Honey,
(I need you! I need a hug please -please)
Oh, honey, se você soubesse o quanto tudo é terrível por aqui - ou anda terrível, mas é que eu tomo tudo isso que eu vou te contar agora como um caminho sem volta, um karma do existir, não cabem os estados passageiros, cabe apenas o verbo conjugado: ser - talvez você viria correndo me dar um daqueles abraços longos dizendo "calma, babe, vai tudo ficar bem, vai tudo ficar muito muito bem" me olhando com aquele semblante de quem sente pena mas não quer dizer. As pessoas me olham e continuam me achando tão forte, tão-tão, essas coisas no aumentativo que elas dizem de mim - ou no superlativo, por terem pegado meus vícios de linguagem - "Lígia, você anda fortíssima, anda lindíssima, anda estilosíssima" e eu tenho vontade de revidar "olha, meu bem, a única coisa que existe aqui é eu sendo, isso mesmo sen-do tristíssima.", mas não iam entender né honey? Iam achar que eu estou fazendo graça. Só você sabe que eu sou triste, me abraça, me faz café, me faz cafuné e me bota pra dormir. A vida tem sido difícil desde que você partiu pra "deus-sabe-quando", é difícil sobreviver sem ter meu irmão aqui, que caramba, a única pessoa no mundo inteiro com quem eu consigo manter uma relação de amor pura, verdadeira, pedaço do meu sangue. Também acho que só sei dividir tudo isso com você porque já dividimos a barriga, que coisa louca isso, comemos do mesmo cordão umbilical, fomos gerados no mesmo momento de amor. Deve ser por isso que eu tenho tanto amor dentro de mim - e você também, honey, você é a própria definição do verbo amar - porque fomos gerados de um amor tão tão imenso que tinha que ser dividido em dois.
Sabe, esses dias estava pensando na mamãe e no papai, como se amam aqueles dois. E que karma ter nascido filha gêmea de um irmão brilhantíssimo, num casamento sem nenhum defeitinho que seja. O pai tão atencioso, a mãe tão prestativa ao mesmo tempo. Se doando tanto um pro outro, tanto amor, tanto amor. Lembrei com uma certa saudades do pai levando a gente pro jogo do palmeiras, você odiando tudo um pouquinho e eu tomando aquele time como se fosse a minha vida, de paixão e sangue - como tudo que eu faço. Mas ai, honey, tá tudo tão escuro aqui. Sabes que eu estou cansada, estou esgotada, minha vida tá numa encruzilhada do tamanho do caminho que me leva daqui de São Paulo até Paris (onde você está belo e formoso, com meus sobrinhos, ai, com família linda, manda beijo!). Até curso de DJ eu fiz pra largar. Agora fico aqui sentada na sala, tendo que traduzir esses livros terríveis, esses textos judiciais. Não cai nada bom na minha mão pra ler. O que tá acontecendo com o mundo, hein honey? Me deu uma vontade louca que chegasse aqui em casa um daqueles livros que mudam a vida da gente, mas acho que todos os John Fantes morreram num desastre em 1933 (ainda sou boa nas referências literárias). Mas sei lá, de repente tento aí um curso de culinária, de paisagismo, de cinema. Você sabe, ainda não me encontrei na vida. Pretensões literárias sempre. É, eu sei, honey, "você deveria mandar até os bilhetes que você escrevia no guardanapo pra mim pra uma editora porque é ouro". Mas você sabe que eu espero uma coisa maior que isso, você sabe. Eu ainda vou conseguir. Mas no meio tempo preciso arrumar dinheiro pra pagar as contas, a internetê, minha conta de celular altíssima, minhas roupas, meus livros, meus vinis, e as cervejas e os vinhos estocados na geladeira (tô cada dia mais alcoólatra, honey. tô precisando de companhia pra ver se largo dos braços da cerveja). Tenho caminhado bastante, pra perder a barriga. Dei de pedalar três vezes por semana, voltei pra natação. Tô saudável, tô magrinha e tô gostosa (me apresenta pra esses franceses bonitos seus amigos quando eu for te visitar). Ai honey, mas tô tão doída. Te escrevi pra falar isso. Porque se fosse pra conversar você sabe que eu prefiro mil vezes a tua voz, e você sorrindo alto com as minhas trapalhadas do mundo. Mas pra falar de dor, só sei escrever e você bem sabe.
Parei pra pensar na minha vida. E tem todo esse descontrole profissional por aí e tudo mais, mas no fundo eu sou bem sucedidazinha. Não gosto de admitir que esse é meu sucesso, mas traduzo mil livros e ainda dou conta de umas ocupações paralelas aqui e ali (tenho feito umas fotos ótimas, saíram em revista e tudo, depois te mando). Só que a vida sentimental, honey? Você fala da minha personalidade histriônica, da minha histeria. Tudo tão certinho né, tão casado, eu entendo tudo que eu fiz, tudo por causa de você (que não devia analisar a própria família, mas o fez, e ainda-bem), mas eu cansei tanto. Tanto-tanto. Ai meu deus que horror que anda a minha vida nesses últimos tempos. Boto meu vestido florido, a bolsinha de laço de lado, me super-produzo e vou quebrar corações. Meu deus, honey, quanta gente mais eu andei desiludindo nesses tempos. E virou desilusão mesmo, eu nem acredito mais que amo a pessoa nem nada. Vou lá, faço meu joguinho - que você bem conhece - a aproximação, o sorrisinho de lado, as covinhas aparecendo, o melhor vestido, o melhor sorriso, o melhor argumento. Sempre dá certo. Tanta gente que se doou tanto pra mim e eu não dando nem um pedacinhozinho do que eu tinha pra oferecer, sabe? Hoje isso me doeu tanto. Fiquei aqui ouvindo chico buarque e querendo tanto ser amada. Mas de um tal jeito, sabe? Amor mesmo. Alguém que entendesse minhas limitações, essas minhas inseguranças, até a minha histeria. Me pegasse pelo braço e me dissesse que ia me ensinar a ser, no tempo que fosse. Mas sou tão arisca também né, honey? você que diz. Diz que eu pareço um gatinho daqueles que quando a gente tenta acarinhar sai correndo. Tenho saído correndo de um jeito que tem despedaçado a vida de tenta gente. Me dá uma dor. Hoje doeu tanto. Será que existe? Será que existe alguém que vai ter paciência o suficiente pra entender que tudo isso é um sintoma terrível dessa menina que no fundo tem medo de amar e depois deixar de ser amada? Tanto medo de ser deixada que deixo primeiro, tanto medo de deixar de amar que nem tanto começar a. Eu sei de tudo isso, mas continuo insistindo, rindo. Essas minhas manias suicidas de estragar tudo aquilo que podia ser bonito e transformar em literatura. De amar fracionado, de pouquinho, dando pouco pra receber o dobro e depois não querer mais nada. Ah, honey, queria tanto alguém comigo que fosse pra sempre, sabe? Aqui, fazendo café, pra eu deixar bilhetinho no guardanapo. Mas queria eu também não acordar um dia as dez da noite e dizer "olha, eu não te amo mais" e virar pro lado e continuar dormindo. Essa frieza, esse desprendimento, esse desapego. Ai, honey, não quero mais. Não-que-ro-ma-is. E nessa ânsia tenho achado que estou apaixonada e depois percebendo que não era nem paixonitezinha, nem afeto, nem nada. É só mais uma história bonita que eu inventei, floreei, mas sentimento mesmo. Cadê o sentimento, honey? Cadê o amor? Aquele que eu sinto, não o que eu escrevo. Quero sentir também. Quero mudar pra paris e ter uma vidinha pacata com dois filhos lindos que nem o seus. Quero amar igual o pai e a mãe, mas isso foi feito pra mim, honey? Ou vocês deixaram toda essa carga de vida feliz só pra vocês e esqueceram de me dar? Porque eu acho que esqueceram, não tem amor na minha forma não. Só essa coisa terrível, egoísta, de gostar esperando algo em troca, afago de ego. Pura destruição. Ah, não agüento mais. Me envolver com gente tão linda e saber que na verdade eu teria que dizer "Não me ama não, eu sou problema. Eu sou problema". Mas preciso tanto me sentir amada que esqueço, deixo me amarem e depois destruo porque não sei amar recíproco. Só sei receber, dar eu não sei. Por que, honey? Por que? Me explica, me salva disso, me diz que tem jeito, que eu vou amar alguém sim. Que vai ser pra sempre. Que eu vou olhar no olho dele depois de mil anos e conseguir enxergar mais amor do que enxerguei no dia em que a gente se conheceu. Vou ter dois filhos lindos feitos do mais profundo amor, feito eu e você.
Tô sem esperanças, honey. Acabou tudo, sumiu, secou. Vejo amor e digo que não é pra mim. Porque eu não sei amar. Não sei, não sei me desprender de mim mesma, não sei amar mais do que eu me amo. Não sei. Eu só sei amar você, o pai e a mãe. Eu amo vocês tanto, tão puro. Mas com o resto das pessoas mesmo o amor puro tem esse meu ego terrível entrando no meio, essa insegurança, essa necessidade de afirmação. Ser a mais bonita, a mais querida, a mais engraçada, a mais talentosa. Não tô dando conta mais. Quero sossegar, sentar num banquinho, tomar sorvete de flocos encostada no ombro de alguém e esperar o desprendimento no meio do amor. Sabe como? Essas coisas bonitas que você diz que existem, de olhar no olho do outro e enxergar o futuro, esperar que o outro seja tão ou mais feliz que você, querer arrancar um pedaço do teu braço só pra não ver a pessoa chorar. Ai, sabe? esse amor que cantam, que pintam, que escrevem (que eu mesma escrevo, mas nunca senti). Quero isso, honey, quero me doar, quero deixar de ser assim, tão histriônica, tão terrível. Não consigo mais, me dói. Me dói respirar. Me dói existir e saber que eu vou me envolver com uma pessoa, entre na casa dela com esperanças de montar ali o meu lar e no fim sair destruindo os copos, os pratos e o coração da pessoa que me deu tanto (porque sempre me dão tanto, honey, perece até irônico). Mas parece tão impossível. Hoje pareceu. Reli as mensagens no meu celular, os e-mails, as cartas. Até carta tem, umas cartas bonitas, bem escritas. Não literatura assim, mas sabe? sincero. A pessoa querendo dizer cada palavra que colocou ali e me senti uma víbora. Enorme. Cobra que finge que não é venenosa pra depois se preparar e dar o bote que mata a vítima em uma picada. Guardar a pessoa no estômago quentinho pra depois deglutir. Fazer morrer no meio do ácido. Parece que a minha vida é assim. Eu sei, eu sei que eu estou exagerando um pouco, floreando aqui e ali. Você sa-be que até carta minha vira um texto bonito porque eu tenho que ler e sentir orgulho, o ego, sempre o e-go. Mas eu tô sendo sincera, honey. Tô sim. Eu sei que a minha sinceridade vai até a página dois, e o resto do livro da minha vida é toda uma história imensa cheia de mentirinhas, Antes eram brancas, amenas, mas agora eu entrei numa via-crúcis tão terrível que nem sei. Destruição minha, do outro, puro jogo de conquista. Pareço um carrinho em cima da montanha russa completamente desgovernado. Prestes a descarrilhar no meio do loop e morrer ali mesmo. Mas antes fosse morte, honey. Antes fosse. É só um câncer que vai deteriorando o coração aos poucos, pedacinho por pedacinho. Depois torna o órgão inutilizado e a gente morre. Porque deve ser uma coisa bem perto da morte esse não amar. Tenho ficado sem dormir noites e noites pensando como eu faço pra ser melhor, pra sair dessa invenção toda que eu criei. Tenho tanto medo de não saber amar ninguém de verdade e vida toda, só amar inventado. Queria morrer de amor, mesmo que fosse pra sofrer, não dar certo ou algo do tipo. Só pra esgotar as possibilidades, pra poder dizer: a-mei. E depois que seja, tem gente que nasce pra ser solteiro mesmo, pra dar errado. Ia aí viver de irmã de psicólogo super bem sucedido nessa Paris maravilhosa. Mas com amor nas costas, com gosto na boca de ter vivido e me entregado. E parece tão fácil olhando assim. Tanta gente amando tanto a minha volta, sofrendo horrores, amando sem ser amado. E eu dando nome de amor àquilo que só alimenta meu pobre ego que necessita de atenção inveterada.
Ah, honey, acho que vou terminar as pendências, comprar umas passagens e ir pra paris te visitar de vez. Tô precisada de saber que eu sei amar alguma coisa que não seja eu mesma. Mesmo que seja meu irmão, mesmo que seja porque é meu sangue e porque eu me reconheço em você. Você me busca no aeroporto com aquele sorriso enorme de satisfação em me ver, me mostra uns lugares bonitos, eu choro no teu ombro no meio do parque, sofrida como só eu posso ser e você me diz aquelas coisas maravilhosas. Que me fazem acreditar em mim de novo, sabe? que você sempre diz. Tem até um bilhete seu aqui, tão lindo que diz "Pára, babe. Você parece que não sabe o quanto é linda, o quanto é capaz, o quando é talentosa. O quanto é amor. Você é amor sim. Cada coisa maravilhosa que você já fez pelos outros. E não importa se é pra se sentir querida ou não. Você sabe ser boa, você sabe ser linda, você sabe amar sim. Você não me ama? ama sim. E se me ama pode amar o mundo. O mundo você já ama. Agora trata de amar uma pessoa só, tenta se jogar, você consegue sim, claro que consegue. Vai amar demais ainda, vou ser padrinho do casamento mais não-convencional do mundo inteiro, não vou? vou ver minha irmã sentada na sala no domingo assistindo DVD com o marido, e feliz. Você vai vir aqui me visitar com ele, depois com a família. Tem cura sim, babe, claro que tem. Tem amor dentro de você, é só saber botar pra fora (e por inteiro). Eu te amo mais do que qualquer pessoa nesse mundo. E você vai encontrar alguém que te ame todo esse tanto e mais um pouco. E você vai amar todo esse tanto e mais um pouco. Vai sim, não se esquece disso nunca babe, não se esquece". Tem me dado força isso. É claro que eu leio e choro duzentos litros, mas me dá uma sensaçãozinha que eu sou capaz. É que no meio dessa loucura, dessa histeria, dessa solidão (tenho podido ouvir os meus próprios passos nessa casa, de tanta - mas os amigos continuam lindos) eu só quero ser normal. Tanta gente querendo ser como eu (mais desprendida, menos apaixonada) e eu só querendo ser normal. Cinema de mão dada no domingo, doação completa, torrada com manteiga no café, surpresa de aniversário, TV no sofá com peito pra encostar. E sem machucar mais ninguém. Só quero a beleza de amar e ser amada do jeito puro que tem que ser. Estou cansada de desvirtuar a palavra amor. Cansei. Você me disse uma vez que o admitir é o primeiro passo pra cura. Acho que vou chegar lá né, honey? Vou, sim. Devo bater com a cara na parede mais umas três vezes mas tô tentando não ser mais destrutiva, tô sim. Acho que vou aposentar o vestido preto, o batom vermelho. Será que me mostrar de cara lavada pra alguém não vai ser muita dor? Mas sem cair e levantar a gente não aprende nem a andar de bicicleta (e quanto tombo eu levei!). Só não quero mais doer essa dor de não amar ninguém. Se for pra doer que seja por amar demais e depois despejar tudo em literatura. E decidi honey, eu quero isso. Quero sim. E vou. Agora faz uma reza bem bonita pra tua irmã te ligar (porque pra coisa feliz eu ligo gritando) contando que está amando mais do que cabe nela, e apesar do frio de montanha russa que amar dá, que ela está feliz como nunca antes visto. Com aquele sorriso sincero que só você conhece. Com aquele amor que eu nunca senti antes - mas vou, vou sim.
Ow, honey. Torce por mim, me manda uns pontinhos de amor sincero de paris. Pega na minha mão e diz que vai ficar tudo bem, igual você fazia quando eu desatava num drama imenso porque ralei o joelho. Diz que meu medo de amar é hipocondria, é sintoma inventado. E que não vai doer. Não vai doer né? Eu sei que não vai. Eu já consigo ouvir você me botando no colo e dizendo "não vai doer, babe, não vai doer". Que nem quando eu achava que minha dor de garganta era uma doença terrível que ia me fazer morrer. Eu só queria que você soubesse que é esse amor imenso que nos fez que me dá força pra continuar, irmão. Se eu sou capaz de amar alguém como eu te amo, eu me sinto capaz de amar. Agora eu te juro, te mando umas fotos do meu futuro amor e escrevo atrás "tô amando, honey, tô amando demais". E a gente sorri. Me dá a tua mão, me ajuda a dar o primeiro passo. Foi você, prodígio, que me ensinou a andar, agora me dá tua mão de novo que eu juro, eu juro que eu aprendo a ser feliz. Mesmo que seja tropeçando um pouco. Step by step.
Honey, te amo de um tanto que vem de são paulo e chega até paris rapidinho, sem nem fazer curva,
Sua irmã,
Lígia.
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