Maria que já usou os ultimos trocados do seu empreguinho chinfrim pra comprar um café no starbucks que estragou seu all-star vermelho, ano de 2009. Maria que já quis ser aceita, hoje quer ser estranha pra poder ser querida em seu grupo de estranhos. Maria no meio de suas maquiagens carregadas, seu perfume-imitação, seus looks de internet. Ela que já tentou ser autêntica hoje copia a si mesma todos os dias no espelho antes de sair pro trabalho. Antes de sair pro trabalho se troca. A calça jeans, o all star velho, as camisetas poídas. Pega dois ônibus e um metrô. Entra. Não é bem sucedida. Não fez faculdade. Trabalha numa loja de discos usados em troca de dois salários mínimos que compram suas roupas e seus fins de semana. Os trocados que compram as suas companhias. Maria que antes gostava de pink floyd saiu da loja com uma versão rara em vinil de uma banda indie que ela não sabe pronunciar o nome. Também não sabe pronunciar o som. Não escuta bem os solos de guitarra, não entende o porquê da flauta e já não sabe mais ler a sua alma.
Maria que nasceu feiosa, que nunca foi querida pelos meninos da escola se envergonhava de suas botas ortopédicas. Depois dos seus óculos. Depois do seu aparelho. Hoje usa botinhas pretinhas e óculos enormes. Maria nunca leu um clássico da literatura e erra concepções básicas de português, mas citou saramago num sarau. Nunca entendeu a ausência das vírgulas e nunca soube falar de ausência. Tom zé grita num rádio longe da sua cama que amanhã de manhã a felicidade vai desabar sobre os homens. Maria não acredita no que ouve. Mas sorri. Maria se olha no espelho, se coloca lápis preto, batom vermelho, rimel, blush. Meia calça arrastão, shorts, sapato de salto. Sai com cara de desarrumada depois de uma minuciosa produção. Compra uma cerveja no posto, senta no meio fio, conversa com dois caras, acende um marlboro velmelho. Traga. Coloca fumaça pra dentro, pra fora. Observa São Paulo. Só queria ser querida. Tem uma amiga mais bonita que ela. Tem mais três meninas mais interessantes. Maria sabe de suas limitações e por isso tenta ser agradável. Consegue a empatia de uns meninos nem gordos nem magros, nem bonitos nem feios, nem inteligentes nem burros demais. Sai de mãos dadas, ensaia um conto de fadas. Esquece. A vida é muito curta para que fantasiemos.
Maria volta pra casa, os pés doidos dos saltos, se olha no espelho e já não sabe quem é. Já nem sabe se um dia se chamou maria ou se atendia por outro nome. Todo passado é distante. Ela é distante dela mesma. A noite passada maria brilhou cinco ou dez minutos enquanto dançou bêbada no meio da pista. Maria, rainha de qualquer coisa por um dia. Nem se lembrava direito mais, mas ensaiou os passos na frente do espelho. Quase tropeçou. Nao reconhecia a figura disforme que tentava dançar na sua frente. Perguntou "quem é você?", mas não obteve resposta. Só um eco. Um vazio. Sabe-se lá. Maria deitou na cama com sua maquiagem borrada, e suas meias arrastão. Trabalhava no outro dia.
Maria nem gorda nem magra, nem bonita nem feia, nem burra nem muito inteligente veste sua calça, seus all-star vermelhos 2008, sua blusinha sem marca, pega dois ônibus e depois se perde na fila do metrô. Olha pros lados e de repente se acha perdida no meio de tanta gente. Olha pro chão e vê pelo menos uns cinco tênis iguais aos dela. Olha pro lado e reconhece alguns cortes de cabelo idênticos. Quase todos vestem calça jeans. Metade delas estão com blusinhas sem marca. Todos estão indo trabalhar. Ninguém que olhasse de longe os reconheceria como um ser humano isolado.
Maria é só mais uma na multidão. E sabe disso.
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