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24.10.08

Clichê mal estar.

E depois do cansaço eram uns olhos vermelhos que lhe advinham e uma água com sal que lhe inundava os olhos todos. Tinha ouvido dizer, certa vez, que a água do choro fazia bem pra pele, mas naquele momento o choro só aliviava o mal estar. Um mal estar sem sentido, sem motivo, sem começo. Um mal estar tão natural como estar viva – se é que estar viva é natural – um mal estar que lhe fazia doer o corpo.

Não é como se ela vivesse num mundo de fantasias. Os pés estavam grudados no chão e a única coisa que lhe era vício e virtude era esse idealismo doente sobre as coisas. Achar que todas as coisas têm jeito é muito mais doença que virtude. Idealismo dá mal estar.

As plásticas unhas vermelhas seguravam o rosto que já não queria mais estar em pé. Estava em pé por vício. Há dias que dormir cedo já não era mais uma alternativa. Falta de sono dá mal estar, mas acreditar dá mais mal estar ainda.

Acreditar nas pessoas, no mundo e em uma mudança repentina e avassaladora que lhe traga o que um dia chamaram de felicidade plena. Devia estar escrito em algum desses livros, existem pessoas que estão sempre em busca de felicidade plena. Existe? Ela se perguntava. Se perguntava enquanto olhava fixamente para a luz que lhe fazia bolinha nos olhos. Tudo que tinha tido a vida toda eram pequenos pontinhos brilhantes de felicidade passageira.

Ninguém deve ser feliz o tempo todo, não é possível. Existiria alguém que vive no mundo sem nenhum traço de melancolia, sem jorrar água com sal dos olhos, sem decepção? Existe alguém que vive sem nunca sentir mal estar?

Esse mal estar de estar vivo, de ser decepcionado. Esse mal estar de ter dúvidas, de não saber se é esquerda ou direita. Esse mal estar que faz doer as juntas, apertar a cabeça, querer deitar e nem conseguir dormir. Esse mal estar que vêm com o peso de ser humano e sentir.

Ninguém deve ser pleno sem sentir mal estar.

E ela nem sabia direito o que era. Se era isso de estar cansada de tudo o tempo todo. Se era essa tendência ao drama, essa não resignação, esse não olhar as coisas do jeito que o resto das pessoas olham. Isso de acreditar em pessoas que a enxerguem por inteiro, de esperar no portão, de sempre tentar fazer um pouquinho mais, mesmo que custe umas horas, um sono, um dia, umas palavras. Seria isso de esperar demais, de se decepcionar sempre, de precisar sempre que não se pode ter. Será que era porque ela não via com os olhos de isso-tem-que-ser-feito ou de as-coisas-são-assim-mesmo. Seria isso de esperar que o mundo fosse um pouco mais como ela queria e um pouco menos o que lhe foi imposto. Será essa tendência suicida em acreditar e acreditar e acreditar até o último e derradeiro instante quando morrem todas as esperanças e um pedaço dela mesma?

Será que viver assim não é viver do jeito certo e é por isso que dá mal estar?

Não é como se pudesse dizer, não há como afirmar com certeza o que há de errado e dá mal estar. Talvez seja todo um conjunto de ações erradas que não correspondem ao que deveria ser feito. Talvez seja só vício suicida de acreditar e querer demais, o drama que dá mal estar.

É uma incompreensão. Uma incompreensão tão comum, uma incompreensão que parece ter nascido com ela. É normal, mas incompreensão dá mal estar. Dá mal estar e lhe tira água dos olhos.

Esse não-sei-o-que que dá mal estar lhe toma conta dos ossos na noite quente. Não há explicação ou consolo. Alguma coisa está terrivelmente errada e dá mal estar. Um mal estar que lhe toma conta, um desconforto estranho, uma vontade de gritar, de dizer tudo que entala de sair sozinha correndo noite afora pelos perigos, em passos silenciosos rumo a algo que ela sempre quis e sempre esperou. Os algos que lhe são tirados aos pouquinhos. Rumo a reaver as esperanças que desfalecem nas noites quentes de verão e as incertezas que lhe acometem todos os dias. Rumo a juntar pontinhos de felicidade que formem um clarão e quem sabe formem o que chamam de felicidade plena. Felicidade plena sem mal estar.

Mas o que ela quer, definitivamente, não existe.

E lhe dá um mal estar tão grande quanto a própria noção de exisitir.

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