Querido Deus,
Em primeiro lugar, não quero entrar no mérito da questão do fato de você existir ou não. Acho isso tremendamente chato, e até um pouco desnecessário. Chamo aqui de Deus, essa criatura qualquer que existe (ou não), num plano superior e nesse minuto é capaz de me ouvir. O senhor sabe (e eu imagino que saiba, porque muito falam sobre a sua onipresença), que eu sempre fui uma criatura muito perdida. Desde assim, desde sempre. E ultimamente, eu ando um pouco mais perdida do que de costume. Antes as coisas iam. Eu sempre detestei o presente em que eu era inserida (o senhor deve lembrar das minhas inúmeras reclamações), e sempre desejei estar dois passos à frente. Uma vez que chegava nesse passo à frente descobria odiar isso também, e entrava nessa insatisfação sem fim. Eu não sei se o senhor tem uma explicação pra isso, e mesmo que tenha, eu não sei no que nisso pode ajudar. Mas o que eu quero dizer é que, eu detestava o ensino fundamental, daí fui pro ensino médio e detestei, e fui pra faculdade e detestei e comecei a trabalhar e também detestei um pouco, mas até então eu não tinha parado. Esse mês eu parei, e sabe, olha Deus, eu ando mesmo muito perdida. Nos últimos anos eu fui me enfiando em tudo que podia. Porque, sei lá com que massa o senhor me fez, mas eu acabo mesmo conseguindo tudo aquilo que me proponho a conseguir (e até o que não me proponho tanto assim).
Sendo assim, passei no meu primeiro vestibular, fiquei com todos os caras que queria, namorei quem eu queria namorar, passei na primeira pós graduação que tentei, arrumei os empregos que me propus arrumar. E até aí tudo bem. Eu me frustrei aqui e ali, perdi um grande amor justamente porque sempre quis ter demais e acabei me atropelando, mas ok, é a vida, talvez você aí do céu tenha um propósito maior pra isso tudo. Fato é, que hoje eu estou aqui, sentadinha na minha cama, com milhares de dúvidas e eu só posso dizer que ó: eu me atropelei. Isso de conseguir tudo o que ser "quer" é muito legal quando você tem certeza do que você quer, mas no meu caso eu fui conseguindo tudo o que me apareceu. E agora é isso. Eu tenho uma vida que um monte de gente inveja, mas eu não sei se eu queria ela. Eu não sei se eu queria ser essa designer que eu sou, se eu queria com 22 anos já ter feito um ano de pós graduação, se eu queria ter namorado todos esses caras, e ter conquistado todos os caras que me propus a conquistar (mesmo quando eu não queria eles). Isso de não quebrar a cara nunca te bota muito pouco em cheque com a vida e te faz pensar que não tem mesmo o que pensar. Eu nunca tive uma frustração muito grande que me fizesse parar e pensar "olha, talvez esse não seja o caminho certo". Até que eu perdi o emprego. Esse emprego que, bem sabe o senhor, eu achava que não ia perder nunca. Aliás, toda essa trajetória até aqui me fez uma pessoa que acha que não vai perder nunca. Porque eu nunca perdi. Exceto aquela vez, aquele grande amor, que você sabe melhor do que eu, porque sendo deus, já deve ter me espiado chorando no quarto milhares e milhares de vezes.
E daí é isso. Me vejo aqui, pouco estimulada à qualquer coisa, meus amigos todos também, pouco estimulados. E fico esperando que o senhor (ou qualquer coisa que seja) me dê um sinal. Porque de uma hora pra outra, depois de tanta desilusão eu acho que eu dei pra acreditar em sinais. Me oferecem um emprego eu acho que é um sinal, uma nova pessoa aparece eu acho que é um sinal, a havaiana cai de um jeito diferente e eu acho que é um sinal. Porque o senhor bem deve se lembrar, ano passado eu entrei numa estrada que ia rumo à decadência, bebi bastante, minha mãe teve que me aguentar desmaiada na cama algumas várias vezes, eu aceitei todos os convites pra todas as festas, eu fiquei acordada até tarde, eu saí em dias de semana. Tudo isso pra ver se eu achava algum sentido, e o sentido não existe. Também não existe essa pessoa que você vai conhecer e vai ser capaz de mudar toda a sua vida, porque ela até pode mudar um pouquinho, mas todo mundo te decepciona, vez ou outra, o o filtro pra decepções vai ficando cada vez menor. E como o senhor já deve ter percebido, eu não ando com nenhuma tolerância ao fracasso. E também tem isso de arrumar um emprego e eu não sei nem com que raios eu quero trabalhar. Não sei de nada, e escrevo essa carta com um intuito meio infantil de que quem sabe alguma luz venha, ou a minha havaiana caia de um jeito diferente e isso seja um sinal. Só que o senhor bem sabe, que eu não gosto de havaianas.
Eu tenho sido muito forte. Eu, se fosse o senhor, me orgulharia de me ver daí do céu. Eu tenho sido muito forte porque faz dois anos que eu tive que lidar com o trauma mais relevante da minha vida e eu continuei vivendo. O senhor também deve saber que é desde esse dia que viver se tornou mais difícil, mais complicado e cheio de latas de cervejas e coisas que eu não-queria-tanto-assim. É que eu perdi a única coisa que eu desejei com certeza na vida, e depois disso, tudo ficou muito difícil de conseguir continuar. Eu nunca quis nada tanto assim, mas você sabe que ele eu quis. É difícil admitir que uma pessoa só foi responsável por boa parte de tudo que você fez de bonito na vida. Ele era meu equilíbrio, meu norte, minha espécie de deus particular (embora fosse bastante humano), e é estranho pensar que, caso ele ainda estivesse aqui, eu nem estaria endereçando essa carta pra você. Talvez a vida me doesse, mas eu estaria te sorrindo. Você deve se lembrar que eu costumava sorrir bastante, mesmo em meio às minhas depressões, quando ele estava aqui. Teve até um dia que nós dois paramos na sacada pra discutir sobre a existência desse tal de "Deus". Chegamos à conclusão que se o senhor existisse de fato, teria coisas mais legais pra se preocupar do que com essas nossas mesquinharias. E achamos a conclusão bem acertada, embora pouco soubéssemos (ou queríamos saber) sobre esses mistérios de vida & morte. Tinha isso de ver o jogo do barcelona, de fazer lasanha, das pequenas alegrias corriqueiras da vida. O senhor deve saber melhor do que ninguém que meu coração está cansado. Muito cansado. E com o coração cansado fica muito mais difícil conseguir o que se quer da vida. Principalmente pra mim, que nunca soube direito o que queria. Mas a vida é isso. Você viu que meus passos me tornaram designer e que sabe-se lá porque a vida tirou a única coisa que eu tinha certeza que queria de mim. E deu p'raquela outra garota que deve estar cuidando bem dele. Eu espero que esteja, pelo menos. E sabe, de repente ficou mais fácil de acreditar que tudo isso que aconteceu, aconteceu porque tinha que acontecer. Me conforta mais pensar que minha certeza não era a certeza certa, e que agora eu tenho que depositar minha esperança num outro lugar qualquer.
E sabe, se você estiver mesmo me olhando daí do céu, eu estou esperando por um sinal. É porque faz dois anos que eu não sei mais no que depositar a minha fé. Sabe, e eu nem falo de fé religiosa não. Falo de fé na vida, sabe? Fé no meu trabalho, num emprego, numa amizade, em planos, em um novo amor. Qualquer coisa assim. Eu tenho medo de me atropelar, mais uma vez, porque eu sempre me atropelo. E eu tenho medo de, em mais um desses meus atropelos, acabar perdendo a única coisa que eu tinha certeza de querer. Porque eu acho que eu vou encontrar outra coisa e ter certeza que eu quero ela. E essa coisa pode nem ser pessoa. Você entende o que eu estou falando? Eu acho que entende. Eu nem sei o que eu estou te pedindo. Você sabe que eu não sou de pedir muito, sou de me deixar levar. Não sei exigir muita coisa. Não da vida. Fico esperando por esses sinais, fico esperando que as coisas se encaminhem, se mostrem claras, que haja fé em qualquer coisa que seja. Não sei se o senhor está me ouvindo. E caso esteja, eu nem sei se o senhor gosta mesmo que a gente te transforme em literatura. Mas é tarde demais, eu já transformei. Fui eu mesma a escrever em outro texto que "nós somos a geração de um deus que não há". Eu não sei no que acreditar, eu não sei o que pedir, eu não sei o que esperar. Eu não sei nem ao menos o que devo fazer amanhã. Eu nunca soube. Você - ou a vida - me tiraram a única certeza que eu tinha, e pra isso eu tive que realinhar todos os meus planos de novo. E eu (espero) que exista uma razão bastante lógica pra isso. Que eu estou esperando o senhor me contar. Traga qualquer coisa até mim, uma pessoa qualquer, um sinal, um emprego, a oportunidade da minha vida, o dia mais feliz dos meus vinte três anos de existência. Vire meu all star do lado errado na rua, me faça tropeçar na frente do amor da minha vida, inviabilize o que eu quero, ou faça tudo se alinhar do jeito que deve, assim, fácil. Faz dois anos que eu vivo anestesiada, sem esperar nada da vida, sem fazer planos, sem querer nada de verdade porque a única coisa que eu quis a vida levou numa onda gigante e eu nem tive tempo de me reanimar. Só que agora eu cansei. Cansei disso, de me lamentar, de chorar molhando meu teclado frente às fotos dos dias que não voltam. Eu preciso acreditar em alguma coisa. E mesmo que você não exista, hoje eu preciso de você.
2 comentários:
Li e senti a intensidade de seus sentimentos, junto com sua sabedoria e inteligência, e quando falaste de sinais, assim percebi que era a resposta que o universo queria me trazer, apesar de não saber qual a pergunta, mas confio nesse universo que o que li mostra que existe algo que nos guia para um caminho que não sabemos, o nosso destino, nossa evolução necessária. Gostei de seu texto, que traz tanto tristeza e mesmo assim determinação, força e confiança...Desejo a você que encontre as respostas e supere com a força que tem esse "treino" necessário para uma missão bem maior...Abraço :)
The more you think about your own self, the more self-centred you are, the more trouble even small problems can create in your mind. The stronger your sense of ‘I’, the narrower the scope of your thinking becomes; then even small obstacles become unbearable. On the other hand, if you concern yourself mainly with others, the broader your thinking becomes, and life’s inevitable difficulties disturb you less.
- Dalai Lama
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