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20.9.10

Cigarros, abraços e um pouco de sonho.

Na hora em que você me viu, depois de meses, talvez um ano inteiro, eu estava acendendo um cigarro. Marlboro vermelho, ou um lucky strike azul. Podia ser qualquer um desses. Nenhum daqueles que você aprendeu a fumar. Não aquelas merdas. Aquelas merdas encaixotadas vindas do paraguai cheias de nicotina b. Quando eu resolvi que ia fumar eu tinha que ter alguma dignidade. Aquela que você me roubou. Tinha que enfiar pra dentro dos meus pulmões alguma coisa melhor do que isso que você tem colocado na boca. Eu estou falando de tudo. Das coisas que eu sei e do que eu não sei. De uns tempos pra cá, por mais que eu te amasse, você exalava merda. Por todos os lados. Aquele cheiro de sujeira com burrice, porque burrice fede. E o cheiro vinha de você, não vinha de nenhum lugar. Não vinha do cigarro barato, das suas roupas ou das pessoas com quem você andava. Vinha de você. Você cheirava merda. Foi quando você me viu.

Eu, no meio daquela gente toda que não cheirava nada acendi um cigarro azul ou vermelho. Não lembro se tinha filtro. Não lembro que cor. Mas acendi. Fumaça entrando e saindo por todos os lugares. Pela garganta, pelo nariz. Por onde desse. Eu sempre fumei pra colocar ar dentro de mim. E não importa se era ar carbonizado, com mais de mil substâncias tóxicas. Que se foda isso. Faltava ar dentro de mim, muito ar, todo ar do mundo. Desde que você partiu. E quando você voltou lá estava eu colocando ar dentro de mim de algum jeito. Mas quando eu te vi acho que nem fumar mais eu sabia. E você ficou tão paralisado, tão me mostrando que aquilo não combinava comigo. E eu pensava que aquela merda também não combinava com você, porra. Claro que não. Principalmente aquela nicotina sem nome que cheirava a merda. E apaguei o cigarro, mesmo precisando de todo ar quente do mundo.

Você, a mesma calça jeans, a mesma camiseta e o mesmo tênis. Me olhando. Como se eu fosse um ET. Eu fumo também agora, caramba. E eu uso essas roupas cheias de "informação de moda". Eu também não sei porque. Eu também não sei porque você me idealizou tanto assim. Eu nunca soube porque você achava que eu era tanto assim pra você. Eu nunca fui. Eu sempre fui uma bosta de uma menina manipuladora, chata e até arrogante. Eu sempre fui menos inteligente que você. Agora eu nem quero saber o quão menos inteligente que você eu sou. Também não sei o quanto você embrurreceu. Vai ver agora a gente está do mesmo jeito. Burros e estúpidos. E fumando cigarros. Os meus caros, os seus baratos, mas com o mesmo câncer. Vai ver é isso, estamos adoecendo. Vai ver já estávamos doentes a muito tempo e não tínhamos nos dado conta. Faltam os livros, os filmes, os discos e as noites regadas a vinho e filme francês. Ou italiano. Longas discussões sobre filosofias que eu não entendia. Eu nem me lembro mais quando foi que isso se perdeu. Mas se perdeu. Que nem fumaça de cigarro. Só fica o cheiro.

O fato é que você me viu e ficou me olhando, como se pensasse que eu enfiava aquela fumaça tóxica dentro de mim por sua causa. E era mesmo. E eu quis te dizer: se eu tiver câncer, é culpa sua. Se eu morrer, sabe. E se você morrer, é culpa sua. Que não me ouviu. Culpa sua. Toda essa merda, culpa sua. Mas não disse nada, apaguei o cigarro, fiz cara de blasé e esperei que você me ignorasse. E você não ignorou. Eu sentei do seu lado, você me perguntou se eu fumava agora eu eu pensei "fumo sim, quero morrer de câncer, por sua causa". Mas não. Só sorri e disse que fumava as vezes, mas que tava tentando parar, que essa merda dá câncer na gente. Você concordou, disse que dava mesmo e que tinha parado também, que na verdade nunca gostou disso de fumar. O gosto, a fumaça, sei lá. Ai eu pensei em te dizer que todo mundo sabe porque você fumava, que era porque você tinha ficado burro que agora fedia merda. Mas também não disse, disse que ainda bem que você tinha se tocado, que isso não combinava nada com você e tudo mais. Essas coisas que eu digo pra você porque não tenho coragem nenhuma e quando eu vi eu já estava conversando com você do jeito que sempre fiz, cheio de risos e soquinhos, e você me respondia como se a gente se falasse todo dia, sei lá, e você nem fedia merda mais. Eu não sabia o que estava acontecendo e queria desesperadamente perguntar cadê, onde está a sua namorada, aquela merda toda de antes da gente se sumir assim, mas não tinha coragem porque ela bem que podia existir ainda, quer dizer, nada impede da gente se tratar cordialmente e termos namorados. Eu ficava pensando que dez minutos depois viria o momento em que você se daria por si e ia perceber que você estava me tratando bem demais só que você tinha alguém te esperando em casa, e daí não podia. Você já tinha feito isso algumas vezes e depois ficava eu e meus cigarros vermelhos, meus cigarros azuis, meus cigarros com gosto de menta botando pra dentro todo ar que você tinha mais ume vez levado com você. E ficava o cheiro de merda brotando.

Mas dessa vez eu não queria mais, nenhuma noite mais cheia de cigarros variados, aquela fumaça toda, cerveja, não sei. Não queria mais perder o ar. Eu já tinha acostumado a viver com o tanto de ar que me foi dado. Aí esperei você sentar, sorrir, me olhar do jeito que eu já conhecia e perguntei logo de uma vez. Cadê sua namorada? E quase que não coube dentro da minha camisa xadrez, achei que ia sumir ali dentro enquanto você abaixava e sorria de novo, dessa vez desajeitado, e aí eu já sabia que ela ainda existia e ok, mais um erro, mais uma noite mais cigarros, quem sabe um maço deles e aí sim, pelo amor de qualquer coisa eu ia te largar pra sempre porque não é possível viver assim, colocando ar pra dentro o tempo todo. E com a falta dele mais ainda. E já estava quase me levantando, tentando esquecer o frio dentro da minha camisa xadrez e foi quando você disse:

- Eu não sei.

Ai eu pensei meu deus, você só pode estar brincando porque como assim não sabe, claro que você sabe. Aí eu queria logo de uma vez dizer pra você parar com isso porque eu não agüentava mais essa sua indecisão, ia ser pra sempre assim? fala logo então, diz que existe alguma coisa, ou para de falar comigo pra sempre e cospe na minha cara, qualquer coisa, qualquer coisa, mas não tira mais meu ar. Eu queria te dizer qualquer coisa assim mas só respondi de qualquer jeito
- Como assim não sabe?
- Não sei. Além do mais, namorada mesmo eu nunca tive. Não essa que você está se referindo.

Eu só te olhava.

- Tem ou não tem?
- Não tenho. Acho que não tenho. Não quero ter mais.
- Não?
- Cansei. Tava cansado. Vim pra cá, no meio dessa gente toda pra ver se descobria alguma coisa, se colocava alguma coisa dentro da minha cabeça. Tem me faltado tanto ar, você sabe como é isso? Daí te vi, e eu nem ia conversar com você, porque não agüento mais te magoar. Eu só faço isso. Eu sei que eu faço isso. Aí eu te vi fumando e eu sabia que era por minha causa. Aí fiquei pensando, minha nossa, o que eu fiz com essa menina? Você parecia tão diferente e daí eu precisava saber se era verdade mesmo. Essa sua diferença toda. Você ali, no meio daquela gente. Você não é assim, e aí eu quis te tirar dali, mas eu não tenho coragem de fazer mais nada com você, daí só puxei o assunto e apesar das roupas, do cigarro, desse seu cabelo e tal, você continua igualzinha. Sério, igualzinha. E eu acho que eu descobri, eu não quero aquilo mais.

Você ficou ali daquele jeito envergonhado, triste e sorrindo de nervoso. Com aquele sorriso mais lindo do mundo. Aquele que eu conhecia e aí eu não soube nem te falar qualquer coisa que fosse e nem fazer qualquer coisa que fosse e só te abracei, e só isso já foi um passo enorme, mas daí você pegou na minha mão e disse obrigada, obrigada por tudo isso que você fez por mim, e eu te juro que eu quase chorei. Aï você me perguntou se eu queria dar uma volta, sair dali e eu disse que claro, e quase ensaiei dizer que com você eu ia pra qualquer lugar que fosse, mas fiquei quieta, e só aceitei o convite e fomos então andar na rua, sei lá se era rua aquilo, ou um parque, eu sei que tinha um banco há uns metros dali e dava pra ver e aí você me disse se eu queria ir até lá e fomos, e fazia frio, e você de repente parou e me olhou e me abraçou. E era tão forte o abraço que eu pensei que meu deus, eu não queria sair de lá nunca mais, e eu sei lá por quanto tempo a gente se abraçou, eu sei que foi muito tempo. Ou nem foi. Mas parecia, era assim a eternidade. As camisetas xadrez se encontravam e formavam uma pessoa só, mas é claro que eu não pensei isso, é que vendo tudo isso agora eu penso que aquele foi o dia em que as camisetas xadrez iam formar uma pessoa só, naquela hora eu só pensei: "esse abraço é o meu abraço" e poderia ficar ali pra todo o sempre, mas a gente andou, se abraçou mais uma vez e chegou no banco, que foi quando eu descobri que seu peito era o meu peito e começamos a falar bobagens porque não cabia mais nada além de bobagens naquele sentimento tão grande.

- Me diz, desde quando você usa essas roupas?
- Desde sem-pre
- A blusa xadrez tá uma graça mesmo, mas essa calça não combina nada com você.
- Também acho, muito agarrada.
- Não por isso, você é magrinha. Mas não combina.
- Eu acho, muito agarrada. Tô usando essa blusa de menino pra cobrir a bunda.
- Hahahahaa, não disse? Igualzinha.- Pelo menos a minha calça é de vinil, ó, super chic. Não é couro barato, daqueles que ficam sobrando atrás da batata da perna, sabe como? paguei caro nessa merda.
- Tá bonita. Não combina com você, mas de muito bom gosto.
- Obrigada. Espero que agora você saiba o que é isso, boooom gooostooo!

E voce riu, e me abraçou como se fosse a última pessoa do mundo. Depois riu mais uma vez das minhas calças de vinil, falando que aquelas calças tinham bocas muito estreitas, olha aqui, olha isso, como você entra nessas coisas hein menina? daí eu disse que simples, porque sou magríssima, e assim, meio modelo. Aí você comentou que eu estava me achando demais e eu disse que não, que eu só estava feliz e no meio daquela felicidade não sabia falar de quase nada, daí tinha que falar das minhas calças, e além do mais faz um frio nesse lugar que a gente tem que ficar conversando. Aí você disse que não, que então a gente podia ir embora, além do mais estava tarde, vai que roubam a sua calça de vinil e aí você disse que eu podia entrar dentro da sua jaqueta e eu perguntei como fazia isso, e você disse que era simples, era assim ó, e abriu a sua jaqueta e me abraçou por trás e disse pra mim que agora a gente ia demorar três vezes mais pra chegar em casa (na minha ou na sua?) mas pelo menos não ia sentir frio. E eu disse que aquele momento merecia uma foto, a gente andando assim, tão desajeitado e disse que até tinha uma câmera na bolsa, será que sai a foto, e você disse que mesmo que mais ou menos ia sair e a gente ia saber que aquele foi o dia em que a gente de camisas xadrez e calças horrorosas passou uma das melhores noites da nossa vida e eu disse que poxa, vão ter mais e você disse que claro que ia ter mais muitos mais, mas aquele era o primeiro. Pelo menos assim, de nós dois. E nisso passa uma menina na rua e a gente pergunta se ela quer tirar a foto, mesmo sabendo que ela podia sumir por aí com a minha câmera, pra sempre e ela diz que tira sim e quase me derrubando com o seu desajeito e com o sorriso maior do mundo, seu e meu você disse.

- Tira essa foto agora que a minha menina tá linda aqui dentro de mim.

E eu soube, aquele homem era o meu homem. E eu, a menina dele. E tinha tanto ar e tanto amor dentro de mim que eu não respirava. De tanto. Mas pela primeira vez, era bom.




Aquele abraço, era o meu abraço.

2 comentários:

Line disse...

Que lindo flor *-*

alexandre disse...

Hm, brings back some memories.

Gostei daqui.