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1.9.13

trecho de um livro que nunca será

Eu não conheci o Matheus. Eu o reconheci. O primeiro grande clichê da minha vida que nunca conheceu essa palavra. Sempre detestei os clichês, os encontros, os filmes de amor. Amor, essa palavra. Amor essa palavra que a gente não sabe muito bem o que é, entende o que é no filme e busca reconhecer na vida. Nunca soube reconhecer amor na vida. Gostei de algumas pessoas, beijei algumas bocas. Disse "eu te amo", sem saber muito bem o que era, como criança que repete as sílabas do hino nacional. Dizia "eu te amo" pros garotos que beijava porque tinham me ensinado assim. Te beijei, você segurou na minha mão, me ensinou um caminho, me mostrou teu livro preferido. Devo te amar. Te amo então. E assim se faziam essas relações sem emoção nem sentimento nas quais eu me meti desde a adolescência. 

Mas quem não sabe o que é amor, não reconhece amor. Tentar reconhecer o amor sem nunca ter amado é tentar reconhecer uma mesa como mesa sem nunca ter visto uma mesa. É preciso ter um primeiro contato com o objeto para poder reconhecê-lo como tal. E eu, até conhecer o matheus, nunca tinha sido apresentada ao amor. Não assim, apresentada ao amor no ato de sentir. Só conhecia amor como palavra, como história de livro, como pedaço de filme. Mas o amor nunca tinha entrado em mim para que eu pudesse reconhecê-lo. Sendo assim, tudo que lembro do meu primeiro encontro com o Matheus, é que ele me despertou os sentidos. Todos os sentidos. Me acordou pra vida de tal forma que as cores se faziam mais vivas, as palavras saltavam com mais facilidade, as sílabas tinham cheiro. Sinestesia. Ele me mostrou que a vida pode ter gosto. 

Foi assim, inesperado. Ele foi o último a me aparecer naquela lista de gente que estudaria comigo na faculdade. Lista de espera da faculdade de publicidade e propaganda. Não soube dizer o que tinha nele, mas tinha. Não soube dizer o que tinha em mim, também, que tive urgência em lhe dar as boas vindas tardias do único jeito que sabia: lhe escrevendo as palavras. Mas fui assim, como quem não espera nada. Um desses recados simples, até meio bobos. Qualquer coisa como "seja bem vindo à essa selva de gente louca que queria ser artista e se contentou em ser publicitário". Ele me sorriu com os dedos respondendo qualquer coisa como "não me contentarei nunca em ser apenas publicitário. É meu projeto paralelo enquanto não me reconhecem como artista. Mas reconhecerão, reconhecerão". E sorri. Sorri com as palavras do primeiro homem que foi capaz de me fazer sorrir logo no primeiro encontro.


Antes dele, é claro, houveram vários. Os mais diversos tipos. Os gordos, os magros, os meio engraçados, os inteligentíssimos e os meio burros. Todos eles com seus encantos atrozes, com seus jeitos de me pegar pela mão. Houveram aventuras, grandes aventuras imensas dançando em seus corpos, em suas bocas, em trechos de livros lidos em voz alta as três da manhã. Houve a poesia dos filmes alternativos clichês que tratam de amor. Houve, houveram. Tudo isso que podia ser reconhecido como amor, mas ainda não o era. 


(Escrito em 2011, nos intervalos do trabalho esse algo qualquer que almejava ser um livro. anos depois acho meio completamente ruim e já não acho que a única maneira de se enterrar um grande amor seja um epitáfio-livro. os amores morrem sozinhos, no tempo em que devem morrer. difícil também elencar as razões de porque não mais escrevo nesse blog. talvez porque seja a confusão que me faça ter de escrever qualquer coisa. talvez por outras razões distintas que eu nem sei. em todo caso, obrigada pelos comentários dizendo que sentem falta dos meus escritos. acho que também sinto, talvez mais que vocês).