21.4.11
Verborragia metafórica
"Como eu vou te explicar, é assim como, como se eu tivesse construindo uma casa, sabe? uma casa simples e de repente começasse a não querer mais uma casa simples, porque uma casa simples não supria mais as minhas necessidades e daí eu resolvo comprar um pouco mais de tijolos, e refazer o projeto e tudo isso vai criando uma casa maior e de repente eu não quero aquela casa mais, quero outra, e tudo isso vai aumentando e aumentando e de repente eu invento de construir um castelo e nesse castelo tem muitos quartos e salas, e janelas e jardins, imensos jardins onde eu começo a colocar flores e muitas árvores, inúmeras árvores onde eu espero que você me ensine a subir, você sabia que eu nunca soube subir em árvores? pois é, eu não sei, eu sempre tive medo, eu sempre tive muito medo de tudo, inclusive de você e não só de você, das pessoas e de tudo isso, sabe? se tudo isso de sentir e tudo mais, sentir é muito pior do que construir casas, ou castelos, e é mais ou menos isso que eu quero te explicar porque eu sentia uma coisa que cabia numa casa e de repente não coube e eu tive que aumentar e aumentar e de repente precisei de um castelo, um castelo inteiro pra colocar tudo isso que eu sentia em cômodos separados, em cada um eu colocava um sentimento diferente e às vezes era ódio e às vezes raiva e às vezes satisfação. Tinha até solidão, indiferença, mas tinha coisas bonitas também, tinha consideração e alegria, e euforia e tinha também um pouco de paixão porque tem que existir paixão pra que se valha a pena construir castelos e casas ou criar jardins com árvores e tinha essa esperança também uma certa esperança que você me ensinasse a subir nas árvores que eu plantei e na verdade eu não sei o que eu espero construindo esses castelo eu não sei se eu precisava construir um castelo porque eu construi tudo isso e na verdade eu nem sei, talvez eu ainda esteja construindo uma casa pequena e tudo mais e nem tenha árvores nem nada, só mato um monte de mato pra cortar e daí quem sabe plantar alguma coisa, é que às vezes eu me imagino morando na casa e acho tudo muito pequeno e ruim e tudo aquilo não me preenche, e às vezes penso num castelo e acho demais, é demais um castelo, é muito grande pra mim e eu não sei lidar com castelos, só com coisas pequenas, bem pequenas, pequenas como um quarto que não exigem muito trabalho, talvez menores que um quarto, você entende? eu quero coisas que ocupem uma gaveta, é isso, uma gaveta. Uma gaveta em que eu possa trancar a coisa lá dentro porque a gente pode ter total controle sobre as coisas que estão dentro de uma gaveta e mexer nelas como bem entender e até é assim com uma casa também, as coisas fogem um pouco do controle às vezes, mas dá pra dar um jeito, precisa de pouco tempo, mas imagina um castelo, a gente não tem controle sobre o castelo, podem estar acontecendo coisas que a gente não se dá conta e quando vê elas já aconteceram, já foram é assim tão irreversível se mudar pra um castelo que eu nem sei te dizer, porque com certeza você se perde porque tem vezes que você tá no jardim subindo em árvores feliz e nem se dá conta que coisas terríveis podem estar acontecendo nos quartos, ou na sala e podem entrar pessoas novas no seu castelo e quando você percebe já é tarde demais, pode ter sujeira enfiada debaixo dos tapetes e um monte de segredos entre os corredores, é muita ingenuidade achar que vai conseguir dar conta de um castelo. Mas também quando você se dá conta você j;a construiu e já se mudou lá pra dentro, mas eu nem sei se construi alguma coisa, nem sei se isso é uma gaveta ou se é uma casa, ou um castelo, é que me encanta a idéia das árvores, não dá pra colocar árvores dentro de uma gaveta e cabem poucas dentro de uma casa, dentro de um castelo cabem várias, mas também cabem outras coisas, cabem até masmorras coisas que matam que destroem e talvez seja melhor esquecer as àrvores e ficar mesmo com as gavetas, no máximo as casas pequenas, sem árvores, quem sabe um arbusto e no máximo um canteirinho de flores, é mais seguro assim não é, e sei que as casas não são tão bonitas quanto os castelos e tem as árvores eu sei, as árvores em que você me ensinaria a subir, mas se pode cair das árvores também por mais bonitas que elas sejam, pode se cair e se machucar e não há como se machucar em uma gaveta, no máximo prender o dedo, mas não se quebra uma perna ou morre, é, talvez você tenha razão uma gaveta, uma gaveta bonita e bem arrumada que a gente pode trancar quando quiser, é isso, uma gaveta veja estou cuidando de uma gaveta, é isso eu estou cuidando de uma gaveta construí uma gaveta e é só isso, uma simples gaveta só que o que eu quero te explicar é isso e é também te dizer, é que na verdade eu queria te dizer que tem essa gaveta e tal mas ela tá dentro do castelo, sabe? um dia talvez eu queira sair da gaveta e olhar o castelo eu acho que é isso, eu queria te dizer que eu tenho medo das casas, e das casas grandes, e dos castelos e das árvores eu tenho muito medo das árvores então o que quer que eu construa eu queria te pedir, não me deixa não me deixa morrer, tá tudo bem se eu cair, se eu me machucar, eu já me machuquei tantas vezes mesmo, mas me deixa longe dessas coisas que matam escondidas debaixo dos tapetes dos castelos, em cima das torres, nos galhos das árvores, me livra disso. Me livra de morrer porque eu sei que sobre essas coisas que matam a gente não tem controle porque elas crescem. Elas crescem até no fundo falso das gavetas, é que até as gavetas tem um fundo falso e quando a gente se deu conta já morreu então não me deixa morrer, nem nessa gaveta, nem uma casa e nem num castelo enorme subindo nas árvores que eu plantei. Mas se for o caso de construir jardins, constrói comigo, planta as flores, rega as árvores, sobe nelas comigo e cuida do jardim, cuida de mim e não deixa morrer.
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