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29.9.11

Minha vida é um filme do linklater (ou do kaufman)


Nunca entendi o porquê de não gostar tanto-assim de todas as histórias de amor cults do universo cinematográfico. No mundo cinematográfico existem as comédias românticas feitas para o "público em geral" e as comédias românticas feitas para um clube mais seleto. No segundo grupo se encaixam: "brilho eterno de uma mente sem lembranças" "500 dias com ela" "before sunrise" e "bafore sunshine". Coicidentemente o kaufman e o linklater, os diretores desses filmes, escreveram alguns dos filmes que eu mais gosto na vida. Só que os em que eles falam de amor simplesmente não me encantam. Hoje eu finalmente assisti "before sunrise". O filme conta a história de um casal que se encontra num trem indo pra viena e acaba por passar uma tarde e uma noite apenas juntos, sabendo que eles iriam partir pela manhã. No meio disso há diálogos sobre questões da vida, arte, amor e é claro, beijos e algum romance. Os diálogos são bem trabalhados, a história é fascinante, existe magia. Mas não me encanta. Eu me enxergo na personagem, mas não me sinto tocada. Tudo isso me fez pensar e repensar mil razões e porquês. Porque se eu me acho tão parecida com clementine the tangerine, ou com a francesa da sequencia de antes de amanhecer e antes do por do sol, eu não consigo me emocionar genuinamente com elas? por quë esses filmes que de certa forma retratam partes de mim não figuram entre os meus preferidos? A resposta veio na cena do jogo de perguntas entre os personagens de "antes do amanhecer". Eu fiz um jogo de perguntas, uma vez. Igualzinho. A partir daquilo eu consegui entender que eu não gosto desses filmes, porque esse romance já existiu na minha vida. Existe. E quando uma coisa retrata apenas a realidade, ela não é interessante. É preciso o sonho, a idelização, o mais-alguma-coisa.

Eu imagino que milhares de meninas assistam esses filmes e queiram ser clementine-the-tangerine. E queiram achar um joel. Talvez elas esperem um dia em viena conversando sobre assuntos variados e tomando vinho no parque. Diálogos interessantes, jantares, dançar no meio da rua, tomar vinho no parque, falar de sexo abertamente, discutir política no meio de um jantar romântico. Coisas-que-só-acontecem-no-cinema. O que eu presto atenção quando penso na minha vida é que todos os meus relacionamentos - dos mais duradouros aos que duraram uma noite - tiveram em si essa aura de aventura. Sempre dividi com meus amores, amantes, ficantes, homens, essa espontaneidade. Eu já discuti assuntos seríssimos andando de mão dada na rua. Já beijei no meio da calçada as três da tarde. Já dancei nos lugares onde ninguém dançava. Já rolei na grama do parque numa quinta feira à tarde. Fiz piquenique. Levei vinho pra tomar no chão do quarto. Ouvi beatles na cama. Discuti cinema, literatura, política, minha vida, deitada na cama olhando pro teto. Andei na montanha russa e na roda gigante do parque. Andei na montanha russa infantil do shopping. Levei bichinho da máquina de ursinhos do playmaster. Namorei no parque da rodoviária. Me agarrei em cantos escuros. Demonstrei amor em lugares públicos. Saltitei na rua de mão dada. Sentei no chão do carrefour. Pedi dinheiro no sinal pra dividir coca cola no shopping. Discuti sobre vida, morte e deus, na sacada da minha casa as sete da noite. Comi pipoca discutindo jean baudrillard e sua relação com matrix a uma da manhã de um dia de semana. Falei de existencialismo. Dancei na sala. Passei uma noite com um cara que ia embora pela manhã, também. Sabíamos que era a última noite das nossas vidas. Vimos pulp fiction na última noite da nossas vidas. Tentamos fazer de pulp fiction uma narrativa linear. Não conseguimos. Acabamos algum tempo depois. Não nos encontramos seis meses depois em viena. Mas foi bonito, enquanto durou foi bonito. Tudo na minha vida foi muito bonito enquanto durou. 

Talvez eu tenha dificuldade em ver beleza nesses filmes porque eles fincam a beleza na coisa transitória. O amor vai acabar no momento seguinte. Personagens intensas, sempre. Todas as minhas relações nunca foram pautadas num "seremos felizes pra sempre". Eu nunca nem tinha certeza se ia continuar vendo a pessoa amanhã. Ou daqui uma semana. Na verdade, eu até hoje parto do pressuposto que todo encontro é na verdade e último e me espanto quando acontece o próximo, e no próximo eu já vou achando que vai ser o último e assim por diante. Sempre o último. Nada vai durar pra sempre. Nem pra sempre, nem até amanhã. Meu namoro mais duradouro se deu no meio da distância. 1000km de distância. Encontros mensais. Tinhamos que aproveitar todo tempo juntos como se fosse o último momento das nossas vidas. Ele me fez almoço ao som de vinícius de moraes pra dançar na sala. Ele discutiu a abertura de um restaurante chamado sgt.peppers comigo na praça de alimentação do shopping, num domingo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre todos os assuntos do mundo. Ele sabia tudo que eu pensava sobre tudo. Precisávamos nos descobrir enquanto tinhamos tempo juntos. Nos embrenhavamos em aventuras impensáveis, roteiros turísticos improvisados, conversas que não acabavam nunca, encontros amorosos em lugares insusitados. Tinhamos urgência um do outro porque sabíamos que nos dispediriamos pela manhã. Essa manhã que às vezes demorava uma semana, mas às vezes dois ou três dias. Cada minuto com ele precisava ter em si pequenos pedaços de eternidade. Conversávamos sobre qualquer assinto, bebíamos qualquer vinho, entrávamos em qualquer restaurante. Ele me tinha como queria, eu o tinha do jeito que bem entendesse. Sempre. Corremos pra são paulo pro show das nossas vidas. Brigamos e nos amamos ao som de radiohead. Experimentamos os novos drinks, as novas músicas, vimos todos os filmes que podíamos, conhecemos todos os lugares. Nos amávamos intensamente, brigávamos intensamente, tudo intenso. Tudo como se o mundo fosse acabar pela manhã. E ia. Ela ia embora. Eu ia ficar. Nossa vida ia voltar a ser separada. Nossa relação era sazonal. 

Só sei ter amores, amores talvez não seja a palavra, mas relações assim, lindas, dignas de filme alternativo. Roteiro do linklater. Conversas, diálogos bem elaborados, garrafas de vinho, música bem escolhida, coisas compartilhadas, risadas e todos eles, todos eles sem nenhuma exceção, encontros felizes que tinham em si o karma de se acabar pela manhã. E por isso tinha de ser intenso. "Essa por ser a última vez que eu te vejo". Essa vai ser a última vez que eu te vejo. A próxima é um acidente. A próxima já é a última. Nunca soube prometer nada, nunca soube lidar com regularidade, não sei o que são amores que se comem pela rotina, não sei o que é ver dvd no domingo, sair pra jantar, não querer agarrar cada minuto com as mãos porque aquele minuto pode nunca mais acontecer. Não acho o amor bonito nos filmes porque eu já vivi tudo isso. Não em viena, não fazendo anjinho na neve, não com casas se dissolvendo e programas para apagar o amor da sua vida de sua memória, mas já tive. Já tive os diálogos incríveis, já me abri sobre a minha vida, já ouvi muito sobre a vida de todos eles, já dancei, já me acabei, já passei madrugadas acordada discutindo a vida, já perdi todos os meus pudores, já passei vergonha, já fui muito feliz. Em momentos com data de validade, mas muito feliz. Eu não preciso dos filmes. Eu tenho a minha vida. A vida que às vezes é tão arte quanto a própria arte. A vida que também está programada pra acabar no momento seguinte e precisa ser vivida com intensidade. Eles todos me deixaram num trem e nos despedimos prometendo nos ver. Talvez aconteça, talvez não. 

Vocês vêem beleza no inesperado e eu vejo beleza na rotina, no dia-a-dia, no trivial, no previsível, no calmo. Talvez porque só se enxergue a beleza naquilo que ainda não se tem. Queria experimentar um dia, a regularidade. A certeza do encontro no outro dia. A certeza do ter, talvez. Talvez eu odiasse. Talvez eu descobrisse que isso não é pra mim. Insatisfação. Love is a losing game. E eis que descubro que continuo jogando pelo prazer do jogo, e nunca - quase nunca - pra ganhar. Até que chegue o dia, quem sabe, o dia. 

25.9.11

eau de perfume

Lembro. Quero dizer alguma coisa, qualquer coisa assim que invadisse todos os sentidos, os poros, que fizesse uma sinestesia da alma. Qualquer coisa que fizesse a alma ter cor, gosto, cheiro, que desse pra pegar a alma com a ponta dos dedos. Ensaio. Ensaio mil e uma vezes o melhor jeito de dizer, sem que pareça muito, sem que pareça pouco, sem que pareça nem demais e nem raso. O suficiente. Queria dizer o suficiente dessa coisa assim, sabe, essa coisa que não tem nem nome nem jeito, nem denominação. Dessa coisa que chegou um dia, de madrugada, não avisou nada, não avisou como vinha e nem se ia embora. Teria nascido a coisa? o que nasceu afinal? nasceu assim de um jeito torto, estranho, linha cruzada da vida. Interferência, atraso, desvio, atalho. Caminho? Seria esse o caminho a seguir? Não sei. Sei que lembro. Lembro e repasso os momentos aqui e ali, num de cada vez, não sei o que pensar, despenso, não sei o que dizer, desdigo, tento escrever e não sai. Canto, canto para mim qualquer coisa assim sobre você, mas não isso porque essa não é a banda certa. Danço na sala, relembro de novo, ensaio uma declaração de qualquer coisa, te dedico todos os versos. Depois te esqueço, te enfio debaixo dos cobertores e saio, sou sozinha, sempre fui, te afasta, te afasta eu não sei o que te dizer. Não hoje, não assim desse jeito, amanhã talvez-quem-sabe, mas amanhã também não, amanhã é muito cedo, ou seria tarde demais? Quando é o tempo certo. Existe? o tempo, senhor relativo das coisas, apressado, cruel. Penso no instante certo e o instante se foi, se perdeu, eu me perdi. O que foi que aconteceu? o que é isso que tem acontecido? Não sei. Esqueço. Lembro de novo. Faz frio. Aquele caminho, sempre aquele caminho. Corro. Corro dez metros, vinte, trinta, cem metros, um quilômetro inteiro e quase explodo. Explodo e depois caminho. Caminho devagar pensando. Lembro. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, gritar, correr, tentar explicar usando as palavras, um gesto, um cartaz, gifs animados. Queria soar menos brega, menos clichê, mais madura, queria uma ficção bonita, inventada pra dizer tudo isso. Tudo isso o que? Nem eu sei. Existe? Penso de novo em versos, saudades quem sabe, pipoca às três da tarde, uma metáfora qualquer. Uma história dessas, dois personagens, aventuras, o romantismo está nas pequenas coisas. Pequenínissimas. O mesmo verso cantado da música. Você me faz sorrir. Talvez seja isso. Talvez não. Lembro. Queria uma história inventada, qualquer coisa sublime, sentir orgulho, terminar de escrever e sorrir, explicar tudo isso, mas não consigo. Não sei dizer das coisas vivas. Só das que já morreram. E essa coisa sem nome se faz viva. Viva demais. E invade como esses perfumes baratos que impregnam. Invade e fica no nariz. Esse cheiro de perfume. E eu, que sofro do medo ancestral de perder tudo, prefiro me afastar. Me dissipo no ar como o perfume que não dura. E acabo por não dizer nada.

23.9.11

Saber amar é saber deixar alguém te amar.

"No dia em que ocê foi embora eu fiquei, sozinho no mundo sem ter ninguém, o último homem no dia em que o sol morreu." Lenine - O último pôr do sol.

Ouvi essa música e dei de chorar. Foi assim, terça feira no trabalho, de tarde, uma merda. Uma merda dessas que me deixou improdutiva,  sem vontade, sem jeito, sem nada. Pensei em amor, é claro, só podia ser a falta de amor, de um amor qualquer, daquele amor. Achei que era. Acordei no outro dia, num sopetão, escrevi um outro texto desses, caramba, mais um sobre o único amor que eu tive que se foi. Só sei escrever sobre isso talvez, o tempo todo assim, esse repetir das coisas que eu já nem sei se sinto. Digo que não sei porque tenho sofrido de saudades, uma saudade imensa, uma nostalgia que me faz quase-chorar a cada vez que eu repito essas histórias de nós dois, nós três, nós quatro, nós cinco. Sofri de angústia, a semana toda. Não soube lidar. Achei que o problema comigo, depois botei o problema em você, estive descontrolada, mal, falando demais, me derramando em todas as redes socias, em todos os lugares que podia. Quase pegava na mão das pessoas e pedia pra elas conversarem comigo, pra por favor me ouvirem, olha pra mim eu preciso de atenção, eu preciso contar essas histórias pra vocês, essas coisas que me afligem tanto, preciso contar essas crônicas desse amor que se foi, esse amor que eu preciso, esse amor que eu perdi. Preciso contar do dia em que ele foi embora.

Achei que precisava. Achei que o problema todo era ele. Sempre ele.
Não era. Não dessa vez.
E talvez não tenha sido nas outras também.

Existe uma coisa em psicologia que se chama "processar o luto". O luto não processado parece causar uma espécie de problema, a curto ou a longo prazo. O luto não processado deve causar câncer. Metaforicamente falando, ou talvez não, que seja. No último ano, esse ano que passou, eu acabei perdendo muita coisa. Engraçado, só de escrever isso vem lágrima no olho. Meu melhor amigo mudou pra são paulo no fim do ano passado. Eu, essa desajeitada do sentimento, não soube direito nem chorar a partida dele. Me lembro de ter dado um abraço nele, lá embaixo, depois de uma noite de jogar videogame. Subi o elevador meio atônita. Chorei um pouco sentada no sofá e dormi. Acordei no outro dia lidando com isso como uma espécie de sonho. Quando ele se foi chegou o outro amigo. Ele também tinha data pra ir embora. Março. A gente aproveitou esse dezembro-a-março como se fossem os últimos meses da nossa existência. As noites em casa, na balada, no carro. As bebedeiras, as conversas, as saídas pra comer iscas de frango. A sucessão de festas que deu pra gente as últimas três semanas mais maravilhosas antes da ida dele. Em março ele se foi. Eu não consegui chorar no aeroporto. Eu não sei chorar as partidas, eu não sei nem dizer "eu vou sentir sua falta".

Antes deles tiveram as pequenas perdas. A amiga que começou a namorar e não mais nos emprestava a casa dela. O amigo que começou a namorar e parou de nos chamar pra dançar na sala. A gente era assim. A gente tinha essas tardes de tomar rum com coca e ouvir smiths. Depois acabava a vodka, o rum, a coca e sobrava as músicas. A gente conversava e conversava e conversava. E dançava na sala. E tinham também as tardes de macarrão e brigadeiro e conversar. Tenho sido nostalgica das tardes no shopping tomando coca e conversando. Tenho sido nostalgica de tudo, de tanta coisa que se eu fosse contar encheria três páginas inteiras. Mas esse não é o ponto. O ponto é que as pessoas foram sumindo, uma a uma, e eu fui agindo como faço sempre. Como se fosse normal, o curso da vida, como se eu não me importasse, não sentisse falta. No intervalo de um ano eu perdi todos os meus melhores amigos. Todos eles. O que sumiu da minha vida depois começou a namorar. O que mudou pra são paulo. O que foi pros estados unidos. E fiquei aqui, bicho solto nesse mundo, e meu deus o mundo é imenso pra gente se cuidar sozinha. Até daquele que eu achava chato às vezes porque me fazia dançar salsa no meio da sala e dizia que eu devia beber mais eu sinto saudades.

Depois que vocês se foram eu nunca mais me derramei inteira pra alguém. Vocês foram embora levando minhas noites de conversa sem fim, meus desabafos, minha depressão entendida. Ter que lidar com o mundo sozinha, meu deus, é muito dificil. Ter que lidar com um mundo de só sair pra beber, só sair pra dançar, nunca contar como vai a minha vida. As pessoas aqui não tem mais tempo pra isso, gente. E com as que tem eu ainda não criei essa intimidade. Só vocês me conheciam assim, tanto, pra sempre, desse jeito. Eu sinto a falta de vocês três como se tivessem tirado meu braço direito. Saudades de tomar coca no shopping e sair pesado de tanto pensar. Saudades de rum com coca, radiohead, smiths, dormir no sofá. Saudades de dançar em rodinha no meio da sala. Saudades de fazer macarrão no almoço e ficarmos todos até as dez da noite, conversando e só. Saudades de vocês, caralho, saudades de vocês. Saudades do videogame, dos videos do youtube, saudades do jeito que a gente cuidava um do outro, mesmo sem perceber. Saudades de não precisar sair e ficar sempre-sempre na loucura porque a nossa presença nos bastava. Saudades de vocês.

Saudades de vocês que eu só consegui processar e enxergar agora. Eu, que não chorei a partida de nenhum de vocês. Que não consegui contar pra ele o quanto ele me fazia falta. Que não consegui chorar nas outras duas despedidas. Que falho redondamente em mandar recados dizendo que sinto saudades. Eu, que principalmente, falho em dizer pra mim mesma o quanto eu fiquei sozinha, incompleta, sentida com a partida de cada um de vocês. Eu, o ser desapegado e autossuficiente. Eu, a independente, tenho estado perdida na vida desde que vocês se foram. Faz falta. Sinto falta. Queria vocês de novo. E hoje chorei o luto.

De resto só digo que sei que tenho falhado redondamente nas minhas novas relações. Tenho sido arredia, medrosa, esquisita, fugitiva. Não sei lidar. Não sei lidar com a possibilidade de outra pessoa que eu goste muito sumir de repente da minha vida. Daí prefiro assim, essa distância segura, esse descaso, esse meu jeito de nunca me contar demais, nunca olhar nos olhos, nunca convidar pra uma nova saída. Desajeitada, tropeçando nas palavras, me despejando demais e sendo inevitavelmente cruel.  É dificil recomeçar. Dar o primeiro passo, se abrir de novo, lidar com novas pessoas, entender que elas não te entendem tanto porque nem te conhecem tanto assim. Porque você não deixa elas te conhecerem tanto assim, então nem tem o direito de exigir. Engraçado enxergar tudo assim, às seis da tarde de uma sexta feira com chuva e se derramar num blog.

Sofro do terrível medo da perda do ser amado. E o ser amado nem sempre é o homem amado. Talvez essa tenha sido a grande epifania do dia. A maior delas foi ter percebido que eu chorei porque de fato "fiquei sozinha no mundo sem ter ninguém" me sinto "a ultima mulher no dia em que o sol morreu". Mas não porque me foi tirado o ser amado. Mas sim porque me foram tirados os amigos, amados, lindos, queridos, necessários.

Eu também preciso de outros seres humanos pra viver, mesmo que eu não saiba dizer isso com palavras. Eu sinto saudades de vocês, tanto, tantas. Mas a vida é sobre enxergar os erros e tentar recomeçar. A vida é sobre não saber como lidar, e ter que lidar.

Um desabafo que ninguém vai ler,  ou o texto menos literário e mais importante do ano.
I'm going back to the start.

19.9.11

A única maneira de se enterrar um grande amor é um epitáfio


PRELÚDIO– O NASCIMENTO

         Nasci três ou quatro semanas antes do previsto, disse a minha mãe. Tempo exato para ter nascido assim aquário, e não peixes – embora eu não acredite na sorte do zodíaco. Nasci assim, de bunda virada pra lua, sem saber esperar, sem saber que existe jeito errado de nascer (e de se viver). Nasci em fevereiro odiando o carnaval, filha única de pais zelosos. Não soube perder, não sei dividir e tendo os pais me amado inteira e completa, só sei amar pela metade. Receber muito amor, quem sabe, nos ensina a não saber amar de volta. Ou não é nada disso. Não se sabe, nada se saberá com certeza dessa epígrafe de um grande amor. Se eu escrevo é pra te matar de dentro de mim. O único amor que senti. A única criatura pela qual o corpo se fez carne. O único olho no qual eu me enxerguei, me cegou. E se fez cego.


Preciso de uma opinião: se fosse o primeiro parágrafo de um livro que você lê em pé na livraria, você continuaria lendo? É isso que vocês estão pensando, mesmo. 


18.9.11

um escritor renasce nos olhos do outro.

E aqui estamos, sozinha, no meio de jornalistas frustrados, intelectuais sem nome. Uma mulher declama um pedaço de um livro de uma maneira sofrível. João Paulo Cuenca, é claro, nunca saberá da minha existência no planeta terra. O problema da literatura são os estudantes de literatura. O problema do texto é ser dito por alguém que não tem talento. O problema da literatura são os amantes de literatura. O problema do mundo é querer encontrar sentido em tudo.

João paulo cuenca adentra no recinto.
Diz coisas que eu pensava, mas nunca tinha dito antes.
Toma em duas horas o tanto de água que eu não bebo em três dias.
Deixa o recinto me deixando três frases escritas, uma pergunta respondida, esse trecho de coisa alguma e um sentimento comum: no fundo, todo mundo sente igual.


16/09/11 - o único final feliz para uma sexta feira comum seria um acidente. 

13.9.11

você é o grito que ninguém ouviu no teatro


NÃO SE MATE

                                     Carlos, sossegue, o amor
                                     é isso que você está vendo:
                                     hoje beija, amanhã não beija,
                                     depois de amanhã é domingo
                                     e segunda-feira ninguém sabe
                                     o que será.

                                     Inútil você resistir
                                     ou mesmo suicidar-se.
                                     Não se mate, oh não se mate,
                                     reserves-e todo para
                                     as bodas que ninguém sabe
                                     quando virão,
                                     se é que virão.

                                     O amor, Carlos, você telúrico,
                                     a noite passou em você,
                                     e os recalques se sublimando,
                                     lá dentro um barulho inefável,
                                     rezas,
                                     vitrolas,
                                     santos que se persignam,
                                     anúncios do melhor sabão,
                                     barulho que ninguém sabe
                                     de quê, praquê.

                                     Entretanto você caminha
                                     melancólico e vertical.
                                     Você é a palmeira, você é o grito
                                     que ninguém ouviu no teatro
                                     e as luzes todas se apagam.
                                     O amor no escuro, não, no claro,
                                     é sempre triste, meu filho, Carlos,
                                     mas não diga nada a ninguém,
                                     ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond.

Existe uma hora, na vida de qualquer pessoa - e nas das que escrevem, principalmente - que se falta a vida e, pior ainda, faltam as palavras. Uma coisa meio morte, meio enxergar sua vida como personagem de outra coisa, outra história. Não se faz parte, não se existe, quase se morre. Nesses estados de quase-morte empresta-se as palavras de outra pessoa pra querer se dizer o que não se consegue. É que os que não escrevem fazem. É pra isso que servem os escritores. Para dar voz àquilo que se vive, mas não se sabe colocar em verso, nem prosa, e nem mesmo grito. Deixo que nesse hiato Carlos Drummond fale por mim. É terrível não conseguir escrever com suas próprias palavras aquilo que se sente. A catarse, pra quem cria, é apenas parte do processo. É bonita, mas não preenche. Os olhos às vezes cabisbaixos indicam tristeza. Eu preciso de tempo, eu preciso ficar sozinha, eu preciso me encontrar pra poder entender o que pode virar texto e o que não pode. A metalinguagem de escrever sobre o não-escrever também não preenche. É só uma constatação. Alguma coisa dentro de mim precisa colar pra que se crie. É preciso criar pra que se viva. Eu preciso escrever pra me sentir parte. Parte do mundo, parte de mim, parte do universo. A cura pela fala sempre fui minha cura pela escrita. Sublimação. Freud explica, mas não consola. Aos olhos dos outros, toda pessoa aparentemente amarga precisa de amor. “Você precisa amar, você precisa ser amado”. Todos querem. Eu, inclusive, não nego. Só que hoje, eu preciso criar. Porque o escrever é necessário. E o amor, acontece quando tem que acontecer – hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda feira ninguém sabe o que será.

Mas não diga nada á ninguém, ninguém sabe nem saberá”

Não.se.mate

7.9.11

ring out

Fracasso é isso, é não acontecer aquilo que estava previsto, é uma curva no lugar errado, é bater de cara no poste, é ter que lidar com o inevitável, a curva mal feita da vida. Assim são os imprevistos do mundo. Estava acostumada com o fracasso, o gosto de ferrugem e sangue na boca, o soco, a queda, as mãos raladas. O correr correr e acabar chegando a lugar algum. Sensação inevitável à todo aquele que está vivo. Desculpem, fracassamos. Fracassamos nas manhãs, nas noites, nas tardes, nos céus azuis, nós fracassamos o tempo todo, todos os dias. Todo dia tem um pouco de fracasso e raiva, de expectativa frustrada, de tristeza de fim de tarde. Todo dia tem um pouco daquilo que não foi. Poderia ela quem sabe, bater na mesa, maldizer o mundo, sair sozinha na rua gritando tudo aquilo que não deu certo. Mas o mundo não é assim, tem dia que não é hora e pronto. Senta-se, toma um café, esquece-se daquilo, respira-se três vezes e continua-se a jornada. Viver não permite que se agarre tudo com a mesma mão, mesmo que às vezes pareça possível - ou até mesmo necessário. Amores escaparão pelos dedos, felicidades sumirão por entre as copas das árvores e às vezes não existe poesia nas sextas-feiras à noite. Nenhuma poesia, nem aquela felicidade embriagada, e os carros passam com suas luzes acesas, suas músicas altas e na sua vida tudo é só um desassossego meio sem nome e nem porquê. É que às vezes a vida não é feita pra fazer sentido, a vida é feita pra te dar soco na cara, pra te fazer cair, pra te deixar sem jeito de levantar. A vida é feita de entremeios meio estúpidos, de fases de transição que são tipo a adolescência. A vida fica com uma voz estranha, espinhas na cara e não sabe direito como se portar. Talvez seja isso, esse terrível entremeio de não saber direito o que se vai ser no momento em que se acorda de novo. Difícil isso, o não-saber. O fracasso enraizado em todos os pequenos momentos, os pequenos desgostos, os pequenos goles de solidão as duas da manhã. Viver nem sempre é sorte e muito poucas vezes é feito de amor. Até podia ser, até podia ser, mas houve imprevisto, não era a hora, e não foi.

2.9.11

confundo relação com inércia

Eu confundo demonstrar afeto com comida, com jogo de videogame, com pipoca com ajinomoto as duas da manhã. Confundo demonstrar sentimento com raiva, com furor, com obsessão. Sofro do mal do frio na barriga, da proteção exagerada para comigo mesma. Tenho pavor de relacionamento. Fiquei infeliz, fui infeliz, amei na hora errada, apareci entregando os papéis como uma daquelas alunas desastradas - que vejam só, eu também fui - que tropeçam em seus tênis com cadarços desamarrados e acabam por derrubar tudo no chão. Sofro de desencontro, de desencanto, de muito desencanto nas horas erradas. Imagino as relações como aquela hora em que você se pega olhando pros seus pés e se dando conta do erro terrível que é dividir a vida com uma pessoa. Trabalho com prevenção de erros, com o menor esforço. Leis quanticas das relações humanas em que, sabendo que o desinteresse posterior é inevitável, o interesse então é uma variável nula. Zero. Qualquer interesse é transformado em zero, tudo vezes zero é igual a nada. Nada. A única palavra definitiva que parece fazer parte do meu vocabulário.

Te ofereceria bolinhos de chocolate em pequenas forminhas e te daria a mão, ocasionamente, mas desconfortável. Não gosto que me peguem na mão, acho intimidade demais. Sexo é ok, dois corpos desconhecidos vagando numa cama com um objetivo meio comum. Pegar na mão significa alguma coisa como querer tocar outra parte com a ponta dos dedos. As mães seguram nas mãos de seus filhos em seus primeiros dias na escola dizendo simbolicamente que estarão com eles naquele momento dificil. O calorzinho da mão que significa apoio, proteção, eu-estou-olhando-por-você. Tocar na mão é mostrar a outra pessoa pro mundo, é se dar conta da existência dela no mesmo espaço que você. Correntes eletromagnéticas passam por vocês, troca de calor, choquinhos por problemas de eletroestática. Dar as mãos é de certa forma permitir que, por algum momento por menor que seja, a outra pessoa esteja dividindo o seu espaço no mundo com você. Eu não gosto de dividir o meu mundo, entenda - eu tenho medo.

Talvez seja possível me levar pra jantar, me olhar nos olhos, me beijar na testa. Talvez eu goste e comente qualquer coisa sobre o lugar ser agradável, duas piadas, dois sorrisos. Nunca o verbalizar o sentimento, nunca o pegar na mão, nunca o encostar no ombro por iniciativa. É como se, com sentimento, eu fosse uma massinha de modelar. Com algum cuidado ela pode virar um pedaço de coisa concreta, mas deixada de lado é apenas um rolinho de massa colorida que em potência podia ter virado uma coisa concreta, mas em ato é só aquilo que sempre foi. Uma semana, duas, um mês. Te olharia nos olhos e me certificaria que existe qualquer-coisa-que-seja dentro de você. Não acreditaria. Esperaria - no paradoxo mais incrível do ser - por uma prova concreta. O que querem dizer seus risos, seus olhares, seus convites? Eu preciso da palavra - eu, que guardo a palavra até o último minuto - eu preciso da palavra pra ter certeza. E até ela, a palavra, é incerta. Eu já menti milhares e milhares de vezes, e você pode mentir também, e então esperaria por um olhar apaixonado, mas sem nunca fazer nada para que ele acontecesse. Seria pra você como uma musa, uma obra de arte, uma coisa que merece ser admirada pelo simples fato de existir. A não-reprocidade do amor que existe entre uma coisa viva, e uma natureza morta.

Sou um pouco aquelas estátuas de pedra das lendas. Só fico viva com um pouco de lágrima. O sentimento me faz renascer. E tendo certeza do sentimento verdadeiro do outro, correspondo. Correspondo numa estranha ação-e-reação. Tudo que você me der, eu sou capaz de dar de volta, só que um pouco de energia que é disperdiçada no processo. Volta então o impulso pra você, mas com um pouco menos de intensidade. O sentimento enquanto leis da física. Atração, repelir, ação e reação ou a completa inércia. Eu confundo sentimento com lei matemática, programa de tv, palavra dita ao acaso, convites aceitos sem titubear.

Na cadeia-alimentar do sentimento, sou um ser inanimado, mecânico, pré-programado com algumas funções básicas. Respondo, alimento, te ofereço um chá. Qualquer coisa assim, que não tenha sentimento demais envolvido, dispendio de energia, não sei falar de saudades, de gostar, de amor (existe?). Não é que eu não sinta. Eu sinto. Penso em mil coisas pra dizer, ouço em loops musicas bonitas, re-conheço o sentimento nos filmes, nas novelas, nos seriados baratos. Ensaio um texto, uma ação, uma mensagem de celular, até uma ligação quem-sabe, tenho vontade eu quase-vou. Mas acabo perdida, em casa, no meio de um telefone que não vai tocar, e penso num bilhete, um recado, um sinal de fumaça. Termino enfim comendo um chocolate, e escrevendo mais um capítulo da antologia poética de mais um amor que não existirá. Amor esse que figurará nas páginas perdidas da história da minha vida destinadas às inúmeras vezes em que confundi demonstrar sentimento com comida - e nem fiz a receita por medo de errar a mão.

1.9.11

O amor é uma musica que eu não sei os acordes

(ou como estragar relações em apenas três acordes).

Não sei lidar com sentimento.
Primeira verdade universal da minha vida, primeira pessoa do singular. Não sei.
Da única vez que amei (e foi a única assim, indivizível) percebi tarde demais, porque nunca soube brincar de amor. Difícil conseguir enxergar uma coisa com a qual nunca houve um contato anterior. É como tentar reconhecer uma mesa como mesa, sem nunca ter visto uma. Se dá outro nome, se inventa, não se sabe muito bem a função da coisa nunca-antes-conhecida. Havia o ciúmes, e uma coisa grande que às vezes fazia chorar de dor, e às vezes fazia chorar de não caber. Desconfiei daquilo ser amor pelo que eu já tinha lido nos romances. Uma urgência, uma vontade de ter a coisa pra si sem que necessariamente a coisa tenha que ser sua. Se necessita do sentimento por, não se necessita da coisa em si. Só soube do amor que tinha quando te vi partir, e daí já era tarde demais. Disse quando me declarei, errada, sem postura, gaguejando e tropeçando naquilo que sempre soube usar bem - as palavras - que morava em mim o descompasso. Descompassada. Só sei dançar no sentimento fora do tempo, pisando nos meus próprios pés. Acho que ainda sinto os calos.

Depois de você, deu-se a eterna procura de um outro sentido. Amar traz um sentido ao existir. Um sentido só teu, um sentido que aparece meio desavisado. Eu te amava nos meus livros, nas músicas que você tinha me dado. Te amava nas lembranças de casa, no sofá da sala, nos pequenos souvenirs que ficaram, aqui e ali. Eu te amava na ausência, na falta, na necessidade. Te amava porque sem você eu era a mesma menina descompassada que tropeçava nos próprios pés e caia ralando o joelho - só que sem mão pra segurar e rir junto, o que deixa a vida toda de um erro-sem-fim.

Eis que houveram as novas relações e como não pisar nos próprios pés, como dançar no ritmo da música, como não ralar o joelho? Existe uma regra? existe um jeito de nascer uma compreensão sem precedentes da parte que precisa receber o amor de que você não sabe lidar com aquilo? Não sei responder. Não sei responder porque da única vez que amei cai nos joelhos do ser amado quebrando os dentes e sangrando a boca. Da única vez que amei descobri que o amor tem data de validade e desencontro. Descobri o amor quando não mais me amavam, não soube demonstrar quando devia e aí, acabou-se. Depois entrei numa busca sem fim de entender como lidar. O amor nasce? Se encontra o amor? Quando ele começa a acontecer você diz? Ou você espera sentada no seu sofá por um manual de instruções?

Não sei brincar de amor.

Difícil dizer, fazer um retrospecto, admitir de joelhos sangrantes que o fracasso sou eu. Simples dizer que tenho em mim um espírito de liberdade aguçado, que guardo em mim expectativas que as pessoas nunca serão capazes de alcançar, que sou incapaz de lidar com sentimento de um jeito que não seja trágico. É simples me explicar assim, por vício. Olhar pras novas pessoas que entram na minha vida e dizer: "olha, eu sou um fracasso, e provavelmente eu não vou atender às suas expectativas. Porque eu não sei fazer isso". Não sei se aprende-se isso. Coisas simples. Mandar mensagens de felicitações, parecer equilibrada, chamar pra tomar um café. Sou incapaz, me desculpem, sou. Veio errada a tecla que ensina como lidar com seres humanos. Comigo ou você me leva e me ganha, ou esquece de mim. Esperar qualquer coisa que seja da minha iniciativa é pedir demais, é esperar demais, é se frustrar. E daí, o amor que nem chegou a existir vai embora, e eu, ajoelhada no chão peço mais uma chance. Geralmente já é tarde demais. É como ser um daqueles cubos mágicos embaralhados demais pra querer juntar as cores certas. Quando chegar ao fim pode ser que compense, mas você prefere deixar o cubo de lado. Muitos movimentos, voltas, quebrar a cabeça, ficar com raiva, querer jogar o cubo no chão. Esse cubo que, até você compreender a sua esquisita lógica, não vai atender aos seus comandos.

O amor é o meu inventário do irremediável.

Dizem que os melhores cozinheiros erram no almoço de casa. Aprendi a escrever sobre amor, entendo na teoria, seria a melhor namorada-amante-companheira-de-aventuras do mundo, mas no fim das contas, você acostuma a ser aquele cubo mágico esquecido no cantinho da escrivaninha. Viajantes vão chegar, querer aceitar o desafio. Alguns vão durar mais, outros desistir na primeira volta, outros vão tentar bastante. E quem sabe um dia coloquem todos os meus pedaços nas faces certas desse meu existir. Mas eu sou poeta e não aprendi a amar.

E o amor é essa canção que eu insisto em cantar - mas não sei o tom.