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1.12.08

Senta-te, bebe.

Pega uma cadeira, senta-te. Não quer tomar alguma coisa? Podes pedir qualquer coisa, eu pago. Pago um vinho, uma cerveja, uma água com ou sem gás. Pago também pela sua companhia simples, se não quiseres beber nada. Estou sozinho aqui há tanto tempo. Esse bar é escuro, as pessoas estão todas bêbadas ao meu redor. Não que eu goste de sanidade, na verdade eu nunca gostei de gente sóbria, gente centrada. Mas queria alguém pra conversar, você me entende? É que às vezes a solidão dói. Tem alguma coisa em ficar sozinho que machuca. Já tive todas as conversas possíveis comigo mesmo. Já andei por todas as esquinas da minha alma e percorri caminhos que agora percebo que não tem volta. Entrei por portas fechadas à anos. Fiquei trancado em quartos que já criam teias de aranha de tão desabitados. Não tenho mais pra onde ir.

Acabei ficando no vazio que é a minha alma. Me perdi por aí, não sei mais por onde ando. Sei que esse andar por mim dói. Sei que me aperta o coração, me faz faltar ar nos pulmões e às vezes me sinto tão cansado de caminhar que tenho vontade de chorar. Chorar demais e de dentro. Chorar com aqueles barulhos feios que as crianças fazem quando estão muito sentidas. Ás vezes só sinto vontade de permanecer parado e inerte nesse vazio que nem tenho mais pretenções de preencher.

Aceita um cigarro? Não, eu não fumo. Não gosto de fumaça, nem dos dentes podres que me sobrariam e além do mais o cheiro me enjoa. Eu já sou enjoado normalmente. A vida me enjoa, me faz querer vomitar. Mas eu nunca vomito. Só choro. É um enjôo estrutural, eu sei que não vai passar nunca. Eu te ofereço cigarros para que não vás embora e continue me escutando. Nem estou pedindo que opines e nem que sejamos amigos ou coisa assim. Eu só preciso de alguém de carne osso e olhos me encarando e tendo alguma preocupação comigo. Eu já não me sinto mais vivo, se é que você me entende. Isso de passar muito tempo sozinho faz com que você, de certa forma, não pertença mais ao mundo. É só um ir e ir e ir para caminhos que você mesmo deve escolher, mas que não tem a mínima idéia de quais sejam. Numa dessas caminhadas vim parar aqui. Aí te avistei, finalmente um rosto conhecido depois de tanto tempo e pedi para que sentasses e bebesses comigo. Ninguém conversa comigo há tanto tempo...

Já não deixo mais meu telefone ligado e esqueço de carregar o celular. Há algum tempo ainda havia a esperança que um dia o telefone ia tocar, ou ia aparecer de surpresa alguém na minha casa. Algum amigo desses que eu não via há tempos e que resolveu lembrar de mim. Creio que essas coisas não existem, salvo em filmes, ou em livros. Depois de um tempo eu simplesmente desisti de esperar. Sei que ninguém vai aparecer. Sei que a solidão é minha amiga, minha companheira de bares e calçadas e já não há mais nada que eu possa fazer. E aí você apareceu e eu tentei comprar sua companhia com uma bebida, um cigarro. Compro qualquer coisa e pago qualquer preço só para que eu não sinta mais essa dor de existir e estar só.

Estar só dói as veias depois de um tempo. É um tipo de sangue que faz esforço para correr, para abastecer o seu coração. Por algum tempo eu me bastei. Depois tentei a tv, os livros, as músicas, a bebida... A companhia sintética me serviu por algum tempo. Depois disso não há mais o que fazer. Precisa-se de pessoas de carne e osso mesmo que elas apenas finjam te ouvir. Sentes-te confortável aqui? Não me parece o tipo de lugar onde virias, mas viestes e só agradeço por estares aqui sentado e me ouvindo falar essas coisas sem nenhum sentido. Creio que devo estar te entediando, já é a quarta taça de vinho que tomas e já não deves nem me ouvir mais. Eu não preciso que me ouças. Eu só preciso que estejas aqui, só por estar, só pela sensação louca de parecer conversar com alguém, coisa que não faço desde nem posso me lembrar quando.

Eu podia colocar um boneco na minha frente e fingir que ele é uma pessoa. Uma companhia plástica, até pareceria real. Não posso. Preciso sentir que alguém respira perto de mim. Nem falas, mas bebes e respiras. Posso ver que tens brilho em seus olhos e ouço colocares a taça na mesa depois de cada gole. Estás aqui, mesmo que não por inteiro, de corpo presente. Eu só peço por um corpo vivo perto de mim, ainda que não fales. Um corpo quente que eu possa ouvir respirar. Não preciso mais de companhia, só de alguém que ao menos finja me ouvir. Já não pertenço a esse mundo e sou completamente só. Senta-te, continua bebendo que ainda tenho o mundo pra te contar e não me ouvires, não comentares, não fazeres nem movimento de aprovação. Só fica, que me contar sempre parece o melhor jeito de me esquecer.

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