Das outras vezes que te disse adeus era mentira. Sempre foi. Muito fácil te dizer adeus e continuar com a sua lembrança ali, falando no meu ouvido como aqueles anjinhos da consciência que aparecem nos desenhos animados. Vez ou outra, por histeria ou por desespero (coisas típicas de mim, você sabe), eu tive que escrever que meu amor por você tinha morrido. Não tinha. Eu me agarrava ao seu fantasma como quem se agarra à última esperança que tem na vida. Eu não admitia, mas eu esperava que você voltasse. No meio das suas atualizações nas redes sociais eu sempre torcia pelo dia em que seu status ia mudar de casado pra solteiro. Você ia perceber - porque tinha que perceber - que eu era a pessoa certa pra você e largaria o agora amor da sua vida. Tudo mentira o discurso te esquecendo, tudo mentira eu te encontrar em outra vida quando nós dois formos gatos. Tudo mentira. Eu te queria e eu te queria sempre. Critério de comparação horrível, inescrupuloso. Ninguém consegue competir com uma idealização. É o que tinha sobrado de você. O perfeito todo que acabou esquisito, mas nunca acabou porque você me decepcionou. De você eu tinha a imagem perfeita do homem que eu amaria pra sempre. E aí foi isso: o inferno. Você estragou todas as minhas tentativas depois de você. Qualquer jeito errado de falar comigo já era motivo. Não foram poucas as vezes que eu chegava em casa tristonha e pensava que seria melhor se eu estivesse com você, e não com qualquer um deles. E olha que nem foram erros graves deles. O único erro grave era não ser você.
Foi difícil. Você nem deve ter idéia do quanto nesses quase três anos eu chorei por você. Noites e noites trancada no quarto chorando baixinho ouvindo música de fossa. As piores possíveis. Eu olhava nossas fotos no computador; aquelas em que sorríamos, e queria você de volta. Minha felicidade ficou congelada na época em que você não queria que eu morresse. A sua lembrança estragou meu futuro todo. Até esse último relacionamento ficou ali meio morto por causa da tua sombra. Ele errava e eu comparava ele com você. Ainda me lembro de quando cheguei no quarto do hotel, meio bêbada, depois de ter tomado toda a cerveja do mundo; ter dito pro meu amigo que eram posturas muito diferentes. Você nunca teria agido daquela maneira comigo. Você nunca. Mas você não existe. Não existe mais. Cobrar dos outros uma postura que seria sua, e só sua, é exigir dos outros sempre o que eles não podiam me dar. Eles não podiam ser você. O erro todo foi ter tentado me envolver com seu fantasma me rondando. Sempre comparar com você. Sempre achar que o outro não me era o suficiente porque você faria melhor. Faria talvez. Já fez. Mas foi, acabou, hoje a gente não consegue compartilhar nem do mesmo gosto musical. Eu mudei, você mudou muito e por mais que você tenha me feito muito feliz no tempo em que passamos juntos, isso não volta mais. Eu me lembro de te dizer, algumas vezes, quando você se lamuriava pelo passado, que o passado não volta mais. Eu te disse que se tudo que você tinha voltasse naquela época tudo ia ser diferente. Eu te dizia que as pessoas depois que vão não voltam pra gente do jeito que eram. Você teimava em não concordar e só acreditou em mim quando esqueceu o que tinha passado. É isso. Era isso o ciclo da vida. Eu só ia te esquecer quando te esquecesse. Não achei que a hora ia chegar. Inclusive eu acho que eu mesma não queria que chegasse. Era mais fácil. Toda vez que eu me decepcionava eu pensava que era porque você era o cara certo. Você estaria me esperando em algum lugar do mundo onde estaríamos destinados a ficar juntos. Toda essa esperança louca me impedia de sofrer demais. O fracasso nunca era meu, era sempre do outro. O fracasso do outro era não ser você. E não sendo você eu não poderia dar certo com eles porque eu sabia: só daria certo com você.
E foi um estrago. Um estrago sem fim. A pior coisa que acontece com um amor é ele terminar em reticências. Olha, se eu pudesse voltar no tempo a gente teria tido qualquer conversa definitiva dessas. Mesmo que eu chorasse em público no pior restaurante do mundo. O pior que aconteceu comigo foi você ter ido sem me dizer nada. Eu sempre esperei que você voltasse pra resolver as coisas. E você sempre agindo de um jeito doente, voltando pra saber como ia a minha vida. Não tinha como desapegar. Não tinha como entender que eu não era nem um pouco importante na sua vida sendo que você lembrava ainda da data do meu aniversário. Você não dizia nada, me dava sinais trocados, fazia questão de me cumprimentar toda vez que me via na rua. Sempre com aquele rosto preocupado que você tem, sempre me olhando como se quisesse dizer alguma coisa que não consegue. Eu sempre acreditando na esperança estúpida de que um dia você perceberia que me amava mesmo, e que tinha feito a pior escolha da sua vida. Olha, a verdade é que você não vai voltar. No começo eu achava que era comodidade. Que você não sabia desfazer laços, cortar relações, que era muito cômodo esse casamento em que você tinha se enfiado com rotininha de casal todo dia. Depois eu descobri que não. Era o que você queria, e só. Você ama aquela menina. Do seu jeito (que é estranho), talvez com menos devoção e sorriso do que me amava, mas ama. E amor é isso, né? Vem diferente com as pessoas que a gente escolhe amar porque as pessoas são diferentes. As outras pessoas não podiam me amar do jeito que você me amou. As minhas relações não seriam mais iguais a nossa. Essa parte que foi difícil de entender. Essa parte que eu só entendi dia desses.
Eu sempre achei que amor precisava de corte na carne. Se não for com corte na carne não é amor. Precisa querer pular do prédio, salvar da morte, não querer respirar sem ter a pessoa por perto. Foi isso que eu senti por você. Quando você foi embora eu morri um pouco. Eu morri e tudo o que tinha dentro de mim foi junto. Você levou pedaços até das coisas que eu gostava. Me doía descobrir que eu ainda gostava das bandas que você me apresentou, me doía ler os livros que você me recomendou, me doía perceber que meus filmes favoritos também são os seus filmes favoritos. Uma crise de identidade terrível pra tentar dissolver o que era eu e o que era você. Foi tudo muito difícil. Me levantar, me reerguer, focar em outra coisa. Fui eu me enfiando feito louca em tudo que podia. O ano passado foi um ano todo jogado. Foquei demais no trabalho, depois foquei na bebedeira, ia em tudo até que esgotasse e não deixei ninguém me amar. Olha, eu destruí a minha própria vida esperando que as outras pessoas fossem você. Não deu pra amar ninguém porque eu não soube dissociar sua lembrança nos meus novos relacionamentos, não soube entender que as pessoas são outras criaturas e que os amores viriam diferentes. Fui passando por cima de tudo que deu, levando embolado, ficando neurótica, paranóica, histérica. Eu queria te encontrar neles. E às vezes até encontrava. Dessa última vez ele era quase você. E foi o quase que matou tudo. Quando ele não agiu como você agiria eu surtei. Não aceitei, não soube conversar, não soube agir, não sabia o que fazer. A coisa mais louca que eu percebi nessa história toda é que eu não sabia lidar com ninguém que não fosse você. Eu só sabia fazer o que você tinha me ensinado, eu só sabia ver o mundo com teus olhos. Eu só queria amar se fosse você. Eu tentava me convencer de que não, olha, eu te esqueci, vai ser feliz com sua garota. Mas não era isso. É que eu queria te esquecer tanto que eu achei que repetindo várias vezes que eu tinha conseguido, eu conseguiria de fato. Não consegui. Eu soube no metrô quando tudo que eu conseguia pensar é que: você agiria diferente, que eu não tinha te esquecido coisíssima nenhuma.
E olha, foi péssimo. Foi péssimo porque eu não soube me portar e foi péssimo porque eu estraguei tudo que eu não devia ter estragado. Ok, certas coisas não são pra ser. Mas certas coisas a gente ajuda a não ser também. Eu queria que tivesse dado certo sem você. Eu queria. Eu achava que eu estava me esforçando, mas eu não estava. Eu não soube enxergar as pessoas pelo que elas são, sem você pra comparar. Eu não soube te esquecer. Só que daí, sabe, a vida foi indo e a vida acaba com a gente de todos os jeitos que pode. Eu passei pelos piores meses da minha vida. Aquelas crises que você me viu passar eram nada. Isso sim foi difícil. Sei que um dia eu acordei e me dei conta que agora eu sofria e não era por você. Era por mim, era por tudo que deu errado, era pela vida, era pelo meu trauma. Eu sofria por outra pessoa, eu não suportava as atualizações de outra pessoa, eu não queria que outra pessoa fosse feliz sem mim. Mas mais que isso: eu não queria mais que você voltasse. Daí eu fui percebendo que é possível que outras pessoas me amando de jeitos diferentes do seu também me amem. Vai ser possível um dia, depois que tudo isso passar. Você não vai voltar e eu não quero que volte. Foi péssimo. Nosso fim foi péssimo, a escravidão que ficou com suas voltas sem sentido foram terríveis e sinceramente, te superar foi a tarefa mais complicada de todos esses anos. Mas superei. Agora superei de vez. Nunca mais pensei em escrever sobre você, não fico fazendo comparações, não choro mais ouvindo as músicas que você me ensinou a gostar. Destino só existe nos livros do Paulo Coelho que nós odiamos. Ficar esperando que alguém seja você é loucura. Ficar esperando que você volte é pior ainda. Me assombrar com seu fantasma é injusto comigo e com todo mundo que tentar ser comigo. Você não serve pra mim. E todas as pessoas que não são você podem servir. Eu espero sinceramente que você seja feliz. Acho que já é. Mais que eu. Bem mais que eu que matei todas as possibilidades que não podiam competir com a sua idealização. Demorou muito tempo, mas eu te tirei do meu pedestal. Sei que você é humano, errante, terrível e morre. Dentro de mim morreu. Fica e lembrança de todo amor que foi bom e acabou. O nosso acabou. Bem depois em mim do que em você, mas jaz. Enterremos.
Que eu seja capaz de viver o resto da vida apesar de todo o estrago causado.
Adeus, você.
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