O mundo às vezes impede a gente de respirar, às vezes a gente de depara com esses lapsos de não-normalidade, pequenas alterações na linha-reta-e-constante que se faz a vida. Pequenos surtos baixinhos, no canto da sala e no meio da rua. Ela tinha surtado ali, no meio da rua, seis e meia da tarde, horário de rush. Saiu do ônibus, se deparou desrealizando, despersonificando e foi. As lágrimas caiam, a vida parecia sem sentido, o respirar era dolorido. E depois teve essa outra vez, meia noite, no quarto, no cantinho da parede se cortando de levinho com as navalhas imaginárias do coração. E tudo isso é decadência, o fundo do poço, tudo isso é falta de vida, falta, falta, falta - ausência. Todos os cafés do mundo serão tomados afim de produzir úlcera. Todas as drogas existentes serão experimentadas na esperança do alívio. Todos os cigarros serão fumados pra que saia ar (mesmo que sujo) de onde já não se respira. Morrer é um acidente do acaso, é uma curva na vida, é o fim inevitável. Toda bebida do mundo será ingerida para causar embriaguez. Zen budismo, religião, existencialismo, cabala - qualquer coisa. Uma estrada que redime e destrói ao mesmo tempo, é nisso que ela queria entrar. A cada nova desilusão um gole, a cada nova frustração um trago, a cada nova perda um calmante com wisky. A cada novo alívio, a destruição.
Todo clichê é perdoável.
Experimentar todos os corpos, todas as oportunidades, todas as pequenas ofertas da vida. Beijos sem compromisso, sexo casual e navalha no coração. As músicas que tocam ao fundo não tocam mais o coração. As pessoas ao lado são irreconhecíveis. Tudo é um misto de interesse & hedonismo. Tudo é cansaço e preguiça. E dor. Microagulhas entranhadas embaixo da pele, uma a uma, preparadas para fazer sangrar aos poucos a dor que é estar viva - e ter se perdido. Não existe estrada para a felicidade, não existe amor, não existe esperança e o fim é inevitável. Numa vida das oito às seis, ela se esconde embaixo dos seus casacos pretos e seu batom vermelho. Ela está cansada, os balões não colorem o céu e a vida não é um filme, afinal. Nem uma minisérie em apenas um capítulo. A vida - a vida dela - é uma poesia suja, marginal, sem métrica e nem rima. Poesia decadente de páginas grudadas, perdida na estante de um sebo que ninguém nunca vai entrar.
No fundo do poço só se vê o chão.
É que depois de tanta esperança falsa, de tanto amor em vão de tanta energia gasta, de tanta perda, de tanta estrada que não era - e nunca foi - caminho, o olho se cega pra luz, a saída não existe mais e a gente chafurda a cara na lama. Se a gente ficar morre, mas se for lá fora é a vida - e a vida também mata. Mas mata de cansaço, de desilusão, de desamor, de frustração, de preguiça e de descaso. E se é pra morrer, que seja em paz.
Um comentário:
e a gente chafurda a cara na lama
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