes, outras nos quebram a alma (essa, impossível de consertar com resina). Minha alma já estava rachada em mil pedaços. Tão quebrada como a minha bolsa de zebra. Ele só terminou de rasgar a alça e aí não teve mais onde me segurar. Caí. Meu coração caiu no meio da estação da sé as seis da tarde e ficou. Pisoteado. Estou quase boa. Daí ouvi essa canção de novo e chorei. Eu ouço sempre os mesmos discos, repenso as mesmas idéias. Não sei quantos uniformes ainda vou usar, não sei quantas frases feitas vão me explicar. Aí fico pensando se um dia a gente vai se encontrar quando os soldados tiram a farda pra brincar. Não obtenho resposta. Talvez não - é que eu saí de outra história.