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30.8.12

life also worth living if nobody is loving you

Faz mais ou menos um mês que eu não posto um texto recente. O resto é requentado como pão dormido, e vem do microondas - como já diria o bidê ou balde. O último escrito na data de publicação também tinha título de música e falava de bêbados, equilibristas e amores-que-se-foram. Desde então, nada que foi produzido foi escrito na data de publicação. Alguns tinham sido escritos meses antes, outros até anos, tudo ali, perdido na pastinha de "textos" que ostento desde os dezessete anos. Sentimentos velhos pareciam me cair bem, ou nem caiam, eu só queria que esse blog continuasse tendo uma voz. É preciso olhar pra trás se a gente quiser entender o futuro, ou o presente. Certa vez, escrevi em uma dessas dissertações de vestibular, que é preciso que um país entenda a sua história se não quiser continuar cometendo os mesmos erros. Foi o que eu fiz: abri de novo a pastinha de textos, reli textos antigos, postei de novo, criei um relicário. Por vezes, nas tardes em que não tinha nada pra fazer, relia o blog. Percebia que muitas coisas mudaram, outras nem tanto; percebi que tinha cometido erros terríveis, alguns acertos, algumas felicidades, algumas tristezas, momentos de depressão e momentos de euforia. Tudo passou, como deve de ser tudo. Algumas pessoas chegaram, outras voltaram, outras foram embora de vez, e tudo fez parte do grande clichê que compõe a vida. Vocês sabem; erros, acertos, tombos, tropeços, se reerguer, tentar de novo, o recomeço - sempre o recomeço. Depois de algum tempo de hiato, volto com um texto falando de mim. Não me preocupo com meu ex namorado que não soube amar, com o cara que me deixou no fundo do poço, com qualquer outro que seja que tem ou não lugar cativo na minha vida. O texto é sobre mim, sem eu-lírico, apenas sobre mim. Não existe conversa no bar, vitrola tocando Bob Dylan, cookies, saudades de quando aquele outro grande amor me levava pela mão nessa Londrina escura pra tomar sorvete às duas da manhã e depois assistir lost. Não tem metáfora. Eu, primeira pessoa do singular, me li e me reli e descobri uma coisa importante: não tenho sobre o que escrever que não seja eu mesma. É isso. Minha vida é sobre mim. Sem romance, sem diálogo imaginado que não consigo dizer pro querido par amoroso, sem vontade de tirar alguém pra dançar desajeitadamente. Até há, aqui e ali, uma expectativa que algo dê certo, mas não. Não isso. Sem texto, sem lirismo, sem poesia sem falar: amor. Pela primeira vez não vejo sentido em continuar um blog, não quero falar sobre ninguém escondendo o nome, não quero que ninguém ache os meus textos e pergunte: "era pra mim?". Quero, talvez, e só talvez, a calmaria das noites de verdade com cerveja ou não, com coca cola ou não, com conversa ou não. Me foco no que dá. Bauman criticando nossa sociedade louca, meus sites de resultados de loteria, nas músicas que ouço à tarde, nos meus textos malfeitos sobre tecnologia & sociedade. O profissional invadiu de vez qualquer espaço que eu deixava sobrando pra receber mensagem no celular, porque antes já tinha sido demais assim, e olha no que deu: fracasso. E de fracasso, meus amores, eu entendo tanto e tão bem que não quero viver nele de novo. Deu, passou, não espero que ninguém me ligue desejando bom dia e me contento recebendo um elogio que diz que meu último texto ficou ótimo. É assim porque tem que ser. Do amor, deixo o arnaldo antunes falar: não sirvo pra quem dá conselho, perdi o espelho, quebrei o joelho:

não vou mais jogar (nem postar)
Fechamos pra balanço e vamos estudar física quântica, criar uma planta, inventar uma nova dança no meio do meu quarto, passar vergonha em público, escrever a nova tese libertadora sobre o advento da tecnologia. Qualquer coisa, qualquer coisa menos escrever sobre amor e querer desesperadamente ter um. Sentir, já diria alberto caeeiro, é estar distraído.

mentiras sinceras me interessam


era sempre assim. meses de afastamento seguidos por aproximações rápidas. perguntar como vai a vida "a vida vai bem". às vezes nem tão bem assim, mas a gente nunca teve (ou não queria ter) tempo pra grandes conversas sobre a existência. já tivemos dessas lá no começo, quando alguma coisa podia ser, mas agora nada disso faz sentido. nada faz sentido porque nos afastamos quando tínhamos que nos afastar. a vida vai assim, de viés, de vai-e-vem. naquele dia em que ele me chamou pra um café eu não sabia muito bem o que esperar além de um encontro casual, falar de trabalho, planos, vida, a namorada dele, os meus casos que nunca vão pra frente. nada muda tanto assim. a verdade é que nesses dois anos eu me formei, ele continua trabalhando no mesmo lugar, namorando a mesma pessoa e eu evoluí um tanto pra no fim continuar do mesmo jeito. perdida. quando ele me conheceu ele também era um tanto perdido (ou me fez acreditar nisso). agora eu não sei. a vida dele tem mais trilhas que a minha, que se despedaçou em uma dessas curvas esquisitas, com um carro que eu mesma fiz questão de bater de cara na árvore. 

ele chegou. a mesma camisa xadrez. os cabelos cresceram um pouco. coisa da falta de tempo, ele diz. ele me disse que eu tenho me vestido um pouco melhor, e que a minha cintura está fina demais. "é a dieta, eu digo". e disfarço que tenho sofrido. não nos olhamos fixamente nos olhos, não nos amamos porque nunca nos amamos de fato. pedimos cafés fortes em xícaras pequenas e grandes fatias de bolo de chocolate. ele me ouve dizer que a vida já teve mais perspectivas. me dá conselhos. fantasia uma nova vida. fico pensando em quando nos conhecemos e fizemos roteiros pra explorar paris, londres talvez. tudo na nossa vida sempre pareceu um filme do woody allen, mas com aquela cafonice de brilho-eterno-de-uma-mente-sem-lembranças. acho que fazemos planos demais porque vimos filmes demais, a vida toda. os coloridos e os preto-e-branco. nos imaginamos em paisagens cheias de árvores, piqueniques com toalhas xadrez, toda uma vida que é e não é possível. talvez seria mesmo possível que existíssemos com nossas camisas xadrez ouvindo os shows das bandas boas nos botecos sujos e depois voltar pra casa e comer cookies feitos por mim. talvez exista, em algum universo paralelo, tempo para as tardes cheias de comida e cheias de filmes que ainda não vimos, mas descobriremos geniais. toda vez que eu penso nele, eu penso na vida com esses filtros vintage que emulam felicidade. tudo clichê. nossas camisetas dos strokes, e a gente gritando com uma legião de pessoas que "last nite" é nossa música. nós, os amantes das coisas que todos amam. os óculos escuros do bob dylan, e ele acendendo meus cigarros enquanto eu filosofo de bêbada. correríamos pelos campos floridos da cidade que nunca fomos, e perderíamos o fôlego, de mãos dadas. ele me diria tudo sobre o que ainda não conhece, e me conheceria em partes que eu ainda não mostrei. os personagens do filme clichê que todo mundo ama. nossa vida, esse tumblr de bom gosto reblogado a cada dia.

na verdade, somos eu e ele dois frustrados. depositamos nossas esperanças nos sonhos que sabemos que não construiremos. ele me diz hiperbólico que morre de saudades, e eu correspondo. não morremos. vivemos bem um sem o outro. nas desesperanças da vida tomamos um café. prometemos morar em londres e sermos as pessoas mais felizes do mundo. somos um emaranhado de clichês que ama fotografia, bandas indies e quem sabe até cupcakes. a gente sabe que comeria cupcakes. que tomaríamos vinho. que nos refastelaríamos com nossa toalha xadrez no meio de um festival com as novas bandas. nós e nossas camisetas dos beatles. gritando que "money can't buy me love". e não compra. não compra também felicidade com a namorada que ele não ama, mas com a qual vive bem. não compra o meu equilíbrio que tem destruído como um dominó toda e qualquer chance de ser feliz. destruiu a nossa chance também (se é que um dia tivemos uma), logo no começo. não era possível sobreviver no meio de tanta insegurança. não era possível que nos amássemos porque éramos iguais. precisamos do mundo inteiro. precisamos desses sonhos incompletos, embora saibamos os dois enquanto tomamos nossos cafés que não podemos muito mais que nossas próprias cidades, que nossas inseguranças, que nossas vidas das oito as seis, com intervalos. acho que por um momento, mesmo que pequeno quis dizer tudo isso à ele. dizer que não somos, não seremos, não nos sentimos falta, não nos encontraremos nunca mais depois desse encontro. 

mas ele me olha e me fala das saídas, das nossas bandas preferidas, elogia meus textos, me chama de escritora. planejamos morar juntos daqui dois anos, comendo brownie no chão da sala. ouvindo bob dylan na vitrola. é tudo mentira. mas eu prefiro acreditar porque ando muito vazia de sonho desde. 

27.8.12

here comes your man


Nunca fiquei órfã de um seriado. É isso. Eu não choro quando as temporadas deles acabam, nem cria em mim um vazio existencial. Acabou, eu vivo sem. Também não procuro outro seriado pra botar o lugar. A verdade é essa: não consigo acompanhar séries com afinco. Esqueço os dias em que elas lançam e acabo sempre pegando num dia da semana pré determinado por mim quando já saiu o rmvb com legenda. Vejo todos os seriados assim, porque acho descartável. Foda-se os 720 não-sei-o-quê de qualidade. Tudo isso pra quê? Ver na telinha do computador, escrever no twitter, fazer um check in no get glue? Tanto faz. Uma imagem ok, as legendas pra que eu entenda todos os estrangeirismos, as temporadas que me derem. Fico bem assim. Não me apego a séries de tv, programas semanais, apresentadores de jornais, cores das interfaces digitais que utilizo. Me adapto bem a mudanças, dizem que é porque sou aquariana. Às vezes penso que não é nada disso, é só desapego mesmo. Sempre vou embora. Uma hora ou outra saiba: eu estarei indo embora. Um dia ele me falou sem querer que tudo no que ele se apegava ia embora. Eu nem ri e nem coloquei a mão no ombro dele, simplesmente porque não sei fazer nada disso. No mesmo dia ele contou umas histórias sobre abandono e eu continuei tomando meu copo de cerveja gelado e respondendo as mensagens no meu celular. Era isso. Eu também tinha me apegado à coisas que foram embora, mas qual era a solução? Nunca mais ir embora? Nunca mais se apegar? Ir embora antes que a coisa lhe deixasse? Nada é assim tão ciência exata e eu, na arte do sentimento, costumo falhar redondamente. Falhei dessa vez. Acho que nem três semanas depois daquele dia em que ele falou que tudo em que ele se apega ia embora, eu fui também. Fui sem avisar, porque nunca aviso. Peguei as malas, entrei naquele ônibus azul e fui ouvindo as músicas que já não eram nossas nem de ninguém durante o trajeto. Eu me sentia bem era na estrada. Uma coca cola, um pão de batata, um chocolate qualquer desses que eu não gosto. Minha calça jeans caindo enquanto eu tento dormir e as lembranças daquela rodoviária onde outrora houve amor.

Daí outra cidade, outro cenário. Eu me virava bem, as placas me diziam pra onde ir e tudo era diferente. Ele talvez gostaria de todos aqueles lugares, embora muito provavelmente me perguntasse sobre metade dos autores da livraria de decoração interessante. Não tem como enganar ninguém, eu nem sei tanto assim de autores. Engano bem. Não sei onde fica nada naquele lugar enorme. Só a seção de literatura brasileira, onde peguei um livro do mutarelli pra ler. Escritor também é costume. Dois ou três meses pra frente estaria eu tentando decifrar um hemingway ao invés de miguel e seus demônios. É isso, são fases. No fundo eu me arrependo de não ter comprado o livro da narcisa. Ele entenderia. Entenderia perfeitamente minha literatura de entretenimento. Mas grande coisa, tarde demais. As ruas eram grandes demais, e as filas eram intermináveis. Pra qualquer coisa. O café caro, a pizza, o brownie de gosto ruim. Pra tudo tinha que esperar. Esperar a garçonete que não vem nunca, esperar o ônibus que não chega, entrar na fila pra não sentar no metrô. Esperar mesa nos bares da rua movimentada. Cair nas escadas. Os ônibus funcionavam do pior jeito possível e meu coração ia ficando pequenininho no meio da cidade imensa. Não que eu tivesse feito a escolha errada, ou tivesse sido o tempo todo infeliz. Não era nada disso. Só foi uma escolha fora de tempo e compasso; nada podia dar certo. Daí eu lembrava dele, do abandono, dos pequenos planos frustrados e me sentia culpada. A vida é uma eterna culpa que a gente tem que carregar do jeito que dá. Sempre isso, desse jeito torto. 

Quando eu voltei, com as malas pesadas e o coração despedaçado, eu não queria que ele me buscasse. Evitei sempre todos os convites, porque não era justo. Eu precisava sofrer estatelada no chão sem que ele me pegasse e me tirasse pra dançar. Às vezes eu ficava na sala pensando quando é que a vida ia me dar outra pessoa assim, tão parecida comigo, e desandava a chorar. Talvez também não fosse esse o problema. Tanta gente parecida que deu errado. Mas eu sentia saudades. O cuidado era mau humorado, mas era cuidado. O jeito de dizer que gostava era estranho mas era um jeito. Pelo menos, no fim de tudo, eu não sentia medo de andar na rua porque eu não ia sozinha. Eu não sentia medo de me perder na festa porque eu tinha com quem dançar. Dançar do jeito errado, torto, tropeçando e desconfiando dos movimentos bruscos - mas dançando. Eu nunca soube se ele tinha se apegado ou não. Às vezes eu desconfiava que sim, depois eu pensava que não. Difícil entender como as outras pessoas sentem. Difícil entender os sinais trocados, os dias que dão errado, difícil entender a vida. Eu podia ter sido mais sincera. Eu podia nem ter ido embora; mas eu precisava. Precisava ir lá, querer casar, me despir de todas as convicções por causa de um amor que podia-ser pra depois acabar tudo com uma mensagem de ódio e manchas de vinho na parede. Precisava voltar desgastada e frouxa pra então chorar na cama e vomitar de nervoso. Precisava tudo isso pra entender que, de repente, não precisava nem ter colocado a mala no ônibus e quase ter dado adeus rápido à tudo que eu conhecia e gostava. Precisava estar em cima do céu e cair pra perceber que a felicidade torta que eu queria já estava do meu lado e me oferecia cerveja. É claro que não tinha poema, nem declaração tórrida de amor. Não houve presente, ligação dedicando música ou promessa de um quarto e sala no centro. Mas eu era eu. Tão abundantemente eu que por vezes eu até esquecia que estava junto. Eu gritava, derrubava comida na roupa e colocava a minha música preferida pra ele ouvir. E ele ouvia. Meu humor capenga, meu jeito torto e meu cabelo curto. Segurava na minha mão sem soltar e me levava pela cidade escura. Eu nunca sentia medo. Eu nunca senti medo. Nem quando escureceu no mato. Nem quando anoiteceu na rua. Por algum motivo estranho eu sabia que ele não me deixaria assim, à deriva. Quem foi embora fui eu. Eu que cancelei a temporada do seriado, que larguei tudo sem nem querer saber o que aconteceria no último episódio. E o desfecho? Não se sabe. Tudo que eu sei é que todo dia desde que a falta dele se tornou presente eu fico ensaiando meu jeitinho torto de tirá-lo pra dançar. 

16.8.12

Friendship never ends.

(só um texto cafona sobre amizades, descobertas e todo mais que o cerca) 

Não saberia dizer, ou esboçar uma fórmula exata de porquê certas amizades vingam e outras não. 
As amizades, provavelmente, dependem da mesma série de fatores que um relacionamento amoroso. Muito se diz sobre o fato da amizade ser mais fácil porque não traz consigo a conotação sexual. Discordo: sexo todo mundo faz. Não é - embora viva se dizendo o contrário - tão difícil assim encontrar um parceiro sexual competente. Performance - embora os homens muito se gabem - é uma coisa que ou depende de prática, ou depende de saber ouvir. Sabendo entender o que a parceira quer, ou emendando um feijão-com-arroz bem feitinho as chances de êxito são bastante grandes. A verdade é simples: rolar na cama com prazer é bem mais fácil do que entender outro ser humano. É por isso, primordialmente, que a amizade tem de ser superior ao relacionamento amoroso. Relacionamentos amorosos, depois de cair na mesmisse, podem continuar apenas pelo sexo. O desejo carnal mantêm relações à séculos. Casais que não conseguem conversar trepam. O marido pode não entender muito bem o que a parceira quis dizer depois daquele discurso imenso sobre como precisa ser entendida e bem tratada, mas com certeza, depois de alguns anos, já memorizou com algum êxito as posições que ela prefere na cama. Não sabe ouvir, mas sabe fazer. Às vezes basta. Não por muito tempo, é verdade, mas basta.

Nas relações de amizade, não tem como cortar os silêncios indo pra cama. Um silêncio constrangedor entre duas pessoas que não têm relações sexuais e nem se interessam em tê-las deve ser preenchido com uma conversa. Amigos tem que se entender, compreender, saber de várias facetas chatas da outra pessoa - e continuar aturando. Cabe ao amigo ouvir dez vezes a mesma história, analizar com frieza o porquê da sobrancelha arqueada do namorado da amiga quando ela perguntou se podia deixar o casaco na casa dele e pegar depois. Cabe ao amigo estar junto em programas furados. Cabe ao amigo aguentar o namorado da amiga, as outras amigas da amiga, a tpm da amiga. Cabe ao amigo o pacote completo sem o bônus de levar pra cama depois do nhé-nhé-nhé. Cabe o amigo o ônus com menos bônus ainda. Amigos aguentam reclamações, ciúmes, cobranças, julgamentos descabidos e conselhos que eles não pediram. É do amigo a função de ver o outro errando repetidamente e não poder fazer nada além de aconselhar e depois aguentar o choro. Um amigo vale mais do que um caso, do que um namorico, e às vezes vale mais até do que a própria família.

Pra uma relação de amizade existir é necessário conviver com os defeitos. Um amigo pontual aguenta um outro amigo que sempre atrasa. É pela amizade que a gente vai em festa que não gosta muito, aguenta show da banda preferida do outro, sai em programa de casal pra ficar de vela. A principal característica da amizade deve ser: estar disposto. Um amigo está sempre disposto. Mesmo quando não está. Ser amigo é tirar o pijama pra socorrer o outro aflito. É aguentar terríveis festas em que os dois sabiam que não deviam ter ido, mas precisavam. É se juntar pra falar mal da pessoa insuportável que é amiga de um outro amigo. Um dia eu li em uma revista uma stripper dizendo que ser stripper é fácil porque é simples mostrar o peito, difícil é mostrar o coração. Tive que concordar. O número de pessoas pra quem mostrei o peito é bem maior do que o número de pessoas pra quem já desabafei. E olhem, se despir de sentimento é muito mais nocivo do que ficar nua. A nudez passa, a vergonha acaba. O constrangimento de se mostrar exatamente aquilo que se é deve ser a maior vulnerabilidade de que se tem notícia. Bem parecido com a vulnerabilidade que se sente quando se está apaixonado de verdade. As duas coisas, saibam, acontecem pouquíssimas vezes na vida. 

Nesse estranho ano tive a oportunidade de perceber, cafonamente falando, que tenho amigos de verdade e outros que passei pra lista de colegas. Amigo de verdade é aquele que te aguenta depressivo, repetindo pausadamente a mesma ladainha de sempre, e que te leva pro programa que você está disposto, mesmo não sendo exatamente aquele que ele queria. Foi pra essas poucas pessoas que pude falar, sem julgamentos, todo o horror que foi o meu começo de ano. Foram eles que aguentaram meus traumas, minha indisposição e que me fizeram perceber que as pessoas pra quem você mostrou o coração são realmente aquelas que importam na sua vida. Essas pessoas são as que acreditam em você mesmo quando a vida não vai, o trabalho não dá certo, o cara que você gostava te sacaneou. Essas pessoas te defendem de um jeito quase cego, nem querendo ouvir a versão do outro, como um leoa defenderia sua cria de um predador faminto. Amigo de verdade é meio mãe. Sabe renunciar amor, noite de sono, hora de trabalho, momentinho de estudo e até visão de mundo porque você está precisando dele. Amo os meus amigos que pensam como eu penso, mas aprendi a respeitar as visões ideológicas divergentes porque amizade é amar, também, apesar de. Amar por causa de é muito fácil. Meus amigos são esses seres iluminados que tiram da fossa com guindaste, dividem lugar fuleiro, festivalzinho de cinema francês, cover de banda podre, palylist de sertanejo e pagode,  meus discursos sobre política, minhas explanações sobre redes sociais, minhas mensagens destilando ódio porque eu não sei acalmar antes de falar. Meus amigos são essas pessoas que me acham a melhor pessoa do mundo mesmo quando eu não sou, mas que falam as verdades. Meus amigos aguentam meus erros, tratam bem minhas escolhas erradas pra depois vir dizer que sempre souberam que aquilo ali não ia dar certo, mas não podiam botar água na minha felicidade. Meus amigos já me carregaram bêbada e limpariam meu vômito. Meus amigos, acima de tudo, já não me julgam - só me aceitam. E quando acham que devem, aconselham, falam a verdade e me chacoalham.

Eu cansei de relações unilaterais, rabugice, cobrança, julgamento, cara feia, negligência. Amigo que é amigo corre em nossa defesa que nem bicho bravo e renuncia parte da vida, se for preciso, pra salvar a nossa. Acostumei a passar vergonha com os meus, fazer eles passarem vergonha também, e me despir de coração inteirinho. É com eles que eu saltito na boate quase vazia e é também com eles que quase choro no meio fio e discuto os percalços da recente vida adulta. Uma vez eu disse pra um dos meus amigos que ter ele na minha vida era melhor do que ter namorado porque desde que nos conhecemos meus casos já tinham ido e voltado, mas ele continua. Amigo é essa pessoa que vem antes dos outros relacionamentos e, com certeza, vai embora depois. A amizade é superior ao amor porque tem que se valer única e exclusivamente dela própria. Essa é a minha declaração cafona. Amo todos vocês, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença - até que a morte nos separe. Já diziam as spiceys (que a gente sempre canta a plenos pulmões) que se você quiser ser meu amante, tem que aguentar meus amigos - e assim será. 

2.8.12

emotional version

Tento escrever a monografia que me prometi desde antes de te conhecer e que nunca foi porque minha vida se tornou um eterno focar em você. Depois de tudo desfeito se fez o efeito colateral de toda a minha entrega sem retorno: me tornei ainda mais apática. Bem mais do que aquele tanto que você me acusava pelo telefone enquanto eu tentava dizer coisas que não conseguia. Imensamente mais do que aquilo. Os meses foram de ânsias de vômito (saiba, eu também sujei meu próprio quarto e manchei a parede do meu próprio banheiro) e irritação com a luz do sol. Minha roupa fashionista toda cheirando a mofo, e até eu mesma cheirando a mofo. As ideias embaralhadas, as mensagens e e-mails que chegavam sem resposta. Vez em quando um almoço, uma saída com alguém que entendesse eu estar repetindo pela décima quinta vez a mesma história; vezes com sorriso, vezes com muito pesar e segurando forte pra não chorar no meio da padaria tomando um café sem açucar. Eu nunca chorei na frente de ninguém. Choro é coisa pra dentro de quarto, ou atrás dos óculos escuros no meio de uma caminhada. Eu já quis até morrer. Não por sua causa, mas pela vida, que tem me maltratado sem nenhum tempo pra respirar desde esse tempo indeterminado no passado onde fui feliz. Felicidade também, grande coisa, não é essa coisa perene. A gente vive de momentos. Uma pena que os momentos ruins nos traumatizem de tal forma que depois fica difícil encontrar a felicidade. Eu tive medo de morrer. Minhas terríveis crises de pânico que me deixam com medo de ficar sozinha. Esses dias no meio dos meus sonos de calmante sonhei com você. Você dizia que ia ficar tudo bem e eu acordava assustada. Não gosto da falsa segurança dos sonhos, não gosto do meu inconsciente que diz que tem sim coisas mal resolvidas nessa história toda, porque eu sei que tem, mas também sei que não tem mais jeito. O que eu faria? Pediria desculpas pela décima quinta vez, te dizendo também que além de mea culpa foi também culpa do tempo, do meu descontrole, da vida? E se você me desculpasse, o estrago estaria desfeito? Não creio que. Por vício vasculho de novo uma parte da sua vida. Vejo uma outra menina, que pode ser ou pode não ser, menos bonita do que eu, fumando na sacada onde eu já chorei. Deixo a tela do computador pra lá, me olho no espelho; os shorts largos me mostram os cinco quilos que perdi desde então. Você continua vivendo e eu estou aqui, mutilada depois de sucessivas doenças, depressões e crises de stress. Vejo meu rosto magro no espelho, me pergunto assim como o alfie no final do filme: "what's that all about?" - e não obtenho resposta.