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31.7.12

Palpite


A orquestra tocava a marcha fúnebre (juro que era), e enquanto isso eu pensava em algo pra te escrever junto com aquele livro que você me disse que gostou e eu pensei em te dar. Hoje eu já não te daria nada por amor, ia ser mais pra me redimir de tudo e acabar com essa história de que eu tenho uma dívida incalculável com você. Setenta reais do livro, mais o frete, mais a dedicatória mandada junto, e nem precisava ser com a minha letra, podia ser digitada e impressa. Tudo isso pra acabar de vez com essa angústia que são todas as histórias que não terminam. Imagino que você esteja bem. Juro que nunca entendi sua decisão louca de em uma hora estar tudo bem e logo depois você não querer me ver nem pintada de ouro, mas achei por bem não questionar nada. A culpa não foi sua. Mas também não foi minha. Arrisco te dizer que a culpa foi o do tempo. Pareceu muito perfeito que tivéssemos nos encontrado depois de anos de conhecimento, os dois solteiros, no meio das minhas viagens bem planejadas pra são paulo, mas não. Você vivia me dizendo que a gente ia ter que ir com calma, que de repente nada ia dar certo e a gente podia ser só amigos, e eu ficava ali mexendo no meu brownie derretido querendo não pensar naquilo naquele minuto.

 Eu era histérica e você hesitante. Eu tinha medo de te perder o tempo todo. Um medo que nunca foi meu, que eu nunca tive, um medo irracional. Eu botava os pés pelas mãos, desconfiava demais de você, queria fuçar todas as suas redes sociais em busca de provas. Depois de vez em quando você sumia, nem sempre respondia às mensagens. Histeria, histeria. Histeria de uma vida que ficou girando em torno de você, porque eu não tinha mais no que me apegar. Já você ficava sempre um passo atrás, sempre querendo ir mas dizendo que não, que podíamos nos machucar, que não podíamos nos chamar de amor, que não podíamos fazer planos assim tão rápidos. Brigas idiotas, sumidas sem sentido, acusações infantis. Era isso que era nossa relação estranha. Um machuca e assopra, um some e aparece, um não-te-quero-mas-te-quero-tanto. E não dá. Não dava pra eu investir em uma coisa se toda vez que eu tentava você me replicava dizendo que eu era apaixonada demais e que a gente não tinha nem certeza se ia mesmo namorar. Logo depois você esquecia o discurso e me apontava na paulista um apartamento bom de morar e ter um cachorro de pêlos curtos pra suprir a falta daquele que a sua mãe deu, e que você me contou a história de olhos marejados. Eu queria um amor, e você tinha um trauma. Eu queria um amor, mas tinha uma forminha pré preparada. Queria um amor igual àquele que eu tive, e você ia ter que caber ali do jeito que fosse. Não pode mania de limpeza, não pode desatenção, não pode isso, aquilo, cuidado demais. Não pode porque o amor da minha vida não era assim. Eu competia com o medo e você competia com a minha idealização. Impossível. Impossível que desse certo sendo que eu tropeço demais e você odeia que pisem no seu pé.

 Pra você era tudo questão de eu me educar e pra mim é uma questão de: não consigo. Eu queria ser mais organizada, lembrar de limpar as lentes dos meus óculos, não derrubar chocolate no sofá, lembrar dos caminhos sem olhar as placas. Só que não dá. Eu já tentei. Inúmeras vezes eu tentei, depois de broncas e risos de todo mundo à minha volta. Só que depois me conformei: vai ser assim. Minha paranóia me impede de decorar um caminho. Você reclamava que eu não sabia até hoje pra onde que tinha que descer e eu sabia só que eu não confiava em mim. Às vezes, no ônibus da minha cidade, eu sofro de desconfianças que peguei a linha certa. Imagina então numa cidade daquele tamanho? Tinha que me precaver. Confiar na minha memória não dava. Não dava também pra agüentar tudo aquilo. Te agüentar. Não porque você seja uma pessoa péssima. Não é. Eu até vejo em você inúmeras qualidades porque se não fosse assim eu não teria me apaixonado, viajado, feito planos. Mas não dava pra te agüentar me fazendo segurar tudo que eu sentia, não deixando dizer o que eu queria dizer, pedindo cuidado, sempre cuidado. Não dava pra te agüentar dizendo pra ir por aquele caminho quando eu sabia que eu queria o outro. Não dava pra esperar uma brecha na sua agenda porque eu te queria inteiro e não dividido em partes. Partes suas que se dividiam com seu apartamento novo, seu colega de apartamento, sua amiga no telefone. E tudo bem, se a gente tivesse outra vida ia ter espaço pra todo mundo, pra mais gente. Mas naquelas poucas horas que eu tinha com você não tinha como eu me sentir bem sem nem poder conversar a sós porque tinha alguém no quarto do lado ouvindo tudo. Faltou intimidade, faltou conversa, faltou te conhecer melhor. Faltou meu equilíbrio e faltou sua entrega. 

Eu errei também. Eu fiquei presa no passado, no cara que eu mais amei na vida, eu fiquei esperando que você fosse ele quando eu tinha que te amar pelo que você era. Falhei. Você também falhou porque esperava de mim uma coisa que eu não podia ser. Não naquele momento. Eu estava doente e você com medo. Você na verdade não queria tudo aquilo naquele momento. Acho que você precisava mesmo estar mais solto, mais aberto, mais sem mim. Sem eu te mandando mensagens, te ligando no meio da faxina, exigindo atenção. Eu já estou dois anos na frente, já fiquei livre, já tomei porre e já me envolvi com quem eu bem entendia daí cansei. Acho que você precisava cansar, querer amor, pra daí me querer do jeito que eu queria. Fosse assim, quem sabe, eu tinha até deixado a idealização de lado. Mas não foi. A gente se deu muito bem, tinha dias que eu achava que eu casaria com você, mas não foi o tempo, nem a cidade, nem os dias certos. A culpa não foi minha, nem do meu vômito. Nem sua nem do seu jeito de me tratar depois do ocorrido. A culpa foi da vida. Do jeito que a gente tava, não tinha como sermos um casal. A gente nunca foi um casal. Fôssemos um casal teríamos superado tudo isso. Alguém teria cedido, a gente teria se perdoado e tanto você quanto eu saberíamos superar tudo aquilo juntos, nos perdoar, ao menos conversar civilizadamente tentando nos entender porque é isso que um casal faz. É isso que a cumplicidade permite. Mas fomos duas pessoas que se gostaram, acharam que poderiam ser e não foram. 

Não sei se ainda te encontro. Não sei se daqui dois ou três anos a nossa vida se sincronizará. Talvez eu case e você mude pra nova york, ou você case e eu faça mochilão pelo mundo convicta da minha solteirice. Talvez eu te encontre na sua universidade numa bolsa de mestrado ou numa palestra qualquer. No meio da rua. Talvez a gente nunca mais se veja, e anos depois, perceba que ambos fomos erros horríveis na vida um do outro. Não tem como saber. Não guardo rancor teu, e espero que você não me odeie. Sejamos sinceros: Não deu. E não daria. Não agora. Não desse jeito. Não comigo histérica e apaixonada por um fantasma. Não com você morrendo de medo de se entregar e sofrer. O fim foi trágico como o de qualquer história que continua acontecendo mais por esforço do que por natureza. As coisas forçadas tendem a explodir. A gente não era natural. A gente não era, querido. E ponto. Fica em mim as lembranças de tudo de bonito que foi e eu juro que apago com borracha todo o horror que passou. Espero que um dia seja o mesmo com você. Até qualquer dia, ou nunca mais. De qualquer maneira, vanessa rangel vai sempre me lembrar você. E aí, o amor pode acontecer de novo pra você: palpite. 

20.7.12

Adeus, você.


Das outras vezes que te disse adeus era mentira. Sempre foi. Muito fácil te dizer adeus e continuar com a sua lembrança ali, falando no meu ouvido como aqueles anjinhos da consciência que aparecem nos desenhos animados. Vez ou outra, por histeria ou por desespero (coisas típicas de mim, você sabe), eu tive que escrever que meu amor por você tinha morrido. Não tinha. Eu me agarrava ao seu fantasma como quem se agarra à última esperança que tem na vida. Eu não admitia, mas eu esperava que você voltasse. No meio das suas atualizações nas redes sociais eu sempre torcia pelo dia em que seu status ia mudar de casado pra solteiro. Você ia perceber - porque tinha que perceber - que eu era a pessoa certa pra você e largaria o agora amor da sua vida. Tudo mentira o discurso te esquecendo, tudo mentira eu te encontrar em outra vida quando nós dois formos gatos. Tudo mentira. Eu te queria e eu te queria sempre. Critério de comparação horrível, inescrupuloso. Ninguém consegue competir com uma idealização. É o que tinha sobrado de você. O perfeito todo que acabou esquisito, mas nunca acabou porque você me decepcionou. De você eu tinha a imagem perfeita do homem que eu amaria pra sempre. E aí foi isso: o inferno. Você estragou todas as minhas tentativas depois de você. Qualquer jeito errado de falar comigo já era motivo. Não foram poucas as vezes que eu chegava em casa tristonha e pensava que seria melhor se eu estivesse com você, e não com qualquer um deles. E olha que nem foram erros graves deles. O único erro grave era não ser você.

Foi difícil. Você nem deve ter idéia do quanto nesses quase três anos eu chorei por você. Noites e noites trancada no quarto chorando baixinho ouvindo música de fossa. As piores possíveis. Eu olhava nossas fotos no computador; aquelas em que sorríamos, e queria você de volta. Minha felicidade ficou congelada na época em que você não queria que eu morresse. A sua lembrança estragou meu futuro todo. Até esse último relacionamento ficou ali meio morto por causa da tua sombra. Ele errava e eu comparava ele com você. Ainda me lembro de quando cheguei no quarto do hotel, meio bêbada, depois de ter tomado toda a cerveja do mundo; ter dito pro meu amigo que eram posturas muito diferentes. Você nunca teria agido daquela maneira comigo. Você nunca. Mas você não existe. Não existe mais. Cobrar dos outros uma postura que seria sua, e só sua, é exigir dos outros sempre o que eles não podiam me dar. Eles não podiam ser você. O erro todo foi ter tentado me envolver com seu fantasma me rondando. Sempre comparar com você. Sempre achar que o outro não me era o suficiente porque você faria melhor. Faria talvez. Já fez. Mas foi, acabou, hoje a gente não consegue compartilhar nem do mesmo gosto musical. Eu mudei, você mudou muito e por mais que você tenha me feito muito feliz no tempo em que passamos juntos, isso não volta mais. Eu me lembro de te dizer, algumas vezes, quando você se lamuriava pelo passado, que o passado não volta mais. Eu te disse que se tudo que você tinha voltasse naquela época tudo ia ser diferente. Eu te dizia que as pessoas depois que vão não voltam pra gente do jeito que eram. Você teimava em não concordar e só acreditou em mim quando esqueceu o que tinha passado. É isso. Era isso o ciclo da vida. Eu só ia te esquecer quando te esquecesse. Não achei que a hora ia chegar. Inclusive eu acho que eu mesma não queria que chegasse. Era mais fácil. Toda vez que eu me decepcionava eu pensava que era porque você era o cara certo. Você estaria me esperando em algum lugar do mundo onde estaríamos destinados a ficar juntos. Toda essa esperança louca me impedia de sofrer demais. O fracasso nunca era meu, era sempre do outro. O fracasso do outro era não ser você. E não sendo você eu não poderia dar certo com eles porque eu sabia: só daria certo com você.

E foi um estrago. Um estrago sem fim. A pior coisa que acontece com um amor é ele terminar em reticências. Olha, se eu pudesse voltar no tempo a gente teria tido qualquer conversa definitiva dessas. Mesmo que eu chorasse em público no pior restaurante do mundo. O pior que aconteceu comigo foi você ter ido sem me dizer nada. Eu sempre esperei que você voltasse pra resolver as coisas. E você sempre agindo de um jeito doente, voltando pra saber como ia a minha vida. Não tinha como desapegar. Não tinha como entender que eu não era nem um pouco importante na sua vida sendo que você lembrava ainda da data do meu aniversário. Você não dizia nada, me dava sinais trocados, fazia questão de me cumprimentar toda vez que me via na rua. Sempre com aquele rosto preocupado que você tem, sempre me olhando como se quisesse dizer alguma coisa que não consegue. Eu sempre acreditando na esperança estúpida de que um dia você perceberia que me amava mesmo, e que tinha feito a pior escolha da sua vida. Olha, a verdade é que você não vai voltar. No começo eu achava que era comodidade. Que você não sabia desfazer laços, cortar relações, que era muito cômodo esse casamento em que você tinha se enfiado com rotininha de casal todo dia. Depois eu descobri que não. Era o que você queria, e só. Você ama aquela menina. Do seu jeito (que é estranho), talvez com menos devoção e sorriso do que me amava, mas ama. E amor é isso, né? Vem diferente com as pessoas que a gente escolhe amar porque as pessoas são diferentes. As outras pessoas não podiam me amar do jeito que você me amou. As minhas relações não seriam mais iguais a nossa. Essa parte que foi difícil de entender. Essa parte que eu só entendi dia desses. 

Eu sempre achei que amor precisava de corte na carne. Se não for com corte na carne não é amor. Precisa querer pular do prédio, salvar da morte, não querer respirar sem ter a pessoa por perto. Foi isso que eu senti por você. Quando você foi embora eu morri um pouco. Eu morri e tudo o que tinha dentro de mim foi junto. Você levou pedaços até das coisas que eu gostava. Me doía descobrir que eu ainda gostava das bandas que você me apresentou, me doía ler os livros que você me recomendou, me doía perceber que meus filmes favoritos também são os seus filmes favoritos. Uma crise de identidade terrível pra tentar dissolver o que era eu e o que era você. Foi tudo muito difícil. Me levantar, me reerguer, focar em outra coisa. Fui eu me enfiando feito louca em tudo que podia. O ano passado foi um ano todo jogado. Foquei demais no trabalho, depois foquei na bebedeira, ia em tudo até que esgotasse e não deixei ninguém me amar. Olha, eu destruí a minha própria vida esperando que as outras pessoas fossem você. Não deu pra amar ninguém porque eu não soube dissociar sua lembrança nos meus novos relacionamentos, não soube entender que as pessoas são outras criaturas e que os amores viriam diferentes. Fui passando por cima de tudo que deu, levando embolado, ficando neurótica, paranóica, histérica. Eu queria te encontrar neles. E às vezes até encontrava. Dessa última vez ele era quase você. E foi o quase que matou tudo. Quando ele não agiu como você agiria eu surtei. Não aceitei, não soube conversar, não soube agir, não sabia o que fazer. A coisa mais louca que eu percebi nessa história toda é que eu não sabia lidar com ninguém que não fosse você. Eu só sabia fazer o que você tinha me ensinado, eu só sabia ver o mundo com teus olhos. Eu só queria amar se fosse você. Eu tentava me convencer de que não, olha, eu te esqueci, vai ser feliz com sua garota. Mas não era isso. É que eu queria te esquecer tanto que eu achei que repetindo várias vezes que eu tinha conseguido, eu conseguiria de fato. Não consegui. Eu soube no metrô quando tudo que eu conseguia pensar é que: você agiria diferente, que eu não tinha te esquecido coisíssima nenhuma. 

E olha, foi péssimo. Foi péssimo porque eu não soube me portar e foi péssimo porque eu estraguei tudo que eu não devia ter estragado. Ok, certas coisas não são pra ser. Mas certas coisas a gente ajuda a não ser também. Eu queria que tivesse dado certo sem você. Eu queria. Eu achava que eu estava me esforçando, mas eu não estava. Eu não soube enxergar as pessoas pelo que elas são, sem você pra comparar. Eu não soube te esquecer. Só que daí, sabe, a vida foi indo e a vida acaba com a gente de todos os jeitos que pode. Eu passei pelos piores meses da minha vida. Aquelas crises que você me viu passar eram nada. Isso sim foi difícil. Sei que um dia eu acordei e me dei conta que agora eu sofria e não era por você. Era por mim, era por tudo que deu errado, era pela vida, era pelo meu trauma. Eu sofria por outra pessoa, eu não suportava as atualizações de outra pessoa, eu não queria que outra pessoa fosse feliz sem mim. Mas mais que isso: eu não queria mais que você voltasse. Daí eu fui percebendo que é possível que outras pessoas me amando de jeitos diferentes do seu também me amem. Vai ser possível um dia, depois que tudo isso passar. Você não vai voltar e eu não quero que volte. Foi péssimo.  Nosso fim foi péssimo, a escravidão que ficou com suas voltas sem sentido foram terríveis e sinceramente, te superar foi a tarefa mais complicada de todos esses anos. Mas superei. Agora superei de vez. Nunca mais pensei em escrever sobre você, não fico fazendo comparações, não choro mais ouvindo as músicas que você me ensinou a gostar. Destino só existe nos livros do Paulo Coelho que nós odiamos. Ficar esperando que alguém seja você é loucura. Ficar esperando que você volte é pior ainda. Me assombrar com seu fantasma é injusto comigo e com todo mundo que tentar ser comigo. Você não serve pra mim. E todas as pessoas que não são você podem servir. Eu espero sinceramente que você seja feliz. Acho que já é. Mais que eu. Bem mais que eu que matei todas as possibilidades que não podiam competir com a sua idealização. Demorou muito tempo, mas eu te tirei do meu pedestal. Sei que você é humano, errante, terrível e morre. Dentro de mim morreu. Fica e lembrança de todo amor que foi bom e acabou. O nosso acabou. Bem depois em mim do que em você, mas jaz. Enterremos. 

Que eu seja capaz de viver o resto da vida apesar de todo o estrago causado. 
Adeus, você. 

15.7.12

o bêbado e a equilibrista


Vejo o homem pra quem um dia jurei amor eterno (de mentirinha, mas jurei), enlouquecendo no meio de suas criações na rede social onde ainda nos temos adicionados. Ele tira fotos de cadeiras, explica sem convicção projetos que nunca sairão do papel, faz um tutorial estranho sobre como usar os obturadores e diafragmas e se culpa pela superexposição da foto da sala de jantar onde nunca jantamos juntos. Ele nunca soube tirar fotos, de qualquer maneira. Nem escrever muito bem, nem nunca teve um filme que tenha saído do papel. Só uma vez, um quase curta sobre um caio fernando abreu que ele odiava com unhas e dentes e que acabava por me deixar sozinha nas noites de sábado, quando a minha neurose precisava dele (ou julgaria ser um descaso sem fim). Teve também uma outra vez, um roteiro sobre um homem, um armário, uma vitrola e uma mulher que o deixa. O homem era ele, a mulher era eu. Tudo óbvio assim, ele chorava na minha barriga e eu não entendia a música que ele gostava tanto. Ele negava, mas eu sabia. Ninguém além de mim tinha feito um estrago tão grande naquele coração esquisito que só dava conta de me amar e bombear sangue pra um corpo doente, que ele segurava meio sôfrego com os seus pés tamanho 38 que calçavam o meu all-star.

Os episodios de loucura dele eram muito amostrados, enquanto os meus aconteciam muito dentro dos quartos, nos telefonemas durante a madrugada, nos meus e-mails quilométricos onde ora eu atribuía culpa, ora me desculpava sôfrega. No resto do tempo eu era normal. Ele, ele não. Ele saia pelas ruas do Rio de Janeiro e depois não era encontrado, desaparecia por um ou dois dias, dizia que tinha dormido na praia mesmo e, tudo bem, tudo normal, como se todo mundo adormecesse na praia e esquecesse de voltar pra casa. De vez em quando ele inventava histórias fantásticas pras moças do cinema, e ele nunca em tempo algum via problema em se misturar às crianças do playmaster - e pedir pra andar de montanha russa. A revolta precoce dele o impedia de entender os meus pais, e o jeito estranho dele me fazia ter que esconder certas coisas das outras pessoas. Tinha isso, mas na maioria do tempo ele conseguia o que pouca gente conseguia: me deixar dentro do eixo. Equilíbrio pra mim sempre foi um ideal inatingível, é só me dar um pouco de confiança que eu começo a ser um pouco louca, três tantos desconfiada, cinco tantos paranóica e o resto, o resto é neurose. Ele me segurava no meio dos meus ataques de choro que nada mais eram do que culpa por não amar tanto assim aquele menino que segurava - e demonstrava - o seu amor em viagens de doze horas para permanecer um dia só. Ele viajava vinte e quatro horas pra me ver e eu ainda tinha minhas dúvidas. Focar no discurso e nunca na ação é um problema a ser vencido, mas é mais ou menos como correr aquelas corridas com salto-com-barreira em que a gente tem que pular um obstáculo por vez (e eu sempre tropeço). 

Ele parou sua jornada de auto-conhecimento antes da metade, e tomava os rivotris pra dormir como se fossem bainhas. Dez analgésicos de vez em quando, o garoto não tinha medo de morrer. Durou duas consultas no psicólogo, depois voltava me dizendo que não, não precisava de nada, os problemas dele são muito dele e cabe a ele preserva-los. Eu criticava, mas sei também que sou um pouco assim. Os problemas são sempre os meus problemas, e cabe a mim tentar decifrá-los, mesmo que toda essa jornada do auto conhecimento me coloque frente a coisas terríveis, e pensamentos inoportunos. Os pensamentos inoportunos dele um dia deram um estopim no nosso relacionamento falido. Ele me ligou bêbado, me dizendo que me amava e que a gente ia dar um jeito em tudo. Ele mudaria tudo o que eu não gostasse, mas a gente não podia continuar daquele jeito. Eu, assistindo a novela, sem amor nenhum não quis ouvir mais nada e cheguei à conclusão que não dava mais. O relacionamento acabou, mas continuou ele me ligando quando se sentia sozinho, e eu ligando soluçando de choro, porque só na loucura é possível entender o outro, e a gente se entendia.

Eu fiz ele parar de fumar, e depois foi ele que me dizia que eu não podia começar porque estava prestes a. Ele não entendia minha jornada de auto destruição, e eu dizia que era meu jeito de não ir no médico tratar doença. No fundo é tudo a mesma coisa, sabe? Se a gente não quer viver tanto assim a gente desapega. Dessa vez, dessa vez eu tive que ir sozinha. Descobri que acho injusto recorrer à alguém só porque essa pessoa sempre-vai-me-amar. Se eu sou grande o suficiente pra me meter naquela cidade louca e andar de ônibus sem saber exatamente pra onde ele está indo eu sou grande o suficiente pra saber-lidar. Teria que ser. Ele nada soube sobre os porquês da minha depressão, nem entendia nada de quando eu ficava gripada demais e começava a reclamar de levinho, nas conversas que a gente tinha sobre o que cada um andava fazendo da vida. Ia ser difícil explicar pra ele que eu seguia com a minha vida, de um jeito torto, mas seguia. Seguia no meio de uma São Paulo louca, seguia tentando tirar amor de onde eu sabia que não viria amor-amor, só um amorzinho terno de fim-de-tarde e telefonema antes de ir pro trabalho. Ele quereria bater no homem que me fez mal, mesmo que ele tenha me feito mal sem querer, e boa parte da culpa também tenha sido minha. Quando a gente se conheceu eu nem bebia, eu nem chegava tarde demais em casa, eu não era nada além da descontrolada ativista que tentava fazer da faculdade um lugar melhor pra se habitar e viver. Quando ele me conheceu eu era crua e limpa, e tomava porrezinho de vinho no nosso quarto de hotel às três da tarde de uma quinta feira, enquanto a minha mãe saia pra fazer as coisas dela. Ele ficava chato bêbado, muito chato. Acho que era por isso que eu não bebia nunca e queria fazer ele parar. Ele bebia e grudava em mim, dizia que nunca-mais ia me deixar, que a gente ia ter uma vida tranqüila e terna em Curitiba, depois que a gente terminasse as nossas faculdades. Ele me amava demais pra que eu pudesse continuar segurando na mão dele. Ele me amava demais, e só. 

Das duas coisas que eu nunca soube lidar, o amor-demais era uma delas. Não sabia. Às vezes eu olhava pra ele, tão desgastado de tudo que tinha feito por mim, as mãos sangrantes já, os joelhos ralados e daí eu sentia muita pena. Pena dele, e pena de mim que não sabia fazer outra coisa senão apontar os dedos na cara dele dizendo que ele nunca, nunca em tempo algum seria o homem que eu esperava. Daí ele tentava ser. Se enfiava em mil loucuras pra ser esse homem. Me mandava flores, me trazia bombons, tentava entender de futebol de um jeito histérico. Tudo nele me enjoava porque ele queria demais. Queria demais me amar e eu não sei ser tão amada assim. A outra coisa com a qual eu não sabia lidar era a indiferença dita. Amor paulista é outro amor. Eu nunca consegui ser enfiada no meio das listas de prioridades de alguém como uma coisa qualquer entre o trabalho e necessidade de contato humano. Homem, homem de carne e osso, homem que manda fazer que chama o garçom com segurança, que te faz o pedido eu gelo. De vez em quando tinha ternura. Ou teve uma vez em que a gente se enlaçou longe dos afazeres de todo dia e foi viver outra vida. Naquela vida eu era prioridade no meio da vida louca dele. Depois eu fui o tempinho que sobrava. Não dava pra deixar os amigos na mão, a faxina pra depois. Nem tempo pra ficar sozinho conversando a gente teve. O terceiro elemento jazia do nosso lado enquanto eu sabia que nunca seria essa mulher que ele tanto admirava. Com as convenções históricas do que uma mulher deve ser, eu não sei lidar. Sei até ser uma boa amante, fazer uma comida, e tinha aprendido a fazer cafuné alguns meses antes. Mas atender expectativas, meu bem, isso é demais pra mim. É demais que eu saiba me portar como a dama que não suja as paredes e não mancha a fronha. Não sei sentir vergonha dos erros que cometi e esse é sim, assumo, um dos meus grandes defeitos. Eu assumo os erros. Assumo e me desculpo. Depois tento reparar, quando posso. Quando não exige mais de mim do que eu posso dar. Quando exige mais eu choro na cama como qualquer outro ser, como um gatinho afugentado que não sabe o que fazer frente a nova bordoada. Vergonha eu não sei ter. Pedir que eu tivesse antevisto o desastre e me portado, proativa, frente ao estardalhaço todo que causei é o mesmo que esperar que eu espere que me abram a porta do carro. Só faço aquilo que eu sei. O que eu não sei não faço. Agradá-lo eu não soube, daí fui rechaçada. Porque era essa a palavra. No mais de tudo, não saberia contar essa história à ele que tanto me amou porque ele não entenderia como me deixei ser assim, tão escondida no meio da vida de outra pessoa. Me acostumei a me terem com orgulho. Mesmo quando as nomenclaturas não eram bem colocadas, eu era posta na frente. Tinha orgulho neles a toda vez que saiam por aí me levando pelo braço. Lembro deles todos, os anteriores, me deixando falar e ouvindo com um certo orgulho. Eu andava do lado deles na rua, e claro, tropeçava. Mas os tropeços não importavam. 

Dos meus arrependimentos só o de não ter conseguido amar de volta com tanta devoção as pessoas que tanto fizeram por mim. Minhas escolhas sempre acabam sendo débeis. Muito mais pela palavra do que pela ação. Eis que sempre chega aquele dia em que se percebe que jurar amor e dar amor podem ser coisas diametralmente opostas. Todo o discurso da vida que podíamos ter caia por terra quando eu era só uma amiga que foi dormir no quarto dele. Nenhum orgulho na sentença proclamada. Uma amiga. Uma amiga e só. Com os outros palavras péssimas, e devoção sempre. Além. Me chamavam pelo nome e me carregavam pelo braço. O homem que mais me amou na vida, com certeza não entenderia o porquê de, tendo tido na vida tanto amor, eu tenha me sujeitado a pedir emprestado o pouquinho que um outro não queria dar. Que ele não podia dar. Não podia ele porque era tanto quanto eu, um equilibrista. Tinha dito logo na primeira conversa que não, não seríamos, a vida se encarregaria de. Só que a vida sozinha não consegue amar ninguém. É preciso, em primeiro lugar, querer. E ele não queria, porque quem sabe nem podia querer.  Eu não podia dizer. Não podia ligar chorando no número que eu ainda sei de cor. A escolha é minha. Não pude amar quem me amou, fui construir uma estrada inteirinha de planos com quem nem me queria tanto assim. A vida, cruel a vida. Ele enlouquece no Rio de Janeiro e planeja roteiros e viagens pra São Paulo. Aquela São Paulo que ele jura que não entende porque depois de amar tanto eu vim a pegar raiva. Não posso mais com a rua augusta onde queria chorar e permaneci estática. Não posso com a avenida paulista e a livraria onde prometemos ir pra paraty. Não posso com a vida que eu queria ter e acabou. Não posso com nada disso e ele não pode saber. Ele me conta histérico dos planos dele sobre quadrinhos e filmes e eu retruco dizendo que ele nunca, em tempo algum esteve mais ridículo em toda a sua estada no planeta terra. Ele não sabe, mas vai ser mais fácil se ele me odiar. Mesmo que ele enlouqueça. Dia desses ele me ligou bêbado dizendo que sentia muito a minha falta. Eu não sentia a dele. Não sentia porque amei muito pouco esse tal homem que tanto me amou e hoje tira fotos de cadeiras. Eu só sentia mesmo falta da proteção, da admiração. De alguém olhar pra mim e me enxergar menos desastre e mais talento. Sinto falta da nossa luta. Da nossa luta conjunta em continuar amando os defeitos do outro. Sinto falta dele que nunca esperou de mim outra coisa que não fosse eu, na plenitude do ser. Eu estraguei muito mais que a casa dele. Se fosse pra colocar em reais, seria impossível. Eu estraguei tanta coisa dentro dele que sei lá se um dia ele vai conseguir consertar. Eu sei que eu estraguei, e ele, ele também sabe. Mas não me culpa. Ele não me culpa porque ele me enxerga por trás do desastre. E é isso que qualquer ser humano vivo espera. Ser visto além.

No mais ele enlouquece e eu vivo. Nunca daríamos certos juntos. Nunca em tempo algum daríamos. Ele é mais do que eu posso suportar em sentimento. Ele nunca soube manusear tão bem quanto imaginava as câmeras fotográficas, mas tirou algumas fotos minhas. Elas ficaram perdidas nos velhos HDs dos computadores que a gente não usa mais. Esses dias encontrei, revi. Eu era mais magra, os cabelos eram mais curtos, eu não tinha noção nenhuma de moda e estilo e mal devia entender a diferença entre uma roupa anos 50 e outra anos 80. Andávamos pela ferroviária. Ele usava moletom e eu uma bolsa de pano. Não lembro de tanta coisa assim, faz muito tempo. Eu sorria. Em todas as fotos eu era uma magreza estudante de design sorridente. De uma coisa eu tive certeza: depois desse ano, acho que ninguém nunca mais vai me ver daquele jeito. Ele é o bêbado, e eu a equilibrista. Só que da corda bamba do amor eu caí há alguns meses. Não levantei. Não levantarei. O público ainda aplaude esperando que eu tente de novo e eu só assumo o erro e digo, compadecida: "Eu desisto, vida. Eu desisto". 


8.7.12

and you don't know where you going

2012 é o pior ano da minha vida.
Ao sentenciar uma coisa assim, de maneira tão clara, alguém podia vir e me dizer: "existem coisas piores para acontecer". E eu concordo. Existem, claro que existem. Meus pais podiam estar doentes, por exemplo. Alguém da minha família podia morrer. Eu podia estar tendo algum tipo de doença incurável. Podia cair uma bomba na minha casa, a gente podia sofrer um acidente. Mil coisas piores do que os meus dramas existenciais poderiam estar acontecendo. Se a gente entrar no mérito da comparação, milhares de pessoas estão tendo anos mais difíceis que o meu. Eu sei disso. Isso acontece o tempo todo, no mundo todo. O sofrimento da gente só parece essa bola de neve de tamanho colossal porque faz parte do nosso mundo. E o nosso mundo é o que mais importa pra nós. Eu nunca acreditei na lei da comparação e nunca consegui me consolar com o "podia ser pior". O que está acontecendo já me é bastante difícil, suficientemente difícil e eu não quero comparações ou falsos consolos. Nesse ano eu tenho deixado de existir. Deixar de existir do jeito que você conhecia é uma das piores sensações que existem. Existem outras sensações bem ruins como falta de ar, ou perder alguém que a gente gosta muito. Mas o distanciamento do ser traz bastante sofrimento.

Dois mil e doze, escrito em extenso, começou - embora indeciso - bastante esperançoso. Tive um ano novo sorridente, promessas de um novo amor, uma chance de recomeçar uma outra vida, em um outro lugar. Amigos voltariam de longe. Minha vida podia entrar nos eixos. E entrou. Até fevereiro tudo parecia muito bem encaminhado. Bem encaminhadíssimo. Tudo parecia tão bem que eu tinha medo que estourasse. E estourou. Não tardou muito. Março já foi o mês da ansiedade e abril veio terrível e depressivo. Eu já segurei muitos baques na minha vida. Inúmeros. Toda vez que você diz que segurou a barra da sua vida parece que você está querendo se mostrar. Eu não digo nada. Não preciso dizer. Essas pequenas grandes coisas que eu vivi me tornaram a pessoa que eu sou. A pessoa que eu sou aguenta o baque e sai fazendo piada. A vida nunca foi assim tão fácil. É claro que eu não passei fome, não tive que trabalhar, meus pais não me abandonaram. Nada disso. Eu fui filha única, mimada, e recebia uma sacola de chocolates do meu pai todo fim de semana. Não tive grandes traumas, nunca fui abusada, ninguém sentiria tanta dó assim de mim se eu contasse minha história no fantástico.

Exceto que minha vó entrou em depressão profunda quando eu era novinha e eu convivi com a doença toda, até a morte, que eu vi acontecer na minha frente. Aos dezesseis anos. Sozinha. Sempre foi assim. A única pessoa que via minhas fragilidades era a minha mãe. Mãe essa que segurou a minha mão quando a gente teve que visitar, sozinhas, meu avô na UTI depois do derrame que viria a matá-lo. Mãe com quem eu viajei de ônibus sem derramar uma lágrima quando me ligaram, no ano do TCC, dizendo que meu pai tinha tido um AVC em campinas e estava na UTI. Com ela eu chorava. No colo dela eu chorei a morte dos meus avós e a notícia da internação do meu pai. Ninguém ficava sabendo. Eu preferia assim. Das poucas vezes que tentei pedir ajuda as pessoas não entenderam muito bem. Tudo bem, é difícil entender a morte. Tudo bem, a gente aprende a perder. O estranho de tudo é que, mesmo nesses momentos, eu continuei em pé. Eu era mais aberta, ou mais resiliente. Eu tinha mais bons amigos perto de mim. Amigos que se não sabiam o que dizer ficavam do ladinho, fazendo piada, convidando pra um lanche. Do meu lado tinha gente que me entendia. Que falava a minha língua, sabe? Eu nunca chorei na frente deles. Nunca. A única pessoa que me viu chorar além dos meus pais foi meu namorado. Meu ex namorado que passou comigo três anos complicados, mas com quem eu tinha liberdade pra ser um pouco menos sisuda. Não porque eu quis, mas porque ele me ensinou a. É um processo as pessoas quererem entrar na sua vida a ponto de te abrirem aos pouquinhos, ainda mais quando você já tomou muita bordoada da vida. A gente desaprende a confiar. Fazer carinha de dó todo mundo faz, o difícil é segurar a barra da chatice, do choro, da fragilidade. Difícil é enxergar o outro. Mas tudo isso veio, passou, eu sobrevivi. Sobrevivemos. Sempre em pé, com piadinha ou sem piadinha. Sempre seguindo a vida.

Daí veio dois mil e doze, o ano do apocalipse. Não deu mais. Não dava mais pra segurar o choro, não dava mais pra respirar fundo e ser forte. Não dá, não deu, foram vinte e três anos assim. Desculpem. E dá menos ainda quando as pessoas que te enxergam mudaram pra longe. O pior momento do meu ano aconteceu num abril meio louco e eu segurei o choro por dois dias. Cheguei em casa e desabei. Ninguém acreditou que eu desabaria. Acho que não acreditam até hoje. Eu não pareço ser esse tipo de pessoa que sucumbe. Eu não sou. Mas sucumbi. Sucumbi tanto que três meses depois eu não vejo tantas melhoras assim. É uma atrás da outra. Uma decepção, um baque, uma depressão leve, um problema no estômago, uma gripe, uma dor de garganta, um emagrecimento, outro problema no estômago. Daí as coisas parecem estar se encaminhando e de novo alguma outra decepção, alguma outra gripe. Eu aguentei. Eu aguentei firme. Ninguém teve que me ouvir reclamar meu medo de sair de casa. Eu não joguei a culpa em cima de ninguém. Ninguém foi culpado pela minha falta de apetite, pela minha fraqueza, pelos meus inúmeros resfriados. Eu não obriguei ninguém a me ouvir reclamando. Ouviram quando quiseram, quando se preocuparam. Eu fiquei de pé. Cambaleando, mas fiquei de pé. Mas agora é julho, eu tenho quatro meses pra entregar a monografia que eu nem comecei e tô amargando a pior gripe que eu já tive esse ano.

Eu desmaiei na sala. Desmaiar é uma das maiores sensações de impotência que a gente pode ter consciente. Numa hora você tá em pé, na outra tudo ficou preto e você caiu no chão. No chão, estatelada. Meu pai me segurou, mas quem foi andando até o sofá fui eu. Porque eu não espero que me carreguem. Eu acho que esperei, algum dia, quando tinha uns treze anos. Depois voltei a ter esperanças aqui e ali, esse ano até achei ser possível, mas não é. A sua barra quem segura é você. Eu nunca estive tão cansada. E não é uma questão de querer apontar dedos na cara de ninguém, é uma questão existencial. Eu não me reconheço. Fico apática esperando que a vida me dê um pouco de ar, mas eu recebo febre. Minha mãe faz bolo e mantêm a calma. Eu tive medo, eu tive muito medo de adoecer de vez. É sintoma, é claro que é sintoma. Minha tosse chatinha não é maior que o desespero que às vezes bate aqui dentro. Hoje eu acordei fraca e repeti baixinho que eu não aguento mais isso. Não aguento mais esse ano, essa apatia, essa fraqueza, essa falta de comunicação, esse mundo inteiro que não tem falado a minha língua. Não aguento mais e ponto. Fico correndo essa corridinha de obstáculos babaca e sempre acabo batendo na barreira. Depois levanto, tento de novo. Mas sempre bato. Sempre bato no obstáculo. Esses dias me disseram brincando que eu precisava ser mais frágil. Eu concordei, também brincando, mas no fundo eu até queria. Ser dessas pessoas que mandam mensagens pros seus pares amorosos que nem são fixos dizendo "cuida de mim". Mas eu não tô acostumada. Eu levanto do desmaio e vou até o sofá. Eu meço a minha própria temperatura e pego a minha comida na cozinha. Eu não sei dar trabalho. E a única vez que eu dei, me custou o ano. A vida é injusta, né? Teu único momento de fraqueza é punido com danação eterna. A danação eterna de um ano apocaliptico.

Sempre fico me perguntando se eu merecia tudo isso, e chego a conclusão que a vida não é questão de merecimento. Fosse assim minha mãe também não teria segurado essas barras todas, e eu não conseguiria me enxergar nela, toda vez que ela finge calma e bom humor no meio da tragédia. A vida vem do jeito que tem que vir, a gente querendo ou não carregar. E isso não é um martírio, um pedido de socorro, nada disso. É só um jeito de dizer baixinho que de algum jeito esse ano é uma torre de babel. Eu tento dizer alguma coisa que ninguém entende. Nem eu mesma. E tudo tem me deixado cansada. Existencialmente cansada. Eu sei, vai passar, eu vou superar. Eu sei disso mais do que todo mundo, inclusive. Eu superei coisas piores. Todo mundo é sozinho no fim. Esse é o problema do mundo. A gente vive cantando músicas em línguas que não sabe. Ninguém se entende, ou se reconhece. É preciso enxergar. Urgentemente é preciso enxergar-se.

Dois mil e doze, não me maltrata mais não. Tá? Eu sei que eu aguento, mas eu tô muito cansada de.