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7.5.13

mas quando eu me zango, não sei perdoar


O Roberto Tem Te Traído Você Sabia?

A pergunta veio como um daqueles carros desgovernados que você não vê passando, só sente o impacto. Quando a frase veio, já podia me ver desmembrada em quarenta pedaços diferentes e com sangue espalhado por todo chão. Tinham descoberto, então. O filho da puta não tinha tido nem a decência de esconder direito a outra com quem saía. Alguém viu. Alguém viu, alguém foi espalhando a história até que chegou na boca dela e ela veio me contar. O Roberto Tem Te Traído Você Sabia? E quase esboçava um sorriso cheio de dentes. Sorriso de quem quer mostrar que sabe alguma coisa terrível sobre a sua vida que parece perfeita. Teu namorado tem te traído. O merda do teu namorado não quis nem esconder direito que tem saído com outra menina e aí descobriram e não só descobriram como vieram te contar. Roberto era um canalha tão canalha que não fazia nem questão de esconder, ir em motel podre de beira de estrada. Não queria ser cínico, não queria deixar debaixo dos panos. Roberto deve ter saído do shopping, de mãos dadas com alguma menina dessas de quem ele gosta. O filho da puta dando voltinha em livraria de shopping com essas meninas de sorriso fácil e meio burras de quem ele gosta. O filho da puta esbanjando todo seu conhecimento merda sobre as artes & tudo mais em galeriazinha meia-boca de shopping com fulaninha de curso de humanas de universidade. Tinham descoberto. Tinham descoberto, e fizeram questão de me contar. 

Onde Você Viu Isso? Não que importasse. A verdade é que eu sabia. Sabia que tinha sido no shopping porque ele tem modus operandis. Se não fosse no shopping era num café. O filho da puta não tem nem imaginação. Sempre os mesmos lugares. Os mesmos lugares onde ele me leva, ele leva elas. Elas não se entediam, eu me entedio. Eu sou a chata que não gosta dos lugares frescos onde ele leva todo mundo. Café. Quando não é café é cinema-livraria. Café-livraria. E o desgraçado lá, mostrando todo seu conhecimento raso sobre tudo isso que ele conhece. Roberto é um filho da puta pós-moderno que acha que sabe muito sobre vários assuntos e a grande verdade é que quando se sabe um pouco sobre todos os assuntos, se sabe nada sobre tudo. Ele não sabia de muitas coisas, mas não é como se as meninas que acham ele lindo se importassem. Dava pro gasto. O filho da puta fodendo e presenteando essas meninas que gostam de ganhar presente. O filho da puta dessa vez tinha baixado a guarda e aparecido em público com uma dessas meninas. Tinham descoberto. E vieram me contar. 

Naquele Café Que A Gente Foi Semana Passada, Sabe Qual? Não era shopping, era café. Tudo a mesma coisa. Café, conversas, arte, os problemas do mundo, literatura, as últimas notícias do jornal, Você Leu o Último Livro Daquele Escritor Fantástico? Leram, sempre lêem. Leram, discutem, sorriem, se beijam e acabam na cama. Tinha sido assim comigo e devia ser assim com todas as outras, porque ele não ia se dar ao trabalho. Sei Qual, Aquele Da Avenida Perto da Livraria, Né? Sim. Ele Não Te Viu? Acho Que Não Eu Sai Rápido. Não que se ela visse ele ia disfarçar, ou se sentir culpado. Ia continuar ali, jeito de quem não deve nada a ninguém, as contas pagas em dia, cuidando da própria vida. Eu que sou atarantada. Agora tinham dó de mim. Filha da puta, veio me contar e me olha com esse sorriso meio assim. Então o relacionamento de vocês não era perfeito? Regozijava-se. Por dentro dela devia tocar uma fanfarra. Eu era também uma amélia burra que ficava em casa comendo chocolate e vendo TV enquanto o Roberto fodia outra menina no apartamento de solteiro dele, no outro lado da cidade. Ele que não deve nada a ninguém. As contas pagas em dia, dono da própria vida. E eu, coitada de mim. Virei mulher que faz vista grossa pra traição. Perdida e jogada num apartamento imenso onde dá pra guardar todas as minhas mágoas. Ainda Bem Que Tem Dinheiro Pra Comprar Chocolate Suiço E Pagar Analista, deve ter pensado a ordinária. Um saco inteiro de chocolates belgas, analista sete vezes por semana, se quisesse. Mas nada disso. Nada disso. Eu só ficava lá, meio tristonha, olhando a agenda de contatos e pensando pra quem ligar. Tanta gente no mundo. Grandes bostas. 

Era Uma Menina Que Acho Que Já Vi No Face Dele. Dizia com olhar de quem se perguntava E Como É Que Você Não Notou? Notei, claro que notei. Noto tudo, sei de tudo. Se bobear sei até os dias. Roberto tem umas desculpinhas esfarrapadas pra disfarçar traição. Inventa que não pode sair porque apareceu um trabalho de última hora. Sempre se enrola com as datas, quando você pergunta. Diz duas versões da mesma coisa, depois fala que Desculpa Eu Ando Mesmo Muito Cansado Embaralho As Coisas. Esquece as minhas datas e eu já cheguei a pensar que qualquer dia eu apareço nua na frente dos amigos dele e ele não faz nada. Dia desses esqueceu que a gente tinha marcado um jantar. Aí depois ligou, se desculpou. É Muito Trabalho Você Entende? Entendo, claro que entendo. Sempre entendo. Me faço de sonsa, é sempre melhor. Brigar vem ele com aquela conversinha de Você Leva Tudo A Sério Demais Isso Não É Um Casamento. O que ele não entende é que é questão de respeito. Aí. A filha da puta vê ele com uma qualquer e eu tenho que ouvir que O Roberto Tem Te Traído Você Sabia? Claro que sabia. Sei, sempre soube. Sei de todas elas. Os nomes delas. Os bilhetes que ele escreve pra elas. O jeito que elas acham que ele as acha as únicas do mundo. O jeito com que ele explica que Do Nosso Amor A Gente É Que Sabe. Tudo papinho barato pra todas elas acharem que não precisam de exclusividade. Que o sentimento é algo que paira no ar, muito maior e mais sublime que os rótulos. Rótulos São Para Potes De Maionese, disse um desses caras aí que tem frases espalhadas no facebook. Acho que um filósofo. O Roberto gosta dessas merdas. Nunca leu nem um livro inteiro de um desses caras, mas gosta dessas merdas. Claro que eu sei que o Roberto me traí. Sempre soube. Ele não sabe disfarçar.

Sei Quem É. E disse o nome da menina. Sempre o mesmo tipo. O Roberto escolhe o mesmo tipo de meninas, sempre. E elas não disfarçam. Sempre tem vestígios delas em algum lugar. E olha que eu nem fuço mais nada. Na casa dele nem o computador dele eu uso, porque se a gente fica sabendo de alguma coisa tem que tomar providência e eu desisti. É Essa Mesma. E ela me olhou com dó. Poxa, coitada de mim que tenho um namoro em que me traem. Coitada de mim, em casa, lendo livros e corrigindo trabalhos enquanto o Roberto ia levar outra menina pra tomar café. Só suspirei. Não ia dizer que eu sabia porque ia soar meio ridículo. Aí sim ia ser caso de pena, ela contando pra todas as amigas que Você Ficou Sabendo Da Carolina Ela Tem Sido Traída E Não Faz Nada. Todas iam pensar em mim com dó, iam sorrir um pouco pensando que o meu namoro nem é tão legal assim, mas que sempre desconfiaram. Acho Que Ele Me Dava Umas Olhadas. E quem sabe iam elas também se engraçar com o Roberto. Filho Da Puta Ainda Bem Que Chumbo Trocado Não Dói. Hein? Me olhou com olhos de surpresa.

Traio Ele Também, Ué. Os olhos dela pareciam envergonhados agora. Podia jurar que nesse momento ela preferia não ter contado nada. Queria que eu chorasse, me descabelasse, perguntasse Como É Que Ele Pôde Fazer Isso Comigo? E aí depois ela ligando pra todo mundo que conhecia dizendo que eu chorei num café no shopping quando ela contou que Roberto tem me traído. Tem Me Traído. Uma coisa constante, ainda. Várias. Todo mundo já sabe. Eu, desolada, molhando a blusa toda de lágrima e elas pensando que eu era uma mulher bem sucedida, porém infeliz como todas as outras. Trai? Traio Ué. 

E não era mentira. Traia mesmo. Traía porque me sentia melhor assim, ainda que ele nunca soubesse. Era discreta. Marcava as coisas por telefone, às vezes por mensagem. Os encontros nunca eram um lugares muito públicos. Uma vez por semana, às vezes no meu apartamento. Às vezes no deles. Uma lista fixa. Uns cinco caras. Por um deles eu sabia que podia me apaixonar, mas esse era o que estava menos interessado. Todos eles me comiam melhor que o Roberto. Todos. Um amigo meu dizia que eu gostava é do que não prestava. Concordava. Todos os cinco eram pessoas interessantes. Uma vez marquei encontro com um deles logo depois que o Roberto me deixou em casa. Uma vez lembro que descobri mais um dos casos dele. Ele não escondia. Vi os dois se beijando. Voltei pra casa, liguei pra um deles e trepei chorando. Destruída. Dei uma desculpa qualquer, disse que estava preocupada com o trabalho. Ele me disse que ia ficar tudo bem e me deixou dormir com ele. Eu trepava com outro chorando, mas trepava. Era a minha vingança. Eles existirem em silêncio era a minha vingança. Roberto esfregando na cara de todos os seus casos e eu, resoluta, fingindo que estava em casa trabalhando. Sempre Muita Coisa Pra Fazer. Ele nunca desconfiou. Acha que eu nunca vou largar ele por homem nenhum porque não existem homens melhores que ele. Existem. Vários. Eu continuo com ele por causa de uma dessas razões irracionais. Não faz sentido. Ele não toma cuidado. Eu tomo porque prefiro assim. Queria que ele me pegasse dando pra outro cara quando a gente marcasse um encontro, mas depois despenso. Eu não sou igual a ele. Me vingo em silêncio. Me vingo e sei. Sei que também mando bilhetes e marco encontros com homens que não são ele. Me machuco do mesmo jeito. Finjo que não. Mas agora a filha da puta tinha vindo contar. Era demais. 

Ele Te Traí Porque Te Descobriu? Agora o Roberto era a vítima. O canalha, vítima. Claro Que Não, Eu Comecei a Trair Quando Descobri A Primeira. A questão que pairava no ar era porque então eu continuava com ele? A questão era uma questão que eu não conseguia responder. Não pagava analista, embora tivesse dinheiro. Me enganava pensando que, se eu fazia a mesma coisa, então era porque devia ser assim mesmo. Tenho idade de ser assim, livre. No fim era fácil levar quando eu não ficava sabendo. A primeira eu nunca nem esqueci o nome, se chamava Rafaela. Eu vi os dois andando no shopping. Ele não sabia que eu precisaria pegar um livro pra levar pra uma aula no outro dia. Levou a menina. Eu nunca ia naquele shopping. Ela durou por muito tempo e ele nunca fez questão de esconder direito. Hoje Não Posso Porque Preciso Dormir Cedo. No outro dia a Rafaela colocava uma foto emblemática de um café com uma fatia de torta. Já teve até foto dos dois, porque esconder nunca foi lá uma preocupação do Roberto. Acho que ele nunca soube o que me machucava, ou, o mais provável: ele só pensa nele. Resolvi pensar em mim também. Arrumei uns caras pra sair. No começo pensava em levar eles nos lugares onde a gente ia, mas depois acabei bobagem. Se ele descobrisse o que ia adiantar? Nada. Uma hora eu ia me apaixonar por um dessas caras e ia largar ele. Nunca aconteceu. Ele sempre com aquele ar empoado de quem acha que nunca vai ser deixado. Era fácil antes, eu também gostava dos meus outros caras. Com cada um eu fazia uma coisa diferente. Nunca mais me perguntei porque não largava o Roberto. Ia levando assim. A vida dele não me interessava mais. Sabia de poucas coisas. Quando nos vemos é agradável. Dá pra ser assim. Até que vem um carro desgovernado e te destroça os ossos. Você Sabia Que o Roberto Vem Te Traindo? Sabia, mas eu tinha esquecido. 

Faz Tempo Tudo Isso? Acho que Faz Acho Que Sempre Foi Assim. Eu tinha relembrado. Antes a coisa corria, era mais fácil, ele era mais um no meio de vários. Agora aparece ela, me lembra de tudo isso. O filho da puta não faz questão de esconder, aparece em café com as outras. Na frente das minhas amigas. Elas vem me contar. Vem Te Traindo. Todo mundo já sabe. Eu, trouxa. Trouxa, comendo chocolates belgas. Bem sucedida, mas tristíssima. Se sujeitando às traições de um namorado. Se sujeitando. Por que? Não sabia responder. Olhava pra ela que me olhava num misto de pena e espanto e não sabia o que dizer. Eu tinha esquecido. Dele, do descaso, da mania de sempre pensar primeiro nele e nunca no fato de eu também ter um coração. Você Tem Que Entender Que A Vida É Assim, ele dizia toda vez que eu questionava qualquer coisa que seja. A Vida Não Tem Que Ser De Jeito Nenhum, eu pensava. A vida a gente faz. Não tem pré-requisitos, viver. Não existem as coisas que são assim e pronto. Talvez a morte. O resto, o resto é pura invenção. Acontece que o Roberto era fatalista e eu era cheia de invenção. Por Que Você Continua Com Ele Então? Pela primeira vez ela fazia uma pergunta que fazia sentido. Por que? Eu olhava para os destroços de tudo aquilo e também não sabia responder. A essas alturas ela já estava encharcada de pena de mim. Eu também tinha um pouco. Queria me colocar na minha frente e me estapear dizendo Você Não Precisa Disso. Não precisava que alguém viesse me dizer que ele vem me traindo. Não precisava aceitar coisa alguma porque nada tem que acontecer de jeito algum. Meu coração destroçado em cima da mesa daquele café no centro e eu pesando quando foi que eu deixei que ele me destruísse assim. Nada está bem, nunca esteve. Ele, elas, nada disso eu mereço. Não mereço as condolências da estranha que vem me dizer que O Roberto Vem Te Traindo, porque ele nem faz questão de esconder. A Vida É Assim, e se eu me machucar, eu que lide com isso. A culpa é minha. 

Por Que você Continua Com Ele Então? Eu tinha que responder a pergunta sem resposta cabível. Nenhuma resposta cabia nessa pergunta. Respondi a única coisa plausível. É Que Não Estamos Mais Juntos Você Não Ficou Sabendo? Ela me olhou com espanto. Mas É Que Eu Achei Que… Não Faz Muito Tempo Mesmo. Ela me olhou com olhos de alívio. É Que O Roberto Tem Me Traído E Eu Não Mereço Isso. Chumbo trocado também dói. Tinha cansado. A resposta da pergunta era simples: não havia porque continuar com ele. Meu coração destroçado ainda descansava em cima da mesa daquele café no centro de onde eu podia ver a cidade. Já podia me ver desmembrada em quarenta pedaços diferentes. Era como se tivesse passado um daqueles carros desgovernados que você não vê passando, só sente o impacto. Tinha sangue espalhado por todo o chão, mas eu ia sobreviver. 

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