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20.8.09

Os dias tem cheiro de coisa úmida.

( e faz frio aqui dentro).

Londrina passa lá fora, cinza cinza e úmida. Sentirás então falta daquilo que nunca gostastes de viver? E então pensa que não sabes responder, porque de fato nunca soube responder com certeza - palavra que trás em si requintes de crueldade - coisa alguma. É uma vida nova depois de uma vida toda em um universo paralelo, e as férias eternas já não tem nem graça nem desgraça. Já não carregam nada em si. Acostuma-se a tudo, e não há verdade mais triste e certeira do que essa. E acostuma-se então a viver longe da vida que não gostavas de ter, mas sabe que se acostumará a viver a tal vida de novo, mesmo que doa um tico.

"Todo mundo sempre dói um tico. Tem de doer." Pensa. E aí sabe que em seu universo estranho todo mundo sente dor, porque pensas que é impossível a existência sem dor. O simples fato de estar vivo é de uma imensidão e de uma crueldade tão grande que não há como não doer. "Dôo. Eu dôo o tempo todo", reflete. Porque não consegue se lembrar de um dia nenhum, em mês ou ano qualquer que não tivesse doído. E como todas as dores, pode-se acostumar-se com elas, e depois de um tempo nem mais senti-las, mas elas permanecerão ali. E um dia, acordarás e sentirás latente a dor que sempre existiu em ti.

Ultimamente os dias tem se passado letárgicos. Não para de fazer frio um minuto que seja, e frio, calor, chuva, não fazem muita diferença quando sair de casa não é uma coisa que de fato anime. Chover é só mais uma jutificativa para o fato de não querer sair. Mas justifica-se então dizendo que não se pode sair, porque ninguém em perfeito estado de juízo gosta de ficar úmido. Chuva estraga os cabelos e faz os pés congelarem. Chuva faz com que as pessoas que não precisam sair de casa permaneçam dentro dela. E faz mais de mês desde que precisou sair de casa.

"As pessoas sobrevivem às coisas que não gostam." Parecia uma frase bem arranjada para o momento de incertezas em que estava vivendo, porque sobreviver era a palavra exata pro que precisará fazer por algum tempo. "É assim que as pessoas fazem quando não conseguem amar nada, sobrevivem." E isso lhe pareceu mais bem arranjado ainda, porque de fato não amava qualquer coisa que fosse. E lhe restava então a grande função de sobreviver entre o exército de milhares de pessoas que ainda não encontraram o que amar. Existem pessoas que desde cedo sabem bem que nasceram com uma vocação. Existem pessoas que nunca souberam exatamente o que vocação significava, então preferiram deixar pra lá. Ela fez assim. E então criança seria escritora e depois seria arquiteta, depois decoradora de interiores e depois fotógrafa, e depois jornalista e depois escritora de novo e decidiu optar por design gráfico, que nem tinha entrado na lista.

"A grande coisa que existe sobre quando você não sabe o que fazer é que teoricamente você pode fazer qualquer coisa." Teoricamente era a chave de tudo, porque faz alguns meses que pode ser tanta coisa que decidiu então deixar de escolher. Mas hora ou outra lembra que quando a gente não faz as nossas escolhas elas acabam se fazendo pela gente e sempre lhe pareceu deprimente aquelas pessoas que estão em algum lugar sem saber como chegaram ali. Embora essa seja a história da sua vida há exatos vinte anos, sabe que não pretende ser assim daqui dez. "pessoas que não sabem o que fazer sempre soam bonitas, mas só são confusas". E assim afirmava porque tinha convivido com isso sua vida toda. Sempre esteve tão perdida que se soava bonita. Pessoas sem metas parecem livres, mas na verdade são mais presas do que todas as outras, porque não saem do lugar.

Em meio a reclusão social e a chuva, se obriga a pensar no futuro, depois desobriga. Sabe que existe um universo de possibilidades inexploradas, mas que o curso de sua vida seguirá linear enquanto timidamente vai se acostumando. Sente vontade de vomitar de vez em quando, ou quase sempre quando alguém lhe indaga sobre o futuro. "eu duvido realmente que alguém tenha certeza do que quer para o futuro. Sendo assim, elas deviam parar de cobrar isso das outras pessoas", pensava. Não sabe o que vai fazer, porque de fato duvida que exista talento para alguma coisa. Toda vez que começa algo logo percebe que não leva tanto jeito quanto imaginava pra aquilo e que a vida real pode ser muito mais cruel do que se imagina ainda. Desde então, preferiu nem começar que é para não se frustar um pouco mais e depois descobrir que suas trinta e sete possibilidades terminaram em possibilidade alguma e então se descobre um fracasso, embora no fundo acredita que seja isso mesmo.

Para deixar de pensar então se tranca em casa, esquecendo a lista de coisas que prometeu tentar depois de uma conversa. Uma lista de possibilidades se tranca na gaveta enquanto se convence que não pode fazer nada, pelo menos não agora, porque está chovendo e não gosta de seus pés úmidos. No fundo, ou nem tão no fundo assim, sabe que a sua vida está mesmo atrelada ao "escritora" que vai e volta na sua lista de possibilidades. Porque sabe que a sua vida é escrita como páginas de um texto que almeja ser um livro, mas que todo mundo sabe - inclusive e principalmente ela - que nunca será coisa alguma.

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