Páginas

27.12.08

influência.

e tudo isso daí que eu escrevo embaixo parece e é, tão propositalmente, tão ridiculo e estranho. tão bonito-perfeito, porque eu li tantotanto caio fernando abreu e tudo ficou assim meio que.
nem gosto tanto, adimito pra ti assim, crua, que nem gosto tanto, mas me tira o tédio dessas noites cinzas que quase amanhecem vermelhas me fezando escrever sobre essas coisas que não são minhas mas que devem ser de alguém. as coisas sempre tem que pertencer a alguém, depois que se tornam algo. pelo menos eu acho que sim, não achas?
se não for de nenhuma valia, se não for de tocar por total se não te fizeres chorar ou pensar que bonito-que-foi-aquilo por alguns segundos, então...

... que seja doce.

para quem sabe se.

eu nem lembro o que eu pensei quando olhei pra você da primeira vez que te vi, mas deve ter sido algo que morou entre o abstrato e o idiota e que provavelmente não valeria a pena escrever em voto de casamento ou livro de amor nenhum. eu lembro bem mesmo de olhos bem azuis e de desajeitos tão grandes que me fizeram sorrir antes de eu resolver olhar a lua e pensar no quanto o mundo é vasto os amores são longíquos e estranhos. lembro disso, e só. depois devo me lembrar de milhares de conversas suas pra mim e minhas pra você, dessas conversas bobas que começam sem porque e terminam de um jeito que você nem saberia dizer como é mesmo que aquilo começou, e só é tão engraçado que dá vontade de pular, de tanta felicidade. felicidade é daquelas palavras que você pode usar em certos momentos, e eu posso dizer que a gente pode usar felicidade mesmo pra dizer isso aí que a gente passou. eu sei que eu ria, mas não sei porque eu ria. sei que você era sim, de algum modo, inteligente de um jeito que eu não sabia como era, mais era. e tinha uma habilidade grande em me fazer gargalhar que só não era maior do que me deixar sem jeito pensando comoéqueé que alguém pode ser tão ridiculamente atencioso com outro alguém só porque um dia ensinaram que assim seria e é. eu te ensinei algumas coisas, ainda me lembro de algumas tardes ali, vendo uns acordes, ensaiando umas batidas. mas sei que você me ensinou mais sobre mim e sobre tantas outras coisas que eu nem sei te contar.
ensinou também sobre músicas que eu um dia acreditei ser fantasia de compositor, me ensinou a ser alguma coisa que eu já não era há algum tempo, por medo de ser bem ridícula.

eu nunca sei porque é que as coisas duram, eu nem sei se eu sou do tipo que fica na memória de alguém. eu sempre achei que era perfeitamente aceitável que depois de dois meses eu virasse poeira cósmica em qualquer pessoa bem avisada. porque as pessoas vão em frente com as suas vidas e é normal que um dia elas resolvam desempoeirar suas cabeças e esquecerem quem foi mesmo que um dia disse aquela coisa engraçada ou mesmo esquecer daquela noite que te pediu pra ficar e você ficou, ali, sem fazer nada, conversando, olhos desconfortavelmente nos olhos e cabeça no colo, só por estar. é mais possivel ainda que se esqueça do desavisado abraço de despedida e dos seus olhos baixos com a certeza total de que não faria nada por orgulho e que se arrependeria calada no trajeto que demora quinze minutos entre luzes e carros de volta pra casa.

eu não ter virado poeira cósmica é algo que eu queria que, mas não sabia se. achei que tinha virado poeirinha ali, naquele dia. sabia que um dia você iria desempoeirar essa sua cabeça, limpar as gavetas, esquecer que um dia eu já fui uma insistência grande, uns olhos convidativos e uma boca cheia de palavras ridiculamente ensaiadas só pra que você culminasse em vermelhidão e elogios. pois acho que você limpou mal as gavetas, ou eu sou uma poeira cheia de gordura, ou justo aquele cantinho ali que você achou que ninguém ia ver era o cantinho em que eu morava. começaria tudo outra vez, mas nem tanto.

eu só sei dizer que somos duas crianças ridículas e inexperientes e que sinceramente foi tudo tão brega e de uma comédia romântica tão sessão da tarde que eu só posso te achar, mais uma vez, lindo. eu sempre achei que eram muito mais bonitos os amores que não são. não são e não existem assim, físicos, beijos, abraços, amassos e nem eu te amos que são ditos verbais " eu te amo". sei que te entendia pelo olhar e ria feliz, sei que me olhava quando eu não e eu te olhava quando não e as vezes encontros aconteciam, risonhos, como as mãos que se encostavam tímidas em brincadeiras de não querer. sempre soube que gosto mais do estar lado a lado sem olhar mas com o coração pulando rápido, e com aquela boca que engole seco a vontade de falar ou ser algo mais que silêncio. sei que somos tudo isso justamente porque não podemos ser independentemente de qualquer coisa.

mas sei que quero não virar poeira cósmica para os outros possiveis encontros porque eu sempre sei que vai sempre valer a pena esse não ser bonito que a gente é. e sinto porque teus olhos sempre dizem tanto, e o seu não conseguir falar é sempre mais expressivo do que se disseste tudo. o que eu sei é que sempre gostei dos amores que são por pequenas delicadezas. e são os pequenos cuidados, os pequenos toques que fazem com que eles não desempoeirem das nossas cabeças. só quero dizer obrigada por cuidar de mim, sempre sempre e por se preocupar tanto e tão. quero ser contigo essa coisa que não é, nas entrelinhas, para que um dia quem sabe esteja ali todo dia a te observar dormindo e cuidar de ti até poder dizer sorridente todos os bom dias pro resto da sua vida, sem despedidas casuais que de tão belas chegam a ser tristes. quero empoeirar tudo para que um dia quem sabe se.(jamos)

entende?

Você não entende, não adianta você não entende e eu poderia ficar aqui te escrevendo, te escrevendo total e completamente isso tudo que eu sinto e sou mas não adiantaria, você não entende e pronto. Você não entende e isso faz doer aquela coisa que aperta e dá vontade de chorar. Você nunca entenderia essas coisas que eu tento te dizer aleatoriamente e você sempre sempre me interrompe. E eu estou sempre esperando que você me responda o que eu quero ouvir, ou só uma coisa bonita, sabe? aquelas coisas bonitas que a gente vive esperando que digam pra gente, mas nunca é. você só diz, diz alguma coisa, ou me pergunta sem muita empolgação se eu sei se os mercados vão abrir agora, diz vinte e seis, logo depois do natal. eu nem brigo, só te olho e respondo que sim, que dia vinte seis logo depois do natal é só um dia comum e não é feriado nem nada e que um dia eu vou mesmo é enjoar dessa sua mania de ser tão absurdamente desligado. Depois de pensar isso eu penso em te explicar tantas coisas e te escrever um tratado, ou te dizer um monólogo sobre tudo isso que eu sou, sobre todas essas coisas que ninguém entende e só eu acho sentido, mas não vejo muito porquê. a gente nunca foi, sabe? a gente nunca disse ao mesmo tempo a mesma palavra e nem ao menos você soube exemplificar perfeitamente aquela coisa que eu estava sentindo com uma metáfora ridícula. nunca foi assim, mas eu queria tantotanto que um dia fosse. eu estava aqui, sozinha, na luz e pensei em te explicar porque eu gosto disso tudo, de luzes e tal, e de ficar escrevendo sem que ninguém esteja mais. queria te explicar sobre saudades e dores no peito, sobre os amores que eu sei que não vão durar, sobre sabotagens a mim mesma, sobre a empadinha de palmito que eu deixei secando aqui do lado na véspera de natal. queria te alugar pra te explicar tudo sobre mim, tudo que alguém um dia já entendeu, mas eu queria que você entendesse. sabe? tudo. tudo, grande, extremo, infinito, até amanhecer. Mas não adianta, você não entende mesmo.

23.12.08

Com entradas para o show mais esperado do ano, ele escolheu ficar com ela.

( e é isso que fez toda a diferença)

tarde de dezembro, nem quente nem frio. céu nublado. expectativas e contagens regressivas pro natal. pessoas indo. pessoas vindo. pessoas comprando. pessoas. a quinta feira a tarde tem gosto de cabo de guarda chuva, ao menos pra mim. roberta. desiludida. roberta-desiludida. nenhum telefonema, telegrama, sinal de fumaça, nada. solidão total em meio a consumismo exacerbado e uma cidade ( e uma alma) sem cor. passos rápidos, latinha de sprite na mão, all-stares andando rumo a volta pra casa. vazia. impessoal. mas casa. todo lugar onde se vive é casa. paredes brancas e silêncio passando marca texto amarelo na solidão. destacada e fria.

oi, roberta. é quinta feira a tarde e você não tem nada pra fazer. seu namorado se encontra há um estado e meio daqui, são paulo, ele vai ver o show da banda mais legal do universo. pra ele. pra você é só uns caras que fazem um som meio sem graça e sem cor e principalmente sem aquela pitada de coisa que faz com que você se apaixone por uma determinada banda sem nem saber porquê.

pois jazo em santa catarina cinza, no apartamento impessoal, alugado, na cidade de florianópolis. ali, do lado da faculdade e daquela padaria onde todo dia eu pego dois croissants de presunto e queijo. tão tão tão longe de casa. metrópole. São Paulo. Viaduto movimento barulho, namorado. ah, que saudade suicida.
l
igar, talvez-quem-sabe, pra que? são seis e dezenove e ele deve estar no metrô com aqueles amigos que só são amigos dele. e dizer o que? "oi, amor, tô com saudades queria tanto você aqui." ele, tickets na mão, tendo certeza que eu só devo ligar pra ele na intenção de estragar, ou pelo menos colocar uma pitadinha de culpa em todo e qualquer plano. tudo isso costurado bonito com aquele típico você-nunca-sai-com-a-gente-deixa-ela-pra-lá que escaparia da boca de algum dos amigos dele, no metrô que faz o caminho rumo ao credicard hall e ao show da banda mais legal do universo pra eles também.

mas é que às vezes santa catarina é tão cinza... e a solidão deixa tudo tão estranho e frio que eu preciso de. mas todos os meus pedidos se confundem perfeitamente com chantagem emocional e ele sempre vai no fim das contas, porque ficar não é uma escolha, mas um não-apareceu-nada-pra-fazer-hoje-posso-ficar-com-você. porque se aparecesse, ele ia. ligava, pedia desculpas, e ia. ia sim. ia se divertir. ele precisa de. ah, roberta. larga a mão de ser chata.

a tevê emite sons irritantes e eu deixo o telefone lá, porque eu não ia estragar o show da vida dele dizendo que eu estou com saudades, ou simplesmete com necessidade de. o " tá bom, eu fico por você" nunca foi uma resposta válida e hoje ia ser só sacanagem e minha.

horas, minutos, cada segundo demorando dois e a solidão ali, olhos abertos. telefone. telefone? marcelo. marcelo? oi amor. oi. e o show? não fui. como não? cancelaram? escolhi ficar com você. hoje? é. o show, marcelo, o show da sua vida. rendeu duzentos e cinquenta reais pra eu gastar em telefone com a mulher da minha vida. cambista, filha duma puta. sorrisos. e seu dia, como foi? teve gosto de cabo de guarda chuva o dia todo, mas agora tem gosto de escolha certa.

florianópolis nunca pareceu tão brilhante e pela primeira vez depois de meses, o gosto de cabo de guarda chuva deu lugar a uma certeza de escolha certeira que atendia ( e olha, escolhia ligar ) pelo nome de marcelo, que tinha escolhido assim, em negrito e bem destacado ficar com ela no dia do show mais esperado do ano. e são essas pequenas escolhas que fazem toda a diferença nesse dia a dia cheio de (re)validações necessárias chamado amor.

12.12.08

" me falem do sagrado coração porque eu preciso de ajuda."

"It might be a quarter life crisis
Or just the stirring in my soul "

O samuel rosa disse numa música que " diabo é quando não há mais poesia". Isso me martirizou várias vezes durante a minha parca existência. Mesmo antes de descobrir a música, mesmo antes de qualquer coisa. Diabo é quando não há mais poesia. Diabo é quando além de tudo, você não consegue transmitir em forma de palavrinhas o tamanho da coisa que está sentindo. Quando é felicidade é o normal. Você não consegue verbalizar, mas pra quê verbalizar a vontade de sair por aí saltitando e rindo na cara de todo mundo por eles não serem tão felizes quanto você? Não é necessário. Já a tristeza é necessário palavras. é necessário que ela saia de alguma forma. É necessário vomitar o sentimento como forma de alívio.
Oi, não estou conseguindo.
Tudo o que eu sei sobre mim é que eu durmo tarde e acordo mais tarde ainda. Não quero ficar acordada. E quando tento dói. Na maioria das vezes. Eu me embriago de programas de televisão ou entro em alguma história pra fugir da minha vida. Choro. Tenho chorado com uma facilidade mais que absurda. Por qualquer coisa, por qualquer indelicadeza. Estou sendo machucada com pequenos atos involuntários de qualquer pessoa. Me forço a sair pra me destrair. Saio pra não ficar aqui, me martirizando, relembrando as coisas que eu não quero. Me sinto presa. Atada. Tento me libertar e só fico mais dentro desse não sei o quê. Magoo quem eu amo. Quem eu amo vive me magoando sem se dar conta. Me sinto absolutamente sozinha. Choro. Não me sinto um ser importantante a pelo menos um mês. Há duas semanas as coisas pioraram de vez. Não tenho com o que me preocupar. Notas, faltas? Não. Me sobrou a minha vida. Eu estou sozinha com a minha vida e não gosto dela. Não sei o que fazer o que ela. Não espero que você saiba, também. Se você souber, não me diga. Eu não esprro mudar, eu não espero nada. Eu espero que você sente do meu lado e diga que me ama, e só isso. Bem da verdade eu espero que demonstrem que me amam, e isso não tem acontecido com muita frequência. Eu espero devoluções do que eu digo. Eu estou magoando, eu sei. A culpa não é minha. Tem algo aqui dentro, você não entende? Eu não consigo... Eu não consigo. Eu queria ser isso que você quer que eu seja. Ia ser melhor pra mim, até. Mas eu não consigo, entende? Eu sei que eu fico aqui me auto destruindo. Tem uma vida lá fora. Todo mundo fica vivendo suas respectivas vidas. As pessoas esquecem das coisas, se perdem no tempo. Eu não consigo. Se você soubesse o que fica aqui dentro, se vocês soubessem. Eu não devo estar bem, eu sei. Eu queria dizer trocentas outras coisas, mas eu não consigo. A coisa que está aqui dentro não consegue ser vomitada. Não quer ser. Mas dói, faz chorar, faz dormir, faz sentir carência, faz brigar por causa da carência, faz a pessoa que possui a coisa se magoar pela mínima não ação. Eu só peço que me entendam, e que me desculpem por qualquer coisa. E principalmente, não fica saindo de perto de mim, merda. Ainda não deu pra entender que eu preciso de ajuda? Não que me digam o que fazer. Só fiquem aqui perto de mim.
Eu estou absurdamente triste e isso não adiantou de nada.

" keep breathing, keep breathing..."
"- I can't do ito alone..."

8.12.08

as pequenas ausências.

o que você aprende, uma hora ou outra é que, você vai viver de pequenas frustrações. Uma aqui, uma ali. O mundo vai tirando de você pequeninos pedaços de cada vez e no fim das contas você já nem vai lembrar que pedaços tiraram ou deixaram de tirar. Um dia, entretanto, sentirá falta de um deles e ao procurá-lo, vai doer. A gente sempre diz que se acostuma com as pequenas faltas, as pequenas ausências. A gente está sempre desculpando os pequenos erros, mas a grande verdade é que, eles, como pequenos vermes vão tirando pedaços irreversíveis da sua alma e quando você vê, você virou pó.
Ou pedra.

1.12.08

A ausência.

"Não entre, não fique aqui", ele disse. Queria ficar sozinho, completamente sozinho como se o silêncio existisse ancestralmente antes de qualquer outra coisa. Queria observar cada mancha na parede do teto do seu quarto já inabitado há tempos. Não queria ninguém que lhe olhasse com olhos de desaprovação só porque faziam exatos três dias e duas noites que não saia daquele quarto nem mesmo pra observar se chovia ou fazia sol do lado de fora. Queria estar inerte, apenas o ser deitado na cama que observa o teto e pensa pensa pensa pensa. Pensa sem vírgulas nem pontuação, porquê os pensamentos são muitos e muito rápidos. Fazia muito tempo, anos, senão décadas que não parava e ficava. Eram tantos telefonemas, tantas pessoas, tantos compromissos, tantos afazeres, tantos e tantas que de repente sentiu vontade de estar só e parado. Pois ficou exatos três dias e duas noites ali, sem se levantar, sem comer, sem dormir. Apenas o homem que olhava para o teto que não olhava de volta e que pensava demais. Pensava em tantas coisas que não podia ordená-las. Pensava então que precisaria ficar meses pensando só para chegar em alguma conclusão depois de dez anos sem nunca parar. Desligou o telefone e pediu a todos que não o incomodassem. Precisava ficar ali, parado, no terrível encontro de um homem com ele mesmo. Na abissal tristeza de uma alma que já não falava há tanto tempo que quase tinha se calado. Precisava ficar ali entre paredes brancas e manchas feitas pelo tempo que nunca tinha sequer prestado atenção. Pensava talvez em ausência. Um dia viria a ausência, e aí? E aí sairia do quarto e viveria de novo, seria assim, o normal teria de ser assim.

Passaram-se então dias, e os dias foram formando semanas e as semanas formaram um mês e depois de um mês se sentiu a ausência. Ausência do que? A ausência. Se fala em ausência e a falta se faz presente. Mas é uma falta grande, uma falta grande de não se sabe o que. É simplesmente ausência. E pensou em se levantar para se livrar da ausência, mas já gostava tanto de seu quarto com paredes brancas e já tinha se apegado tanto as manchas de seu teto que resolveu ficar ali. Pensou que a ausência ou sumiria ou ficaria ali, mas já não tinha vontade de nada. E os meses foram formando bimestres e os bimestres foram formando semestres e dois semestres formaram um ano e ele continuava ali em seu quarto com paredes brancas e manchas no teto. Ficava deitado, ele e seus pensamentos e a ausência. A ausência se fazia persente todos os dias em todos os minutos em todo tempo. No começo incomodava, agora a ausência simplesmente se faz presente. Quando se faz presente a ausência logo sua presença passa a ser ausente. Entre paredes brancas e manchas no teto ela até está, mas é como se não existisse mais.


Acostumaram-se.

Senta-te, bebe.

Pega uma cadeira, senta-te. Não quer tomar alguma coisa? Podes pedir qualquer coisa, eu pago. Pago um vinho, uma cerveja, uma água com ou sem gás. Pago também pela sua companhia simples, se não quiseres beber nada. Estou sozinho aqui há tanto tempo. Esse bar é escuro, as pessoas estão todas bêbadas ao meu redor. Não que eu goste de sanidade, na verdade eu nunca gostei de gente sóbria, gente centrada. Mas queria alguém pra conversar, você me entende? É que às vezes a solidão dói. Tem alguma coisa em ficar sozinho que machuca. Já tive todas as conversas possíveis comigo mesmo. Já andei por todas as esquinas da minha alma e percorri caminhos que agora percebo que não tem volta. Entrei por portas fechadas à anos. Fiquei trancado em quartos que já criam teias de aranha de tão desabitados. Não tenho mais pra onde ir.

Acabei ficando no vazio que é a minha alma. Me perdi por aí, não sei mais por onde ando. Sei que esse andar por mim dói. Sei que me aperta o coração, me faz faltar ar nos pulmões e às vezes me sinto tão cansado de caminhar que tenho vontade de chorar. Chorar demais e de dentro. Chorar com aqueles barulhos feios que as crianças fazem quando estão muito sentidas. Ás vezes só sinto vontade de permanecer parado e inerte nesse vazio que nem tenho mais pretenções de preencher.

Aceita um cigarro? Não, eu não fumo. Não gosto de fumaça, nem dos dentes podres que me sobrariam e além do mais o cheiro me enjoa. Eu já sou enjoado normalmente. A vida me enjoa, me faz querer vomitar. Mas eu nunca vomito. Só choro. É um enjôo estrutural, eu sei que não vai passar nunca. Eu te ofereço cigarros para que não vás embora e continue me escutando. Nem estou pedindo que opines e nem que sejamos amigos ou coisa assim. Eu só preciso de alguém de carne osso e olhos me encarando e tendo alguma preocupação comigo. Eu já não me sinto mais vivo, se é que você me entende. Isso de passar muito tempo sozinho faz com que você, de certa forma, não pertença mais ao mundo. É só um ir e ir e ir para caminhos que você mesmo deve escolher, mas que não tem a mínima idéia de quais sejam. Numa dessas caminhadas vim parar aqui. Aí te avistei, finalmente um rosto conhecido depois de tanto tempo e pedi para que sentasses e bebesses comigo. Ninguém conversa comigo há tanto tempo...

Já não deixo mais meu telefone ligado e esqueço de carregar o celular. Há algum tempo ainda havia a esperança que um dia o telefone ia tocar, ou ia aparecer de surpresa alguém na minha casa. Algum amigo desses que eu não via há tempos e que resolveu lembrar de mim. Creio que essas coisas não existem, salvo em filmes, ou em livros. Depois de um tempo eu simplesmente desisti de esperar. Sei que ninguém vai aparecer. Sei que a solidão é minha amiga, minha companheira de bares e calçadas e já não há mais nada que eu possa fazer. E aí você apareceu e eu tentei comprar sua companhia com uma bebida, um cigarro. Compro qualquer coisa e pago qualquer preço só para que eu não sinta mais essa dor de existir e estar só.

Estar só dói as veias depois de um tempo. É um tipo de sangue que faz esforço para correr, para abastecer o seu coração. Por algum tempo eu me bastei. Depois tentei a tv, os livros, as músicas, a bebida... A companhia sintética me serviu por algum tempo. Depois disso não há mais o que fazer. Precisa-se de pessoas de carne e osso mesmo que elas apenas finjam te ouvir. Sentes-te confortável aqui? Não me parece o tipo de lugar onde virias, mas viestes e só agradeço por estares aqui sentado e me ouvindo falar essas coisas sem nenhum sentido. Creio que devo estar te entediando, já é a quarta taça de vinho que tomas e já não deves nem me ouvir mais. Eu não preciso que me ouças. Eu só preciso que estejas aqui, só por estar, só pela sensação louca de parecer conversar com alguém, coisa que não faço desde nem posso me lembrar quando.

Eu podia colocar um boneco na minha frente e fingir que ele é uma pessoa. Uma companhia plástica, até pareceria real. Não posso. Preciso sentir que alguém respira perto de mim. Nem falas, mas bebes e respiras. Posso ver que tens brilho em seus olhos e ouço colocares a taça na mesa depois de cada gole. Estás aqui, mesmo que não por inteiro, de corpo presente. Eu só peço por um corpo vivo perto de mim, ainda que não fales. Um corpo quente que eu possa ouvir respirar. Não preciso mais de companhia, só de alguém que ao menos finja me ouvir. Já não pertenço a esse mundo e sou completamente só. Senta-te, continua bebendo que ainda tenho o mundo pra te contar e não me ouvires, não comentares, não fazeres nem movimento de aprovação. Só fica, que me contar sempre parece o melhor jeito de me esquecer.