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30.7.09

Minha sorte tinha nome e se chama estevo.

E sempre me perguntei porque nunca escrevi sobre a sua morte, e só posso pensar que é porque eu não me sentia totalmente confortável com a sua ausência, e admitindo mais ainda te digo que até hoje não sei te dizer como é que eu existo sem você existir. Depois penso um pouco e te digo que existe tanto de ti em mim que é como se ainda vivesses aqui. E então não há como falar sobre mortes de pessoas que nunca morrem, porque eu sei que você na verdade nunca morreu. Não dentro de mim.

Foram vinte anos de convivência bruta e quase diária. Posso me lembrar ano a ano tudo que esteves e fizesses por mim. Tudo. Lembro de ti desde que eu era muito meninota me deixando fazer festa nas lojas brasileiras - que há muito deixaram de existir - voltando feliz com um saquinho cheio de caramelos de todos os tipos. Lembro também de te contar não posso nem te dizer quantas vezes as histórias do macaco que botou a mão na cumbuca, e do pulo do gato. Lembro até hoje, vivo em mim, seu sorriso debochado ao ver a tragédia do gato. E por isso me repetia tantas vezes, gostava de te fazer rir. Sempre riu com vontade. Sempre foi tão feliz.

Me lembro também de te fazer cuidar de minhas bonecas. Me lembro de sentar no meio fio contigo e ficar ali, enquanto você me contava histórias. Eu sempre te achei a pessoa mais adimirável do universo todo não só por todas as coisas que era, mas por todas as coisas que me ensinastes. E não foram poucas. Me mimastes tanto. Tanto. E desde pequena nutri um gosto não muito comum em crianças da minha idade por salame, provolone e bacon frito. E não existe nada mais justo, porque eu tenho que concordar contigo que não existe coisa melhor nesse mundo.

Cressestes comigo. E eu digo que cresceu, porque você não envelheceu nunca. Sempre foi tão criança quanto eu. E assim comiámos balas enquanto assistiamos ao jogo do são paulo, e eu te via colocar duas balas na boca e não entendia nada, porque não havia porque ser tao esformeado assim. Mas achava graça. Sempre achei muito bonito seu jeito de ser. Lembro de você me irritando todo sábado ao chamar meu pai de velho, e na minha cumplicidade de criança com meu amado pai, o defendia dizendo que ele não era velho. Morrias de rir. Depois me acostumei e dizia quieta que ele tinha ido ao futebol, e sentava no braço da poltrona na frente do lugar do sofá que ocupavas e ali ficava um pouco vendo tv contigo.

Me lembro de domingos ao som de chorinho, e me lembro de você me pedindo para que colocasse música. De certo achava bonito, tão nova criança saber mexer em tão complicado aparelho tocador de cds, mas tenho que te dizer que na minha época a gente meio que nasce sabendo. Mas gostava e ia toda orgulhosa ali colocar o cd do demônios da garoa, cheio das nossas músicas engraçadas. E eu te digo nossas, porque sabia que gostavas muito da música do gato e a colocava várias e repetidas vezes só para te ver rindo com vontade. Seu riso é coisa que sempre vou guardar em mim, não importa quanto tempo passe. E se falo de gatos me lembro de ti espantando todos os meus gatos com pequenos potes de água, e depois ria-se todo, enquanto eu não entendia porque maldade tal com tais bichinhos. Mas depois te imitava. Sempre te imitei, porque sempre fostes meu exemplo.

E me lembro de depois de um tempo, fazer por ti o mesmo que fizestes por mim. E então eu te cuidava, e te dava remédios e prestava atenção para que não fizesses estripulias. E já não era mais você quem compravas para mim as coisas que eu gostava de comer, e sim eu que te levava as balas e salames e foi contigo que aprendi a cortar salame fininho, de faca amolada e a cortar laranjas e fazer uma 'tampinha' que depois de tanto fazeres pra mim, aprendi a fazer sozinha. E creio que foi assim, que tudo que aprendi com você hoje sei fazer sozinha. Sei ter seu bom humor nas piores situações e sei contar a sua história da raiva pra todo mundo, para que saibam que eu te tive e te guardo com carinho.

E sinceramente, eu não sei mesmo falar da sua ausência, ainda que ela se sinta toda crua e fria, porque para mim sempre existirás aqui dentro, e assim, nunca nunca morrerás, meu eterno, querido, amado e melhor avô.

Um comentário:

juliana disse...

meu avô também adorava salame.
belíssimo texto.