Não teve bar, não teve encontro e não teve magia nenhuma naquele dia, mas ela pensou que foi a primeira vez que ela pensou em escrever pra ele. Sem poesia, magia, ou cortesia nenhuma e sem encontros de olhares ou conversas mágicas, mas pensou. Foi exatamente depois de ouvir uma música dessas que falam de qualquer coisa - amor talvez? - cheias de lugares comuns que teria lhe dedicado não fosse uma frase dessas que falam de beijos e de casar. Ainda muito cedo pra dizer exatamente assim, sem metáfora nenhuma que queria chamar ele pra conversar e depois casar e separar. Ainda que houvessem as poesias implicitas e os exageros de literatura era tudo muito aparente. E ainda não era hora de coisas aparentes. Era a hora de dizer as coisas, mas assim, como quem não diz, estupidamente como se deve fazer nos jogos de amor que ela estava acostumada - embora nunca tivesse aprendido nada - a fazer há alguns anos.
Não teve nada, foi só uma música dessas que tocam em rádio que a fez pensar que talvez queria lhe dizer tudo aquilo, mas tudo aquilo ainda não deveria ser dito e então pensou escrever tudo de um modo que não parecesse que ela queria dizer alguma coisa a ele, especificamente, sendo tudo aquilo que ela estava dizendo totalmente cabível de ser dito para qualquer pessoa que habitasse o planeta terra e fosse capaz de ser amado.
Queria além de dedicar músicas, muito mais que isso - muito mais do que dedicar simplesmente coisas não escritas por ela que queiram dizer aquilo que ela não sabe -, queria dizer. Dizer um universo de coisas e fazer todo um outro universo de perguntas dessas que só chegam depois de enormes madrugadas deitados na grama olhando as estrelas, possivelmente no frio quando timidamente o interlocutor percebe no ouvinte uma estranha sintonia que alguns chamariam "atração inevitável" e sente vontade abraçar por subito o ouvinte, embora saiba que o máximo que vai fazer é concordar e sorrir, depois de dizer alguma coisa que queira dizer tudo, mas sem dizer muito - bem menos que o suficiente - mas o necessário. É quando um homem e uma mulher percebem um no outro a possibilidade de um grande amor.
Mas não existe gramado, noites frias, estrelas, nem interlocutor, nem ouvinte nem duas pessoas que habitam o mesmo espaço e conversam, existe isso. Todas aquelas coisas que mais do que dedicar ela queria dizer, mas como dizer tudo quando lhe faltam as palavras? Ou as palavras até sobram, e existem mas parecem extremamente inexatas para o momento. Dizer, assim, olha eu tenho sentido a sua falta e você se tornou uma coisa dentro da minha vida que eu não sei como foi, mas aconteceu e aconteceu também de hoje eu querer te escrever, e mais ainda além de querer te escrever aconteceu de eu ouvir essa música que me lembrou você em tantos aspectos, nesses aspectos que eu inventei, sabe, porque existem ainda tantos aspectos pra eu conhecer e odiar ou amar, ou querer levar comigo pra sempre. Existe aí tanta coisa no mundo pra descobrir que eu queria descobrir com você e queria que você me ajudasse a descobrir, mas hoje - e aí ela colocaria o dia e a hora exatos - eu queria dizer que eu senti a sua falta, assim, vai saber como, mas senti.
Então esquece de dizer - lá existe maneira de dizer tudo isso, assim? - e só rabisca nos rascunhos "essa foi a primeira vez que eu pensei em escrever pra você" sabendo que não vai escrever e dizer coisa alguma e muito menos falar daquela música. E sai cantarolando meio alto, meio feliz, meio envergonhada e um tanto esperançosa "vou te chamar para casar e separar/Vou te chamar para beijar e apanhar/Ô garçom, serve logo essa cerveja/ Tem que beber para fazer o que deseja" pensando em chamar o garçom e quem sabe (até) pedir a tal cerveja se tudo isso fizer ela rabiscar no caderno: "essa foi a primeira vez que eu te disse alguma coisa" e esperar por mais vinte e nove mil primeiras vezes rabiscadas - musicais e coloridas.
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