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23.12.12

hoje falei pra mim, jurei, até, que essa não seria pra você

(e agora é).

"você não pode se apaixonar por ela", foi a primeira coisa que eu pensei ao ver a solicitação de amizade dele aceitada por ela que, sempre foi, sem saber, um grande fantasma chato na nossa relação que já se foi. Ainda posso lembrar com certa perfeição, ela e toda a sua eloquência, sua mania de não derrubar comida na blusa como eu, lhe dizendo que lia poemas para seu par amoroso da época e que, briga por poesia é um tipo de briga poética. Ele concordava, bastante encantado com o jeito louco dela, que eu ainda não tinha aprendido a ser. Esse jeito louco de falar de sexo abertamente, na mesa de um bar um pouco pra baixo da avenida paulista enquanto nós dois tomávamos uma cerveja que já não me lembro e  no andar de cima tocava linger dos cramberries (canção que sempre tentei imitar e até conseguia, depois de algumas tentativas ridículas e frustradas). Ele falava dela, dos poemas dela, das coisas que tinha descoberto dela e tudo aquilo me deixava insegura. Somos parecidas mas eu tenho de ser melhor pra você, mesmo sem livro publicado, mesmo sendo fracasso em vida, mesmo eu sendo essa pessoa que vomita a sua casa inteira e não consegue nem levantar da cama pra limpar. Olhei pro computador, gritei "menina filha da puta!" meio alto, meio histérica. Saí do Facebook e queria chorar, queria me desesperar, me jogar no chão puxando os cabelos todos da cabeça perguntando pra deus ou pra entidade responsável pelo universo qual é a razão que explica o fato de eu ser assim, tão preterida de vida, tão fracasso, tão ele adicionando minha amiga lunática no Facebook porque ela tem poema publicado no jornal e ele certamente se encanta com esse tipo de coisa.

Ficava pensando nos dois, que moram na mesma cidade, se encontrando para cafés e poesias, ele flertando de um jeito ridículo com ela em chats de rede social, ele lendo os poemas dela e contando pros amigos que aquela poetisa é muito interessante e que ele a conhece e a tem no Facebook. Mais ou menos como eu fiz uma vez com aquele escritor que quase joguei charme, quase fui pra balada junto, quase tive envolvimento por pura admiração besta, dele ser tudo aquilo que eu queria ser e não sou tanto assim. A diferença é que eu nunca trocaria ele por escritor nenhum. Acho que nem hoje, depois da tragédia, eu pensaria nisso. Todo o cenário se formando na minha cabeça enquanto eu andava pelo shopping lotado de gente histérica, segurando sacola e presente de natal, enquanto eu me doía ao som de killers porque toda tragédia ridícula merece uma música correspondente. Já podia imaginar ele puxando assunto, contando que nós dois não demos certo "nossa, mas ela não te contou?" "não, não me contou, faz tempo que não nos falamos" "pois é, terminamos, ela vomitou a minha casa toda, foi péssimo" e ela do outro lado rindo histérica e vai saber se ela também não ia me achar um pouco péssima e não ver problema algum em criar relação com a minha ex relação. "não somos tão amigas assim" - ela pensaria. E aí teria ele, com suas histórias de poesia, seus livros traduzidos, suas roupas bem cortadas e sua beleza de modelo que faz campanha publicitária pro natal da operadora de celular com modelo famosa. Eles dariam bem, eles dariam certo e eu ficaria aqui, andando de bar em bar, bebendo cervejas até não caber nada no meu estômago nem nada na minha cabeça; mas sempre sem vomitar, sempre com esse recente "equilíbrio emocional" que consegui a duras penas com remédio natureba e consulta em médico; com corrida no parque e auto análise em literatura que não merece um livro na editora que edita todo mundo.

Mas quase descontrolei. Cena de filme cult vencedor de oscar, eu sou. A drama queen escritora, perdida e recém saída de uma depressão que vence os traumas um a um ao som de música cafona e dancinha de pijama no quarto. Eu, ali, embaixo do chuveiro, sentada nua enquanto a água caía me perguntando "por que? por que isso? por que agora? será que nunca mais vou ter paz? será que nunca mais?". Isso e a água caindo quente e eu me encolhendo enquanto pensava que se fosse um filme melodramático eu tiraria a lâmina da gilete e tentaria me cortar dizendo alguma frase de efeito como "não consigo aguentar tanto desamor" ou então cantaria um verso de paulinho da viola "desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão" e a próxima cena seria sangue escorrendo pelo ralo do box e a minha expressão seria de paz, alívio e êxtase. Talvez um último orgasmo, se quisesse ser assim, meio lars von trier; talvez só o rosto caindo de lado enquanto o sangue continua escorrendo pelo ralo, se for mais existencialista. Se fosse retratar minha vida, aconteceria de modo ridículo e eu me mataria e depois descobririam que eles nunca tiveram nada. Morte em vão, filme dos coen. Uma vida ridícula pra depois morrer em vão, morrer de mal entendido. Na vida de verdade, essa que vivo, nunca teria coragem de me cortar com uma lâmina, então só deitei no chão do box olhando debaixo a água caindo e pensando que, talvez, daria uma boa foto. O chuveiro e a luz, um bom enquadramento; "mas ia molhar a máquina", concluí. Então continuei deitada no chão frio do box, chorando sem sentir as lágrimas, a água caindo em cima de mim e um desespero grande de tudo aquilo que eu um dia tinha imaginado se concretizar.

Eu não aguentaria. Se ele tivesse envolvimento de uma noite que fosse com ela já ia ser demais pra mim. Qualquer outra, cinco de uma vez, mas, ela, não. Uma vez um outro amor quase se envolveu com a única garota que nunca poderia. Ela era ruiva e eu sabia que ela era a minha única ameaça concreta. De fato. Hoje sou ruiva e não temo mais as ruivas, nem as morenas, nem as loiras. Acho que amor é caso de fracasso mesmo, mas ela não. Não ela e seus poemas, suas franjinhas, suas tatuagens, seu sobrepeso, suas sandalinhas melissa e suas referências curiosas. Não ela tentando recitar poema enquanto ele tenta recitar poema também, enquanto ele faz macarrão e tomam vinho (mas ela não vomita). Qualquer uma menos ela. Queria gritar "por favor, tenham alguma compaixão". Compaixão pela minha alma morta, meu medo, pela amizade que um dia existiu, pelo relacionamento que brincava de querer casar. Por favor, alguma dignidade, alguma ética. Não inventem de ser amigos, dividir lanches ou salgados de frango. Não inventem os dois de se encontrar na "cidade onde tudo acontece" e ter noite tórrida de amor, e ter poema compartilhado. Não inventem de fazer minha paranóia virar realidade porque não mereço. Eu acho que não mereço. Dizia um amigo meu que todos os relacionamentos deveriam trazer em si uma questão ética. Lista de três famosos que pode ter noite tórrida de amor se um dia tiver chance; lista de três pessoas com as quais é proibido namorar porque ia ferir. Não assinamos esse tipo de contrato, ou contrato algum, mas deveria ter. Deveria ter mandado de restrição dele à ela, porque ela é uma versão melhorada de mim pra ele, ela é o que ele queria um pouco que eu fosse e eu não fui. Fico pensando nisso e saio e bebo cervejas e caipirinhas e mais cerveja e toda cerveja do mundo. Permaneço sóbria, ajudo uma menina com crise de pânico. Ela me diz que viu sua namorada a traindo com uma menina com quem ela já traiu uma vez. A menina hiperventila e me abraça. Eu digo que entendo o que ela sente e quase conto a minha história também. Ela pega na minha mão com os olhos rodando e diz "amor é assim mesmo". Concordo com ela. Ela sai pela festa e eu volto a beber. Me abraço com um amigo com quem nunca teria nada e me sinto um pouco acolhida. Entre embriaguez e gente não consigo lembrar dele começando amizade com ele e excluo a possibilidade deles estarem conversando. Entre embriaguez e um filme que já vi quatro vezes adormeço no sofá sentada e mantenho a compostura que ganhei com o equilíbrio emocional "veio de brinde", eu penso ao ver que não fiz nada a não ser reclamar um pouco em cento e quarenta caracteres pra ver se ela percebia que pelo amor de deus, nem pense em tentar aproximação. Ele não é um continente à sua escolha.

Penso que toda a narrativa imaginária não podia dar outra coisa que não história impublicável em livro. Eu mesma, sempre uma impublicável. Sempre escrevendo tratados de amor e trauma, tratados de vida errada e depressão e nunca uma história de sucesso. O ano em que minha vida saiu de férias. Férias ruins, casa de praia em cabo frio com parente mal educado e tragédia iminente. Filme barato de tragédia horrorosa, sem redenção. Filme passional de vingadora que quer acabar com o mal causado, sou a noiva e quero matar bill. E quero matar ela. E espero que toda a narrativa criada na minha cabeça seja ficcional. O controle emocional também ensina a diferenciar tragédia real de coisa inventada, e isso pode muito bem ser coisa inventada. E coisa inventada é literatura. Literatura ruim, não sou poetisa publicada em jornal, não tenho um estilo irreverente e me dizem ser parecida com clarice falcão em festas de gente esquisita. Sorrio. Ele gostava bastante da Clarice. A Clarice estaria na nossa lista de pessoa famosa que pode sim ter envolvimento breve se tiver oportunidade. Ela, essa de que falo, está em nossa lista de restrições. Se fosse mandar mensagem diria breve e louca: "ela não, poxa. tanta mulher no mundo". Pareceria louca e partiria numa névoa de descontrole. Em estando bem, transformo a loucura em literatura e apelo: não tenta nada com ela não, não me magoa assim

tanta mulher
no mundo.

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