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12.11.12

acho que eu sou um palhaço triste

devia ter feito mil coisas. até ia. me deitei no sofá e fiquei ali estirada pensando numa vida toda que poderia ter sido mais e não foi. meus pais brigavam e resolviam não se falar. em cima da casa jazia uma imensa nuvem cinza de tristeza e pesar que só podia (se podia) ser dissipada com algum paleativo desses que não cura nada, mas alivia a dor. brownie de chocolate. acertar o ponto do brownie é tipo conseguir ser feliz na vida. um equilíbrio frágil. nem sempre vai dar certo. cinco minutos a menos deixam uma massa mole demais, cinco minutos a mais deixam a massa um bolo de merendeira de colégio estadual. uma massa pesada e estranha, com uns craquelados que são açucar puro. as instruções são claras: começou a craquelar, tira do forno. aquela massa desforme e mole vai se tornar um belo bolo. não dá pra acreditar. é mais ou menos como dizer que sua cara errada e desforme vai ficar bem quando chegar a vida adulta. mas funciona. uma hora de descanso, um pouco de geladeira: temos um brownie no ponto perfeito. uma coisa meio bolo, meio massa-mole. gosto de chocolate, serotonina em estado puro. quietura no coração. era isso: eu precisava de um pouco de quietura no coração porque carregar o mundo dói.

gosto de fotos. uma época, na faculdade, queria ser fotógrafa de comida. gosto muito pouco de gente, não acredito em casamentos, subvalorizo formaturas. grande coisa ser fotógrafa de um album que vai ficar dentro da gaveta. comida não, comida dá gana. queria ser fotógrafa de algo que inspirasse desejo. acho que se não fosse comida seria gente nua. arrisco isso, mas ainda prefiro a comida. tem toda uma magia nas fotos de comida que faz delas puro simulacro. boa parte das fotos de comida que dá vontade de comer são de comidas incomíveis. feijão meio cru, linguiça corada com katchup, costela num ponto em que nem o ser humano com os dentes mais fortes seria capaz de devorar. queijo frio. coisas do tipo. o segredo todo da foto da comida é fazer com quem alguém tenha vontade de comer. desperta luxúria, gana, vontade, desejo. querer pular na tela e comer a coisa. e nem dá pra bater uma punheta pra comida, o que torna a coisa toda ainda mais fetichista. tirar foto de comida é, por vezes, tirar foto do inatingível. do lanche que nunca existirá. gosto da magia. sempre fotografo os pratos que faço. mas não assim, pra dizer: "olha a massa desse cookie aqui que eu prometo que vai ficar maravilhoso". nem pra dizer que sei cozinhar. foda-se. quem tem que saber sabe, quem tem que provar provará. não faço comida em troca de amor mais. faço pra quem já amo. tiro foto da comida porque gosto da estética. monto os pratos. gosto de comer em pratos bonitos. o instagram me irrita porque a questão não é o prato, é o momento. é o vender a felicidade: vejam, olha aqui, estou sendo muito feliz com meu bolo de chocolate; olha, vejam, sei cozinhar. eu só quero a estética. como se o brownie fosse uma modelo. eu não estava sendo feliz. era um paleativo. o pedaço de brownie pra dissipar um pouco o ar pesado. todo o horror de um dia estranho dentro de um ano terrível. queria mostrar pra alguém que eu conseguia também um desses brownies craquelados de revista. me orgulhei da foto, do brownie, de tudo o mais que o cercava. me orgulhei do poder de poder fazer algo no meio da apatia toda. se não der pra ser mais nada, que me sobre a culinária. e a foto. gosto da foto. e da mágica da cozinha. e do desejo da comida. todo esse imaginário é interessante.

comi. precisava fazer umas outras coisas. tudo nesse meu ano se torna uma batalha. até terminar o meu trabalho. ou o mais simples: levantar da cama. às vezes não quero. deixei a foto, chequei. bons comentários, curtir de gente que amo. gente que amo amando o brownie que eu sempra faço. pequenos pedaços de imaginário. meu primeiro brownie que deu certo fiz no aniversário de uma amiga minha. bonitos os elogios. a comida tem isso de agregar pro outro, e não pra gente, que eu admiro muito. até que o mundo veio e deu indigestão de novo. as pessoas tem direito de dizer o que elas bem entendem. eu digo o que eu bem enetendo o tempo-todo. por vezes dá errado, as coisas saem trocadas, acontece uns desamores. no mais das vezes a gente é só mais uma postagem correndo na timeline. eu já passei por tudo que podia e que não podia esse ano. boa parte das coisas aguentei sozinha, outras nem lembro. achei que ia morrer de gripe uma vez e chorei por dois minutos sentada no box do banheiro. eu gritava pra deus (se houver um deus) que eu não aguentava mais. chorei do mesmo jeito quando achei que meu pai ia ficar cego. aguentei. tudo passou a ser meio irrelevante, daí. problema amoroso, desavença com os amigos, opinião divergente. o que vale mesmo é o que importa: se a pessoa é capaz de estar com você quando seu mundo está desabando, todo o resto é perfumaria. recebi ajuda da onde nem esperava. uma das mensagens me disse pra eu ter mais paciência com meu pai. eu repetia isso como um mantra. deu certo. nunca agradeci. um dia ainda vou. todos os dias eu tento ter paciência porque preciso amar e preciso lidar com a vida. todos os dias eu tento sobreviver. ser feliz é luxo.

aparentemente as pessoas esperam um pouco mais do que isso. esperam uma espécie de perfeição. eu faço o que eu posso. esse ano eu fiz mais do que eu podia. é muito fácil chegar e delegar funções. algo como "nunca vai dar certo enquanto você não se tratar". é bastante fácil esperar sem dar nada em troca. e esse ano, eu juro, eu não pedia muita coisa. tudo que eu precisava era de alguém que no fim da noite me perguntasse se tudo estava bem. eu precisava disso e do meu espaço preservado. essa doença maldita dá medo de sair de casa, medo das pessoas, medo da gente mesmo, medo de morrer. tudo que eu precisava era de alguém que entendesse quando eu quisesse dormir até as quatro da tarde, quando eu quisesse falar sem ouvir julgamento de valores, quando eu não queria sair. tudo que eu precisava era de alguém que me fizesse sentir segura. tem muito poucas dessas pessoas no mundo. a maioria das pessoas espera que você esteja aí pra tudo. "ela é do tipo de amiga que topa qualquer coisa". só que o qualquer coisa das pessoas é sempre o que elas querem. a festa que elas querem ir, os shows que elas gostam, o bar preferido delas. "topar qualquer coisa" quase nunca inclui ouvir você dizendo que você queria mesmo é que o mundo acabasse, porque olha, tá tudo errado. é tudo uma porcaria. nessas horas a gente se apercebe que na hora da dor mesmo a gente aguenta sozinho. dói na gente. o punhal é no coração da gente. o resto das pessoas continua vivendo, bebendo as suas cervejas, sendo feliz. o resto das pessoas sai muito pouco da sua zona de conforto pra tentar entender o outro quando o outro não é ele. eu não era ela. a constatação foi um pouco essa: eu era eu demais pra que ela pudesse me entender. daí eu me afastei. quando a vida da gente dói demais sobra muito pouco espaço pra ficar reparando as coisas que, no fundo, não querem ser reparadas. quando a gente sente saudade a gente diz. quando a gente se preocupa a gente pergunta como vai a vida. a minha vida desmoronou e várias pessoas que eu achei que estariam comigo segurando os pedacinhos de mundo que caíram, continuaram vivendo as suas vidas. existem viagens mais interessantes, gente mais legal, outras companhias que dá pra botar no lugar. ninguém quer alguém que não tope qualquer parada. ninguém quer alguém que precise consertar antes de usar. ou nada disso e as pessoas só tem dificuldade pra entender tudo aquilo que não são elas, que não se parecem com elas, que são outra coisa. talvez a paula toller sempre tenha a frase certa pra minha vida e eu repita mais uma vez que "os heróis na minha blusa não são os que você usa, e eu não te entendo bem".

talvez isso, talvez nada disso. talvez todas as relações humanas estejam mesmo fadadas a acabar num ódio destilado em menos de 140 caracteres que acaba com o seu brownie, com a sua foto, que deixa um gosto amargo na boca. talvez seja só o curso estranho que a vida segue. eu nunca escondi meus erros. sei que estou longe de ser uma pessoa fácil de lidar. sei, também, que me contradigo o tempo todo. talvez seja essa tal de consciência pós moderna. ninguém é capaz de acreditar em nada por mais de duas horas, disse um filósofo aí. eu acredito nos relacionamentos. eles deviam perdurar as convicções, passar por cima de certezas e de outros compromissos. eles deviam continuar firmes mesmo em meio a pior das tempestades e mesmo no meio da pior das condutas. amar exige relevar. eu relevei demais. tudo que pude. daí cansei porque a vida já me pesou demais pra que eu consiga, além de tudo, levar tapa na cara e dar a outra face. fácil demais querer amar só com o bônus. fãcil demais querer ter sempre consigo quando precisa e a recíproca não ser verdadeira. fácil demais exigir ser amado e não amar tanto assim de volta. fácil demais falar qualquer coisa que seja achando que a gente não sente mais nada. algumas coisas ferem. eu já aguentei demais e meu coração é um pote até aqui de mágoa. ando frágil, fraca, relevante e amando muito quem me ama de volta. mesmo quando eles erram. de uniteralidades eu cansei. o mundo é uma porcaria. só funciona quando a gente tem alguém pra caminhar junto. esse ano me deu várias pessoas e tirou. colocou holofote em gente que eu achei que ia me esquecer pra sempre. me ensinou a ter paciência, mas me ensinou também que, talvez, eu tenha esperado demais de onde já não vinha mais nada. ou nada disso e tem coisa que não dá certo por pura incompatibilidade. ela esperava coerência, e eu esperava apoio. ambas fomos desiludidas. eu também não devo ter feito a minha parte, mas a minha parte foi o que eu menos fiz esse ano. sobreviver sorrindo já é demais. tentar um brownie e uma foto já é o bastante. acertar o brownie e me orgulhar da foto já pode ser considerada uma imensa conquista. eu me exponho por aí, eu espero afago como todo mundo. no fundo eu sou, também, mais um palhaço triste.

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