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27.8.12

here comes your man


Nunca fiquei órfã de um seriado. É isso. Eu não choro quando as temporadas deles acabam, nem cria em mim um vazio existencial. Acabou, eu vivo sem. Também não procuro outro seriado pra botar o lugar. A verdade é essa: não consigo acompanhar séries com afinco. Esqueço os dias em que elas lançam e acabo sempre pegando num dia da semana pré determinado por mim quando já saiu o rmvb com legenda. Vejo todos os seriados assim, porque acho descartável. Foda-se os 720 não-sei-o-quê de qualidade. Tudo isso pra quê? Ver na telinha do computador, escrever no twitter, fazer um check in no get glue? Tanto faz. Uma imagem ok, as legendas pra que eu entenda todos os estrangeirismos, as temporadas que me derem. Fico bem assim. Não me apego a séries de tv, programas semanais, apresentadores de jornais, cores das interfaces digitais que utilizo. Me adapto bem a mudanças, dizem que é porque sou aquariana. Às vezes penso que não é nada disso, é só desapego mesmo. Sempre vou embora. Uma hora ou outra saiba: eu estarei indo embora. Um dia ele me falou sem querer que tudo no que ele se apegava ia embora. Eu nem ri e nem coloquei a mão no ombro dele, simplesmente porque não sei fazer nada disso. No mesmo dia ele contou umas histórias sobre abandono e eu continuei tomando meu copo de cerveja gelado e respondendo as mensagens no meu celular. Era isso. Eu também tinha me apegado à coisas que foram embora, mas qual era a solução? Nunca mais ir embora? Nunca mais se apegar? Ir embora antes que a coisa lhe deixasse? Nada é assim tão ciência exata e eu, na arte do sentimento, costumo falhar redondamente. Falhei dessa vez. Acho que nem três semanas depois daquele dia em que ele falou que tudo em que ele se apega ia embora, eu fui também. Fui sem avisar, porque nunca aviso. Peguei as malas, entrei naquele ônibus azul e fui ouvindo as músicas que já não eram nossas nem de ninguém durante o trajeto. Eu me sentia bem era na estrada. Uma coca cola, um pão de batata, um chocolate qualquer desses que eu não gosto. Minha calça jeans caindo enquanto eu tento dormir e as lembranças daquela rodoviária onde outrora houve amor.

Daí outra cidade, outro cenário. Eu me virava bem, as placas me diziam pra onde ir e tudo era diferente. Ele talvez gostaria de todos aqueles lugares, embora muito provavelmente me perguntasse sobre metade dos autores da livraria de decoração interessante. Não tem como enganar ninguém, eu nem sei tanto assim de autores. Engano bem. Não sei onde fica nada naquele lugar enorme. Só a seção de literatura brasileira, onde peguei um livro do mutarelli pra ler. Escritor também é costume. Dois ou três meses pra frente estaria eu tentando decifrar um hemingway ao invés de miguel e seus demônios. É isso, são fases. No fundo eu me arrependo de não ter comprado o livro da narcisa. Ele entenderia. Entenderia perfeitamente minha literatura de entretenimento. Mas grande coisa, tarde demais. As ruas eram grandes demais, e as filas eram intermináveis. Pra qualquer coisa. O café caro, a pizza, o brownie de gosto ruim. Pra tudo tinha que esperar. Esperar a garçonete que não vem nunca, esperar o ônibus que não chega, entrar na fila pra não sentar no metrô. Esperar mesa nos bares da rua movimentada. Cair nas escadas. Os ônibus funcionavam do pior jeito possível e meu coração ia ficando pequenininho no meio da cidade imensa. Não que eu tivesse feito a escolha errada, ou tivesse sido o tempo todo infeliz. Não era nada disso. Só foi uma escolha fora de tempo e compasso; nada podia dar certo. Daí eu lembrava dele, do abandono, dos pequenos planos frustrados e me sentia culpada. A vida é uma eterna culpa que a gente tem que carregar do jeito que dá. Sempre isso, desse jeito torto. 

Quando eu voltei, com as malas pesadas e o coração despedaçado, eu não queria que ele me buscasse. Evitei sempre todos os convites, porque não era justo. Eu precisava sofrer estatelada no chão sem que ele me pegasse e me tirasse pra dançar. Às vezes eu ficava na sala pensando quando é que a vida ia me dar outra pessoa assim, tão parecida comigo, e desandava a chorar. Talvez também não fosse esse o problema. Tanta gente parecida que deu errado. Mas eu sentia saudades. O cuidado era mau humorado, mas era cuidado. O jeito de dizer que gostava era estranho mas era um jeito. Pelo menos, no fim de tudo, eu não sentia medo de andar na rua porque eu não ia sozinha. Eu não sentia medo de me perder na festa porque eu tinha com quem dançar. Dançar do jeito errado, torto, tropeçando e desconfiando dos movimentos bruscos - mas dançando. Eu nunca soube se ele tinha se apegado ou não. Às vezes eu desconfiava que sim, depois eu pensava que não. Difícil entender como as outras pessoas sentem. Difícil entender os sinais trocados, os dias que dão errado, difícil entender a vida. Eu podia ter sido mais sincera. Eu podia nem ter ido embora; mas eu precisava. Precisava ir lá, querer casar, me despir de todas as convicções por causa de um amor que podia-ser pra depois acabar tudo com uma mensagem de ódio e manchas de vinho na parede. Precisava voltar desgastada e frouxa pra então chorar na cama e vomitar de nervoso. Precisava tudo isso pra entender que, de repente, não precisava nem ter colocado a mala no ônibus e quase ter dado adeus rápido à tudo que eu conhecia e gostava. Precisava estar em cima do céu e cair pra perceber que a felicidade torta que eu queria já estava do meu lado e me oferecia cerveja. É claro que não tinha poema, nem declaração tórrida de amor. Não houve presente, ligação dedicando música ou promessa de um quarto e sala no centro. Mas eu era eu. Tão abundantemente eu que por vezes eu até esquecia que estava junto. Eu gritava, derrubava comida na roupa e colocava a minha música preferida pra ele ouvir. E ele ouvia. Meu humor capenga, meu jeito torto e meu cabelo curto. Segurava na minha mão sem soltar e me levava pela cidade escura. Eu nunca sentia medo. Eu nunca senti medo. Nem quando escureceu no mato. Nem quando anoiteceu na rua. Por algum motivo estranho eu sabia que ele não me deixaria assim, à deriva. Quem foi embora fui eu. Eu que cancelei a temporada do seriado, que larguei tudo sem nem querer saber o que aconteceria no último episódio. E o desfecho? Não se sabe. Tudo que eu sei é que todo dia desde que a falta dele se tornou presente eu fico ensaiando meu jeitinho torto de tirá-lo pra dançar. 

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