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17.1.10

Punchdrunk lovesick singalong

E então ela chega em casa e ele não está mais lá. Rápido. Exatamente do mesmo jeito que ele entrou na sua vida ele se foi. Deu tempo dele se instalar e esquecer de levar alguns livros, uns filmes e umas três camisetas. Deu tempo dele deixar inúmeras e incontáveis memórias. Umas atrás da outra. Café, ônibus, celular, almoço, beijo, tristeza, livro, risada, altura, desajeito, brigadeiro, panela, sacada, água, banqueta, bolacha, chocolate, computador, filme, filme, filme, ligação, corrida, cinema, panqueca, lasanha, seriado, mania, mania, mania, consideração, timidez, amor. Não necessariamente nessa ordem mas é assim que os pensamentos se dão. O armário, o sofá, a almofada, os jogos, a cozinha, a garrafa d'agua, as colheres, os passos, a chave, o interfone, a internet. Tudo lembrava ele de uma maneira ou de outra, assim, desavisadamente como se dá qualquer memória de qualquer amor que chegou ao fim. Ele se foi pra ficar com alguém que nunca nem tinha entrado na história e depois do lento afastamento ela olhou pro lado e só tinha aquilo: ausência. No primeiro dia de todas as ausências, quando as pessoas percebem que o rompimento era um fato consumado, ela, que nunca bebia, tomou cinco copos seguidos de toda bebida que conseguiu imaginar. Pra esquecê-lo. Depois da euforia anterior tudo lembrava de novo ele e ele e ele ele ele ele ele. O copo, o lugar, o colchão, a cama, o vinho, a risada, a piada, a falta, a falta, a falta, a falta. Bebeu até querer vomitar, até subir fogo pelo estômago. Queria vomitar ele, queria tirá-lo de dentro dela assim, como se vomita alguma coisa que faz mal. Assim, como o organismo se encarrega de eliminar qualquer coisa que esteja em excesso. Tinha excesso dele, queria vomitá-lo, vê-lo descendo descarga abaixo, morando no esgoto, pra nunca, nunca, nunca, nunca mais voltar. Simples e sorrateiro assim. Exatamente como no dia em que ele bebeu-a e ela nunca nunca nunca mais conseguiu se livrar dele. Pois nem vomitou bebida e nem vomitou ele. Sentia apenas um peso, uma ausência, uma falta de. Uma azia, uma ânsia. Uma ânsia de viver, de estar e de tentar sobreviver no meio daquela ausência enorme. Ela tão pequena, a ausência tão grande grande grande que não cabia nem dentro dela e nem dentro de trinta copos seguidos de coisa alguma. Clichê. Mal estar. Azia. Ânsia de estar vivo e amar aquilo que já não é, já se foi, nunca voltará a ser. Mais uma história de amor. Todos os seus planos, casar, tarde, filhos, cafés, chás, chocolates, corridas, felicidade felicidade felicidade, sorrisos , ansiedade, águas, recados, cartas, livros, filmes filmes filmes, sentimento, amor. Tudo resumido a uma canção de amor clichê pra se cantar bêbado.

Um comentário:

Lillian disse...

É incrível como eu me vejo em muitas das histórias que você escreve aqui, em especial esta. É como se você detalhasse meu último fim de relacionamento. Fatástico, Larissa!