Hoje quis ser Fernanda Takai. Não me entendam mal, eu não queria assim,  ser a Fernanda e habitar a vida dela no tempo e no espaço. Nem ser  casada com o John, e nem ter dois filhos. Pelo menos não aqueles dois  filhos e nem aquele marido. É porque eu quero ter os meus. Mas quis ser  minha própria Fernanda Takai enquanto ouvia o música de Brinquedo.  Música de Brinquedo é um projeto do Pato Fu em que eles fazem som com  brinquedos. E apesar de ser interessantíssimo, não era essa parte de  Fernanda Takai que eu queria ter. Os filhos dela cantam com ela essas  músicas. E os filhos dela são filhos dela com o guitarrista da banda  dela. Entendem? Não, eu não queria ser vocalista de uma banda ou nem  mesmo namorar e casar com o guitarrista da minha banda. E nem ao menos  ter meus filhos cantando comigo algumas músicas. Eu não queria isso  exatamente, mas queria isso também. E o meu ser fernanda é meio confuso  de explicar. Mas eu preciso dizer que de algum jeito eu quero ser assim,  Fernanda Takai. É que pensei em ter filhos e depois disso pensei em ter  uma família e quis por um momento que meus filhos fossem repletos de  arte. Não que eu quisesse que eles cantassem ou qualquer coisa assim. A  grande verdade é que eu descobri que só se pode amar aquilo que se  admira. E daí descobri que quero enxergar nos meus filhos qualidades  diferentes das minhas. Amor deve ser isso. No meio de tudo, uma estranha  vontade inconsciente de reproduzir no mundo um pedaço de tudo aquilo  que você ama e admira. É nisso que eu pensei, qualidades diferentes das  minhas. É claro que eu quero que os meus filhos me admirem. Mas quero  que admirem também o outro lado, o pai. Junto comigo. Que aprendam a ver  tudo aquilo que eu um dia enxerguei de lindo na pessoa com quem resolvi  dividir a vida. E enxergar nas novas vidas tudo aquilo que eu um dia  enxerguei de bonito.
Eu sempre escrevi. Assim, a vida toda. Às vezes acho que nasci  escrevendo. Ou lendo. A palavra sempre me foi essencial. Se eu me  comunico, é porque existe a palavra. A escrita. Não a falada ou a  imagem. Porque só sei ser de verdade enquanto escrevo. Só sei me  expressar assim. Então é natural que admire com todas as forças todas  aquelas pessoas que se entendem bem com as palavras. Tenho vontade de  roubar todo o talento do mundo da escrita pra mim, e só pra mim. Admiro  quem escreve de um jeito que se pudesse, comeria-os e jogaria de volta  no mundo sem talento algum. Quero pra mim a facilidade da expressão.  Quero que seja meu. Foi assim que eu descobri que tenho dificuldade de  me relacionar com quem, assim como eu, se expressa pela palavra escrita.  Pois se achar demasiadamente bom terei vontade de comê-lo e jogar de  volta no mundo sem talento algum. Vira assim, competição. E mais do que  admiração, tenho com essas pessoas uma estranha sensação de  inferioridade. Porque posso, mas posso menos que elas. E por isso as  admiro. As admito invejosamente. E por isso elas devem ficar guardadas  na estante. Por outro lado, também tenho uma dificuldade imensa de amar  em alguém o outro extremo. Alguém em quem eu não enxergue nada em que a  pessoa não seja melhor do que eu. Não por prepotência. É que falta  admiração. E os puristas que me desculpem, mas sem ter o que admirar,  morre o amor. Então cheguei a conclusão que preciso amar aquilo que  admiro, mas que nunca vou poder ter. Poderia facilmente amar alguém que  desenha muito bem, pois sei que não tenho nenhum talento pra fazer uma  linha reta que seja. Não sei dar vida a imagens. Poderia amar também  alguém que pintasse. Ou que fizesse filmes. Poderia amar alguém que  tivesse um enorme talento para a composição de músicas, coisa que eu  nunca soube fazer. Por um simples fato: preciso admirar o que existe no  outro, sem querer ter para mim. Admirar como quem diz: sou incapaz,  embeleze você o mundo. Pois então digo, egoistamente, seria incapaz de  amar alguém que fosse mais capaz do que eu do que escrever um livro  inteiro. Quero pra mim alguém que não tenha a facilidade da escrita,  porque a grande verdade é que preciso ser admirada por isso. Querem  saber? Quero um complemento, não uma adição. Entendem a diferença?
E então vocês me perguntam, e os filhos? E eu respondo. É que descobri  que quero filhos que cresçam no meio de uma família cheia de admiração.  Quero admirar aquilo que me fez escolher meu marido, e quero ser  admirada. Não exatamente e somente pelos talentos básicos. Mas quero  olhar para pessoa que escolhi e querer morrer, de tanta admiração. E  querer que ele cresça, e viva e seja cada vez melhor. E que tudo aquilo  se multiplique. E que seja assim também comigo. E que seja assim também  com os meus filhos. Que um dia eu olhe pra eles e consiga ao mesmo tempo  que enxergo tudo aquilo que gosto e que não gosto em mim, enxergar tudo  aquilo que admiro na pessoa com quem escolhi tê-los e educá-los. Quero  que enquanto eu os ensine a ler, o pai ensine os filmes e as músicas.  Enquanto eu mostro a palavra, a outra pessoa mostre as imagens, ou o  som, ou a outra forma de escrita. E não é egoísmo, não. É que eu só sei  admirar nos outros aquilo que não tenho. Porque quando admiro o que  tenho, é como se tivesse admirando a mim mesma. É que quero, um dia  poder dizer no meio de uma dúvida "eu não entendo nada disso, pergunta  pro seu pai" e também quero ouvir "eu não entendo nada disso, pergunta  pra sua mãe". É que quero viver assim, nesse ambiente de amor e  admiração mútua que criam filhos que cantam e escrevem, que desenham e  cantam ou que não fazem nenhum dos dois e frustram os pais por dois  minutos. É que quero enxergar na nova vida tudo aquilo que amo e admiro.  E não só as artes. Quero ver naquela nove criatura o tamanho do sorriso  que eu amava, ou o jeito de mudar a sobrancelha que me irrita, ou a  mania de beber água logo depois de acordar. Qualquer coisa assim que me  remeta ao amor. Aquilo que amo. Aquilo que admiro.  Porque sei que é  obrigação de todo ser que vive continuar perpetuando no mundo tudo que  há de bom. E é por isso que eu um dia quero escrever livros. E é por  isso que eu um dia eu quero ter filhos. E é por isso que hoje quis ser  fernanda takai. Porque imaginei meus filhos com alguém que ainda não sei  cantando comigo e com ele, e imaginei enxergar neles tudo aquilo que eu  amo, e fui feliz por três passos.
Um comentário:
Olá gostaria de fazer a divulgação, pelo seu blog,do evento que vai acontecer no centro de eventos de Londrina,a Feira Internacional Mãos & Arte no dia 05 à 14 de novembro,obrigada pela atenção.
Gabriela Viana.
Postar um comentário