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23.3.13

você nunca vai ser uma canção de amor clichê


"This one's optimistic
This one went to market
This one just came out of the swamp
This one dropped a payload
Fodder for the animals
Living on animal farm"
(Radiohead - Optimistic)


"I told you I was trouble, you know that I'm no good" cantava Amy Winehouse pela vigésima vez, trigésima vez, sabe-se lá que número de vez que foi que eu ouvi essa música e pensei baixinho "ela podia ter escrito essa letra pra mim". Em tempos espaçados sempre penso isso dessa letra e sinto um pouco de pena pela Amy que aparecia em todos os vídeos que eu vi com um semblante cansado de quem suspirava aquele suspiro que dá uma pontadinha dentro do coração que vive latejando um pouquinho. Um pouco de pena de mim, porque não é uma letra pra se orgulhar. Gostaria de ser mais essas pessoas que se identificam com alguma letra de alguma banda tipo o Snow Patrol, que tem um monte de letras positivas. Eu tenho uma amiga que gosta muito do Snow Patrol e toda vez que a gente fica angustiado ela não entende e fica olhando pra gente como se a gente fosse uma espécie de ET. Não acho que ela seja completamente feliz (ninguém é), mas eu posso garantir que ele nunca entendeu o semblante cansado da Amy Winehouse nos vídeos. Melhor pra ela que gostava muito daquele clipe em que luzes coloridas iam percorrendo a cidade e a grande mensagem era que tudo aquilo era estranho e falso, mas que o eu-lírico não desperdiçaria mais um minuto sem seu amor. Queria ser dessas pessoas que acreditam em conceitos flutuantes tipo "alma" e que realmente acham que existe um lugar escuro onde gente boa e que ama não deve ficar então eles se pegam pelas mãos e saem correndo enquanto um diz pro outro que é só esse outro abrir os olhos porque ele não vai desperdiçar mais um minuto sem ela, ou ele. Nunca gostei dessa música, achava cafona, mas ela gostava. De uma maneira geral, ela é muito menos angustiada que eu. É que ela lida com a vida desse jeito otimista de quem não vai desperdiçar mais nem um minuto sem a pessoa amada e coisa assim. Esse otimismo de quem quer sair desse lugar escuro e encontrar a luz, a paz, sabe-se lá o que, mas é uma fé. Já eu escutava Radiohead enquanto ela insistia com Snow Patrol, entendo todos os olhares enfadonhos de Amy Winehouse e às vezes concordo com ela que o amor é um jogo em que só se perde. Um dos personagens do woody allen alerta uma vez uma das moças do filme que ele tem uma visão de vida muito pessimista. A vida não faz um caminho de luzes coloridas pela cidade pra pessoas como a gente. Life is a losing game. 

Os dias não tem sido fáceis, eu digo, repito, depois choro no meu quarto por quase quinze minutos ininterruptos enquanto ouço uma música qualquer dessas bem dramáticas cantadas por alguém meio fodido tipo a Elis Regina. A Elis Regina também tem esses olhares enfadonhos de quem já sofreu demais e não agüenta mais os baques da vida. Dia desses vi ela rodopiando e chorando ao som de "travessia" e chorei também porque bem que podia ser eu ali, rodopiando e chorando ao cantar aquela canção; sem rumo na vida. Eu não tenho rumo na vida. Os pouquinhos que eu tinha tem dado errado. Às vezes eu fico querendo ser uma pessoa mais positiva, dessas que dedicam Snow Patrol pros outros, mas daí percebo que eu só posso ser eu e lidar com isso que me deram. A alma esquisita de quem já teve o semblante triste de uma cantora que morreu de overdose. Não é auto comiseração, eu não espero que sintam pena de mim ou que me mandem uma mensagem de otimismo débil, ou nada disso. Às vezes as pessoas até mandam. Dia desses me deparei com o discurso do Steve Jobs em Stanford. No vídeo ele diz que também esteve perdido, mas que certas coisas acontecem no caminho da gente pra nos levar pro caminho certo. Fico querendo acreditar nisso, nele, em qualquer música com mensagem de amor, no Paulo Coelho, em qualquer coisa que me faça acreditar que a vida não é uma viagem rumo a lugar nenhum e com um sentido que na verdade não existe. Eu queria acreditar no Steve Jobs e pensar que um dia vou ser eu fazendo discurso pra uma turma qualquer dessas de faculdade dizendo que eu comecei bem errado, mas que no fim deu tudo certo. No fim dá tudo certo? Não sei dizer, e nem sei se acredito. Talvez todos eles estejam certos em me dizer que eu devo ir com calma e que o tempo cura as feridas e se responsabiliza pelas coisas que eu não sei consertar. Não adianta sair por aí se atropelando, mandando mensagens demais, usando toda a sua eloqüência pra coisas que não valem a pena. O que se deve fazer é sentar, respirar, esperar que a vida lhe mostre um caminho que valha a pena seguir, e dizem que esse caminho um dia chega para todos nós. Em alguns bem cedo, em outros mais tarde, mas sempre chega. 

Então eu sento na sacada, rezo pra um deus que não sei se há, choro um pouco olhando pro céu, corro sete quilômetros por dia enquanto a minha cabeça não para de girar nem um minuto. Espero mensagens que nunca vem e então deixo de esperar. Fico quieta. Fico quieta dentro de mim que é pra ver se eu encontro alguma paz, fé, direção, vai saber. Organizo todas as coisas da minha casa na esperança que eu organize a minha cabeça também. Lavo as louças e coloco em pilhas. Limpo os meus óculos toda vez que percebo um embaçado. Organizo meus livros. Jogo tetris. Ando a cidade inteira, pinto meu cabelo, arrumo as minhas unhas, organizo a bagunça do meu quarto. Começo a perceber que todas as coisas fora do lugar refletem a bagunça dentro de mim. Olho pro meu armário cheio de roupas e quero organizar tudo. Jogo fora os papéis das minhas gavetas e encontro declarações de amor que nunca enviei pra pessoas que não sei se um dia vou ver. Faço listas dos livros que ainda não terminei de ler porque todas as coisas em aberto de repente me dão paura. Percebo os livros do melhor amigo que não tenho mais na estante e choro um pouco. Olho pra todas as tralhas e para os pedaços de passado jogados no meu quarto e fico pensando quando é que esse tal de nova vida começa e quando é que ela para de retornar sempre no mesmo ponto cego. Jogo no lixo os sonhos que tinha e não tenho mais. Não vou prestar um outro vestibular pra jornalismo. Não me interesso pelas coisas que me interessava antes. Não visto mais as roupas que um dia já achei bonitas. Pareço querer tirar tudo de velho que há em mim pra conseguir sair do buraco onde me enfiei. Fico ajeitando a postura quando me vejo nos reflexos dos vidros dos carros e percebo que eu não preciso ser sempre esse bichinho estranho, essa esquisita bonitinha de ver de longe. Organizo minhas bijuterias porque não agüento mais o meu desleixo de sair sem os anéis nos dedos. Prometo pra mim mesma não perder sempre os pares dos brincos e voltar os sapatos no lugar toda a vez que uso. Faço metas. Desisto das metas porque não sei se as quero. Deixo pra mais tarde um fluoxograma com todas as coisas que já pensei em fazer pra separar o que eu realmente quero e aí sim correr atrás. Me policio pra cuidar de mim, sempre, de mim primeiro e não dos outros. Aprendo alemão com alguma devoção. Me esforço em aulas de francês quase diárias. Ocupo meu tempo pra não pensar em bobagem. Fico em silêncio e o silêncio me dói. O silêncio me faz ter aquele suspiro que arde o coração. Vez ou outra sei que fico com o olhar perdido que a Amy tem quando faz shows. O olhar de quem não sabe o que está fazendo nesse mundo, mas tem um papel a cumprir. Eu não sei o que quero e nenhuma pessoa que já encontrou o seu caminho pode me entender. Força de vontade é um conceito muito abstrato quando você não sabe o que é que te faria ter vontade de levantar da cama. O que eu realmente quero fazer da vida? As perguntas continuam sem resposta e cada caminho abre várias bifurcações e tudo isso forma em mim uma dúvida tão imensa que seria capaz de ocupar todo meu apartamento de vários metros quadrados. E ocupa. E toda a casa fica pequena e claustrofíbica. E eu não sei onde me esconder de tudo isso. E aí eu sento e choro e fico esperando que o universo ou seja lá quem me apareça com uma solução qualquer, um caminho qualquer a seguir, um afago, três minutos de conversa ouvindo mesmo o que eu tenho a dizer. Antes mesmo de alguém ouvir eu fico quieta. 

Optei pelo silêncio porque as palavras estavam me criando ruído. Porque cada frase me exigia um pedido de desculpas. Resolvi ficar quieta porque ninguém pode organizar a minha bagunça ou jogar tetris com a minha confusão. Fiquei quieta num silêncio tão imenso que era possível ouvir cada pedacinho de pensamento meu. Tenho uma cabeça que nunca para e um coração que só sabe sentir medo. Ninguém segura na minha mão e eu não posso colocar o pé em nada firme. Me sinto naquelas provas daqueles programas da tarde antigos em que a gente tinha que escolher o próximo quadradinho pra pisar sem saber se ele era firme ou afundava. Algumas das coisas eu tenho certeza que posso pisar. Outras estou quase certa que se eu pular, afunda. Ando pela minha cidade e não reconheço, não sei o que faço aqui, não tiveram a decência de preservar nem os lugares onde eu tinha boas memórias. Porque vez ou outra a gente se alimenta de lembranças. Roubaram, além de tudo, as minhas pobres lembranças. Eu não me sinto em casa e me sinto mal. Mal porque da última vez que me senti assim o mundo caiu na minha cabeça. Eu escolhi pular no quadradinho que afundava. Não posso afundar mais uma vez e então decido cuidar de mim. Me afasto de tudo e fico arrumando gavetas, arrumando armários, aprendendo idiomas, correndo da minha confusão por seis quilômetros ininterruptos. Me afasto de tudo a procura de um caminho que eu não sei qual é, mas faço de pouco em pouco. Me afasto sem querer me afastar e todo o silêncio me dói feito pontada. Se eu não me aproximo é de medo. Se eu não me aproximo é de cansaço. Cansaço do silêncio que é sempre mais forte que a palavra. Cansaço da distância. Cansaço de tudo isso que eu sinto e que eu não posso falar, não posso, nunca posso nada porque eu devi agir de maneira adulta. Os adultos jogam jogos estúpidos e as crianças é que são sinceras. A gente vive num balé, num esconde-esconde de sentimento e palavra, num tetris medonho de organizar a vida pra ver o que vai somar mais pontos no final. Todo esse labirinto me machuca e se eu fico quieta é porque eu não quero entrar mais fundo. Quanto mais fundo se entra num labirinto, mais longe se fica da porta de saída. Eu já fui demais. Não sei como eu volto disso tudo. Eu fico quieta na ponta da minha cama e guardo todas as expectativas numa caixa que eu não sei se vai pro lixo ou se fica guardada no fundo do armário. Guardo tudo que espero numa daquelas caixas no sótão sem saber se elas vão mofar ou se um dia eu mexo nelas de novo, revivo, reciclo, encontro sentido. Por enquanto não encontro sentido. Eu também estou guardada numa caixa daquelas pra-quem-sabe-se. Não sei se vão me achar daqui há um mês, um ano, se vão achar que eu ainda sirvo ou se vão me jogar pra fora. 

Todas as incertezas da minha vida machucam. As que cabem a mim eu dou um jeito. Com as que não cabem mais eu resolvi não mexer. Às vezes fico querendo sair feito criança que não sabe mentir falando todas as verdades do mundo, todas aquelas certezas, as poucas certezas que eu sei que eu tenho. Explicar tudo isso que eu sinto pra ver se de uma vez por todas eu sou entendida, pra ver se de uma vez por todas esse silêncio e esse indiferença se transformam em algum desses sentimentos que arrebatam, nem que seja raiva. Raiva é melhor que silêncio. Vida acontecendo é melhor que stand-by. Eu suspiro baixinho e sinto pontada no coração. Tudo em mim tão bagunçado que eu quero organizar tudo e quase esqueço que tem coisa que não sabe a mim. Já não acredito no caráter fatalista da vida. A vida é isso que a gente vê. Sem surpresas mágicas, sem encontros inevitáveis, sem tanta poesia. A vida é crua e as distâncias somam a gente pra menos. As distâncias somam a gente tão pra menos que a gente some. Vejo tudo sumindo e me calo numa espécie de retiro espiritual que serve muito pouco pra mim. Se me calo é pra não criar atrito. Me calo e passo as madrugadas no escuro enquanto vejo a amy segurar um copo de whisky e olhar a vida com cara de enfado. Entendo o olhar. Reproduzo o mesmo olhar do lado de cá da tela. Não quero acabar como a Amy e sei que não vou. Continuo a minha vida com a fúria dos que querem sobreviver. É o único e o pior caminho que se tem a seguir: continuar. Sigo sem otimismo algum, mas sigo. Já entendi que o mundo é estranho e falso, e que eu desperdiçarei inúmeros minutos sem você. Eu já não espero que ninguém tenha o papel de me tirar da escuridão. O mundo é mesmo escuro, o tempo todo escuro. Assim como woody allen, eu tenho uma visão muito pessimista da vida. E é a única visão que eu sei ter. Talvez fosse mais fácil ser uma dessas pessoas que quando a gente fala de angústia nos olham estranho. Talvez fosse mais fácil sair sorrindo em todas as fotos. Talvez fosse mais fácil ser qualquer outra mas daí eu escolhi ser a melhor versão de mim mesma e entendi que - felizmente - essa é a melhor coisa que eu posso ser. Aceitei de uma vez por todas que eu nunca vou conseguir (nem querer) ser uma canção otimista. Eu não gosto dos clichês (e eu sempre preferi Radiohead). 

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho que alguém entrou em minha mente e escreveu esse texto... Amei, perfeito!!