Páginas

10.3.11

Capítulo 1

(you've never seen me that way)

Sair do personagem é coisa difícil para uma escritora. Depois que isso entra no seus genes, não parece haver outro jeito de existir. É mais fácil moldar a vida pra virar história, do que deixar de escrever histórias para caber dentro da vida. É assim, tem sido assim, não há como mudar isso. Meus arquivos dizem que faz três semanas que não escrevo. A escritora dentro de mim fugiu. Diz arturo bandini que a gente deve ter todas as experiências do mundo para poder escrever sobre elas. Um escritor não pode falar sobre algo que não viveu. Um escritor talvez possa. Eu não vivi tudo aquilo que escrevi. Eu escrevo o que eu queria ser. Hoje, eu vou escrever sobre aquilo que eu sou.

Alguém, não importa quem, não importa aonde (pois para as histórias, ficcionais ou não, não importam as circustâncias) se achou no direito de dizer que a pessoa que vos escreve costuma ter certos desvios de caráter. Resumo para bom português: que essa que vos fala se orgulha em não ser uma boa pessoa. Algumas coisas me machucam, algumas coisas me magoam e algumas coisas me fazem pensar. Essa me fez pensar, porque a pessoa em questão não me conhece. Se um dia minha mãe chegasse e me dissesse: "filha, você não é uma boa pessoa", eu desabaria. Certas pessoas não me atingem porque não me conhecem. Eu só decidi me escrever porque em alumas esquinas da minha vida eu já recebi definições como: escrota, rancorosa, não ama ninguém, não se apega, filha-da-puta, insensível. As pessoas que me apontaram isso na cara, nunca me viram chorar. Talvez uma coisa não justifique a outra, mas o que eu quero dizer é que é muito fácil pegar partes da vida de uma pessoa e fazer um julgamento. É como julgar o que eu sou pelo meu quarto. É como dizer que eu não sei organizar a minha vida porque eu nunca soube oraniganizar meus livros em ordem alfabética. É como achar que sabe o que eu sou, lendo o que eu escrevo. É como achar que eu sou o que eu nunca te contei.

Desde peqjuena, e eu quero dizer, muito jovem mesmo, eu lidei com rejeições. A pior delas foi quando um dia eu contei um segredo para uma amiga minha e ela se achou no direito de contar isso pra todo mundo que ela conhecia. Eu chorei. Eu passei alguns recreios sozinha. Eu tive que depender da pena das pessoas, por assim dizer. Ninguém se sente confortável com uma menina que chora na sala. Ninguém se sente confortável com alguém que passa os recreios na biblioteca, e então resolve sentir pena. Não confio nas pessoas. É uma predisposição. Não confio antes de conhecer e posso aprender a confiar depois, mas isso não é uma regra. Eu aprendi a escrever, porque o papel não contava minhas histórias pra ninguém. Eu aprendi a escrever porque não tinha mais pra quem me contar.

As pessoas sabem o que eu acho dos meus amigos. É disso que eu falo. Das roupas que eles usam e das besteiras que eles aprontam comigo. Porque eu pretendo manter as pessoas longe quando eu acho que elas vão me magoar. É claro que nesses vinte e dois anos, alumas pessoas conseguiram romper essas barreiras. Algumas se foram (eu costumo ser intolerante com falta de atenção) e algumas ficaram. Duas amigas e dois amigos. Um ex namorado. As únicas pessoas que um dia me conheceram por inteiro e que se um dia quisessem falar: " Larissa, você é uma bosta de ser humano" iam me fazer chorar. As meninas que arrumam tempo em suas agendas pra comer bolo no pátio de tarde, e que arrumam brechas em suas agendas no café da manhã. Um dia eu disse pra carol que eu gostava dela porque ela não me julgava. Eu disse a mesma coisa pra amanda. Porque caráter não se mede pelo fato de você ser uma pessoa frágil e sentir pena das pessoas, vocês me entendem?

Eu sou uma pessoa humana. Eu tenho raivas, rancores, eu guardo mágoas. Eu guardo muitas mágoas. Eu me machuquei a vida toda. Eu tive uma vó doente, eu perdi um vô, meu pai tem depressão. Eu tenho crises terríveis de ansiedade. Eu sou hipocondríaca. Eu sou inrolerante com certos tipos de comportamento. Eu sou inconsequente com a minha vida amorosa, mas pera aí, eu nunca machuquei ninguém. Eu costumo ser sincera. Todo mundo sabe a bagunça que eu sou, e se resolvem me aceitar assim, eu só tenho que agradecer. Eu errei, milhares de vezes. Erraram comigo outro tanto de vezes. Eu já pedi desculpas, e eu já perdoei. Eu sou dura com certas pessoas porque eu tenho medo que elas sejam infelizes. Eu tenho medo das pessoas que eu amo serem infelizes. Assim como eu tenho medo de ser infeliz. Mas eu tenho mais medo por elas.

Eu abdiquei de amizades. Eu abdiquei de amores e deixei que eles fossem porque de alguma forma eles se sentem mais felizes sem mim. Vocês não sabem quantas vezes eu chorei no meu quarto sozinha pra deixar que a outra pessoa fosse feliz. Eu já abdiquei pela minha felicidade por outra(s) pessoa(s). Eu exerço pelo meus amigos um certo tipo de controle. Tipo mãe. Você não deve fazer isso. Você não pode fazer aquilo. ás vezes eu vejo todos eles se enfiando em caminhos tão tortuosos que eu sinto raiva. Raiva deles. Porque eles vão ser infelizes e eu não posso fazer nada. Nada. Porque eu não posso fazer as escolhas por eles. Eu não posso acabar com os namoros, eu não posso colocar eles nas faculdades certas, eu não posso dar empregos melhores, eu não posso fazer com que eles virem os cineastas, os músicos, as mães e os pais que eles querem. Não posso pegar eles pela mão e enfiá-los no caminho que eu acho que vai estar certo. Eu aconselho. Eu grito. E quando eles continuam pelos caminhos erôneos eu sinto raiva. Eu sei o que é ser infeliz. Ninguém mais precisa saber como é. Vai doer, vai sim, vai doer. E eu não quero que eles doam. Mas não ter mertiolate que eu possa dar pra evitar que eles sofram então se eu vejo que eles estão prestes a tropeçar eu só sinto raiva. Raiva deles, porque vão sofrer. Raiva de mim, que não posso fazer nada.

As pessoas vão pelos caminhos que elas escolhem. E às vezes elas não enxergam, no meio de seus caminhos aquilo que você quer dizer. Eu? Eu só quero que as pessoas a minha volta sejam felizes. Porra. Vai ter coragem de ser feliz e se mexe atrás da sua felicidade. Eu tenho vontade de dizer: isso não é felicidade. Mas elas acham que é. E eu vou estar errada se disser que eu não acho. Então eu me calo. E sinto raiva. Mas de qualquer modo eu prometo dentro de mim estar ali pra segurar quando eles caírem. Eu sempre estou, não estou?

O que precisa ser explicado é que eu não sou sentimental. Eu não sinto dó de cachorrinhos que passam na rua, mas eu sinto dó de gente. Eu não choro em filme de amor, eu tenho opiniões firmissímas. E eu brigo por tudo aquilo que eu acredito. Eu quero ser feliz, porra. Todo mundo quer ser feliz. Eu nunca passei em cima de ninguém pra ser feliz, eu nunca roubei namorados, eu respeito tudo que eu posso o máximo que eu posso. Só não aprendi a ser moralista. Mas moral é um conceito pessoal. Ética é uma coisa geral. É isso que as pessoas não entendem. Dentro da minha moral, se perdoa traições, se divide sentimento de pura atração carnal, se fala daquilo que não gosta sem pudores. Mas sempre fui uma pessoa ética. Eu não sabotaria ninguém por uma vaga de emprego, eu não trairia meu namorado, eu não seria desleal com meus amigos. E eu não sou desleal. Quando eu falo deles, é simplesmente porque eu tenho raiva do caminho frente a infelicidade que eles às vezes tomam. E tenho mesmo. Daí entra a ética. Você não diz pra uma pessoa que ama o namorado que acha que o namorado dela vai fazer ela infeliz. Você não diz a pessoa que se acha talentosa que talvez ela não seja tão-maravilhosa assim. Algumas coisas não se pode dizer sem magoar. Algumas coisas tem de ficar implícitas.

Eu não gosto das pessoas boazinhas, e nem das pessoas malvadas. Eu acho que uma pessoa é boa a partir do momento que ela não falta com respeito com ninguém. Pra isso você não tem que ser polyana. Pra isso você não tem que ser uma pessoa frágil. A vida exigiu de mim ser forte desde cedo. A vida me botou de frente com gente sem caráter antes dos doze anos de idade. Eu aprendi a não me machucar tanto, não ser feita de boba tanto. Mas eu aprendi a perdoar. Porque as pessoas só são legais porque são diferentes. E a gente tem que aprender a respeitar. Talvez a gente não concorde com tudo. Talvez não seja possível amar todas as pessoas. Mas é sempre preciso respeitar. A escritora, e o ser humano que habita em mim aprendeu que antes de dizer que uma pessoa é boa ou não, há de se conhecer.

E é difícil dizer isso, mas quase ninguém me conhece. Ás vezes porque eu não quero, às vezes porque eu não deixo, e na maioria das vezes porque elas me julgam por aquilo que elas querem enxergar e não pelo que eu sou de verdade. E o que eu sou de verdade, é, muitas vezes diferente de você. E isso não me faz nem melhor, e nem pior. E isso não te faz nem melhor e nem pior que eu.

Eu me orgulho muito do que eu sou. Eu me orgulho muito do que os meus pais me ensinaram a ser. Eu tenho orgulho dos amigos que eu escolhi ter perto de mim. Eu amo as minhas meninas, e os meus meninos. ás vezes você conhece uma pessoa por anos e percebe que não a conhece. às vezes você conhece uma pessoa por duas horas e ela te leva metade da vida. Questão de afinidade, questão de confiança e acima de tudo, questão de tolerância. O jeito mais bonito de amar é amar por tudo aquilo que uma pessoa é, mas acima de tudo amá-la apesar das coisas que você não concorda. Amar o igual é muito fácil, difícil é amar aquilo que incomoda.

Talvez eu tenha um grande ego. Talvez eu tenha muitos defeitos. Talvez eu tenha muita confiança naquilo que eu sou. Eu sou humana, eu erro, eu tropeço milhares de vezes, mas eu tento ser tudo aquilo que eu quis. E o que eu quero é meia duzia de amigos, uma casa simples, um emprego bom e a minha família. Eu sou crítica, eu sou chata, eu sou ranzinza. Eu sei que eu sou difícil às vezes, mas eu tento. Eu só queria dizer que ninguém tem o direito de dizer que eu sou filha da puta e que eu me orgulho disso. Porque eu me conheço. Eu sei o que eu sou.

Vocês nunca estiveram tão errados sobre mim.

O ser humano dentro de mim saiu pra fora e quis dizer isso. Não é literatura, sou eu. Pela primeira vez. Mas agora me deem licença que eu só sou confortável na internet dentro de um personagem. Só sei me literaturar ficcionando. A quem sabe o que eu sou, e me ama por isso, amor eterno. Ao resto, me desculpem, vocês não me conhecem.

Nenhum comentário: