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4.3.10

Do amor que mora em cabeças.

Hoje acordei querendo fazer você morar em outra cabeça. Te aquente, rapaz. Existem tantas cabeças aí no mundo pra você morar e você resolve criar morada justo na minha. Me invade todas as sinapses e meu inconsciente te grita. Te grita e personifica. O filme da minha alma te tráz em cartaz todos os dias, durante o sono. Do jeitinho que eu imaginava. Sonho na essencia da palavra. O estar imaginado aquilo que se queria concreto. Sempre te quis. Só meu sonho te tem.
Tenho medo dessas coisas que escrevo, te escrevo, escrevo simplesmente. Dessas palavras que jogo ao vento sem nenhuma história definida, começo-meio-fim. Esse vômito de palavras atrás de palavras, essa literatura b que eu escrevo e chamo de literatura. Os trechos de mim personificados e toda a carga semântica que o existir traz. Minha literatura barata, de besteira, de botequim, de coisa não pensada. Do apenas sentir e sentindo ser e escrever e colocar as palavras desse jeito sem jeito assim que é.

E tudo começou ao te conhecer, naquele janeiro-fevereiro perdido no espaço dos tempos e da nosss história longa e intrincada, nossa pequena biografia de fatos. Te enumero fatos. O te conhecer, o isso, o aquilo, o sorriso, o filme, a água, o macarrão, as mãos, o lugar. Um colorido todo da cidade que me lembra você. Minha biografia de lugares. Ali te encontrei pela primeira vez. Ali foi que te vi sorrir pela primeira vez. Foi naquele lugar ali mais a frente que nos tornamos rotina. Foi ali naquele lugar que não sei que nos perdemos de vez.

Me perdi. De você e consequentemente tenho me perdido de mim. O não te ter desatura as cores que vejo e a alma. E as almas desaturadas são as almas mais tristes que existem. Pretas e brancas de contraste parco, sem música nem nada. Almas que desaturam não escrevem nem amam, nem fazem nada e acima de tudo, desconhecem a paixão. Desapaixonadamente do alto de minha alma cinza é que te digo: Me perdi. Disso, daquilo, daquele outro ali, da parte mais bonita de mim. E vivo de lembranças. De nostalgias que doem.

Um dia o lembrar do prmeiro dia que foi fitar meus olhos nos seus e te achar todo malfeito. O outro lembrar da música que era sua, ,foi nossa e hoje é minha. O depois uma lembrança ainda mais simples, o mero estar lado a lado sem dizer muito. Depois o sorriso. Esse indivízivel e alto, e único. Às vezes o perfume, que some e volta como desses ventos passageiros. Depois o simples eu e você que era assim, trazia a beleza da simplicidade de se amar sabendo e sem saber. Depois a cumplicidade nada ensaiada. Um estar não estando. Lembrar-me até do mercado, de uma palavra dita ao acaso e do sorriso fechado daqui ou de lá.

Estranha essa tal ausência. Pega a gente num dia desses de frio ou chuva e nos lembra desavisados de uns momentos tão perdidos que a gente acha que nem viveu. O estranho inundar com lembranças o simples pegar água, o sabor de um sorvete, uma frase perdida. Num momento não era nada e depois se torna. Saudades dessas, intransferíveis, grandes, eternas.
E foi desde que te perdi, desde que a ausência fez um rombo daqueles grandes, tamanho de buraco negro, puxando puxando puxando, levando pra dentro, é que resolvestes viver em mim.

E você veio e trouxe com você toda a nossa história: começo-meio-fim, do jeito que sempre foi. E quando adormeço, garoto, teimas em me contar ao pé do ouvido a nossa história toda torda, pedaço aqui, pedaço acolá, narrativa não linear, mas sempre linda. E quando acordo teimas em lembrar comigo as ruas por onde caminhei contigo, aquilo que vimos, aquilo que deixamos pra lá. Teimas em sussurrar em mim seus gostos, palpites, impressões, sorrisos. Sorri tão alto e lindo que sempre sorrio com você. Com esse você garoto-moleque que resolveu morar em minha cabeça, com tantas olha, tan-tas outras cabeças pra morar dentro.

Mas te deixo aí. Tanto tempo que moras, deve ter casa enraizada e estar acostumado com a cama. Tanto tempo que moras em mim que não me lembro nem mais como era o antes de. Antes adormecias, hoje és acordado e vivo. Latente, dói nos ossos, na alma, na minha alma descolorida e desforme pincela. Um dia um azul, o outro um verde e tem dias que esqueces de pintar tudo e fico ali. Martirizo-me no cinza de tua ausência presente e é então aí quando me falas maior e mais alto, que foi na minha cabeça que resolveu fazer morada. E dali não sairás. E quer saber, nem deixo. Me acostumei com a sua voz, teu som, nossas lembranças juntos. Me acostumei com o jeito que me guia e gosto do teu sorriso que ecoa. Já sei viver com a sua presença, com a sua ausência e principalmente com a sua voz. Só não sei viver sem ti, assim, de memórias apagadas e escassas.

Então fica, mora, põe a cama. Se de tantas cabeças para escolher, resolveu escolher a minha pra morar e dizer, e ecoar e sorrir e lembrar e viver, aceito. E além de aceitar, sorrio. E mais ainda que sorrir, amo. Em sonho, realidade, lembrança e ausência, meu. Indivizivelmente meu.

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