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27.11.10

Epifania

Uma dor de cabeça tremenda, um enjôo, tudo isso na bagunça da espera daquelas pessoas que parecem que nunca-chegam. No meio uma saudade, essa saudade imensa nessa espera que não compensa, você nunca-mais vai entrar por aquela porta mesmo.

26.11.10

C'est la vie.

Eu sai por aí pensando você e balbuciei tantas vezes "tudo poderia ter sido tão diferente, garoto, tudo poderia ter sido tão doce." Hoje eu poderia estar andando de mãos dadas com você rumo à lugar nenhum, ou podia quem sabe te improvisar um almoço antes do trabalho, nada demais, um bife, macarrão dois copos de suco e sorrisos. Mas a vida é assim "c'est la vie" eu te diria, mon ami, e você não entenderia nada da minha mania de falar francês sem-saber, como também não me entende na minha língua natal, e como desentende completamente meu coração. E eu responderia "é a vida, meu amigo. Só que em francês pra dar um tom dramático à coisa toda". E mais uma vez você me acharia doce demais, inteligente demais, e tudo demais demais pra que eu pudesse dividir um caminho do seu lado. Eu indo sempre na frente, mas que frente é essa também. Eu sou tão loser, garoto. Toda perdida, hoje quero ficar de pernas pro ar e amanhã vou querer o mundo, depois vou desistir do mundo e querer só uma partezinha.

Eu desisti da sua vida, da minha vida, da nossa-vida principalmente eu desisti. Transformei tudo em literatura, tudinho. É que eu não sei viver, não sei mesmo. Tentei algumas vezes sem sucesso e viver pra mim pareceu uma aventura errante, como essas crianças que tentam dar o primeiro passo, se estabacam no chão e resolvem que vão engatinhar mesmo, não há outro jeito. Só que as crianças ainda levantam e vão, e eu, por vício estou aqui de muletas. Só sei andar com elas, e as minhas muletas são as palavras. Eu sei, você tem uma vida, e toda vez que eu me dou conta disso eu volto a engatinhar, porque eu não sei como existe essa coisa de vida e tudo-o-mais, essa coisa de você existir físico em gestos, pele, cabelo, roupas, cheiro. Enquanto eu penso todas essas coisas eu me pergunto porquê não houve um diazinho que fosse que eu te dissesse em as palavras de verdade "eu gosto muito de você" ou "você é muito importante pra mim". Ou mesmo que não tivesse dito nada, tivesse demonstrado em forma de qualquer-coisa-mais do que meus olhares sempre baixos, desviantes, tímidos e principalmente, disfarçados. Você tentava falar de amor e eu fingia que amor era jogo de outra pessoa, de você-com-outra-pessoa. No fim era mesmo, e pra mim, ah, pra mim, amor é jogo meu com as palavras. Eu desisti de viver e hoje só invento histórias. Essa minha vontade de te dizer que "tudo poderia ter sido tão diferente, garoto, tudo poderia ter sido tão doce" não passa de fantasia, porque eu tenho todo um mundo de coisas minhas, de coisas suas que não aconteceram. E aqui, mon'ami, tudo é terrivelmente possível. Seria absolutamente possível que eu te ligasse e de dissesse "eu ainda te amo" e então você me responderia "que apesar de tudo eu ainda também te amo" e então nos amaríamos em belas tardes com sucos, almoços simples, almoços requentados, tardes de domingo no sofá, qualquer coisa dessas assim, rotina, corriqueira, bonita-nos-pequenos-gestos.

Mas não é assim, hoje eu penso em você que talvez nem exista no corpo físico do jeito que eu te imagino ser, só existe aqui na minha literatura. Porque enquanto eu penso que "tudo-poderia-ser-diferente" "tudo-poderia-ser-tão-doce" você cuida da sua vida, real, em qualquer lugar onde eu não pertenço nem em pensamento, toma um guaraná, e pensa no teu trabalho, na sua vida, na sua namorada, em qualquer-coisa-que-seja. E pra mim tudo bem, é que eu matei a minha vida. Transformei em literatura. Escrevo sua vida pra você, do jeito que eu-queria-que-fosse e você não me entende e C'est la vie, mon'ami.

24.11.10

ah, beibe.

Quando eu sentei de volta naquela cadeira, eu queria ter tido a coragem de te dizer "beibe, você fez muita falta". Você devia saber, também, que, apesar de tudo - e eu digo isso assim, cheia de vírgulas e pausas mesmo, porque cada palavra que sai vem direto do coração e dói - eu esperava que você estivesse presente. Você, talvez, quem sabe, iria dizer que eu espero talvez demais de você. É difícil acostumar a minha cabeça meu vício e (principalmente) meu coração ao fato que, talvez, você, nunca mais, esteja presente. Seria bem mais fácil se eu estivesse acostumada as grandes separações. E talvez eu até esteja. Nunca esperei grandes amores de lugar nenhum que fosse, eu nunca dei um passo maior do que a minha perna e na verdade, olha, na verdade, só sei viver de pequenos passos que acabam me fazendo chegar muito atrasada em todos os lugares que quero, e, daquela vez, porra, daquela vez, o lugar era o seu coração. E quando eu finalmente cheguei, eu tinha perdido toda aquela trajetória que eu comecei a dar muito, mas muito tempo mesmo, antes.

às vezes eu tenho vontade de cantar pra você e pra mim, todas aquelas canções que dizem de tudo que deveria ter sido e não foi. Hoje, beibe, hoje nem medo eu tenho. Eu já te perdi, eu sei, já foi it's over, e por mais que eu entenda que cada olhar desencontrado seu é uma tentativa de dizer desculpas e de pensar "meu-deus-como-o-mundo-nos-separou-assim?" já não tem mais nada que possa ser dito entre eu-e-você. O mundo pode não ter querido, mas você sem querer quis. Eu ainda me lembro do dia que você me levou pra tomar o último café e me disse que tudo aquilo que um dia existiu, olha beibe, não existe mais. "Não tem, não tem mais nada" você dizia. Como se tudo aquilo que existiu - e você sabe que existiu - eu tivesse inventado no meio do meu mundo cheio de palavra. E eu dizia, que "eu sei, beibe, eu sei como é difícil lidar comigo" sempre me desculpando por ter sido essa bagunça na sua vida e enquanto isso você me olhava e eu sabia que se você soubesse como juntar meus pedaços de novo, você juntaria. E toda vez que você me vê, você me olha como se quisesse juntar meus pedaços. E eu quero dizer "olha, já teve muito amor dentro de mim, e se você remexer, você encontra tudo de novo. tu-do. é só você me olhar de qualquer jeito que seja, com a mínima intenção de juntar as minhas partes quebradas, que você acha esse amor perdido, e beibe, para que eu não quero mais encontrar amor dentro de mim. Não esse seu amor". É que eu vou ficar bem. Do jeito que eu posso, do jeito que dá, bebendo minhas cervejas toda semana, você sabe que eu vou ficar bem (embora não acredite).

O que me mata, beibe, é essa sua culpa. Para com essa culpa de ter me feito sofrer. Eu te amei porque eu quis te amar. Você não fez nada pra que isso acontecesse. E faz de tudo, todos os dias, pra que deixe de acontecer. E essa sua mania, de ficar cuidando de mim, me olhando como se sempre houvesse uma dívida entre eu-e-você que nunca te permitisse viver a sua vida (embora você viva). Não existe dívida nenhuma aqui dentro, e nem a dor, nem essa dor que eu sinto, sabe, essa dor, nem essa dor é sua. A dor é minha, o amor é meu, você é o resto disso, o que sobrou. E esse seu olhar triste, ah, beibe, é isso que mata. Eu te vi sorrir com os olhos tantas vezes. É que existe uma diferença, sabe, nesse teu sorriso de agora e naquele. Se eu tivesse te visto uma vez que fosse com aquele sorriso, do olho, da boca, do coração, olha, eu juro, eu juro mesmo que não ia ter mais peso. Mas de repente, você vem de lugar nenhum, encosta no meu ombro e enquanto pergunta se eu estou bem se esconde no meio dessa sua vida, ai, beibe, pára. Se for pra ser feliz mostra essa sua felicidade pro mundo. Esquece, me machuca com o sorriso, o sorriso-maior-do-mundo, e se lixa pro mundo. Vive, caramba. Mas você não vive. Você sabe viver? de um jeito qualquer que seja, você sabe? sem ter esse fundo-de-tristeza-no-fundo-dos-olhos, você me disse isso uma vez e olha agora, eu enxergando tudo isso em você. É que eu acho que eu já fui tão você que nem que eu quisesse não ser, beibe, não ia ter como.

"Eu senti tanto, tanto, tanto a sua falta, beibe". Eu quis te dizer isso, naquele dia. Eu quis que você me abraçasse, e me dissesse que tudo-ia-ficar-bem. Me dissesse do seu jeito desajeitado, no meio do jantar, que você estava orgulhoso de mim. Só que esses teus olhos tímidos ainda dizem mil coisas, ai beibe, dizem, e ainda tinha orgulho ali. Eu focava em você e continuava, é que eu foco em você e continuo, e olha só, eu já esqueci de mim, o problema agora é você. Me diz, me diz que você está feliz, me conta de um mundo todo de coisas maravilhosas, porque de mim eu sei cuidar beibe, sei sim. Nem que seja pra me deixar de ladinho e ir cuidar do mundo pra disfarçar que eu choro às vezes, mas tem tanta coisa e tanta gente linda ao meu redor, eles vivem num enorme afago de palavra-e-sentimento, que mesmo que eu quisesse ser infeliz, não tinha como. E você, você fica aí tão sozinho, sabe, tão se perdendo de você mesmo, que às vezes eu te imagino fazendo um milhão de coisas que é pra não pensar na vida. Você já fez isso tantas e tantas vezes, mas depois parava, tomava um ar, eu sempre tinha tempo pra você e pra suas bobagens, hoje eu já não sei se você para. Às vezes eu acho que não. É que eu me seguro pra dizer, convictamente, que no fundo beibe, eu ainda sou mais feliz que você. Um dia você me perguntou se tinha alguém no mundo que não tinha esse resquício de tristeza no fundo dos olhos, e eu disse que devia ter, porque tem gente no mundo que ama de verdade, beibe. Tem sim. Só que não é você, e nem sou eu. E você ia me olhar com uma cara esquisita se eu te dissesse isso de verdade, mas eu repito "não-é-você-e-nem-sou-eu".

Agora me esquece, vai. Eu senti a sua falta sim, por mais presente de corpo que você estivesse. Aquele seu espírito voando, sei-lá quantas coisas passavam pela sua cabeça enquanto você me ouvia falar aquelas coisas todas, mas mais uma vez nessa nossa trajetória eu esqueci que eu queria te dizer mesmo que eu senti a sua falta demais, que eu pensei em você o tempo todo, e acabei foi querendo te abraçar e dizer "ai, beibe, para de se perder assim desse jeito e vai ser feliz, porque você merece". O que me dói beibe, ah, o que me dói é saber que se eu te dissesse isso você ia me retrucar dizendo "mas eu, eu sou feliz" e enquanto abre um sorriso daqueles que enganam todo mundo eu olharia pro seus olhos e saberia do tamanho da mentira. É que no fim das contas, eu sempre imagino a gente se encontrando na frente do bar,depois de cinco, dez, vinte anos, e depois da gente se contar inteiros, eu te abraçando a cantarolando "Baby, we're lost, baby we're lost causes". Porque nós somos. Porque nós só soubemos apagar nossos resquícios de tristeza no fundo dos olhos, quando nos olhamos, deixamos de enxergar nós mesmo e vimos um ao outro. Porque vai ver, eu sempre morei no fundo dos teus olhos. E você nos meus.

15.11.10

batom vermelho na pontinha do nariz.

Eu te olhei e quis te dizer: Você não deve confiar nessas meninas de batom vermelho que vomitam Godard e Caio F. Assim, Caio-éfe e um ponto logo depois. Porque essas meninas se diferem do resto da legião de outras pessoas que gostam do Caio Fernando por não dizer seu nome completo. 'Caio-Fernando-Abreu'. O puto morreu de AIDS, todo fodido, nos anos 80 era um cara triste, porra. Um cara meio sem dinheiro, não vivia esse glamour de twitter e redes sociais, sabe lá da onde surgiu tudo isso. Fabricaram um Caio F. Essas meninas, são todas fabricadas também". Mas não disse. Fiquei pacientemente te ouvindo falar o quanto era "fascinante" (puta palavra de viado) essa intelectualidade da Fernanda. Era mesmo. Ia ser mais fascinante ainda quando ela resolvesse imitar uma daquelas meninas problemáticas dos filmes que ela tanto gosta e resolvesse te dar um pé na bunda enquanto fuma um cigarro e fala dos astros, botando a culpa na conjectura de escorpião em vênus e te chamando de "baby". Você parece não saber que na ficção sempre há um jeito bonito de ser triste, mas na vida real tudo é apenas triste.

Eu te ouvia balbuciar aquelas suas coisas sobre amor, como você ia ser feliz um dia e tudo o mais, e sentia vontade de te abraçar. Não sei porquê, era só a eminência de um fracasso tão grande que eu queria te abraçar antes que a dor viesse e tomasse conta de você. Você, de novo encantado com meia duzia de intelectualidades, querendo tomar café no Champs Elysees. Sei lá o que você imagina, talvez que a Carla Bruni cante a cada vez que alguém coloque os pezinhos em Paris, eu não sei. Mas acho que você imagina andar de bicicleta e fazer piquenique, tirar foto de turista no arco do triunfo e achar tudo aquilo "fascinante". Quantas mil coisas você acha "fascinantes" que não são eu, eu fico pensando. Devem ser muitas. Deve dar pra trilhar um caminho daqui até os Champs Elysées com elas.

Eu lembro que eu até te disse um dia. Que ia ser assim, você ia me conhecer e me achar belíssima, mas depois ia correr pra alguém bem menos complicada. Dito e feito, só que você foi se encantar pela biscatinha do Caio F. Você realmente acha que essas pessoas que vomitam citações são repletas de poesia? Elas são meras vomitadoras de poesia, eu não sei o que você pensa da vida. Você fica aí me contando o quanto ela é legal, e decidida e que ela fez com que você a achasse encantadora, que vocês ficam horas discutindo essas bandas que você nem gostava e esses filmes que você nem via, mas é tudo tão cheio de arte de arte e arte. E ela é tão linda te mostrando isso que é saber o que quer, de batom vermelho e encarando o mundo com a pontinha do nariz.

Vou te contar o que é estar repleta de arte. É um saco. Pra começar a gente fica cheia de problemas, desses problemas que você prefere não ouvir. Não sabe se relacionar com as pessoas, fica num misto entre o ser doce e o ser amarga. Fica numa eterna coisa cheia de melancolia, que olha, nem mil citações do Caio Fernando iam dar jeito. Foi isso que ele fez, sabe, inventou a própria literatura. É isso que eu fiz também, poetizei minha própria dor. Quem sabe daqui trinta anos alguém de batom vermelho vá me achar linda e saia me citando enquanto encara o mundo com a pontinha do nariz. Tomando café, discutindo música inglesa. Dizendo "eu me sinto tão assim". Se sente "tão assim" coisa nenhuma. Tem tanta dor dentro dessas almas aí cheias de "arte" que não é nem bom pensar. Eu preferia mil vezes estar te encantando de batom vermelho e te contando dos mil fimes que eu vi, do que ser assim, essa bagunça.

Sabe, essa dor é tão profunda que não cabe isso de me dizer assim, que nem vômito. Eu tenho certeza que essa tua nova menina fala de amor com a maior naturalidade do mundo, depois fala de sexo também. Depois te escreve um texto poético te dizendo o quanto ela está apaixonada por você num misto de romantismo e foda. Isso mesmo fo-da. Com essas palavras. Porque ela se livrou das amarras, dos vícios, das tristezas. Só cita. E diz. E sente, e coloca coração e diz que pulsa pulsa pulsa. Eu também poderia te amar num misto de romantismo e foda. E meu coração também pulsa. E eu também transbordo de sentimento, o tempo todo, desfaleço de tanto sentimento. Sentimento, amor, carinho, tesão, qualquer coisa assim. Só que sabe. Eu sou o outro lado. Eu sou aquilo que as pessoas citam. Eu sou a arte dentro delas. Tudo aquilo que não cabia e se transformou em.

Eu não uso batom vermelho, não sei citar meus filmes sem parecer uma bagunça e no segundo seguinte parecer toda viceral. Sabe como eu conto dos meus filmes? Com sentimento. Porque alguém me indicou, porque eu me identifiquei ou porque eu vi a beleza do mundo dentro de uma única cena. Exatamente assim. E você me olha embasbacado me achando estranha por quase chorar ao citar a última cena de beleza americana. Sabe como eu guardo meus livros? Por identificação de almas. Alma de escritora que sente, que sabe que vai morrer no segundo seguinte e que vai perder o fôlego na próxima vírgula. Catárse. É que eu não sei ser menos bagunçada, menos sentimental, menos problemática. Eu não sei encarar o mundo com a pontinha do nariz. Não de batom vermelho, pulando no seu colo, te dizendo as coisas que você quer ouvir. Não desse jeito louco, ensaiado, personagem de livro. Não sei te mandar um recado com uma frase bonita que não tenha sido eu que escrevi sem morrer de vergonha é que eu não sei ser nada que não seja eu mesma, assim, te olhando baixo e fundo enquanto você me conta dessa nova garota, que vai te foder em todos os sentidos - do literal ao literário - e eu fico pensando que eu só queria que você não sofresse, baby. Eu só queria te dizer que eu te amo de coração-pulsante, com toda a beleza que há em mim. Que você me transmuta numa pessoa melhor, que eu te daria metade do meu mundo. Eu te diria qualquer coisa assim, eu queria te dizer. Mas eu só sei ser desinteressantíssima e fora de compasso e te largar com um abraço forte te dizendo "eu espero que você seja feliz, baby, muito feliz". Sem batom vermelho. Sentindo o mundo cair na pontinha do nariz.

11.11.10

Você não ama ninguém, Honey.

Te conheci no meio daqueles outubros mornos, e não poderia ser de outra maneira. Naquele dias que não fazem nem frio e nem calor, sua camiseta vermelho-e-verde me chamou a atenção. Você, no meio de todas as pessoas. Tentei, do meu jeito sem sal-nem-açucar puxar um assunto qualquer que fosse e você me olhava com cara de quem nunca tinha visto alguém assim, tão cara-de-pau. Foi quando eu te disse "não se engana não, garoto, eu sou tímida. Olha a minha mão aqui, suando". Foi o primeiro sorriso que você me deu. Bonito seu sorriso. Não assim um puta-sorriso, mas bonito. Não abriu em mim aquela infinidade de jardins de outrora, mas dadas as circunstâncias, eu me encantaria com o primeiro que me fizesse desabrochar uma flor. E você fez. Não assim uma dúzia de rosas, nem uma trepadeira daquelas que tiram todo mundo que esteve ali do lugar e tomam o lugar só pra elas. Uma margarida, quem sabe. Quem sabe um girassol.

Era um dia de sol, mas fazia um friozinho. Clima ameno, eu disse. Você concordou. Te perguntei umas dez coisas, você de repente me disse tudo o que você gostava de fazer. Interesses normais de todo mundo. Todo mundo que tem interesses-interessantes. Ler, ver filmes, conhece gabriel garcía, desconhece julio cortazár (não é um erro grave) e sabe que garcia llosa ganhou o último prêmio nobel, embora desconheça a vasta obra do peruano (e eu também). Conhece tarantino, woody allen e gosta de Godard. Ok. Tudo ok pra um primeiro encontro sem muitas expectativas. De repente você me olha, depois de eu dizer as minhas coisas: Gosto de escrever, de estudar mais-ou-menos, não tenho nenhuma perspectiva de vida, mas não quero morrer aos trinta e ao contrário de você, acho julio cortazár o máximo; e diz "te achei o máximo, menina. Quero te ver mais trinta mil vezes"

"Quero te ver mais trinta mil vezes". Figura de linguagem. Hipérbole. E como eu precisava de algumas mil flores, eu acreditei em você. Respondendo "E eu quero te ver mais sessenta mil". Figura de linguagem. Hipérbole. Vício constante. Exagero em pessoa. Eu. Pronome pessoal do caso reto. Muito mais palavra do que sentimento. Você me olha e diz "espero que a gente se veja então". E eu respondo "Eu também espero". A grande cordialidade do fim dos encontros, pensei. Pensei em nunca mais te ver pelos próximos é, trinta mil anos. Mas você me mandou um e-mail, desses bonitos me contando mil detalhes da sua vida. E eu, a própria hipérbole, que adoro detalhes, achei assim, de uma doçura ímpar. Nessa hora já se formava meio jardim de margaridas. Você marcou no parque, um café. Eu fui. Você me contou mil histórias, e eu te contei as minhas.

Sonhava você casar, ter filhos e uma casa de portão verde com jardim. Eu também sonhava em casar, ter filhos e uma casa de portão amarelo. Mas nesse dia disse "amarelo, talvez verde quem-sabe" e você me sorriu. Você me contou dos seus sonhos, dos filmes que já assistiu, dos filmes que queria-assistir e eu sorri em todas as observações. Eu te contei meu mundo como se meu mundo fosse acabar no segundo seguinte. A hipérbole do tempo, achando que o tempo ia acabar no instante em que você levantasse daquela mesa e fosse me levar pro lugar onde esperaria comigo meu ônibus chegar. Afinal de contas, a gente não morava tão perto a ponto de você "me acompanhar até em casa". Tinha que ir sozinha, pensando em você no caminho e sorrindo cultivando margaridas, ou girassóis.

"Honey, você não pode largar as pessoas de lado como um brinquedo que não gosta mais". Eu te disse que tinham me dito isso uma vez. Você só me olhou. Te contei dessa minha mania de nunca me apegar, te contei dos meus jardins que morreram e de como eu esperava que nascessem girassóis. E de quantas ervas daninhas nasceram no lugar deles enquanto isso. Você só me olhava. Depois dizia "Ai, honey, eu me machuquei tanto ao longo desses anos todos que acho que amor é aquela coisa assim, impossível, mas ao mesmo tempo tão boa. Só que não quero mais brincar de amor."

E eu pensei "A gente está brincando de amor nesse exato momento. Amor não é uma coisa de querer"

E no meio do seu romantismo incurável, no meio da casa de portão verde, num outro dia desses sem sol nem chuva eu descobri sem querer que você era do tipo que cultivava em todo mundo uma margarida, e depois acabava por fazer essa margarida se tornar um jardim, mas nunca pensava em realmente cuidar dos jardins que fez crescer. Depois dizia "honey, eu espero te ver ainda umas trinta mil vezes" e esperava sorrisos de todas as bocas a quem proferia as mesmas palavras. Dizia não querer brincar de amor, mas brincava com o amor todos os dias. Na verdade eu soube no exato dia em que te disse oi, que a minha atração inevitável vinha muito mais por reconhecimento do que qualquer outra coisa. Eu me vi em você. No fundo dos teus olhos de timidez ensaiada, dentro da sua hipérbole eu soube. Eu soube que eu ia me machucar assim, umas trinta mil vezes, no meio dessa coisa de ser mais uma no meio de várias. Justo eu, filha única de pais zelosos, que nunca soube dividir um brinquedo, e que não sabe até hoje como se brinca de amor.

Te encontrei em outro café (no encontro de número três, não no de número trinta mil) e te disse "honey, a gente está tão perdido". Você me sorriu, acho que concordou por vício. Depois me contou dos seus planos de casas verdes com portões cor-de-rosa e três filhos. Me disse que não sabia brincar de amor, mas que queria tentar (e claro que não era comigo). Eu te disse "ninguém sabe, é o amor que vive brincando com a gente. Cabe a gente saber-jogar" Você concordou e me disse pela milésima vez "eu quero te encontrar mais umas trinta, quarenta, sessenta mil vezes. Você é o máximo, menina". Sorri. Te dei um abraço forte te dizendo "e eu quero te ver mais umas cento e setenta e cinco mil vezes" Você sorriu. Não tinha mais margarida, nem Girassol. Só umas flores de rua assim, coloridinhas, que dão um sorriso de canto de boca na gente. Umas flores assim, parecidas comigo. Marias-sem-vergonhas, quem sabe. Olhei nesses teus olhos verdes, rapaz, me enxerguei como em espelho. Eu quis te dizer "Honey, nem tenta. Você quer brincar de amor, mas só sabe brincar com o amor. Todos os dias". Fiquei quieta, sorri, pulei no teu pescoço dizendo "sessenta mil vezes". Você me sorriu dizendo "setenta e sete mil vezes". Fomos até o ponto, você me deixou no ônibus em que eu seguia como na vida: sem você. Você me mandou um beijo e eu sorri pensando "Ah honey, a gente se ama porque a gente ama todo mundo. E não ama ninguém"

5.11.10

Rotina.

às vezes acontece isso, assim. esse não conseguir dormir que não é nem falta de sono e nem vontade de sofrer. É só deitar e não conseguir dormir. às vezes tenho essa dificuldade. Você podia culpar qualquer coisa, me apontar os dedos e dizer: "são esses seus horários loucos" no meio dessas sua paciência eterna de dormir as onze e acordar sempre no horário, nunca atrasado. Nem com sono, nem nada. Só com esse beijo, "ok querida, preciso dormir" e vai mesmo, não importa que eu faça cafés ou chás de ervas porque "calmante ou alucinante isso vai me fazer perder a hora no outro dia". E vai mesmo, porque você tem essa sua rotina que atrasa meia hora pra dormir, no meio das minhas conversas intermináveis, no meio da minha mania de fazer café ou chá antes de dormir, e depois não consegue acordar e eu tenho que pular em cima de você pra ver se você abre os olhos pro mundo, como você diz. E às vezes você também me diz que são melhores essas manhãs em que você acorda com o meu pulo, louco de atrasado, com as roupas mais estranhas do mundo e depois se dá conta que no meio da minha sonolência eu já tinha preparado seu café. Às vezes eu concluo que você só está comigo porque eu estrago todas as suas rotinas, te pego pra almoçar nos horários que não pode e te faço me levar pra comer bolo uma hora antes de você dormir. Você diz que odeia isso, essa minha mania de nunca parar em lugar nenhum, nunca respeitar as normas, as leis, os "empregos de gente". Vinte e cinco anos nas costas e ainda vivendo os dezenove, na maior calma do mundo. Você me olha e diz que me inveja às vezes, às seis da tarde de pernas pro ar lendo um livro que eu comprei enquanto o mundo está desabando. Não vejo jornais, nem programas de variedades. Só paro nas novelas às vezes e te chamo pros meus filmes, que você diz que adora só porque parecem muito comigo. Eu e a minha mania de desfigurar seu mundo. Você dorme na cama pesado, e nem vê quando eu levanto pra escrever as minhas coisas, meus roteiros geniais que nunca vão sair do meu computador. Ao menos que um dia você faça o que diz que vai fazer, imprima eles e enderece à todas as produtoras do mundo, inclusive com cópias em inglês. Aí eu te digo que vai ser tipo o primeiro filme do tarantino, vão roubar meu roteiro e produzir o filme ao bel prazer deles e você finge que entende e não entende nada. às vezes me traz café, diz que eu devo terminar meus livros, porque tenho que terminar, não posso ficar a vida toda sendo essa escritora frustrada enquanto brinco de ser artista. E eu te digo pra esquecer isso, porque é tão estranho você sonhar mais que eu enquanto você é tão cheio das suas prioridades, na sua agência, seu mundo das oito as seis da tarde com intervalos para o almoço. Seus números, o tempo todo seus números. A literatura no meio disso, perdida. O cinema é meu, fui eu que te ensinei a gostar. As músicas são nossas. O mundo todo é nosso. No meio das suas rotinas, e eu quebrando elas o tempo todo. Você diz que vive a cada meia hora que se atrasa comigo, mas diz também que não pode se atrasar todo dia, senão vira rotina. Eu te digo que eu vivo mesmo é naquela meia hora, o resto é meu teatrinho. Só sou assim porque não aprendi ser de outro jeito. Eu perco o sono às três da manhã e faço um café. Sinto vontade de sofrer, de te acordar e te dizer "meu deus do céu, o que eu faço da minha vida agora?" e você ia sentar comigo e me abraçar dizendo mil e uma coisas que você enxerga em mim, e eu não ia acreditar em nada, embora acreditasse em tudo. Mas depois passa tudo. Não precisa estragar sua rotina assim, bruscamente a cada insônia. Só de vez em quando pra você dizer que só posso sofrer se for pra ser doce, senão não pode. É que amanhã eu sei, eu vou estar morrendo de sono quando você me acordar e você vai culpar os meus horários loucos. Vai ter o mesmo café na mesma mesa de sempre, aquela xícara que eu sustento há dois anos que veio da casa da minha mãe, seu banho demorado, meu banho em dez minutos e os beijos em lugares diferentes. É que amanhã eu vou acordar e você vai continuar me amando. No meio dos meus horários loucos. No meio da sua rotina. Que desde o dia que eu te conheci eu comecei a quebrar, e sabe, eu acho que eu nasci foi pra isso. (muito) mais pra coração do que pra palavra. E que seja.


(e esse cara não existe.)

3.11.10

Não me olhe assim eu sou parte de você (você não é parte de mim)

A primeira coisa que me fez notar toda a influência que eu tive em você durante esses anos todos, foi o fato de você um dia, sem perceber, ter chamado a sua namorada pelo apelido que eu costumava te chamar. Assim, exatamente aquele. Ainda se fosse um apelido comum, mas era uma coisa tão minha que não podia ter vindo de outro lugar senão de mim. às vezes você se trai, assim. Acaba por me colocar na sua vida sem perceber, mas coloca. Ainda coloca. Não que isso seja ruim, ou bom. Só acontece. às vezes acontece comigo, também. Eu ajo como se você estivesse por perto e fosse chegar a qualquer momento. As piadas que só você riria, eu ainda faço. As piadas que só eu riria, você ainda faz. Você ainda gosta das coisas que só eu gosto e eu ainda gosto das coisas que só você ia gostar. Não existe uma explicação lógica para isso que não seja o fato que duas pessoas, depois de se conhecerem e se gostarem, se influenciam mutuamente. Eu não estou querendo apontar na sua cara: você não me esqueceu. E tripudiar em cima dos seus novos sentimentos. Longe de mim. Também não quero dizer que eu não te esqueci. Pelo menos não assim, nesses sentido de, você sabe, continuar te amando. Às vezes você age como se eu fosse viver eternamente apaixonada por você e isso não é possível. Pra ninguém. Um dia eu vou estar fazendo as minhas coisas e vou parar de me preocupar com a sua vida, como se ela fosse um pedaço da minha. Eu já faço isso. Passo dias inteiros sem sentir sua falta, ou necessitar da sua presença. E isso é bom. Embora meu coração ainda caia do cabinho algumas vezes, eu estou seguindo a minha vida, e você a sua. Do jeito que achamos que devemos. Eu estou feliz aqui, e você feliz ali. Que bom pra gente. Eu já não lembro mais de você em todo café nem em toda comida. Só em algumas. Você também deve lembrar de mim em algumas coisas. Lembra sim, porque ainda trata as coisas que você ama pelo mesmo nome que eu trato as coisas que eu amo. Mas vai me esquecer, e eu vou te esquecer. Só que às vezes eu vou contar aquela piada que só você ria. Às vezes você vai mostrar pra alguém uma coisa que só eu ia gostar. É porque, apesar de tudo, a gente não pode negar. Eu sou uma parte de você, e você é uma parte de mim. Tudo tão assim, simbiose, que a sua parte em mim já se tornou eu. E a minha parte em você, já se tornou você. Indivisível. Mas que merda.