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21.12.09

O infinito não existe.

( e nada muda quando marte encontra saturno)

O infinito não existe. Você me disse isso numa das nossas inúmeras conversas. Dessas que a gente teve há algum tempo que nem existe mais. E eu concordei com você, cética que sou, ainda que acreditasse no nosso infinito. Nossa história era bonita. Todo mundo tem uma história bonita pra contar se puxar bem pela memória e você era a minha. Toda vez que eu precisava de uma história bonita pra contar pra alguém, recorria a nossa biblioteca particular. Eu nunca fui muito de ter histórias bonitas. Sempre fui malfeita. A malfeita das histórias inacabadas. E histórias inacabadas não são bonitas. Exceto as que se tornam infinitas. Mas todas as minhas histórias tinham sido inacabadas porque eram malfeitas. Ficaram sem final, mas nunca foram infinitas.

Infinito era você. Infinito e minha história bonita. Aí era assim até enquanto eu pude me lembrar. Nasceram flores, jardins, e todo esse lugar comum que todo mundo sabe. Eu deixava você construir um castelo pra você, ou qualquer outra coisa, mesmo que pra isso você tivesse que quebrar todas as minhas coisas. Tudo em você era lindo, e renascia. Renascia em mim, então fazia bem. Pra te deixar do meu lado eu fazia qualquer coisa, inclusive me machucar. Eu me machucaria pra te ver feliz e pra te ver perto. Ridiculamente como todo altruísmo sem volta é. Assim. E te guardando do meu lado tudo era infinito. A jarra d'água, as colheres, e teu lugar no sofá. Tudo teu, com etiquetas imaginárias marcadas e tudo. Dentro de mim, tudo teu também. Com etiquetas imaginárias e tudo. Sua música, seus filmes, seus livros, sua camiseta, seu jeito. seu, seu, seu, seu. Em mim. E só.

Depois de um tempo, tinha tanta coisa sua em mim que já não tinha como jogar fora. é assim, quando a gente tem muito de alguém dentro da gente já não tem como jogar fora. Não importa, pode acontecer qualquer coisa. E o universo pode conspirar o quanto quiser. Marte pode encontrar Saturno no dia e dizer que na casa seis tem espaço pra pessoas que querem se livrar das coisas velhas dentro das gavetas da alma, mas se a gente não quiser a gente não se livra de nada. Fica tudo lá, e depois você acha que é tudo seu. Pois daí que essa sou eu, essa mistura híbrida entre eu e você que faz uma pessoa quase admirável. Ou deveria. Ou fazia. Hoje não faz mais. Eu olho pra essa massa desforme que não é nem você nem eu e fico me olhando e tentando descobrir onde foi que você não colocou a sua mão, ou onde é que não existem partes etiquetadas com teu nome. Não acho. Nem as suas etiquetas, nem as minhas. É tudo meu. E machuca.

Talvez se eu nunca tivesse deixado você construir castelos com as minhas coisas que você desmontou, tudo teria algum jeito. Eu quis construir com os teus castelos a minha história bonita, mas não deu. Estava tudo errado desde que a eu comecei a falar que era a minha história bonita. Se fosse a nossa a gente tinha construído junto, mas a gente nem tem nada. Já teve, tinha. Eu ainda tenho um universo de coisas suas aqui, sem etiqueta e eu nem sei bem o que é teu e o que é meu. Às vezes me lembro quando sento no teu lugar no sofá, pego a tua água ou mexo nas tuas colheres. Tá escrito lá: "isso sou eu em você". E olha, eu já achei essa uma das partes mais bonitas da minha história bonita. Hoje isso é um buraco. Você não me preenche e essas coisas tuas só me lembram uma coisa: vazio. Você deixou um vazio imenso que não dói nem alivia, só incomoda. E parece não ter fim, e transborda.

Hoje eu tenho uns castelos teus aqui, uns planos, e umas lembranças grandes de fim de tarde, de noite e de começo de manhã. Me lembro de olhar em você e enxergar o infinito. Todo ele, incrível e lindo. O futuro no teus olhos. A eternidade nos teus braços. Daí hoje eu te olho e penso em você me falando que o infinito não existe. Concluo: não existe. E nem saturno encontrando marte na casa nove é capaz de mudar isso. O universo, os astros, qualquer coisa infinita assim não muda nossa história. Eu te digo, a gente acabou, e você estava certo. O infinito não existe (em nós).

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