Me olho no espelho repetidas vezes. Esse rosto com esse cabelo não é meu. Identidade é um conceito flutuante, não é? Nunca soube quem eu sou. Nem loira, nem morena, nem ruiva. Hoje só estou cansada. De existir. Ouvi uma música hoje, depois de dois anos dela dedicada pra mim e só agora fui entender o que ela significava. Hoje, quando a gente não se ama mais. Se é que eu te amei um dia. "Guess how much I love you? Much more than that". De fato, ele me amava mais. Bem mais do que eu imaginava. Mas eu quis duvidar. Eu o amei bem pouco. Uns quatro ou cinco meses. Apaixonadamente. Depois virou amor. Depois amorzinho. Depois descobri o amor da minha vida ali do lado, e hoje nem amor da vida eu tenho mais. Não fazemos mais sentido. Tanto não fazemos sentido que ontem vi o amor da vida numa foto com a garota dele e quis desejar felicidades. Ele era um cara legal, ela faz ele feliz, ele merece. Só que ele ia me achar louca. Desejei baixinho: que sejam felizes. Não tem mais rancor. É a vida. "Não era pra ser". Queria meus livros de volta. Os meus malditos livros com as anotações, porque sou egocêntrica. E o pequeno príncipe da minha mãe com as minhas anotações infantis, mas foda-se. Sei lá onde ele enfiou essas coisas. Vai ver escondeu. Penso em comprar esses livros de novo. Pela primeira vez deixo de acreditar na estante compartilhada dos livros que o destino iria juntar. Procurar novos exemplares dos livros que ficaram com ele é a maior prova de que ele não existe mais em mim. Nem ele, e nem o sonho de uma estante compartilhada. Nada existe.
Nada existe e é mais difícil viver assim. Estou completamente sozinha. O fantasma do amor da vida não me assombra mais. Não comparo com os referenciais de outrora. Se alguém me deixar, o destino não vai me juntar de novo com o "amor da minha vida", porque já não existe ninguém ocupando esse posto mais. O amor da minha vida não era o amor da minha vida. É o amor da vida dela. Dá pra ver. Eles saem bem nas fotos e tem gostos parecidos. Nem tão parecidos assim. Mas não é disso que são feitos os amores. Os amores são feitos de atrações inevitáveis, e eu devia ter desconfiado que o amor tinha acontecido de verdade pra ele desde o dia que ele me deixou chorando na cadeira e foi embora com ela. Se ele me amasse, teria me buscado na cadeira. O amor da vida volta e busca a gente na cadeira chorando. Mas ele pegou ela pela mão e foi viver a vida dele. Hoje estão felizes. Difícil é ver que eu demorei quase dois anos processando o luto. Tudo bem que ele está mais magro, e mais feio, mas isso também pode ser porque eu não enxergo mais ele com os olhos do encantamento. Acabou-se. O amor da minha vida não era esse, esse é o amor da vida dela. E o amor da minha vida, quem será?
Me faço essa pergunta e acho uma bobagem. Às vezes queria voltar a ter 21 anos e estar naquela cadeira chorando por ter perdido meu grande amor. Tudo parecia mais puro quando eu tinha algo em que acreditar. Isso soa clichê. E babaca. Mas é pra ser assim mesmo. Hoje perdi a vontade. Sei que perdi a vontade quando repito baixinho pra mim mesma "o amor da vida não existe". Às vezes até caio na máxima aquariana de dizer que "todo mundo que passa pela nossa vida é um pouco o amor da vida da gente", mas fiquei velha pra isso. Velha pra isso e pra aquele ideal louco de liberdade que me encantava há alguns anos (ou meses) atrás. Preciso um pouco de coisas concretas. Coisas palpáveis. Coisas ditas de verdade. Canso de tentar entender o que me dizem no meio das entrelinhas. Não tem mais beleza nisso. Disse pro tal amor da vida uma vez, que ele não sabia brincar de amor e que eu estava muito velha pra ensinar, e que portanto deveriamos botar as coisas às claras logo de uma vez. Ou nos perderíamos. Não botamos as coisas às claras, mas acho que nos perderíamos de qualquer jeito. Hoje me sinto mais velha ainda. E mais cansada. Acho que qualquer pessoa vai se perder de mim de qualquer jeito. Até o amor da minha vida, se ele existir. Ele vai me ver sentada na cadeira chorando e eu vou sair correndo. Não acredito mais em nada. Nem em mim eu acredito. Sinto uma coisa e depois não sei exatamente o que foi isso, daí desacredito. Lido com tudo como se fosse acabar no momento seguinte, porque eu acho que vai. Não acredito que ninguém seja capaz de me amar e acho que tudo está fadado a estar perdido desde o princípio. Tenho medo. Desde aquele dia, naquela cadeira, tenho muito medo da vida. Fui abandonada chorando da única vez que resolvi admitir que amava de verdade. Não sei se aguentaria se acontecesse de novo. Sempre acho que o passo posterior a admitir que eu amo alguém verdadeiramente é ser abandonada numa cadeira. Chorando. Enquanto o ser em questão sai de mãos dadas com o verdadeiro amor da vida dele. Não tenho mais coragem.
Quando eu achava que ele vinha me buscar na cadeira era mais fácil. Desilusões atrás de desilusões porque eu tinha que continuar naquela cadeira esperando o dia em que o amor da minha vida viesse me buscar. E agora que eu sei que não é ele, como se procede? Não tem cadeira nenhuma pra continuar esperando. Não existe ninguém. Ninguém. Eu estou sozinha no mundo sem ter ao menos o fantasma da idealização pra me apegar. Tenho muito medo. Fico esperando certezas e sei que elas não virão. E mesmo que vierem, será que um dia eu vou conseguir dizer tudo isso de novo? Dizer tudo isso sem o medo de no momento seguinte a pessoa digna do amor sair por aí de mãos dadas com aquele que era o par dela? Estou velha demais pra acreditar em destino, designios, "se tiver que ser será". Até me forço, mas canso. Estou cansada, tenho medo. De repente você se ferrou tanto, sofreu tanto, passou tantas noites em claro que fica repensando se vale o sofrimento. Acho que não sei me jogar de cabeça. Também não sei ponderar, entrar em jogos de ego, ir passo a passo. Me desgasto. Me desgastei. Quero ficar naquela cadeira pra sempre chorando até que alguém venha me buscar. Alguém que prometa não machucar esse coração esquisito, cheio de feridas. Não sou a pessoa leve que eu era. A vida me botou muito peso nos ombros. Não tenho mais tolerância à frustrações. Não sei botar a cara pra bater. Não quero amar mais ninguém que não me ame de volta. Não quero mais aquela cadeira em que eu fui abandonada, chorando de moletom roxo. Mesmo que eu não use mais moletom. Mesmo que hoje eu saiba maquiar as feridas com corretivo e batom vermelho. Mesmo que meus all stars furados tenham sido trocados por sapatos de mulher. O coração cresceu dois anos e explodiu. Se aquece com moletons, usa all-stars furados e borra o lápis preto enquanto chora. Bate desajeitado, medroso, se encolhe na cadeira e não se atreve. Eu não me atrevo. Volto a ter vinte um anos, os mesmos cabelos descoloridos, o mesmo medo, fico encolhidinha no cantinho e choro baixinho pra ninguém perceber. Enxugo as lágrimas na manga do meu moletom manchado de comida. Não sei me portar perante a sociedade, erro as vírgulas e não quero mais sofrer por amor. Não tenho mais estrutura. Quebrei o espelho, torci o joelho, não vou mais jogar.
I'm pretty fucked up.
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