Tenho me sentido um ser livre. Tenho me sentido talvez seja a construção errada, e a construção certa da frase talvez seja "sempre me senti" um ser livre. Sempre. Nunca entendi o porquê da vida ser configurada a partir de outras pessoas. A vida é minha, e assim sendo abracei a minha solidão como parte existente de mim. Existente de um modo que não há como me separar dela. Eu posso não estar sentindo, mas ela existe. Existe também um certo conforto em ser sozinha. Costumo gostar muito (e talvez mais) dos momentos em que ando com música e vento na cara na cidade, e enxergo o resto do mundo como um monte de desconhecidos sem nenhuma ligação profunda comigo. Talvez seja isso, gosto de sentir que não tenho nenhuma ligação profunda com ninguém, de modo que não sou atrelada a ninguém e totalmente responsável pelas minhas escolhas.
O peso, a angústia, o existencialismo. Tudo isso que reaviva com um sartré na estante, mas que sempre existiu. Nos caminhos escuros e frios da cidade me peguei pensando. E a monogamia? nasci pra isso? Quer dizer, você nasce e acaba tendo um sonho que nem sabe se é seu de casar, e ter filhos e constituir familia. Mas pra isso, tem que existir um marido só. Um núcleo só para sua vida, um só amor. Eu, que não sei contar pra que lugares vou. Eu, que não consigo compreender ninguém fazendo parte demais da minha vida, nasci pra isso? nasci pra amar apenas uma pessoa e conseguir viver com todas as implicações que isso causa? Não que não seja bonito. Poetizo e imagino grandes amores que durem pra sempre. Uma vida toda dedicada a amar somente uma pessoa. Uma única pessoa digna de admiração. Não que eu não acredite que isso seja possível. Eu acredito, e quero acreditar. Me parece meio utópica essa felicidade que vêm de todos os lados, esses multi-amores. Ou talvez não seja assim.
De qualquer modo, o que eu quero explicar é que, me sinto mais leve a partir do momento em que não assino contratos de exclusividade. Pode não parecer assim, mas um namoro, um casamento, ou um relacionamento sem nome, traz em si contratos de exclusividade. E nesses estranhos contratos feitos pelos seres humanos em nome do amor, é que o amor acaba. Não entendam errado, eu não sou mais uma daquelas pessoas que maldiz o casamento. Mas é que as chances disso dar certo são um pouco limitadas se você não age com isso da maneira certa. Eu quero dizer, a partir do momento que em que você coloca pra você mesmo que se juntou com uma pessoa e ela - e só ela - é a responsável por suprir todas as suas necessidades, é que a coisa degringola. Quer dizer, uma pessoa não é um ideal, um modelo pre-montado. Uma pessoa é uma pessoa e a grande verdade é que, na maioria as vezes, por maior que o amor seja, ela não vai suprir todas as nossas expectativas. Pode suprir algumas, a maioria delas, mas todas? todas é impossível. E são nessas exigências de coisas que você espera que a pessoa faça e que ela não é capaz de proporcionar é que a monogamia falha. Porque como você só pode ter aquela pessoa, já que o contrato assinado assim exige, você não consegue lidar com o fato de que aquela pessoa que você escolheu pra ser única não consegue suprir todas as suas expectativas. E que vai falhar, varias e repetidas vezes.
Engraçado que por sermos humanos, deveríamos aceitar de antemão que um contrato de exclusividade por si só já frustraria algumas expectativas.
O que eu quero dizer é que, a partir do momento em que entro em um desses relacionamentos em que a fidelidade e a exclusividade são impostos, eu me sinto sufocada. Começa um emaranhado de exigências que eu sei que eu não vou conseguir atender, e por saber que aquela é a única pessoa que é permitido que supra as minhas necessidades, eu começo a exigir também coisas e me frustrar. E tudo isso gera um stress tão grande que depois acaba se tornando uma neurose que torna o relacionamento inviável. Não é leve, não é bonito, é só um contrato, vocês entendem? um contrato que precisa ser cumprido e eu não sei trabalhar com regras.
Por outro lado, quando não estou em nenhum relacionamento no qual a exclusividade seja exigida, me sinto leve. Leve porque eu não tenho nenhuma obrigação. Eu faço as coisas porque quero e sei que a outra pessoa também o faz porque quer. Não é dificil meus relacionamentos começarem a dar errado no momento em que tomam o nome de "namoro", porque namoro pra mim tem um monte de implicações chatas como por exemplo o fato do outro se achar uma parte indivisível da sua vida, com mais direitos que deveres e capaz inclusive de tolher sua liberdade de escolha, de se vestir e de não o ver quando der vontade. Aí criam as rotinas, as pequenas obrigações, o lado da mesa, o restaurante das sextas. Sabem? Coisas que as duas partes fazem porque um "namoro" exige assim.
Só que um relacionamento não deveria ser feito de obrigações e sim de vontades. Nos veremos porque temos vontade, não nos veremos porque não temos vontade. Comemoraremos, sairemos, nos amaremos ou passaremos uma semana sem se ver porque assim quisemos. E mais ainda, estaremos juntos e continuaremos juntos porque temos vontade. Nada mais do que isso. Ainda não sei se pra mim, também seja necessário a liberdade ser tanta a ponto de eu poder colocar outra pessoa na minha equação. Várias pessoas suprindo as minhas necessidades. Talvez uma só, mas sem cobranças. Talvez seja tudo uma questão de ser livre. A liberdade de estar com uma pessoa porque escolheu assim, e a liberdade de não mais estar por causa da mesma escolha. Qualquer contrato gera em mim uma neurose instantânea. Qualquer compromisso também.
É que gosto de amar, de gostar, do envolvimento e da poesia. Mas acima de tudo gosto de mim, e da minha solidão. E quero estar junto por escolha, e não por contrato. Dentro do descompromisso que escolhi pra viver. Não gosto de ter meu espaço invadido, não gosto da rotina cobrada do estar-junto. Não sinto necessidade de presença sem fim. É que gosto de ter outro. E gosto tanto (ou mais) de mim.
Talvez vocês nada tenham entendido desse texto, mas é que tudo é um imenso caos. Quero um relacionamento que me permita não querer apenas a pessoa, porque acho que, a partir do momento em que for permitido querer vários, posso escolher querer só aquele. Ou não. Mas há a possibilidade. A verdade é que nada sei sobre sartre, o amor, e a monogamia.
E sei menos ainda sobre mim, mas tenho tentado.