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7.12.11

chegadas & partidas


Não era assim, amor. Porque não podia mais ser. Dizem que, toda vez que você trata mal o amor, ele te vinga com o karma de nunca mais voltar sem que seja com sofrimento acoplado. Tinha havido desencontro. A única vez que tentou amar de verdade perdeu. E perdeu pra vida, depois de ter perdido pra si mesma. A gente sempre sabe quando ama e, deixar o amor guardado em caixinhas é flertar com a possibilidade dele acabar. Acabou. Não acabou, mas foi-se. A chance estava perdida. O amor de sua vida hoje descansa dos problemas do trabalho nos braços de outra, e sossega de sua existência. Desse descaso com o amor sobra, sempre, um coração cansado que bate em descompassos. A vida, essa aventura esquisita não perdoa. Não a perdoou. O coração bate em silêncios e faz som. 

Era sempre isso, agora. Chegar em casa, sempre cansada, desiludida, olhar p'ros livros na estante que sabe que nunca vai ler, e aquietar. Aquietar da vida também, porque não tem pra quê tanta pressa mais. É muito desencontro, em tudo, pra tudo, pra sempre. As pessoas em casa sempre entediantes, sempre espaçosas demais e, estar sozinha parecia um luxo que custava caro. As paredes bege hoje estavam descascadas das fotos que houvera arrancado das paredes. Os sorrisos ali compartilhados já não faziam sentido algum. E de repente é isso. Um dia você acha que não pode viver sem uma pessoa, e de repente se depara olhando pra ela como uma construção errada de células, que não mais formam sentido na sua vida. Ciclos. É impossível querer que as relações permaneçam as mesmas sendo que, a gente mesmo muda o tempo todo. Lidar com escolhas definitivas era um peso que ela não sabia muito bem carregar, e por isso evitava. Sempre o transitório. Passar pela vida em contratos de experiência de três meses. Depois romper e tentar outra coisa. Não se apegar também é um jeito de ser estável. As separações costumam doer quando acontecem, e para tanto é melhor que nem haja a junção definitiva das vidas em primeiro lugar.

Naquele dia em especial ela trazia consigo a imagem longínqua de um avião que partia. A imagem e o sentimento. Seis meses, dois, três anos aprendendo a amar e conviver com os defeitos e qualidades de uma pessoa e um dia ela se vai num avião sem data pra voltar. O vazio continua em todo e qualquer programa que já tinha sido feito anteriormente em companhia da pessoa. A ausência é aquele sorriso que não há, aquele espaço em branco, aquela lacuna que só pode ser preenchida por uma coisa específica. Coisa essa que não mais está lá. Lembrava-se por vezes que, ouvia o celular tocando com o número das pessoas que partiram. Alucinava. Nunca era ninguém. O pior de tudo é saber que, algumas das pessoas que se foram nem avião haviam pegado. Sumiram ali, nas ruas da cidade, no massacre da vida. Tudo bem, não tem problema, acostuma-se. E acostuma-se porque tem de se acostumar, não há outra maneira. Algumas pessoas podem ser repostas e outras são insubstituíveis. É difícil evitar as do segundo grupo. É difícil porque, por mais que se acostume com a idéia de que tudo é transitório, algumas pessoas trazer em si a essência do imutável. Alguma coisa nelas, mesmo que mínima, continuará fazendo sentido com alguma coisa sua, mesmo que mínima. E eram essas pessoas que estavam naquela imagem longínqua do avião que partia. Um dia essas também vão. Porque todas vão um dia. E lacunas terão de ser preenchidas, mais uma vez.

Era esse o problema, e era por isso que tinha evitado o amor. Não assim, conscientemente. Mas inconscientemente sabe que se prendeu ao vício de não apegar-se quase nunca. É muito doída a imagem das pessoas partindo em ônibus, rumo à lugares que não se sabe, é dolorido o tchau do lado de dentro do vidro na pista de decolagem dos aviões. O ônibus parte, o avião decola e depois sobra o silêncio. É um silêncio infinito e uns passos pesados. Se sabe sempre que, de alguma forma, há de se continuar a vida. A pessoa que vai começa, mas quem fica continua. Tem que visitar os lugares apesar da ausência do outro, tem que arrumar outros tipos de compromisso social e ocupações aos sábados à noite. Ela tinha lidado com isso tantas inúmeras vezes que aprende a ter uma certa tolerância. Das últimas vezes em que foi se despedir, não chorou. Queria, mas não mais conseguiu. Sentia o vazio dos aviões decolando, dos ônibus partindo e dos carros pegando a estrada, mas continuou andando. No outro dia arrumava o que fazer "sempre tem mais o que fazer", e ficava assim certas saudades, que depois acabavam sumindo no meio de uma outra ocupação qualquer. Depois disso o descaso. Tudo bem, eles podiam ir embora, ou ficar mais dez minutos, ou resolverem nunca mais aparecer que tudo estaria bem. Havia, ela, se acostumado a destituir o sentido das relações e transformar tudo num "um dia de cada vez", que podia ser sempre o último.

Por vezes acabava mesmo sendo o último, o derradeiro, e não só o "último até a próxima vez". Chorava dez minutos e depois não via mais sentido. O desapego é um vício sem volta. As relações sempre frágeis, sempre na corda bamba, sempre podendo acabar no minuto seguinte, e tudo bem, porque a vida é transitória assim. Não era assim amor, mas era também. Porque se ama o vício de não amar, se ama a partida, e se ama - talvez, e principalmente - a esperança de um dia tropeçar no lógico e acabar por apegar-se enfim. Não mais os aviões decolando, os ônibus partindo, os passos vazios e sozinhos. Não mais o coração, esse portão de embarque e desembarque, cheio de gente saindo e entrando, levando as malas, deixando pouca coisa - ou nada - pra trás.  Não mais tantas chegadas & partidas, pra quê sofrer com despedida? 

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