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5.10.10

Esse sim é pra você. - O último e o primeiro.

É que é bem assim, hoje eu decidi que eu ia dormir mais cedo, que eu ia fazer as coisas e aí tô protelando de novo. Eu tinha um arquivo de texto com cartas pra você, era até uma coisa bonita, mas hoje, antes de dormir tarde por - eu prometo - a última vez na minha semana eu preciso te dizer essas coisas. Essas coisas que você nunca vai ler. Ou vai, e vai ficar bravíssimo como se cada palavra que eu escrevesse nova fosse um tipo de alfinetada pra você. Eu não sei o que é, mas ultimamente todo mundo tem pensado que eu me preocupo muito com elas a ponto de escrever pra elas. E isso é uma bobagem porque eu sou muito egoísta. São poucas às vezes que eu não estou escrevendo para mim mesma e querendo irritar a mim mesma. Pouquíssimas. Mas aí as pessoas me olham, acham que eu sou algum tipo de filha da puta que fica aí enchendo o saco de todo mundo o tempo todo, e eu até sou. Mas não assim. Na verdade, eu me preocupo pouco demais com os outros pra que deseje machucá-los de alguma maneira. Você menos ainda. Eu não ia querer te machucar de qualquer maneira, até porque, eu gosto muito de você. Gosto muito. É isso, nada mais que isso. Você não vai ouvir mais da minha boca que eu te amo, que eu morreria por você. Isso tudo já me machucou demais, já fez calo demais em mim e em você. E eu sei lá se eu te amo, se é que eu amo alguém. E eu espero que você entenda. Espero que você entenda também que essa é a última coisa que eu te escrevo, diretamente ou indiretamente porque nem tem lugar mais na minha literatura pra ficar inventando histórias sobre você. As coisas foram se tornando repetitivas. Minha vida foi se tornando repetitiva, é um eterno acordar e pensar que eu estou infeliz, depois pegar um ônibus ouvindo no meu ouvido que eu já fui mais feliz e ficar me esquivando da realidade tomando aqueles cafés que ora são muito doces e ora muito amargos. Depois eu fico me inventando, me reinventando e procurando companhia aqui e ali, mas isso não surte o mínimo efeito. E eu nem consigo disfarçar na sua frente que eu é, não sou feliz. E você não pense que eu faço isso pra jogar na sua cara que eu acho que você está fazendo coisas erradas ou isso ou aquilo, é só que eu preciso dizer em algum lugar que a minha vida não tá assim tão legal. E eu não sou nem tão digna e nem tão adulta assim pra fingir que comigo nada aconteceu.


Minha vida anda vazia e ultimamente eu tenho feito um tremendo esforço pra reparar as besteiras que eu fiz no passado, até pensei, podia te chamar pra conversar, mas você ia confundir de novo as coisas. Você é mais covarde que eu, em todos os aspectos. E entenda que eu não estou te dizendo isso porque eu quero te atacar. Eu te acho suficientemente interessante e suficientemente legal, mas não dá mais. Pra mim. Eu tentei ser civilizada o tanto que pude, e tentei não invadir a sua vida e tentei até fingir que eu estava bem pra não te magoar. Mas até isso tem um limite, uma linha. E a linha era entre aquilo que era a minha vida e a sua vida. Eu nunca coloquei o dedo na sua cara e te apontei tudo que eu achava que você tinha feito de errado e nem tem lugar pra isso. E aliás, você nem está fazendo nada de errado. Você só está vivendo a sua vida do jeito que você acha que deve e por mais que eu te olhe e ache que isso depois de nove ou dez meses não vai dar em nada, não importa. O que importa é que você esteja feliz do jeito que lhe cabe, e eu feliz do jeito que eu ache que deva. O seu problema, e o problema de todo mundo é se achar o centro do universo. De que tudo aquilo que eu faço, ou falo e até as lágrimas que eu derramo são pra você. Às vezes até é, mas na maioria das vezes eu só estou preocupada com a minha dor. E além da minha dor, com a minha vida. Tem todo um universo aí que você deixou de conhecer há muito tempo dentro de mim e que só é um pouco de dor misturado com um pouco de literatura. Minha vida podia ser do jeito que eu escrevo, e às vezes até soa mais bonita, mas por mais que eu e você nos enxerguemos dentro da história, aquilo não existe. Nunca existiu. É como se eu tivesse escrevendo um livro. A nossa história é isso, um livro. Uma coisa que eu inventei com começo meio e fim pra poder suportar a falta de coerência dos personagens. Esse desencontro todo não é bonito, não soa bem. Em algum lugar a história tinha que existir de outra maneira. E existiu.


Na verdade eu não espero mais nada de você. Nada além do que você pode me dar, e tudo o que você pode me dar é muito pouco perto do que eu preciso. Às vezes é hora de reconhecer que meia dúzia de palavras jogadas e duas tardes de conversa não vão me fazer ter uma vida mais legal, por mais que eu sinta saudades suas, assim, como pessoa. E talvez seja a hora de você perceber isso também. Acabou, nós temos outra vida e por mais que a separação doa, foi você que escolheu assim. Um dia, literal ou não literalmente, eu fiquei sentada na cadeira te vendo ir embora e você foi. Sem mim. Eu ensaiei três sorrisos, ensaiei falar de outra coisa, mas no fim, no fim eu acabei chorando. Eu fiquei lá chorando enquanto você ia embora sem mim. E só isso já foi uma dor maior do que eu podia suportar. Depois eu tentei, eu esperei que você viesse me buscar em outro lugar, e me explicasse tudo o que tinha acontecido de verdade pra que eu pudesse levar minha vida de um jeito mais suave. "tudo bem não deu certo, mas a gente se vê por aí." "é, se vê por aí" "espero que você seja feliz" "eu também, eu espero que você seja muito feliz" "a gente se vê" "é, a gente se vê". E aí a gente ia se encontrar no ônibus, no mercado, na esquina, você ia me contar como está a sua vida me negando os detalhes que você não ia querer que eu soubesse e eu ia te contar da minha vida também te negando os detalhes que podiam te magoar e ia ser assim até que um dia a gente se encontrasse de novo, ou não, no meio de uma outra vida, de um outro universo. Mas não foi assim. Eu que fiquei chorando, eu que doí, eu que levantei da cadeira atrás de você, eu que corri atrás de uma explicação que não veio e então fui eu que dei o fim na história que eu conhecia, sem fim nenhum. E por mais que eu saiba que eu podia lidar com isso caso isso tivesse acontecido de um jeito menos dolorido, eu que resolvi ir embora de vez. É, assim, hoje. E decidi me doer sozinha, pegar dois ônibus, lidar com a minha infelicidade que tem gosto de café doce e continuar te deixando em paz. Hoje eu decidi que eu não durmo mais depois das duas da manhã, que eu vou fazer uma dieta, que eu vou correr cinco quilômetros três vezes por semana, cortar o cabelo, viajar, ler livros, escrever cartas, e principalmente, não dedicar mais nenhuma linha que seja a você. Não que eu tivesse feito isso antes. Essa é a primeira e a última coisa especialmente endereçada a você que eu deixo ao acaso pra que você leia. O resto eram histórias. O resto era a sua culpa te dizendo que eu queria te machucar. Eu nunca quis. Eu sei que você não queria também, mas machucou. E devido a minha falta de tato com tudo, eu resolvi te deixar pra lá. Por você, mas principalmente por mim. Eu realmente espero que você seja feliz. Realmente. Eu nunca julguei suas escolhas. Eu só tinha medo que você fosse infeliz. E ainda tenho. Mas se você for, não é problema meu. Você tem o direito. Se um dia você ainda quiser me ver, você sabe onde me encontrar. É capaz de eu continuar naquela mesma cadeira em que você me deixou chorando um dia. Porque tudo que se definiu daquele dia em diante, fui eu que inventei. No mundo real, nada aconteceu desde o dia em que eu fiquei sentada lá. Se um dia você quiser me tirar de lá, é só me procurar. Só que também pode ter acontecido de eu ter decidido ir embora sozinha.


Eu já dei o primeiro passo.

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