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31.7.12

Palpite


A orquestra tocava a marcha fúnebre (juro que era), e enquanto isso eu pensava em algo pra te escrever junto com aquele livro que você me disse que gostou e eu pensei em te dar. Hoje eu já não te daria nada por amor, ia ser mais pra me redimir de tudo e acabar com essa história de que eu tenho uma dívida incalculável com você. Setenta reais do livro, mais o frete, mais a dedicatória mandada junto, e nem precisava ser com a minha letra, podia ser digitada e impressa. Tudo isso pra acabar de vez com essa angústia que são todas as histórias que não terminam. Imagino que você esteja bem. Juro que nunca entendi sua decisão louca de em uma hora estar tudo bem e logo depois você não querer me ver nem pintada de ouro, mas achei por bem não questionar nada. A culpa não foi sua. Mas também não foi minha. Arrisco te dizer que a culpa foi o do tempo. Pareceu muito perfeito que tivéssemos nos encontrado depois de anos de conhecimento, os dois solteiros, no meio das minhas viagens bem planejadas pra são paulo, mas não. Você vivia me dizendo que a gente ia ter que ir com calma, que de repente nada ia dar certo e a gente podia ser só amigos, e eu ficava ali mexendo no meu brownie derretido querendo não pensar naquilo naquele minuto.

 Eu era histérica e você hesitante. Eu tinha medo de te perder o tempo todo. Um medo que nunca foi meu, que eu nunca tive, um medo irracional. Eu botava os pés pelas mãos, desconfiava demais de você, queria fuçar todas as suas redes sociais em busca de provas. Depois de vez em quando você sumia, nem sempre respondia às mensagens. Histeria, histeria. Histeria de uma vida que ficou girando em torno de você, porque eu não tinha mais no que me apegar. Já você ficava sempre um passo atrás, sempre querendo ir mas dizendo que não, que podíamos nos machucar, que não podíamos nos chamar de amor, que não podíamos fazer planos assim tão rápidos. Brigas idiotas, sumidas sem sentido, acusações infantis. Era isso que era nossa relação estranha. Um machuca e assopra, um some e aparece, um não-te-quero-mas-te-quero-tanto. E não dá. Não dava pra eu investir em uma coisa se toda vez que eu tentava você me replicava dizendo que eu era apaixonada demais e que a gente não tinha nem certeza se ia mesmo namorar. Logo depois você esquecia o discurso e me apontava na paulista um apartamento bom de morar e ter um cachorro de pêlos curtos pra suprir a falta daquele que a sua mãe deu, e que você me contou a história de olhos marejados. Eu queria um amor, e você tinha um trauma. Eu queria um amor, mas tinha uma forminha pré preparada. Queria um amor igual àquele que eu tive, e você ia ter que caber ali do jeito que fosse. Não pode mania de limpeza, não pode desatenção, não pode isso, aquilo, cuidado demais. Não pode porque o amor da minha vida não era assim. Eu competia com o medo e você competia com a minha idealização. Impossível. Impossível que desse certo sendo que eu tropeço demais e você odeia que pisem no seu pé.

 Pra você era tudo questão de eu me educar e pra mim é uma questão de: não consigo. Eu queria ser mais organizada, lembrar de limpar as lentes dos meus óculos, não derrubar chocolate no sofá, lembrar dos caminhos sem olhar as placas. Só que não dá. Eu já tentei. Inúmeras vezes eu tentei, depois de broncas e risos de todo mundo à minha volta. Só que depois me conformei: vai ser assim. Minha paranóia me impede de decorar um caminho. Você reclamava que eu não sabia até hoje pra onde que tinha que descer e eu sabia só que eu não confiava em mim. Às vezes, no ônibus da minha cidade, eu sofro de desconfianças que peguei a linha certa. Imagina então numa cidade daquele tamanho? Tinha que me precaver. Confiar na minha memória não dava. Não dava também pra agüentar tudo aquilo. Te agüentar. Não porque você seja uma pessoa péssima. Não é. Eu até vejo em você inúmeras qualidades porque se não fosse assim eu não teria me apaixonado, viajado, feito planos. Mas não dava pra te agüentar me fazendo segurar tudo que eu sentia, não deixando dizer o que eu queria dizer, pedindo cuidado, sempre cuidado. Não dava pra te agüentar dizendo pra ir por aquele caminho quando eu sabia que eu queria o outro. Não dava pra esperar uma brecha na sua agenda porque eu te queria inteiro e não dividido em partes. Partes suas que se dividiam com seu apartamento novo, seu colega de apartamento, sua amiga no telefone. E tudo bem, se a gente tivesse outra vida ia ter espaço pra todo mundo, pra mais gente. Mas naquelas poucas horas que eu tinha com você não tinha como eu me sentir bem sem nem poder conversar a sós porque tinha alguém no quarto do lado ouvindo tudo. Faltou intimidade, faltou conversa, faltou te conhecer melhor. Faltou meu equilíbrio e faltou sua entrega. 

Eu errei também. Eu fiquei presa no passado, no cara que eu mais amei na vida, eu fiquei esperando que você fosse ele quando eu tinha que te amar pelo que você era. Falhei. Você também falhou porque esperava de mim uma coisa que eu não podia ser. Não naquele momento. Eu estava doente e você com medo. Você na verdade não queria tudo aquilo naquele momento. Acho que você precisava mesmo estar mais solto, mais aberto, mais sem mim. Sem eu te mandando mensagens, te ligando no meio da faxina, exigindo atenção. Eu já estou dois anos na frente, já fiquei livre, já tomei porre e já me envolvi com quem eu bem entendia daí cansei. Acho que você precisava cansar, querer amor, pra daí me querer do jeito que eu queria. Fosse assim, quem sabe, eu tinha até deixado a idealização de lado. Mas não foi. A gente se deu muito bem, tinha dias que eu achava que eu casaria com você, mas não foi o tempo, nem a cidade, nem os dias certos. A culpa não foi minha, nem do meu vômito. Nem sua nem do seu jeito de me tratar depois do ocorrido. A culpa foi da vida. Do jeito que a gente tava, não tinha como sermos um casal. A gente nunca foi um casal. Fôssemos um casal teríamos superado tudo isso. Alguém teria cedido, a gente teria se perdoado e tanto você quanto eu saberíamos superar tudo aquilo juntos, nos perdoar, ao menos conversar civilizadamente tentando nos entender porque é isso que um casal faz. É isso que a cumplicidade permite. Mas fomos duas pessoas que se gostaram, acharam que poderiam ser e não foram. 

Não sei se ainda te encontro. Não sei se daqui dois ou três anos a nossa vida se sincronizará. Talvez eu case e você mude pra nova york, ou você case e eu faça mochilão pelo mundo convicta da minha solteirice. Talvez eu te encontre na sua universidade numa bolsa de mestrado ou numa palestra qualquer. No meio da rua. Talvez a gente nunca mais se veja, e anos depois, perceba que ambos fomos erros horríveis na vida um do outro. Não tem como saber. Não guardo rancor teu, e espero que você não me odeie. Sejamos sinceros: Não deu. E não daria. Não agora. Não desse jeito. Não comigo histérica e apaixonada por um fantasma. Não com você morrendo de medo de se entregar e sofrer. O fim foi trágico como o de qualquer história que continua acontecendo mais por esforço do que por natureza. As coisas forçadas tendem a explodir. A gente não era natural. A gente não era, querido. E ponto. Fica em mim as lembranças de tudo de bonito que foi e eu juro que apago com borracha todo o horror que passou. Espero que um dia seja o mesmo com você. Até qualquer dia, ou nunca mais. De qualquer maneira, vanessa rangel vai sempre me lembrar você. E aí, o amor pode acontecer de novo pra você: palpite. 

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