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5.11.10

Rotina.

às vezes acontece isso, assim. esse não conseguir dormir que não é nem falta de sono e nem vontade de sofrer. É só deitar e não conseguir dormir. às vezes tenho essa dificuldade. Você podia culpar qualquer coisa, me apontar os dedos e dizer: "são esses seus horários loucos" no meio dessas sua paciência eterna de dormir as onze e acordar sempre no horário, nunca atrasado. Nem com sono, nem nada. Só com esse beijo, "ok querida, preciso dormir" e vai mesmo, não importa que eu faça cafés ou chás de ervas porque "calmante ou alucinante isso vai me fazer perder a hora no outro dia". E vai mesmo, porque você tem essa sua rotina que atrasa meia hora pra dormir, no meio das minhas conversas intermináveis, no meio da minha mania de fazer café ou chá antes de dormir, e depois não consegue acordar e eu tenho que pular em cima de você pra ver se você abre os olhos pro mundo, como você diz. E às vezes você também me diz que são melhores essas manhãs em que você acorda com o meu pulo, louco de atrasado, com as roupas mais estranhas do mundo e depois se dá conta que no meio da minha sonolência eu já tinha preparado seu café. Às vezes eu concluo que você só está comigo porque eu estrago todas as suas rotinas, te pego pra almoçar nos horários que não pode e te faço me levar pra comer bolo uma hora antes de você dormir. Você diz que odeia isso, essa minha mania de nunca parar em lugar nenhum, nunca respeitar as normas, as leis, os "empregos de gente". Vinte e cinco anos nas costas e ainda vivendo os dezenove, na maior calma do mundo. Você me olha e diz que me inveja às vezes, às seis da tarde de pernas pro ar lendo um livro que eu comprei enquanto o mundo está desabando. Não vejo jornais, nem programas de variedades. Só paro nas novelas às vezes e te chamo pros meus filmes, que você diz que adora só porque parecem muito comigo. Eu e a minha mania de desfigurar seu mundo. Você dorme na cama pesado, e nem vê quando eu levanto pra escrever as minhas coisas, meus roteiros geniais que nunca vão sair do meu computador. Ao menos que um dia você faça o que diz que vai fazer, imprima eles e enderece à todas as produtoras do mundo, inclusive com cópias em inglês. Aí eu te digo que vai ser tipo o primeiro filme do tarantino, vão roubar meu roteiro e produzir o filme ao bel prazer deles e você finge que entende e não entende nada. às vezes me traz café, diz que eu devo terminar meus livros, porque tenho que terminar, não posso ficar a vida toda sendo essa escritora frustrada enquanto brinco de ser artista. E eu te digo pra esquecer isso, porque é tão estranho você sonhar mais que eu enquanto você é tão cheio das suas prioridades, na sua agência, seu mundo das oito as seis da tarde com intervalos para o almoço. Seus números, o tempo todo seus números. A literatura no meio disso, perdida. O cinema é meu, fui eu que te ensinei a gostar. As músicas são nossas. O mundo todo é nosso. No meio das suas rotinas, e eu quebrando elas o tempo todo. Você diz que vive a cada meia hora que se atrasa comigo, mas diz também que não pode se atrasar todo dia, senão vira rotina. Eu te digo que eu vivo mesmo é naquela meia hora, o resto é meu teatrinho. Só sou assim porque não aprendi ser de outro jeito. Eu perco o sono às três da manhã e faço um café. Sinto vontade de sofrer, de te acordar e te dizer "meu deus do céu, o que eu faço da minha vida agora?" e você ia sentar comigo e me abraçar dizendo mil e uma coisas que você enxerga em mim, e eu não ia acreditar em nada, embora acreditasse em tudo. Mas depois passa tudo. Não precisa estragar sua rotina assim, bruscamente a cada insônia. Só de vez em quando pra você dizer que só posso sofrer se for pra ser doce, senão não pode. É que amanhã eu sei, eu vou estar morrendo de sono quando você me acordar e você vai culpar os meus horários loucos. Vai ter o mesmo café na mesma mesa de sempre, aquela xícara que eu sustento há dois anos que veio da casa da minha mãe, seu banho demorado, meu banho em dez minutos e os beijos em lugares diferentes. É que amanhã eu vou acordar e você vai continuar me amando. No meio dos meus horários loucos. No meio da sua rotina. Que desde o dia que eu te conheci eu comecei a quebrar, e sabe, eu acho que eu nasci foi pra isso. (muito) mais pra coração do que pra palavra. E que seja.


(e esse cara não existe.)

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