8.3.12
Não existe amor em SP.
A vista do meu quarto dá para prédios cinzas. Tudo que vejo da minha janela é uma sucessão de concretos. Os quartos de hotéis são muito impessoais, e de repente me sinto sozinha. São Paulo é essa cidade em que a gente se sente sozinho no meio de uma multidão. A multidão que te atropela com seus celulares e suas mochilas, pelo lado esquerdo das escadas. Mantenho sempre a direita, não tenho pressa nesse lugar que (ainda) não é a minha casa. Talvez seja isso. Talvez São Paulo nunca seja a minha casa. Talvez a casa da gente seja lugar nenhum. Não sinto saudades de casa, ou de alguém, mas me sinto triste. Tomaria três banhos se possível pra me limpar de tudo que eu não quero mais. Banhos que esfolariam a minha pele e me deixariam em carne viva para que nascesse de novo. Uma nova pele pra um corpo muito cansado. A segunda visita não tem a mesma poesia da primeira vez, não tem cadência nem samba, só tem isso. Isso que a gente acostumou, que é assim, esse descaso, essa normalidade. Me acostumei com São Paulo, com as estações do metrô, não sinto mais medo de me perder por entre as linhas porque sempre há um jeito de voltar. Sei os sentidos da Av. Paulista, procuro lugares pra comer no foursquare onde gente também sozinha deixou dicas. Seguro a minha bolsa com o medo de uma londrinense, e não sei atravessar direito as ruas. Tenho medo dos ônibus, dos cobradores que adormecem, dos lugares afastados. Tenho um pouco de medo da vida, enfim. A vida que aqui é mais rápida e mais cruel. A vida que aqui tem um sorriso cafajeste, que e acarinha antes de te foder com vontade. Não sei se dá pra ser feliz entre os metrôs lotados, a impessoalidade dos enormes prédios, os cafés onde nunca há lugar pra sentar, as livrarias onde há barulho demais e gente falando em inglês. Minha solidão se sente invadida na cidade que nunca dorme, onde as pessoas sempre correm. Fico deprimida na "cidade-em-que-tudo-acontece". Sinto medo também de tudo que descobri aqui, e que de repente parece incerto. Incerto demais. Um sentimento de que tudo que havia já desabou, ou vem desabado. Tem um ar de casualidade em tudo que envolve essa cidade. Nada nunca dura demais, não se pode confiar nunca, o tempo passa, o tempo é dinheiro, há muito o que se fazer, tem muita gente pra se conhecer. O tempo todo. Há sempre uma outra opção de lugar na cabeça para o caso do lugar escolhido estar cheio demais. As pessoas não tem tempo pra esperar as mesas vagarem na cidade-em-que-tudo-acontece. As pessoas não tem tempo pra esperar. Você não tem tempo pra me esperar. Eu leio um livro inteiro que fala sobre demônios enquanto a cidade corre. Do meu lado tem um velho de cadeira de rodas que disse que o filho acaba de sair do hospital, depois de levar tiros num assalto e que agora se sente muito feliz. Ninguém tem tempo de ouvir o velho. O filho dele ouve CDs na livraria e redescobre a música. O velho deixa um boné na mesinha onde se colocam os livros e todos o olham como se ele fosse inadequado. Todo mundo é inadequado em São Paulo. Todos nós deveriamos estar mais bem vestidos e os velhos não deveriam colocar seus bonés nas mesas das livrarias da Av. Paulista. O filho do velho se sente feliz olhando CDs. Eu não lembro a última vez que me sentia feliz, mas arrisco que foi naquela mesma livraria, por entre as estantes, enquanto tudo aqui ainda parecia novidade. Tudo em São Paulo é velho. Até os enormes prédios com fachadas de vidro já estão desgastados. Tudo aqui nasce e já se desgastou. Tudo que eu conheci está desgastado. Queria o frescor da primeira vez quando eu ainda não conseguia enxergar as rachaduras nos prédios da Av. Paulista. Queria o tempo em que não era possível apontar as rachaduras em mim. Hoje já são muitas, várias. A vida corre e eu tento me encolher num canto sem barulho pra ler a história do policial. O policial se apaixonou por uma travesti chamada Cibele e sabia que aquela seria a sua ruína. A paixão é a ruína de tudo. Se eu me apaixonar por São Paulo, ela cairá na minha cabeça. Me atropelará pelo lado esquerdo da escada, segurando um smartphone. A vida é rápida demais pra que eu possa ter sonhos. A vida aqui é rápida demais para que eu queira um lugar sem barulho no meio da Av. Paulista. Tenho a roupa errada. Carrego uma sacola feia. Esqueço o troco do metrô com a moça que me grita. Erro o lado de descer do ônibus. Nunca sei o ponto, nunca sei onde estou. Minha vida dói. Ninguém anuncia a próxima estação paraíso. Nos perdemos. Tem muita gente nessa cidade para que alguém se encontre. Sei que São Paulo vai me abandonar, então peço pra ela me preparar um chá. Quando ela volta já fui embora. Não há tempo de se esperar por ninguém em São Paulo. Não existe amor em SP.
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