(I've been lost I've been found and I don't feel down)
Era difícil transformar a distância em coisa palpável, digna de ser escrita. Talvez fosse necessário uma metáfora, dessas assim bem feitas, dessas que traduzem perfeitamente o sentimento que não tem representação, e nem se pode desenhar. Podia, é claro, desenhar no mapa, contar em quilômetros, representar através do google maps qual era a trajetória mais rápida para ligar dois pontos. 480km. 8 horas de viagem de ônibus. 6 horas de carro. 1 hora de avião. 84 reais de passagem. 60 reais de pedágio. 119 reais pela gol em promoção. Qualquer coisa dessas não seria digna de traduzir o que é estar longe daquilo que se queria perto. A distância é cruel. Sabe-se que é cruel quando se vê os choros nos aeroportos e nas rodoviárias, as pessoas se abraçando sôfregas, se beijando com gosto de sal, não querendo largar as mãos. Depois que se entra no ônibus, no carro, ou no avião, tudo é uma coisa meio sem volta. Meio porque sempre há como se voltar, pegar o mesmo avião em que se partiu, voltar pelo mesmo caminho que se foi, pagar os mesmos reais na passagem de ônibus, mas enquanto a volta não acontece tudo é cruel.
Os dias passam rápido demais quando em boa presença, mas dão de passar devagar depois que se dá a distância. É difícil se manter presente na ausência. Às vezes as palavras dizem muito pouco, e por mais que a tecnologia esteja avançada, os audiovisuais ainda não aprenderam a substituir o toque. Consolar à distância também se torma uma arte difícil, é preciso fazer todo um tratado, uma epopéia quem sabe, pra poder chegar perto do que um chá e um colo - quem sabe um cafuné - fariam. Estar distante é sentir-se preocupado por coisas que não fazem parte da sua rotina, é estar aqui e a cabeça voar pra outro lugar, é querer notícias e notificações em qualquer lugar que seja, que digam que o agente causador da saudade está bem, vivo, respirando e quem sabe: feliz. Sentir que a outra pessoa não vai bem na distância dói duas vezes. Dói primeiro como doeria em qualquer pessoa, porque ninguém gosta de ver a pessoa que gosta sofrendo, e depois dói porque ao ver a pessoa que se gosta sofrendo, as formas de fazer isso se atenuar se tornam escassas. É possível, é claro, dizer várias palavras por telefone, mandar e-mails, sms, conversar pelo skype, pelo msn, seja lá por onde for, mas não se pode abraçar, não se pode olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem, não se pode dar as mãos, levar pra um café, colocar um filme, fazer uma comida. A distância extirpa a possibilidade mais bonita do estar com a outra pessoa: o silêncio que só é possível em presença. Porque às vezes não é preciso dizer nada, só é necessário estar junto. E pra se fazer presente em meio à distância é preciso a fala, é preciso o texto, é preciso o aúdio, e não é possível o calor do toque.
A distância é cruel porque tira a possibilidade mais primitiva do relacionamento entre duas pessoas: o simples estar junto. E é no meio da distância que às vezes a gente percebe que pra estar bem, não é necessário muito, é só necessário estar junto. É claro, são interessantíssimos os programas a dois, os cinemas, os bares, as lojas, as livrarias, os restaurantes e todo o universo que uma cidade é capaz de dar a duas pessoas que saem juntas, mas existem dias que nada disso é assim, tão imprescindível. Era possível que estivéssemos felizes sentados na calçada, na cama, no sofá da sala. Era possível que estivéssemos felizes se ele estivesse no quarto lendo um livro enquanto eu termino um trabalho no computador. Era possível até, que estivéssemos cada um em uma parte da cidade, mas pudéssemos contar com a certeza do encontro daqui há algumas horas, quando fosse necessário, ou quando simplesmente quiséssemos. A distância é cruel porque tira a possibilidade da presença, diminuindo ela aos feriados, às viagens, aos telefones, às mensagens de texto, às chamadas no skype. A distância é cruel porque separa. Porque separa dois corpos, duas mãos, duas bocas, dois olhares, dois cheiros, porque mina a possibilidade de. A distância é cruel porque faz com que se viva as vidas meio que pela metade. Tudo que se vive aqui acontece duas vezes, ou acontece pela metade. Acontece duas vezes quando eu penso que esse café é legal, mas também seria legal na presença dele. Acontece pela metade quando um lugar é chato, mas poderia ser legal na presença dele. Acontece triste, quando eu sei que ele não está bem e eu não posso fazer muita coisa. Acontece preocupada quando eu não estou bem, e ele sabe que não pode fazer tanta coisa assim. E dói porque por mais que façamos, sabemos que poderíamos fazer mais, se estivéssemos mais perto. A distância é cruel porque ata, porque diminui, porque impossibilita.
É difícil dar nome e voz à distância. É difícil mensurar a saudades, a falta, a preocupação. É difícil suprir a vontade de um abraço com uma mensagem de texto, é estranho querer chamar pra um café e só poder ligar. A distância é o livro que leio e não posso te mostrar, é o lugar novo que conheci e que não posso te levar, é o sorriso que dei e você não viu, a distância é aquele cachorro que corre em círculos tentando pegar o próprio rabo sem nunca conseguir. A distância é o andar em círculos desse cachorro que corre, que quer muito, que chega perto, que tem a parte junto de si em seu corpo, mas que nunca alcança de fato. A distância é essa lágrima que cai e que ninguém seca. É o vazio da presença, é o estar nessa cidade, no meio de 500 mil pessoas diferentes e nenhuma delas servir tão bem quanto. É um querer que ninguém mais ocupe o lugar do seu lado no cinema, é sentir-se plenamente feliz faltando um pedaço, é um quebra-cabeça que sempre falta uma peça. Estar distante é não conseguir dividir a tristeza e nem compartilhar a alegria, é o simulacro quase sem sentido da realidade que acontece separada, é ficar tentando emular como seria se estivéssemos perto, é nos mandar beijos por vídeo esperando que eles fossem reais. A distância - eu pensava que não - é essa coisa que castiga. Castiga meu coraçãozinho forte, que pensava sobreviver (porque já sobreviveu) à longas distâncias e baixas temperaturas. Sobreviver ele sobrevive, mas hoje bate devagar, como viajante que respira menos em longas altitudes. A distância é meu coração tentando respirar com ar rarefeito.
Eu respiro com o ar rarefeito nessa cidade de terra vermelha, sinto um tico da sua dor e me sinto impotente. Tenho vontade estar mais perto, e de algum jeito estranho - e muito pouco racional pra essa cabecinha que sempre gostou de coisas palpáveis, exatas: dois mais dois é igual a quatro - sei que vai ser possível. É que apesar de todos os pormenores da distância que castiga, existe aquele sorriso de fim de noite, depois de uma ligação que me gastou metade dos meus créditos telefônicos, porque existe alguém ali pra mim. Alguém que se faz presente em mensagens de texto, notificações de redes sociais e na conversa rápida do audiovisual e das linhas telefônicas. Alguém que é o meu café pra começar o dia disposta, e o chá de camomila depois do dia cansativo. O ombro pra encostar, o olho esquerdo piscando moleque, uma espécie de porto seguro pra essa minha vida que vai barquinho na correnteza, o cais onde eu posso quem-sabe atracar por tempo (in)determinado. Hoje eu sou aquele cachorro que abocanha o próprio rabo. Porque a distância existe, castiga, machuca, mas parece transponível. A distância é só um clique.
2 comentários:
Olha, tô apaixonada pelo teu blog! :))
Preciso confessar que tenho esse texto impresso e que fica sempre guardadinho do lado da cama. Ele sempre segue comigo todas as vezes que mudo de cidade e os amores ficam lá vivendo a vida pela metade, tentando respirar em ar rarefeito.
Parabéns pela sensibilidade =*
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