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27.12.11

Quanto a escrever,

Minha crise criativa vem em momentos de crise de vida em que me refastelo no sofá assistindo todas as novelas que posso. Estou dizendo assim, em primeira pessoa, não pretendo nesse texto criar qualquer personagem que seja: me sinto rasa demais pra isso. O mundo reviravoltou, minha vida é o mar em ressaca e não existe amor ou ódio, tristeza ou alegria demais que me faça querer assim, literatura. Desisti de ler também, faz meses. Cem anos de solidão continua recostado no meu criado mudo cheio de bijouterias, no meio desse meu quarto cheio de coisas que já fizeram parte da minha história - e hoje não fazem mais.

Precisava desses tempos de descanso, inclusive das pessoas (talvez principalmente das pessoas), porque - dizem - olhando as coisas de longe se enxerga melhor. Não sei se enxerguei alguma coisa, me vejo sem perspectivas e sem vontades, completamente esquecida pelo crivo do destino. O crivo do destino é mau, a vida quando não pensada muito bem te leva para caminhos esquisitos. Me lembro que Mathieu, um dos protagonistas das histórias de jean paul sartré, engravidava sua namorada de quem, aparementemente, não gostava tanto-assim e saia pelas ruas de paris procurando uma senhora que fizesse um aborto nessa criança não quista. A criança de Marcelle. Sinto um pouco a minha vida nesse fim de ano como a criança de Marcelle, e sou Mathieu, procurando pelos cantos e becos dessa paris (que é londrina), alguém que possa tirar essa vida e me dar outra perspectiva. Ao mesmo tempo - assim como Mathieu - acabo por me questionar se quero mesmo sair dessa vida. Não sei se quero abortar a criança, é tudo confuso demais.

Me enfio a escrever livros, escrevo seis, sete páginas, depois odeio. Assim como odeio tudo que faço, enjoo dos meus empregos, das pessoas que escolhi pra amar (salvo certos amigos, que permanecem inabaláveis), enjoo até de mim e resolvo querer outra vida. Mas não se aborta vidas assim, pelas ruas de paris, com velhas em seus consultórios sujismundos e sem estrutura. A vida é a criança de Marcelle que não pode ser abortada, porque na vida a gente tem que lidar com os erros que cometeu, não se aborta escolhas com intervenções cirúrgicas e já dizia sartré que a angústia do homem é a angústia das escolhas. Nunca sei se escolhi bem, se escolhi certo ou errado e me angustio no momento seguinte à escolha. Mas não há o que se fazer, uma vez escolhido escolhido está, e é a angústia também, inabalável. Porque a angústia nunca cessa. Existe a angústia pré escolha de fazer a escolha certa, a angústia durante a escolha de estar escolhendo, e a angústia pós escolha de dever, talvez, ter escolhido outra coisa. Viver é a própria angústia e exige responsabilidade.

Exige responsabilidade de mim, que não sei nem arrumar meu quarto, e guardo comigo escritos de quando tinha treze ou catorze anos, junto com os livros de sociologia que talvez nunca mais lerei. Meu quarto é um amontoado de presentes de gente que já foi embora, de livros que sei que não vou ler, de fotos de gente que nunca mais verei, de roupas que já não fazem mais meu estilo. Minha vida também, um pouco disso, cheio de restos de coisas que não sou mais, de escolhas insensatas e rápidas demais, e gente que eu quero que fique indo embora e trombando com gente que eu não quero que fique: mas permanecem. Me vejo cansada, andando por todos os lados da vida procurando o que fazer, que carreira seguir, de que jeito me portar e como me vestir. Me vejo um ser mutável, sempre com escolhas novas, me angustiando demais pelo peso de não sabê-las certas. Escolhi os amigos que devia? Disse tudo que devia dizer? Estou na profissão correta? Faço a pós graduação que deveria? Escolhi o tema mais satisfatório? Nunca saberei, assim como nunca se sabe se foi certo ou não abortar uma criança, escolher a sua vida ou a vida do outro. Sempre a angústia, uma angústia que nenhum deus salva - só alivia, quem sabe.

Procuro paz nas ruas quentes de londrina, quero distância de tudo aquilo que me pressiona, me vejo refastelada no sofá, comendo doces, às vezes sem nem ter tanta vontade assim de ver gente, ou movimento. Meu mundo já me basta, me cansa demais, há muitas escolhas a serem feitas e eu não sei por onde começar. Há muitas coisas sobre as quais, quem sabe, eu poderia escrever mas escolhi calar por julgar imprudente. Calo então qualquer possível literatura, qualquer possível amor, qualquer possível convite, qualquer possível ensaio. Calo até as bandas novas que não conheci e os livros que ainda não abri, calo as mensagens de texto que não pensei em escrever, calo meus livros ruins que não passam da página dez, calo tudo que posso porque estou cansada, e gente cansada não sabe lidar com angústia, escolha, amor, ou até mesmo literatura. Me calo porque me angustiei, e porque nada é tão importante assim. Até a minha vida, calei e deixei pro ano que vem, as escolhas, a angústia, adiei-a. Deixei o filho de marcelle na barriga pra depois ver o que se faz. E quanto à escrever, mais vale um cachorro vivo. (um yorkshire, quem sabe).


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