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11.2.12

the best thing you ever had has gone away

Era dificil admitir: eu tenho deixado de te amar. Eu achei, realmente, que ia te amar pra sempre, um tipo de amor encroado e fininho, que fica maltratando a gente até os últimos dias. Um tipo de amor daqueles que, depois de casada e frustrada, a gente se lembra suspirando da janela, imaginando como teria sido se tivesse dado certo. Acho que suspirava na janela até alguns meses atrás, e até dei de chorar baixinho ouvindo as nossas músicas, mas eis que de repente eu vejo as suas fotos e você não faz mais nenhum sentido. Fica, é claro, mais bem apessoado de terno, e acho que seu sorriso tímido (o sorriso que tem sido desde que nos deixamos) até tem uma certa magia ingênua, mas não me sinto capaz de te amar. Não hoje. Sei que já disse isso repetidas vezes, meio falsa, e sabia que ao dizer isso escondia o fato de que te abraçaria sôfrega se você batesse no meu portão e te diria um "eu te amo" apaixonado enquanto atropelava as sílabas. Hoje já não sei se te diria "eu te amo", porque me sinto completamente incapaz de te amar no meio dos seus novos alargadores e das suas novas escolhas. Existe um abismo entre nós, que é muito mais do que o fato de você torcer pro corinthians e eu pro são paulo, que é muito mais do que seu jeito esquisito de vestir as camisas que nunca combinam, que é muito mais do que o fato das suas piadas serem sempre sem graça. Existe um abismo entre nós enquanto você ainda cursa sua faculdade que é a mesma que a minha, e eu compro roupas cada dia mais caras. Você sempre disse, meio tímido, que eu era nobre demais pros seus vinhos em copo de plástico, e eu te dizia que isso não era nada. Hoje não sei. Não sei se ainda é possível que nos encontremos nas ruas cheias de usuários de crack perto de onde eu moro e nos cumprimentemos ainda encantados. Ás vezes fico pensando que pode até ser da vida nos encontrar quando percebermos que demos errado, assim, muito errado, e que o caminho da gente só podia ser esse mesmo, sem nem precisar adicionar novos sobrenomes depois de casados. Talvez eu tenha me apegado muito ao fato de que nosso casamento significaria a continuidade da família que eu prezo tanto e que vai morrer de sobrenome. Talvez eu tenha me apegado muito à uma imagem de você que nem existe mais, e que hoje eu enxergo meio míope. Eu tenho deixado de te amar mesmo, e isso de certa forma me desfigura. Eu achei que fosse te amar pra sempre. Não que eu quisesse, mas pensei que fosse inevitável. Eu nasceria, cresceria, tentaria me reproduzir e continuaria te amando. De repente não é assim. Eu me vejo esquecendo de você e só lembrando de lembrar quando te vejo perdido nas fotos que eu não faço mais parte. Você sorri sem mim, eu saltito em ruas que você nem conhece sem você e me sinto bastante plena. Eu não achei que isso fosse possível, nunca mais achei ser possível, mas parece que é. Pode ser, é claro, uma decisão precipitada, mas é que meu coração não palpita mais nem ao te ver de terno. E eu não quero matar a menina que te faz feliz. Quero mais é que vocês continuem. Você nunca entenderia porque agora eu dei de combinar calça vermelha com camisa de seda, e eu não gosto tanto assim de ouvir você falar de ilustração, eu sempre preferi literatura. E na verdade, eu acho que até é bastante a sua cara essa coisa simples que ela tem. E é bastante a minha cara essa coisa fina que eu descobri. Acontece que você esqueceu o meu aniversário que você lembrou religiosamente até o ano passado, e pelo primeiro ano, eu não quis teu parabéns também. Eu tinha outros tão plenos quanto, e você tinha uma outra festa. Você comemorava a conquista da sua garota, enquanto eu comemorava meu primeiro ano cheio de perspectivas. E de repente eu descobri que te amar, assim como a cidade em que eu moro não é uma condição, é um estado. Passei vinte e dois anos achando que não podia morar em outro lugar e três anos inteiros achando que não era capaz de gostar de outra coisa, até que conclui sorridente que me enganei. E eu, que sempre gostei de certezas, descubro finalmente o prazer secreto de um engano fortuito.

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