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30.1.13

verso solto

acho que amor começa
quando a gente quer dizer
aquilo que nem tem pra contar.

6.1.13

Nothing changes on New Year's Day


A tragédia era ilógica. Era inútil também esperar que no exato momento quando o relógio vira de 23h59 para 00h00 o mundo se tornasse enfim uma aventura maravilhosa. Não ia ser porque não tinha de ser. A vida continua sem-sentido. Tivesse sentido essa merda toda, eu não estaria toda fodida de trauma e cansaço rezando baixinho três terços (mesmo que eu não acredite em terços) para que esse ano que se foi fosse embora logo, de vez, de uma vez só, o mais rápido possível. As expectativas nunca superam a realidade (salvo raras exceções, embora na minha vida eu lembre de pouquíssimos casos - talvez nenhum), e nessa virada não tinha de ser diferente. Tudo se acabou lá, aquelas champanhes doces que nem champanhes são, e eu no meio de um monte de gente que eu não fazia idéia nem do nome, quanto mais do que esperavam para o ano que viesse. Desejei "feliz ano novo", como quem realmente espera que algo de bonito aconteça, mas sem estar muito certa disso. Talvez eles esperassem carros novos, melhores empregos, aposentadorias, um novo CD que prestasse do Roberto Carlos (eram todos um pouco velhos). Eu só desejava secretamente não estar com os velhos de outra família que não fosse a minha. Da minha já conheço os hábitos; vão gritar, aparecer sem camisa, dizer que coca-cola-faz-mal, comer demais, tentar estourar uma daquelas champanhes doces que nem champanhes são sem nenhum sucesso. Meu pai oferecerá queijos e champanhes que são realmente champanhes e eles não farão muita conta. Continuarão sem camisa, gritando um pouco, vão dizer que coca-cola-faz-mal, que meu tio não devia beber tanto assim e, finalmente, todos esperarão afoitos pela queima de fogos sem graça da minha cidade que não é nem grande e nem pequena. Só que eu não estava lá. Desejava coisas maiores, a cerveja que não posso tomar em casa; músicas animadas; talvez dançar, talvez receber ligação de velho amor que lembrou de mim na virada do ano e, apesar de todo o horror que são os sinais das operadoras de celular em dias como esses, resolveu me ligar pra enfim desejar que meu ano seguinte fosse melhor que o anterior. Nada disso aconteceu e estivemos lá, parados, olhando timidamente um para a cara do outro, tomando sim as cerveja que não posso tomar em casa, mas sem músicas animadas, sem talvez dançar, sem receber ligação de velho amor que lembrou de mim na virada e, apesar de todo horror que são os sinais das operadoras de celular em dias como esse, resolveu me ligar pra desejar enfim que meu ano seguinte fosse melhor que o anterior (porque o ano novo traz em si certas possibilidades, e certos livres arbítrios).

Ao invés disso tudo, estive eu lá, segurando a minha taça com sidra ruim (champanhe que não é champanhe) e comendo uma lasanha já um pouco fria, enquanto tentava sem sucesso responder às mensagens que havia recebido, mas que não tinham sido mandadas por nenhum velho amor que se lembrou de mim na virada do ano. Só o de sempre: o amigo com quem teria alguma coisa, mas nunca teremos oportunidade; meu melhor amigo; meus pais no telefone, todo mundo um pouco eufórico e um pouco com pena de mim esperando que esse ano que vem fosse realmente melhor do que o que passou, porque o que passou tinha sido mesmo muito ruim. Tento então eu, sem sucesso, falar com um velho amor ao telefone (apesar de todo o horror que são os sinais das operadoras em dias como esses) e não consigo. Enquanto como eu penso que em outra virada dessas, em outra casa, com a mesma champanhe que não é champanhe, estive eu trocando mensagens com aquele que eu pensei que pudesse vir a ser meu grande amor, mas não foi (como é passível de acontecer com toda pessoa que pode vir a ser o grande amor de alguém - mas não é). Estranho como tudo isso dá errado, e tínhamos desejado nos ver, e no fim nos vimos e mesmo assim deu tudo errado, como é passível de acontecer com toda pessoa que pode vir a ser o grande amor da vida de alguém (mas não é). Lembrei também de um outro ano novo em que sentia amor estranho por um outro garoto - esse, anos mais novo do que eu -  e então inventamos uma simpatia que contemplava todas as simpatias e nos abraçamos tímidos, comendo uva, tomando sidra ruim (champanhe que não é champanhe) e pulando de um pé só. Não lembro se esse ano em especial deu sorte, mas arrisco que sim. Creio que foi o ano que precedeu dois mil e oito, que veio a ser também o melhor ano da minha vida, e talvez o ano em que conheci três pessoas que podiam vir a ser os amores da minha vida, mas não foram. Nunca mais vi nenhum deles. Nem o do ano passado com quem troquei mensagens quase-apaixonadas, nem o com quem pulei de um pé só abraçando tímida, nem os outros dois que também podiam ter sido os amores da minha vida (mas não foram). Nunca mais vi ninguém e passava o ano em companhia de duas pessoas conhecidas, lasanha fria e nenhuma vontade sequer de dançar ou desejar feliz ano novo pra nenhum outro velho amor que não aquele pra quem desejo feliz ano novo todos os anos e trato como amigo (embora num passado distante tenhamos os dois acreditado que podíamos ser o grande amor um da vida do outro) (mas não fomos).

Finalmente consigo enviar uma mensagem, apesar de todo o horror que são os sinais das operadoras de celular em dias como esse, e nisso sei que chega uma dessas pessoas que a gente não gosta, mas não diz que não gosta em troca da boa convivência. Os-amigos-dos-amigos. Seres mitológicos (geralmente bastante chatos) que todo mundo só agüenta por apreço maior ao amigo em questão (não é de bom tom destratar os amigos-dos-amigos, embora eles sejam geralmente bastante chatos). Depois dele chegam mais uma penca e não posso evitar de, enfim, passar mais uma virada de ano melancólica dando "feliz ano novo" de maneira exageradamente afetada pra pessoas para as quais nem ligo tanto assim, mas o ano novo traz em si certas possibilidades (e certos livres arbítrios). São quase três da manhã e a essa altura todos os amigos-dos-amigos tomam conta da tv e fazem comentários que soam geralmente bastante chatos. Não consigo completar nenhuma ligação que me livre do tédio por causa de todo o horror que são os sinais das operadoras de celular em dias como esse, e permaneço atônita esperando que algo aconteça, que o jesus ele mesmo desça do céu e me deseje feliz ano novo; que finalmente apareça uma ligação de um velho amor que lembrou de mim na virada; que algum velho amigo, também entediado, resolva ligar pra dizer que não agüenta mais tomar aquele champanhe que não é champanhe e que a casa onde estava também foi invadida por seres mitológicos - e geralmente bastante chatos - chamados os-amigos-dos-amigos. Porém, como é de praxe, toda vez que queremos muito que algo aconteça (contrariando a lei da atração), esse algo não acontece; e então, nada aconteceu. Eu permanecia olhando pro monitor e já não achava mais nenhuma dessas pessoas para as quais nem ligo tanto assim para desejar ano novo de maneira exageradamente afetada. Fico ali. Percebo então que nas primeiras horas do ano novo, tudo permanece mais ou menos como está. Quando não quero mais completar a ligação, consigo. Ele me atende do outro lado do telefone, com uma voz de sono. Sempre dorme no ano novo depois de comer chester. Ano passado eu e ele tivemos uma briga idiota por conta do molho do chester. Ele não me atendeu quando deveria e eu tinha ficado encarregada de passar a ele a receita do molho do chester. Quase todo grande amor da vida que podia ter sido e não foi acaba por causa de alguma razão meio sem-pé-nem-cabeça, como é o caso do molho do chester. Por pouco ele nunca mais falou comigo, porém me ligou a meia noite daquele ano (o mesmo ano com quem troquei mensagens com aquele que pensei que pudesse ser o grande amor da minha vida mas não foi), apesar do horror que são as o sinal das operadoras de celular em dias como esse, e me desejou que meu ano fosse bonito. Nem o ano foi bonito e nem o molho do chester deu certo, mas ao menos tentamos. 

Nesse ano, nenhum de nós dois esperávamos coisa muito mirabolantes. Ele continuava emperrado com a faculdade que nunca termina e eu continuava emperrada nas mesmas coisas que estava ano passado, exceto pelo fato de que, talvez, eu carregasse em mim um pouco menos de esperança. Reclamei com ele dos amigos-dos-amigos e ele me disse que eles geralmente são bastante chatos. Lembrou de implicâncias que eu também tinha com os amigos dele. Concordamos. Conversamos sobre amenidades, sobre o quanto deveríamos tirar a bunda do sofá e ir ganhar dinheiro como os amigos-dos-nossos-amigos; todo mundo sempre tem um amigo geralmente bastante chato de alguém que está por aí ganhando realmente muito dinheiro. Nós não. Nós permanecíamos nos desejando feliz ano novo todo santo ano, apesar das operadoras de celular serem um horror em dias como esse, e não conseguindo ser muito mais do que "o ex/a ex namorado(a) um pouco brilhante" um do outro. "E aquele(a) seu ex namorado(a), ainda fala com ele(a)?". A resposta é sempre afirmativa, e o pensamento na cabeça de ambos é "não deveríamos, mas é, nos falamos e volta e meia pensamos em fazer sexo selvagem um com o outro e roteiros pra séries de tv porque temos um pouco de preguiça de achar outra pessoa com quem construamos uma dessas relações um pouco ninfomaníacas, sem muitos tabus e cheia de idéias". Nunca, é claro, externalizamos o pensamento pra qualquer pessoa que não nós mesmos (nem pros nossos amigos), e também nunca botamos nenhuma das duas idéias em prática porque moramos muito longe agora. Ficamos então nesses telefonemas que tem como base dizer que a nossa vida não mudou nem evoluiu, que todas as pessoas que podiam ser os amores de nossas vidas não foram, e aí terminamos ali meio largados em viradas de ano esquisitas cheias de gente geralmente bastante chata e sem receber nenhuma ligação de um outro velho amor qualquer que não sejamos nós mesmos. E desligamos o telefone quando sentimos muito sono (geralmente por volta das quatro da manhã). Nada parece empolgante, e eu quase reviro de novo a lista de telefones em busca de um velho amor qualquer pra quem possa desejar feliz ano novo apesar do horror que são os sinais das operadoras de celular em dias como esse, mas desisto. Tudo seria esquisito, não saberíamos o que falar; no máximo um deles diria que o creme que eu prometi buscar estava na casa dele, mas ele jogou fora porque não tinha esperança nenhuma de me ver nunca mais em nenhum outro lugar que não essas redes sociais onde ainda nos temos adicionado por alguma razão que acho que nem ele e nem eu sabemos explicar. 

Os amigos-dos-amigos se vão, mas não sem antes pedir café (porque são geralmente bastante chatos) e eu fico em frente a tv revendo vídeos que nem sei mais se acho graça genuína ou se me forcei a achar graça pra achar graça de qualquer coisa que não sejam essas coisas que só eu achava graça. Acho que acho engraçado. Às cinco da manhã estamos conversando sobre a vida e sobre alguns desses amores que eu pensei que podiam ser os grandes amores da minha vida, mas não foram. Foco no último, comento o fato de ainda nos termos adicionados nas redes sociais por alguma razão que acho que nem ele, e nem eu sabemos explicar; e aí digo que não espero muita coisa desse ano aí não. Meu amigo concorda, me deseja um pouco menos de traumático que o anterior, e eu na verdade só desejo que eu não fique louca de novo, e que, quem sabe, encontre outra pessoa com quem eu tenha a ilusão de sermos um o amor da vida do outro (mesmo sabendo que não seremos, no fim). Junto as minhas tralhas, coloco "freedom" pra tocar no carro e combinamos de sair durante a noite. Vejo a estrada, penso que tinha vários sonhos e que, contrariando a lei da atração, tudo aquilo que a gente quer muito geralmente não acontece. Não aconteceu. Olho pro meu celular e me lembro que naquele mesmo dia primeiro de um ano que passou estive focada em trocar mensagens de quase-amor com aquele que pensei que podia vir a ser o grande amor da minha vida (mas não foi). Nesse ano deixo o celular jogado em cima do criado mudo e programo o alarme para daqui três horas. Acordo com sono e dou de cara com a minha tia, que assim como os amigos-dos-amigos, são entidades mitológicas (geralmente bastante chatas) que tem como ocupação perguntar quais são os planos pro ano seguinte. Respondo que não sei, e nem me dou conta que deixo meu celular bem longe de mim, na cama, já não tendo nenhuma esperança que algum velho amor resolva ligar no primeiro dia de ano, em que o sinal das operadoras de celular costuma ser menos horroroso. Tento dormir e não consigo, e vou parar na casa de uma outra tia. Ao sentar no sofá percebo estar do lado desse que foi um dia meu estranho amor, e que continua alguns anos mais novo que eu, com quem inventei uma simpatia que contemplava todas as simpatias e nos abraçamos tímidos, comendo uva, tomando sidra ruim (champanhe que não é champanhe) e pulando de um pé só. Lembro que o ano que seguiu foi um ano bom, talvez o melhor da minha vida. Ele continua do mesmo jeito. O mesmo jeito tímido de me olhar, as mesmas desculpas esfarrapadas para continuar perto, e sempre com uma aliança de compromisso no dedo que não nos permite nada além de um flerte estranho e de outro abraço de feliz ano novo (ele ostentava outra dessas grandes alianças de compromisso naquele mesmo ano, só que a dona dela era uma outra moça que poderia ter sido o amor da vida dele, mas não foi). Fico olhando pra ele que não mudou muito, apesar de ter envelhecido. Olho pra mim que envelheci, apesar de não ter mudado muito, e penso que a vida também é um eterno retorno. Nós nos despedimos com a mesma sensação que nos despedimos há quatro anos atrás, e acho que carregamos em nós esse eterno peso de saber que podíamos ser um o amor da vida do outro (mas não fomos). Ele diz que eu estou indo embora cedo demais, e eu penso comigo que não há porque prorrogar as coisas que podiam ter dado certo, mas não podem ser. Um outro ano se inicia, mas era inútil também esperar que no exato momento quando o relógio vira de 23h59 para 00h00 o mundo se tornasse enfim uma aventura maravilhosa. Não ia ser porque não tinha de ser. A vida continua sem-sentido.