Páginas

11.3.10

Então volta.

Eu nem sei o que pensei quando te vi partir, porque certamente eu nem me lembro o dia exato que te vi partir, pois caso tivesse visto eu teria me doído toda de qualquer jeito bem errado e me arrastado em cima de você e te dito pra ficar por-favor ou pelo-amor-de-deus ou pelo-amor-que-você-já-sentiu-por mim, ou qualquer coisa do tipo, bem melosa-melante, bem final de canção de bolero, toda latina querendo conseguir um jeito para que você ficasse comigo.

Não foi assim. Você partiu e eu nem vi. Não houve o desfecho clássico dos filmes, em que a pessoa amada diz que vai e então o rejeitado segura em seus joelhos e implora pelo-amor-de-qualquer-coisa que a pessoa amada fique pois a vida sem ela parece um constante desacerto, um constante andar pelos caminhos errados e não se encontrar nunca. Você nem partiu. Ou partiu em doses tão homeopáticas que eu nem tive tempo de ver. Uma vez não te encontrava no café, e depois não te encontrava no jantar e um dia não atendias mais meus telefonemas diários até que quando eu me dei conta eu vivia com uma enorme ausência de você.

Ausência quando a gente acha impossível de acontecer dói bem mais. Eu te tinha tantos dias e tantas vezes que queria que não me lembro nem de ter imaginado como seria um dia acordar e não ter você pra dar oi de qualquer maneira. É claro que haviam os dias em que não nos encontravamos, ou as semanas atarefadas que impediam a rotina, mas de algum modo estavas. Estavas na ponta do sofá depois do almoço, no tico de café que me roubava, nas conversas intermináveis, no dizer que só tinha a mim para conversar, nos telefonemas estranhos, no dividir as velharias e sorrir, nos filmes da tv, ou dos dvds, ou do cinema. De qualquer modo esteve, e esteve sempre. E assim estando não precisava haver outro modo de existir. Simples presença. Assim se era e se fazia, ou talvez-quem-sabe, amor de verdade.

Vez ou outra me imaginava num futuro rápido com você. E eis que me vinha uma casa comum, e na verdade nem era uma casa, era um apartamento - mas um desses lugares que se chamam lar - e me via ali em sofás cor de não sei o quê sentada com você, ora assistindo tv, ora te contando sobre meu dia e ora sozinha contemplando de longe suas atividades importantes. Era as vezes assim e as vezes um simples depois de dez anos você passar em casa para tomar um café e tudo acontecer assim, do jeito que deveria ter sido. Vez ou outra também só te via amigo, e queria te cuidar do jeito que pudesse para que não tropeçasse nunca e nunca também se machucasse, porque sempre te gostei além da razão, embora nunca tivesse percebido com certeza.
Foi quando você começou a partir e quando eu sentia a sua ausência pingada, ora faltava ali, ora aqui que eu comecei a fazer planos maiores que envolviam além de casa filhos e além de filhos, muito além, envolvia em me compartilhar com você. No começo era uma simples compartilhação: eu te dou tal coisa e você me dá tal coisa e assim poderíamos viver, compartilhando sentimentos. Você me dava esse teu espírito sonhador e em troca eu te devolvia a minha melancolia pra você dar jeito. Depois você me entregava esse seu amor-por-tudo e em troca eu te dava um pouco da minha mania dos pés no chão. Aí você me dava o seu pensar com as imagens e eu te dava em troca as minhas palavras. No começo eram poucas, e geralmente faladas, e geralmente muito rápidas e quase sem nexo. Depois elas foram tomando forma e ficando cada vez mais bonitas e cada vez mais escritas e cada vez mais profundas e até que chegou o dia em que quando você fechava os olhos eu te invadia com alguma coisa minha pra você e quando me dei conta você já era o meu verbo.

E logo depois os planos foram dando lugar para pequenos acordos que eu queria fazer com você, sempre imaginários, e eu já não compartilhava nada, eu me dava pra você. Eu te daria qualquer coisa que me pedisse, material ou imaterial. E foi quando eu comecei a tomar conta da sua vida e mais do que isso, bem mais do que isso, eu comecei a dar coisas pra você cuidar. No começo eram coisas pequenas, porque eram as minhas idéias, os meus pensamentos, as coisas que eu gostava.

Depois cresceram um pouco e você começou a cuidar da minha rotina. Mais um tico e você estava cuidando dos meus planos, e foi aí que de repente sem nem saber eu te dei minha vida pra cuidar. E depois não só pra cuidar, mas pra fazer o que você bem entendesse dela. Minha vida era sua, e não só a minha vida, mas qualquer coisa que você me pedisse eu te daria, porque naquelas alturas do sentir eu já era sua, sem posse ou escrita, mas sua de alma e sentimento. Sonelemente sua.

Foi quando o viver a minha vida consistia em pensar em você na minha vida, de todas as maneiras e formas, e além disso constatar a obviedade das obviedades- eu sem você sou um ser humano sem uma parte- que você resolveu partir. E você vivia tão dentro de mim que eu nem te vi partir. Te via aos poucos, mas logo resgatava teu pedaço em mim e vivia ele de um jeito tão febril que não existia mais ausência. Você, sempre tão meu, e eu em tantas partes pra você cuidar que qualquer separação parecia impossível. Foi quando eu olhei pro lado e o vazio dos vazios me engoliu: a sua ausência. Não mais a ausência que contemplava vez ou outra um telefonema, ou uma carta ou até quem sabe uma visita para um café, ou um simples pensamento no fim de tarde. O que se viu foi a ausência das ausências, o nada absoluto, o corpo sem alma.

E fiquei casca. Casca oca, sem alma nem cor. Tantos pedaços meus em você que não sei nem contar. Tanto seu em mim, todo um futuro, um lar, tantos acordos. E você andando por aí carregando a minha vida com você. A minha vida mais feliz, a melhor parte dela, essa minha vida que só faz sentido ao te ter perto-pertíssimo. Tivesse eu visto você partir teria feito cena ou qualquer coisa, teria te implorado ficar pelo amor-que-já-senti(mos) ou qualquer outro clichê moderno ou não. Teria eu te mostrado que eu sempre fui teu melhor lugar, tua melhor companhia, teu melhor acordo e seu melhor compartilhamento. Teria te dito que eu estava disposta a entregar muito mais, qualquer coisa que fosse pra que esse eu-e-você machucados nos tornassemos uma flor linda, daquelas trepadeiras que invadem os cômodos e precisam de cada vez mais espaço pra respirar. Eu estou dizendo sim do nosso amor infinito e incontável, do meu por você e de uma vida que só faz sentido com a sua companhia.

Teria te enlencado razões, ou teria chorado. teria quem sabe deitado no tou colo, ou talvez te convencido de uma maneira bem menos barata e teria te sentadona tua ponta do sofá e te dado o teu café e teria então te contado sobre os planos, o compartilhamento, a nossa sala com cara de lar, com sofá cor de sei lá-o-quê. Eu estava disposta, eu que nunca dividi nada, que nunca soube dar. Por você eu dividiria a vida e me daria inteira, toda toda, porque só sou completa se for com você.

Mas eu não te vi partir e não pude fazer nada. Hoje choro a dor da sua ausência e daquela vida toda que eu te dei um dia e que eu não espero que você devolva, ou tire de você ou qualquer coisa. Essa minha vida que eu te dei que eu só quero que você guarde e que um dia volte pra me dar de volta que aí eu te dou de volta os seus pedaços em mim e a gente promete debaixo das estrelas deitados na rua que não se larga nunca mais, exatamente assim, nunca mais, porque tem muita vida sua em mim e tanta vida minha em você que qualquer separação não faz qualquer sentido e então é isso, eu resolvi te esperar, e tudo aquilo que eu prometi te dar ainda é seu, eu ainda sou tão disposta. e agora que eu já percebi que você se foi eu só te peço: volta.

Nenhum comentário: