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1.12.08

A ausência.

"Não entre, não fique aqui", ele disse. Queria ficar sozinho, completamente sozinho como se o silêncio existisse ancestralmente antes de qualquer outra coisa. Queria observar cada mancha na parede do teto do seu quarto já inabitado há tempos. Não queria ninguém que lhe olhasse com olhos de desaprovação só porque faziam exatos três dias e duas noites que não saia daquele quarto nem mesmo pra observar se chovia ou fazia sol do lado de fora. Queria estar inerte, apenas o ser deitado na cama que observa o teto e pensa pensa pensa pensa. Pensa sem vírgulas nem pontuação, porquê os pensamentos são muitos e muito rápidos. Fazia muito tempo, anos, senão décadas que não parava e ficava. Eram tantos telefonemas, tantas pessoas, tantos compromissos, tantos afazeres, tantos e tantas que de repente sentiu vontade de estar só e parado. Pois ficou exatos três dias e duas noites ali, sem se levantar, sem comer, sem dormir. Apenas o homem que olhava para o teto que não olhava de volta e que pensava demais. Pensava em tantas coisas que não podia ordená-las. Pensava então que precisaria ficar meses pensando só para chegar em alguma conclusão depois de dez anos sem nunca parar. Desligou o telefone e pediu a todos que não o incomodassem. Precisava ficar ali, parado, no terrível encontro de um homem com ele mesmo. Na abissal tristeza de uma alma que já não falava há tanto tempo que quase tinha se calado. Precisava ficar ali entre paredes brancas e manchas feitas pelo tempo que nunca tinha sequer prestado atenção. Pensava talvez em ausência. Um dia viria a ausência, e aí? E aí sairia do quarto e viveria de novo, seria assim, o normal teria de ser assim.

Passaram-se então dias, e os dias foram formando semanas e as semanas formaram um mês e depois de um mês se sentiu a ausência. Ausência do que? A ausência. Se fala em ausência e a falta se faz presente. Mas é uma falta grande, uma falta grande de não se sabe o que. É simplesmente ausência. E pensou em se levantar para se livrar da ausência, mas já gostava tanto de seu quarto com paredes brancas e já tinha se apegado tanto as manchas de seu teto que resolveu ficar ali. Pensou que a ausência ou sumiria ou ficaria ali, mas já não tinha vontade de nada. E os meses foram formando bimestres e os bimestres foram formando semestres e dois semestres formaram um ano e ele continuava ali em seu quarto com paredes brancas e manchas no teto. Ficava deitado, ele e seus pensamentos e a ausência. A ausência se fazia persente todos os dias em todos os minutos em todo tempo. No começo incomodava, agora a ausência simplesmente se faz presente. Quando se faz presente a ausência logo sua presença passa a ser ausente. Entre paredes brancas e manchas no teto ela até está, mas é como se não existisse mais.


Acostumaram-se.

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