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13.2.13

'cause I'm a free bitch, babe.

à todas àquelas que já foram julgadas e preteridas por exercer o direito mais primitivo e genuíno: não ter medo nem vergonha de ser/fazer aquilo que se quer (à  todas as "vadias").



Sentei na ponta da cama e quis te cutucar pra dizer uma infinidade de coisas. Coisas do tipo "é só isso que você quer comigo, é só sexo, sexo, vinte noites inteiras do melhor sexo e depois deitar, virar pro lado, nem um cafuné, nem perguntar que filme eu vi ontem, o que tenho feito da vida? É só sexo e você virando pro lado e babando e por vezes roncando e se mexendo desse jeito escroto que não me deixa dormir direito pra depois você me acordar atarantado dizendo que meu deus você está atrasado pro seu compromisso, sei lá que tanto você tem de compromissos, e aí vou eu pegando o ônibus segurando a bolsa com as minhas tralhas, voltando pra casa sem nem receber uma mensagem preocupada com o fato de eu ter ou não chegado bem. É isso que eu sou pra você? Sou só uma trepada boa, uma gostosa, uma dessas vadias sem tabu nenhum, é por isso que a gente se relaciona? E depois? Depois procurar uma mulher mais cheia de pudores pra planejar casar, e ter filhos e ensinar as filhas de vocês a não serem vadias, a se darem ao respeito, a não sair de roupa curta, não dar na primeira noite, ficar de frescura pra fazer um boquete porque homem, ah, os homens valorizam mulheres assim. Você valoriza mulheres assim? Eu sou isso pra você? A gostosa na sua cama, inteligentinha, bem apessoada. A gostosa feminista na sua cama que é tão livre tão-tão livre que é capaz de fazer qualquer coisa, mas a gente nunca precisa levar pra jantar, ou pro cinema, ou saber como vai a vida porque mulheres assim não precisam disso. É isso que eu sou pra você, seu bosta?"

Desisti. Você abraçava seu travesseiro e eu não conseguia dormir porque você tinha roubado todo o espaço da sua cama de solteiro. Tudo bem também, vai, eu sempre falei aos quatro cantos que eu sou mesmo essa criatura livre. Porra, não sou? Sou sim. Minhas amigas o tempo todo me dizendo que se eu continuar assim nunca vou casar, que se eu continuar assim nunca ninguém vai me levar pro cinema e eu sempre repetindo que não, que elas são loucas, que antes ir no cinema sozinha do que ter alguém que me controle. Elas namoram uns babacas péssimos que tem que ficar levando elas na porta do restaurante toda vez que vão sair sozinhas comigo. Sei lá o que esses caras pensam, se é porque eu sou solteira e "saio com qualquer um" eu vou levar elas pra orgia. Nunca entendi qual é a deles. E daí vira e mexe o cara solta um comentário meio babaca tipo "não gosto do seu cabelo assim", ficam ligando pra elas perguntando se eas vão voltar logo. Nunca um momento de paz e elas se transfigurando nessas amélias medonhas, nessas mulheres perfeitas, que querem ser tudo que o cara quer que sejam. Um medo tão louco de perder o homem que amam que aí se sujeitam. É o preço, não? Se eu não quero me sujeitar eu que me vire indo no cinema sozinha, comentando meus livros com algum amigo, passando noite de domingo vendo fantástico e comendo arroz com tudo que tinha na geladeira. Não saio dessa posição de solteira antes que arrume alguém que me deixe existir do jeito que eu bem entendo e elas querendo me arranjar com uns caras escrotíssimos que julgam a gente pelo tamanho da saia que a gente usa e ficam de birra se a gente sabe mais sobre um assunto que eles. Tudo um saco, um bando de babacas, o mundo é feito de babacas tipo você.

Você eu sei lá o que viu em mim. Deve ter visto o que todo mundo vê e é isso que me encana. Esses dias uma amiga que eu tenho disse que eu passo "a imagem errada pros caras". Ela quis dizer que eu sou puta e exigente demais. Focou no puta dessa vez. É que é isso, né? Se você resolve que vai se portar fazendo o que você tem vontade você é uma vadia. Eu não ligo quando me chamam de vadia. Acho chato porque a pessoa acha que isso vai me ferir como ser humano, que denigre a minha existência, que eu fico chorando na cama querendo ser recatada. E não fico. E olha, eu acho feio essas meninas que correm atrás dos caras, que se jogam e tal. Não por nada, acho que se elas se sentem bem assim elas tem que fazer o que bem entendem, mas tenho pavor de correr atrás de quem não gosta de mim. Então eu nem sou dessas vadias que saem na balada e pulam em cima dos caras e fazem lap dance e o escambau. Eu nem lembro qual foi a última vez que eu saí com um cara que conheci na balada, não lembro qual foi a última vez que me insinuei pra alguém que não me queria muito pra ver se eu conseguia a coisa na força. Acontece porque acontece, sabe? Dizem que eu sou extrovertida, engraçada, espirituosa, inteligente; já até ouvi que eu tenho "magnetismo pessoal"( mas achei meio bosta porque parece coisa de auto ajuda). Só que aí o cara me conhece e eu vou lá e falo de tudo, falo de sexo, não quero que paguem minha conta, se eu tiver numas de dar no primeiro encontro eu dou, e aí quando eu vi já fiz tudo que me deu na telha e os caras tão lá me olhando com aquela cara assustada de quem queria muito uma mulher desse jeito, mas sei lá né, vai que ela faz isso com todos. "Vai que ela faz isso com todos". Olha o pensamento dessa gente. Claro que já fiz com mais gente além dele, mas isso não significa que eu não preste, que eu vá começar a namorar e dar em cima de todos os amigos do cara. Me veem e já pensam uma coisa assim, um troço tipo "próximo cara que encontrar na rua vai dar também". Tenho certeza que todos os caras que me dispensaram pensaram isso. Fico pensando que você deve pensar um pouco isso também. 

Penso nisso todas as vezes que você me liga e a gente vem pra sua casa, transa e você vira pro lado sem nem perguntar se eu quero um salgadinho pra comer. Você deve achar que eu faço isso com todos, que eu não preciso de atenção, que eu sou muito livre pra esse tipo de babaquice tipo "amor", porque né, porra, vai esperar o quê de uma menina que senta com você e fala abertamente sobre todas as coisas, que não sente vergonha de ver esses vídeos de sacanagem que você tanto gosta, que fala na cara "isso eu faço, isso eu não faço, isso podemos tentar e tenho vontade disso". Você deve achar que eu sou uma puta, mas que você não precisa me pagar. Todos os caras do mundo acham isso. Sempre reaparece um babaca qualquer que eu já peguei e vem conversar comigo, e aí até pergunta como eu tô, se eu tenho passado bem, se meu trabalho continua pagando a mesma miséria de sempre. Aí me empolgo na conversa, acho que reamente a pessoa quer saber de mim e aí logo vem uma insinuaçãozinha, uma conversinha picante, um "a gente pode se encontrar semana que vem". Não cara, não pode. Não assim, não desse jeito, eu sou uma pessoa também. Às vezes sinto vontade e vou, sabe? Vou lá só pra descartar o cara mesmo, só porque eu sou mesmo esse espírito livre, mas depois me sinto um pouco uma merda. Uma merda porque não é que eles gostam desse meu jeito, não é que eles queriam namorar uma mulher livre dessas. É que é tipo uma puta que eles não tem que pagar, não precisam nem perguntar se eu vou ter dinheiro pro taxi porque eu me sustento. E nada de mal nisso, me sustento mesmo, dou um duro danado pra não depender de ninguém, mas às vezes é tudo tão vazio. É vazio estar aqui sentada na ponta da sua cama pela décima quinta vez sabendo que quaquer dia desses você vai me apresentar sua namorada na rua. Vai, porque vai encontrar uma namorada que vai ter que convencer a fazer certas coisas e vai achar o máximo que ela tenha certos pudores, que ela morra de vergonha quando você diz alguma coisa, que ela saiba menos que você sobre os assuntos que você domina. Você vai achar o máximo ela sendo meiga, ela nunca gritando, nunca fazendo piada fora de hora. Vai achar ótimo que ela não seja fácil, que ela não sente no bar com os amigos pra falar sobre qualquer coisa. Uma dessas meninas que riem meio baixo, uma dessas meninas que gostam um pouco de literatura, um pouco de cinema, mas sempre daquele jeitinho que você tem que explicar sobre os cineastas e sobre os escritores. Eu sempre me preparo pro dia que você vai me apresentar a sua namorada nova.

Daí esses dias eu estava pensando se eu queria mesmo esse peso ou se não era melhor ser logo um personagem mais comedido, uma dessas meninas que fazem doce, que não falam, que se fingem burras, que gostam que paguem a conta do restaurante pra elas. Ia ser mais fácil, acho que ninguém mais ia me mandar mensagem querendo me comer pelo simples fato de eu mostrar tudo que eu sou. Só que daí não sei, não compensa, eu não sou aquela. Eu sou essa daqui, poxa. Sou isso daqui tudo, sou assim, não sei ficar com um cara por conveniência, não sei fingir que não gosto de coisas que na verdade gosto, não tem porque eu me esconder atrás de uma coisa qualquer, não sei, uma bobagem só pra trair um cara que queira ficar comigo pelo que eu não sou. E é aí que tá a questão toda: não é que eu não queira ninguém, não é que eu espere essa vida livre e emancipada. Eu só quero alguém que me queira pelo que eu sou, e não que queira uma imagem melhorada de mim, um bibelô, sabe-se lá. Eu não quero ter que inventar pudores ou isso, ou aquilo, só pra alguém ter coragem de me pegar pela mão. Vocês são todos uns merdas, sabe? Se enchem com esse monte de vídeos pornô daí querem um mulher assim, daí encontram e acham que é uma vadia, que é legal pra ter por uma noite ou outra, pra ter um caso, pra levar vinte vezes em casa. Mas namorada não, namorada é outra coisa, namorada é alguém com quem você divide a vida e que vai educar os seus filhos. Não pode educar um filho homem que respeite mulher vadia, né? Não pode educar uma menina pra ser livre. Todo mundo tem medo de mim. 

Esses dias, veja, me deram "parabéns" por eu ser eu mesma. Disseram que era uma característica admirável e invejável. Agora pensa, óbvio que o cara quis dizer que devia ser um peso do caralho ser eu e que é pra invejar porque ninguém consegue muito. Sou muito diferente das minhas amigas, de todo mundo, todo mundo se segura um pouco, espera um homem pra proteger. E eu não sou, sou louca, boto a cara, ando de taxi sozinha, fico pedindo pra pagar o refrigerante se o cara pagar a pipoca. Aí eu fico pensando: que merda ser assim, né? Olha pra você aí, estatelado na cama, depois de uma noite de luxúrias e não levantou nem pra pegar uma água pra mim. "Eu sei me virar sozinha". Tá, eu sei, mas não significa que eu seja um monstro, que toda conversa comigo tem que descambar em sacanagem, que eu aguento tudo, que eu "sei lidar porque sou livre". Eu sou, mas sabe, meu deus, estou tão cansada. Cansada das suas mensagens me chamando pra vir aqui passar uma noite, cansada com todo mundo que não consegue falar comigo sem insinuar sexo. Quando foi que eu virei uma puta só porque eu sou o que eu sou? Meu cu, sabe? Esses dias mesmo apareceu um cara aí e eu achei que esse ia ser diferente. Começou aquele flertinho fofo, a gente falando das coisas que leu, das coisas que ouviu, ele me contando as coisas que gostava de fazer até que puf, de repente lá estava ele insinuando sacanagens. E né, eu levo numa boa, eu respondo, eu faço de volta. Demorou uma semana, te juro, uma semana e ele encanou com outra menina. Tenho certeza que pra ela ele declara poema, diz que gosta das coisas que ela gosta, que nunca faz uma piadinha de duplo sentido porque acha que ela ia se ofender. Ela fala baixo, ela ri envergonhada, ela é "fofa". Meiga, fofa, dessas pessoas que querem que todo mundo tenha um futuro lindo, que vive sorrindo nas fotos, que cuida dos animais. E eu lá. Eu isso. Essa escrachada que fala tudo que pensa e até é meiga, e fofa, mas ai, olha as coisas que ela fala. Vocês querem princesas.

Aí fico eu aqui, querendo te cutucar pra dizer que ó, eu nasci assim sem filtro mas eu também espero todas as bobagens que todo mundo espera. Espero ser amada, casinha de verão, livrinho compartilhado na estante, lanchinho na cozinha depois do sexo. Claro que eu também adoro noites sem compromisso, me envolver com caras com quem não quero nada, sumir. Óbvio que eu não quero namorar com todos os caras que fico, nem todo mundo espera namorar com todos os caras que ficam. O que eu quero dizer é que uma coisa não invalida a outra. Eu quero também alguém pra segurar na mão, pra me levar pra jantar. Só quero alguém que me ame e me respeite como eu sou. Assim, sabe? Assim sem saber fingir, assim fazendo piada e rindo alto. Assim falando sacanagem com os amigos na mesa do bar, sem esperar que um homem me faça as coisas, mas muito feliz se um homem estiver do meu lado pra ser comigo. Por que ninguém pode ser comigo, é o que eu ia te perguntar? Se eu sou assim, tão livre, tão cheia de vida, porque eu sou sempre a companhia legal pra passar uns dias, mas nunca a namorada? Se eu sou tão apaixonante por que ninguém nunca fica? Você também, você também vai encontrar uma menina meiga pra passar o resto da sua vida. Uma dessas fofas que sua mãe vai amar. Ninguém nunca acha que sou capaz. Acho até engraçado quando as meninas novas dos caras com quem fiquei sabem da minha história. Elas não ligam porque comigo "era só curtição" e com elas era amor. Então tudo bem. Então tudo bem que ele tenha ficado comigo por meses e meses e depois me largasse. Tudo bem porque eu sou livre, porque eu não ligo, porque eu não estou mesmo interessada. Meu cu pra todos vocês e pra todas elas, essas maníacas princesas que se acham superiores porque escondem tudo aquilo que querem ser atrás dessa maldita maquiagem e desses batons vermelhos. Atrás da vozinha, atrás do jeitinho fofo. Eu sou muito zoeira. Eu não sou nada disso, eu só sou eu.

Queria te acordar pra dizer que, que saco, eu também quero saber que eu posso ligar pra alguém no meio da noite e ser ouvida. Eu também quero os poemas, os jantares, as noites em que não se faz nada além de conversar sobre todas as impressões do mundo. Eu também quero um amor, esse amor que dá frio na barriga. Eu também quero cozinhar, fazer o doce preferido, dar colo, fazer chá, esperar com um novo prato que eu aprendi. Eu acho tudo isso lindo, eu quero tudo isso também. Eu também quero ficar, mas pra ficar tem que ser sendo eu, tem que ser com alguém que me ame do jeito que eu sou e cadê esse alguém? Não é você que trepa comigo depois me manda embora dizendo que a gente se vê. Não são esses caras que logo na primeira conversa insinuam qualquer coisa sabendo que eu não vou me importar. Não é nenhum desses que quer uma mulher diferente na cama e na rua. Não quero esse cara que me tolha, que não deixe eu ser quem eu sou, mesmo que eu seja uma merda, mesmo que eu devesse ser mais resignada, mais cheia de pudores, menos vadia. Eu quero alguém que me ame e me deixe ser. Alguém que não me deixe na ponta da cama sem um copo d'água, sem um cafuné, sem perguntar se a minha vida vai bem e se eu preferia as jujubas vermelhas ou as amarelas no infância. Porque tem como. Tem como ser assim como eu sou e amar, e comer jujubas e ler livros, e querer noites calmas com filme do woody allen no dvd e chocolate quente. E querer discutir filosofia. Que caralho, olha o tanto que eu estudei nessa vida, olha tudo que eu fiz e todos vocês teimam em olhar pra mim só como essa menina que fala de sexo abertamente. Falo, ué. Sinto vontade falo. Sinto vontade faço. E aí, uma coisa invalida a outra? Tem como ser louca vadia e amar. Tem como ser tudo isso e querer alguém comigo o tempo todo me amando justamente por eu ser livre pra ser quem eu sou. E livre quer dizer ser assim, isso, sabe? Isso aqui. Não quer dizer que eu queira ter mil caras ao mesmo tempo, que eu nunca queira me prender. Eu quero sim. Mas eu quero alguém que ache tudo em mim uma característica tão admirável e invejável que queira ter tudo isso pra si. Alguém que por me achar tudo isso eu nunca queira largar. Alguém que tenha orgulho de mim, de falar de mim, de contar de mim pros amigos e pras mães.  Alguém pra quem eu queria ser tudo, minha melhor versão, dar minhas melhores noites e minhas melhores conversas e minhas melhores comidas e meu melhor abraço e minhas melhores bobagens infantis, porque feito as meninas fofas, eu também tenho bobagens infantis. Porque tirando essa parte louca,  essa vadia como vocês gostam tanto de dizer, eu sou uma menina como qualquer outra. Eu sou igual a todas elas, eu só não escondo o que elas escondem. Eu não sou um monstro. Eu não mereço isso. Eu não mereço você e seu desleixo e sua vontade de me ter me-ter até arrumar alguém com mais compostura. Alguém assim, mais recatada, mais fofa, mais tudo que eu não sou. Quer saber? Você não merece saber de coisa nenhuma. Eu pego a minha roupa, pego um taxi, vazo daqui e nunca mais respondo essas suas mensagens cretinas. Alguém no mundo deve entender que puta como eu também ama.

As putas também amam.


nota da autora: esse texto não é pra ninguém nem sobre ninguém. é apenas uma ideia ficcional que veio de uma conversa sobre putas, vadias & outros animais com um amigo (e deve caber pra todas aquelas que um dia já foram chamadas de vadias pelas patrulheiras e patrulheiros da compostura - nós sabemos: as vadias também amam, e estão certíssimas). 

Um comentário:

Anônimo disse...

http://semamorsoaloucura.blogspot.com.br/2006/09/dama-da-noite.html

Um pouco a mesma voz, quase a mesma personagem só que na medida de décadas depois.