25.12.12
I want to break free
qualquer texto de libertação soa ridículo. hoje nem lembro quantas vezes abri aquela maldita página pra ver informações de coisas que não me dizem mais respeito. no fundo é o mesmo medo: medo de ter sido completamente esquecida, medo de não ter significado nada, medo de ter perdido. a conclusão é simples. não tem porquê nada disso. ele sempre esteve certo ao dizer que, se as coisas tiverem que vingar, vingam. no resto do tempo esteve ele vivendo a vida das maneiras que pôde e eu vivendo de mágoa do passado porque não podia pedir pra ele voltar (embora muitas vezes tivesse querido). o peso do orgulho é esse. se você nunca pode voltar atrás se reatroalimenta de raiva e rancor, de pedaço de vida jogado da outra pessoa, de suposição sem lógica. meu ano todo ferrado vivendo de lembrança e história de coisa que já foi. ele ali entranhado como se fosse tatuagem que não sai nem em trinta e duas aplicações de laser. tudo isso sem razão de ser, tudo isso e eu aqui, trancada em casa com medo da vida esperando que um dia tudo fosse vingar um telefonema, numa mensagem, num aviso em rede social. nada acontecerá. quando era tempo não resolvi e agora que seja. meu último texto foi a maior bobagem que já escrevi. meu último ano foi a maior bobagem que já vivi. eu espero que você seja feliz. quanto a mim, eu só quero me libertar. não te aguento mais sendo lembrança, idéia, sonho, paranóia, arrependimento; você é aquela mosquinha de dúvida no canto do meu ouvido, é a minha história feliz que acabou em tragédia, é a minha grande culpa. você é a minha memória mais viva e a minha maior loucura. você é a lembrança que não me deixa viver, é o quase amor que eu não esqueci, é a minha tragédia russsa é o meu horror. você já foi a melhor e hoje é a pior parte de mim. e você não tem culpa. e ninguém tem culpa. eu só quero te esquecer. eu só quero te esquecer de vez, I want to break free.
23.12.12
hoje falei pra mim, jurei, até, que essa não seria pra você
(e agora é).
"você não pode se apaixonar por ela", foi a primeira coisa que eu pensei ao ver a solicitação de amizade dele aceitada por ela que, sempre foi, sem saber, um grande fantasma chato na nossa relação que já se foi. Ainda posso lembrar com certa perfeição, ela e toda a sua eloquência, sua mania de não derrubar comida na blusa como eu, lhe dizendo que lia poemas para seu par amoroso da época e que, briga por poesia é um tipo de briga poética. Ele concordava, bastante encantado com o jeito louco dela, que eu ainda não tinha aprendido a ser. Esse jeito louco de falar de sexo abertamente, na mesa de um bar um pouco pra baixo da avenida paulista enquanto nós dois tomávamos uma cerveja que já não me lembro e no andar de cima tocava linger dos cramberries (canção que sempre tentei imitar e até conseguia, depois de algumas tentativas ridículas e frustradas). Ele falava dela, dos poemas dela, das coisas que tinha descoberto dela e tudo aquilo me deixava insegura. Somos parecidas mas eu tenho de ser melhor pra você, mesmo sem livro publicado, mesmo sendo fracasso em vida, mesmo eu sendo essa pessoa que vomita a sua casa inteira e não consegue nem levantar da cama pra limpar. Olhei pro computador, gritei "menina filha da puta!" meio alto, meio histérica. Saí do Facebook e queria chorar, queria me desesperar, me jogar no chão puxando os cabelos todos da cabeça perguntando pra deus ou pra entidade responsável pelo universo qual é a razão que explica o fato de eu ser assim, tão preterida de vida, tão fracasso, tão ele adicionando minha amiga lunática no Facebook porque ela tem poema publicado no jornal e ele certamente se encanta com esse tipo de coisa.
Ficava pensando nos dois, que moram na mesma cidade, se encontrando para cafés e poesias, ele flertando de um jeito ridículo com ela em chats de rede social, ele lendo os poemas dela e contando pros amigos que aquela poetisa é muito interessante e que ele a conhece e a tem no Facebook. Mais ou menos como eu fiz uma vez com aquele escritor que quase joguei charme, quase fui pra balada junto, quase tive envolvimento por pura admiração besta, dele ser tudo aquilo que eu queria ser e não sou tanto assim. A diferença é que eu nunca trocaria ele por escritor nenhum. Acho que nem hoje, depois da tragédia, eu pensaria nisso. Todo o cenário se formando na minha cabeça enquanto eu andava pelo shopping lotado de gente histérica, segurando sacola e presente de natal, enquanto eu me doía ao som de killers porque toda tragédia ridícula merece uma música correspondente. Já podia imaginar ele puxando assunto, contando que nós dois não demos certo "nossa, mas ela não te contou?" "não, não me contou, faz tempo que não nos falamos" "pois é, terminamos, ela vomitou a minha casa toda, foi péssimo" e ela do outro lado rindo histérica e vai saber se ela também não ia me achar um pouco péssima e não ver problema algum em criar relação com a minha ex relação. "não somos tão amigas assim" - ela pensaria. E aí teria ele, com suas histórias de poesia, seus livros traduzidos, suas roupas bem cortadas e sua beleza de modelo que faz campanha publicitária pro natal da operadora de celular com modelo famosa. Eles dariam bem, eles dariam certo e eu ficaria aqui, andando de bar em bar, bebendo cervejas até não caber nada no meu estômago nem nada na minha cabeça; mas sempre sem vomitar, sempre com esse recente "equilíbrio emocional" que consegui a duras penas com remédio natureba e consulta em médico; com corrida no parque e auto análise em literatura que não merece um livro na editora que edita todo mundo.
Mas quase descontrolei. Cena de filme cult vencedor de oscar, eu sou. A drama queen escritora, perdida e recém saída de uma depressão que vence os traumas um a um ao som de música cafona e dancinha de pijama no quarto. Eu, ali, embaixo do chuveiro, sentada nua enquanto a água caía me perguntando "por que? por que isso? por que agora? será que nunca mais vou ter paz? será que nunca mais?". Isso e a água caindo quente e eu me encolhendo enquanto pensava que se fosse um filme melodramático eu tiraria a lâmina da gilete e tentaria me cortar dizendo alguma frase de efeito como "não consigo aguentar tanto desamor" ou então cantaria um verso de paulinho da viola "desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão" e a próxima cena seria sangue escorrendo pelo ralo do box e a minha expressão seria de paz, alívio e êxtase. Talvez um último orgasmo, se quisesse ser assim, meio lars von trier; talvez só o rosto caindo de lado enquanto o sangue continua escorrendo pelo ralo, se for mais existencialista. Se fosse retratar minha vida, aconteceria de modo ridículo e eu me mataria e depois descobririam que eles nunca tiveram nada. Morte em vão, filme dos coen. Uma vida ridícula pra depois morrer em vão, morrer de mal entendido. Na vida de verdade, essa que vivo, nunca teria coragem de me cortar com uma lâmina, então só deitei no chão do box olhando debaixo a água caindo e pensando que, talvez, daria uma boa foto. O chuveiro e a luz, um bom enquadramento; "mas ia molhar a máquina", concluí. Então continuei deitada no chão frio do box, chorando sem sentir as lágrimas, a água caindo em cima de mim e um desespero grande de tudo aquilo que eu um dia tinha imaginado se concretizar.
Eu não aguentaria. Se ele tivesse envolvimento de uma noite que fosse com ela já ia ser demais pra mim. Qualquer outra, cinco de uma vez, mas, ela, não. Uma vez um outro amor quase se envolveu com a única garota que nunca poderia. Ela era ruiva e eu sabia que ela era a minha única ameaça concreta. De fato. Hoje sou ruiva e não temo mais as ruivas, nem as morenas, nem as loiras. Acho que amor é caso de fracasso mesmo, mas ela não. Não ela e seus poemas, suas franjinhas, suas tatuagens, seu sobrepeso, suas sandalinhas melissa e suas referências curiosas. Não ela tentando recitar poema enquanto ele tenta recitar poema também, enquanto ele faz macarrão e tomam vinho (mas ela não vomita). Qualquer uma menos ela. Queria gritar "por favor, tenham alguma compaixão". Compaixão pela minha alma morta, meu medo, pela amizade que um dia existiu, pelo relacionamento que brincava de querer casar. Por favor, alguma dignidade, alguma ética. Não inventem de ser amigos, dividir lanches ou salgados de frango. Não inventem os dois de se encontrar na "cidade onde tudo acontece" e ter noite tórrida de amor, e ter poema compartilhado. Não inventem de fazer minha paranóia virar realidade porque não mereço. Eu acho que não mereço. Dizia um amigo meu que todos os relacionamentos deveriam trazer em si uma questão ética. Lista de três famosos que pode ter noite tórrida de amor se um dia tiver chance; lista de três pessoas com as quais é proibido namorar porque ia ferir. Não assinamos esse tipo de contrato, ou contrato algum, mas deveria ter. Deveria ter mandado de restrição dele à ela, porque ela é uma versão melhorada de mim pra ele, ela é o que ele queria um pouco que eu fosse e eu não fui. Fico pensando nisso e saio e bebo cervejas e caipirinhas e mais cerveja e toda cerveja do mundo. Permaneço sóbria, ajudo uma menina com crise de pânico. Ela me diz que viu sua namorada a traindo com uma menina com quem ela já traiu uma vez. A menina hiperventila e me abraça. Eu digo que entendo o que ela sente e quase conto a minha história também. Ela pega na minha mão com os olhos rodando e diz "amor é assim mesmo". Concordo com ela. Ela sai pela festa e eu volto a beber. Me abraço com um amigo com quem nunca teria nada e me sinto um pouco acolhida. Entre embriaguez e gente não consigo lembrar dele começando amizade com ele e excluo a possibilidade deles estarem conversando. Entre embriaguez e um filme que já vi quatro vezes adormeço no sofá sentada e mantenho a compostura que ganhei com o equilíbrio emocional "veio de brinde", eu penso ao ver que não fiz nada a não ser reclamar um pouco em cento e quarenta caracteres pra ver se ela percebia que pelo amor de deus, nem pense em tentar aproximação. Ele não é um continente à sua escolha.
Penso que toda a narrativa imaginária não podia dar outra coisa que não história impublicável em livro. Eu mesma, sempre uma impublicável. Sempre escrevendo tratados de amor e trauma, tratados de vida errada e depressão e nunca uma história de sucesso. O ano em que minha vida saiu de férias. Férias ruins, casa de praia em cabo frio com parente mal educado e tragédia iminente. Filme barato de tragédia horrorosa, sem redenção. Filme passional de vingadora que quer acabar com o mal causado, sou a noiva e quero matar bill. E quero matar ela. E espero que toda a narrativa criada na minha cabeça seja ficcional. O controle emocional também ensina a diferenciar tragédia real de coisa inventada, e isso pode muito bem ser coisa inventada. E coisa inventada é literatura. Literatura ruim, não sou poetisa publicada em jornal, não tenho um estilo irreverente e me dizem ser parecida com clarice falcão em festas de gente esquisita. Sorrio. Ele gostava bastante da Clarice. A Clarice estaria na nossa lista de pessoa famosa que pode sim ter envolvimento breve se tiver oportunidade. Ela, essa de que falo, está em nossa lista de restrições. Se fosse mandar mensagem diria breve e louca: "ela não, poxa. tanta mulher no mundo". Pareceria louca e partiria numa névoa de descontrole. Em estando bem, transformo a loucura em literatura e apelo: não tenta nada com ela não, não me magoa assim
tanta mulher
no mundo.
"você não pode se apaixonar por ela", foi a primeira coisa que eu pensei ao ver a solicitação de amizade dele aceitada por ela que, sempre foi, sem saber, um grande fantasma chato na nossa relação que já se foi. Ainda posso lembrar com certa perfeição, ela e toda a sua eloquência, sua mania de não derrubar comida na blusa como eu, lhe dizendo que lia poemas para seu par amoroso da época e que, briga por poesia é um tipo de briga poética. Ele concordava, bastante encantado com o jeito louco dela, que eu ainda não tinha aprendido a ser. Esse jeito louco de falar de sexo abertamente, na mesa de um bar um pouco pra baixo da avenida paulista enquanto nós dois tomávamos uma cerveja que já não me lembro e no andar de cima tocava linger dos cramberries (canção que sempre tentei imitar e até conseguia, depois de algumas tentativas ridículas e frustradas). Ele falava dela, dos poemas dela, das coisas que tinha descoberto dela e tudo aquilo me deixava insegura. Somos parecidas mas eu tenho de ser melhor pra você, mesmo sem livro publicado, mesmo sendo fracasso em vida, mesmo eu sendo essa pessoa que vomita a sua casa inteira e não consegue nem levantar da cama pra limpar. Olhei pro computador, gritei "menina filha da puta!" meio alto, meio histérica. Saí do Facebook e queria chorar, queria me desesperar, me jogar no chão puxando os cabelos todos da cabeça perguntando pra deus ou pra entidade responsável pelo universo qual é a razão que explica o fato de eu ser assim, tão preterida de vida, tão fracasso, tão ele adicionando minha amiga lunática no Facebook porque ela tem poema publicado no jornal e ele certamente se encanta com esse tipo de coisa.
Ficava pensando nos dois, que moram na mesma cidade, se encontrando para cafés e poesias, ele flertando de um jeito ridículo com ela em chats de rede social, ele lendo os poemas dela e contando pros amigos que aquela poetisa é muito interessante e que ele a conhece e a tem no Facebook. Mais ou menos como eu fiz uma vez com aquele escritor que quase joguei charme, quase fui pra balada junto, quase tive envolvimento por pura admiração besta, dele ser tudo aquilo que eu queria ser e não sou tanto assim. A diferença é que eu nunca trocaria ele por escritor nenhum. Acho que nem hoje, depois da tragédia, eu pensaria nisso. Todo o cenário se formando na minha cabeça enquanto eu andava pelo shopping lotado de gente histérica, segurando sacola e presente de natal, enquanto eu me doía ao som de killers porque toda tragédia ridícula merece uma música correspondente. Já podia imaginar ele puxando assunto, contando que nós dois não demos certo "nossa, mas ela não te contou?" "não, não me contou, faz tempo que não nos falamos" "pois é, terminamos, ela vomitou a minha casa toda, foi péssimo" e ela do outro lado rindo histérica e vai saber se ela também não ia me achar um pouco péssima e não ver problema algum em criar relação com a minha ex relação. "não somos tão amigas assim" - ela pensaria. E aí teria ele, com suas histórias de poesia, seus livros traduzidos, suas roupas bem cortadas e sua beleza de modelo que faz campanha publicitária pro natal da operadora de celular com modelo famosa. Eles dariam bem, eles dariam certo e eu ficaria aqui, andando de bar em bar, bebendo cervejas até não caber nada no meu estômago nem nada na minha cabeça; mas sempre sem vomitar, sempre com esse recente "equilíbrio emocional" que consegui a duras penas com remédio natureba e consulta em médico; com corrida no parque e auto análise em literatura que não merece um livro na editora que edita todo mundo.
Mas quase descontrolei. Cena de filme cult vencedor de oscar, eu sou. A drama queen escritora, perdida e recém saída de uma depressão que vence os traumas um a um ao som de música cafona e dancinha de pijama no quarto. Eu, ali, embaixo do chuveiro, sentada nua enquanto a água caía me perguntando "por que? por que isso? por que agora? será que nunca mais vou ter paz? será que nunca mais?". Isso e a água caindo quente e eu me encolhendo enquanto pensava que se fosse um filme melodramático eu tiraria a lâmina da gilete e tentaria me cortar dizendo alguma frase de efeito como "não consigo aguentar tanto desamor" ou então cantaria um verso de paulinho da viola "desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão" e a próxima cena seria sangue escorrendo pelo ralo do box e a minha expressão seria de paz, alívio e êxtase. Talvez um último orgasmo, se quisesse ser assim, meio lars von trier; talvez só o rosto caindo de lado enquanto o sangue continua escorrendo pelo ralo, se for mais existencialista. Se fosse retratar minha vida, aconteceria de modo ridículo e eu me mataria e depois descobririam que eles nunca tiveram nada. Morte em vão, filme dos coen. Uma vida ridícula pra depois morrer em vão, morrer de mal entendido. Na vida de verdade, essa que vivo, nunca teria coragem de me cortar com uma lâmina, então só deitei no chão do box olhando debaixo a água caindo e pensando que, talvez, daria uma boa foto. O chuveiro e a luz, um bom enquadramento; "mas ia molhar a máquina", concluí. Então continuei deitada no chão frio do box, chorando sem sentir as lágrimas, a água caindo em cima de mim e um desespero grande de tudo aquilo que eu um dia tinha imaginado se concretizar.
Eu não aguentaria. Se ele tivesse envolvimento de uma noite que fosse com ela já ia ser demais pra mim. Qualquer outra, cinco de uma vez, mas, ela, não. Uma vez um outro amor quase se envolveu com a única garota que nunca poderia. Ela era ruiva e eu sabia que ela era a minha única ameaça concreta. De fato. Hoje sou ruiva e não temo mais as ruivas, nem as morenas, nem as loiras. Acho que amor é caso de fracasso mesmo, mas ela não. Não ela e seus poemas, suas franjinhas, suas tatuagens, seu sobrepeso, suas sandalinhas melissa e suas referências curiosas. Não ela tentando recitar poema enquanto ele tenta recitar poema também, enquanto ele faz macarrão e tomam vinho (mas ela não vomita). Qualquer uma menos ela. Queria gritar "por favor, tenham alguma compaixão". Compaixão pela minha alma morta, meu medo, pela amizade que um dia existiu, pelo relacionamento que brincava de querer casar. Por favor, alguma dignidade, alguma ética. Não inventem de ser amigos, dividir lanches ou salgados de frango. Não inventem os dois de se encontrar na "cidade onde tudo acontece" e ter noite tórrida de amor, e ter poema compartilhado. Não inventem de fazer minha paranóia virar realidade porque não mereço. Eu acho que não mereço. Dizia um amigo meu que todos os relacionamentos deveriam trazer em si uma questão ética. Lista de três famosos que pode ter noite tórrida de amor se um dia tiver chance; lista de três pessoas com as quais é proibido namorar porque ia ferir. Não assinamos esse tipo de contrato, ou contrato algum, mas deveria ter. Deveria ter mandado de restrição dele à ela, porque ela é uma versão melhorada de mim pra ele, ela é o que ele queria um pouco que eu fosse e eu não fui. Fico pensando nisso e saio e bebo cervejas e caipirinhas e mais cerveja e toda cerveja do mundo. Permaneço sóbria, ajudo uma menina com crise de pânico. Ela me diz que viu sua namorada a traindo com uma menina com quem ela já traiu uma vez. A menina hiperventila e me abraça. Eu digo que entendo o que ela sente e quase conto a minha história também. Ela pega na minha mão com os olhos rodando e diz "amor é assim mesmo". Concordo com ela. Ela sai pela festa e eu volto a beber. Me abraço com um amigo com quem nunca teria nada e me sinto um pouco acolhida. Entre embriaguez e gente não consigo lembrar dele começando amizade com ele e excluo a possibilidade deles estarem conversando. Entre embriaguez e um filme que já vi quatro vezes adormeço no sofá sentada e mantenho a compostura que ganhei com o equilíbrio emocional "veio de brinde", eu penso ao ver que não fiz nada a não ser reclamar um pouco em cento e quarenta caracteres pra ver se ela percebia que pelo amor de deus, nem pense em tentar aproximação. Ele não é um continente à sua escolha.
Penso que toda a narrativa imaginária não podia dar outra coisa que não história impublicável em livro. Eu mesma, sempre uma impublicável. Sempre escrevendo tratados de amor e trauma, tratados de vida errada e depressão e nunca uma história de sucesso. O ano em que minha vida saiu de férias. Férias ruins, casa de praia em cabo frio com parente mal educado e tragédia iminente. Filme barato de tragédia horrorosa, sem redenção. Filme passional de vingadora que quer acabar com o mal causado, sou a noiva e quero matar bill. E quero matar ela. E espero que toda a narrativa criada na minha cabeça seja ficcional. O controle emocional também ensina a diferenciar tragédia real de coisa inventada, e isso pode muito bem ser coisa inventada. E coisa inventada é literatura. Literatura ruim, não sou poetisa publicada em jornal, não tenho um estilo irreverente e me dizem ser parecida com clarice falcão em festas de gente esquisita. Sorrio. Ele gostava bastante da Clarice. A Clarice estaria na nossa lista de pessoa famosa que pode sim ter envolvimento breve se tiver oportunidade. Ela, essa de que falo, está em nossa lista de restrições. Se fosse mandar mensagem diria breve e louca: "ela não, poxa. tanta mulher no mundo". Pareceria louca e partiria numa névoa de descontrole. Em estando bem, transformo a loucura em literatura e apelo: não tenta nada com ela não, não me magoa assim
tanta mulher
no mundo.
10.12.12
entre umas e outras
(ou uma carta depois de um filme para um amor perdido).
Hoje vi um filme que me lembrou você. Tinha essa cara que sabia muito sobre vinhos. Como você. Eu, pessoalmente, nunca entendi coisa alguma sobre vinhos ou uvas ou pinots ou cabernets. Comprava o que parecia melhor. Não sei sentir cheiros, aromas frutados, coisa alguma. Sei do básico: ou gosto, ou não gosto. Quem se perdia nas prateleiras enquanto eu rodopiava pelo mercado era você. Você sempre confundia com impaciência. Na verdade, com você eu estava sempre com pressa. Acho que te encontrei poucas (pra não dizer nenhuma) vezes em que eu não tinha hora pra voltar pra casa. A equação é simples: os amores não podem ser construídos com hora pra voltar pra casa. Nossos encontros sempre tinham um fim em si mesmo. O amor precisa de eternidades. Não fosse assim, não teríamos nos encantado da primeira vez. Foi por poder conversar até o dia amanhecer que eu te conheci. Se fosse uma conversa marcada de duas horas não ia ter nada. Nosso caso tinha hora pra acabar, hora pra voltar pra casa, pressa de ir pro trabalho, de não perder a aula, de encontrar meus amigos. Nosso caso tinha hora pra acabar. Nosso caso tinha sempre uma hora pra ir embora de volta pra casa. E a minha casa sempre foi longe demais da sua.
Das poucas vezes que nos achávamos eternos, perdíamos o ônibus. Eu acabei lembrando daquela vez na padaria, em que a gente tomou duas mini garrafas de vinho e que você me contou umas histórias sobre um tal cachorro seu que a sua mãe tinha dado, daí chorou. Nunca antes eu tinha te visto chorar. Nem uma lagriminha boba, dessas que caem de canto de olho eu tinha visto. Você escrevia poemas e eu te contava sobre o sempre estar inacabado do escritor. Nunca seríamos, enfim, bons demais para sermos publicados. Naquele dia eu te contei sobre as minhas angústias enquanto devorava um brownie em que o sorvete derretia. Naquele dia você me chamava de escritora e eu acreditava em você. Naquele dia eu te disse olhando bem no fundo dos teus olhos, que não são de um castanho tão escuro assim, que você era o meu número. E, enquanto eu parecia eterna nos seus braços, o ônibus passou. Era sempre isso. Quando eu sentia que eu podia ficar com você pra sempre eu lembrava que tinha que voltar pra casa. Nenhum amor pode resistir se não tiver eternidade. O nosso se perdeu entre passagens de ônibus e meus tropeços no metrô. Não podíamos ser porque não tinhamos tempo. É preciso de tempo para amar. É preciso de tempo e o tempo é esse conceito relativo em que tudo pode acabar em um instante. Eu desisti de me desesperar. Era preciso que o tempo curasse as minhas feridas. Era preciso que a gente percebesse que um amor não se constrói correndo em visitas de quinze minutos. Em noites corridas. Em tempo marcado. Era preciso que a gente esperasse. Não ia ser dessa vez. Não no meio da minha loucura iminente porque eu não dei tempo pra curar minhas feridas. Não no meio do seu trabalho louco, dos seus afazeres, da sua mudança, das suas faxinas e das provas pras quais eu não te deixava estudar. A gente já tinha se esperado sem saber antes disso. Talvez a gente esteja em stand by pra se encontrar depois. Eu não sei. Não guardo mágoa, e não foi culpa de ninguém.
No resto dos dias eu fico aqui. Vez ou outra vejo alguma coisa que me lembra você e aí acabo ficando com vontade de escrever uma carta ou mandar um bilhete. Nunca faço. Esses dias meus fones ameaçaram quebrar e quase comprei um igual aos que eu tinha te dado. Desisti. Acho que as lembranças devem ficar na memória. Hoje foi esse filme. Tinha esse cara que queria ser escritor mas ninguém entendia seus livros. Tudo dando errado na vida dele, um sofrimento sem fim. Você nunca leu meus livros inacabados. Lembro de um vez que a gente brigou (nossa primeira briga quase-séria) e você ficou bravo porque não prestei a devida atenção no seu conto escrito na sua cafeteria preferida. Na hora achei bobagem, depois percebi que você é igual a mim. Não sabemos não ser a estrela do espetáculo. Um escritor é muito apegado à sua obra. Eu sou muito apegada às minhas histórias para que alguém não preste a devida atenção. O cara do filme tinha uns problemas de relacionamento, era ainda apegado à mulher de quem já tinha se divorciado fazia dois anos. Acho que a gente também era um pouco apegado às nossas velhas histórias. Não boto nisso a culpa do fracasso. O fracasso só acontece. Ele estava ficando careca, como você vai ficar um dia. Eu espero que você consiga publicar seus livros e que, ao contrário dele, esteja bem sucedido aos quarenta anos. Eu também espero estar. Não sei se estaremos. Pelo menos, se um de nós dois der certo, a gente pode saber um da vida do outro a distância.
Não sei muito de você. Torço pra que esteja bem. Eu ainda não estou. Larguei minha monografia de lado, pego uns trabalhos aqui e ali e me acho uma bagunça. Sou muito diferente daquilo que você conheceu nos meses em que já não estávamos muito bem. Atingi o tão querido equilíbrio. Vez ou outra ainda sei que estou apática. É assim mesmo. Às vezes a vida não tem porquê. Corro religiosamente todos os dias e ganhei um fôlego que eu não tinha. Agora corro sem pressa. Me exercito na academia ao ar-livre e tenho as pernas duras. Fiquei ruiva como você me sugeriu da última vez que nos falamos. Sempre quis ser ruiva, mas nunca dei o braço a torcer. Acho que combino assim e, vez ou outra, penso em fazer uma tatuagem. Quando falo isso lembro de você me rodopiando na cozinha dizendo "quem é que disse que nunca ia fazer uma tatuagem?". Não gosto de eternidades. Era essa a minha justificativa pra nunca selar nada no corpo. Agora queria que algumas coisas fossem eternas. É eterna a saudade dos meus avós. E um dia vai ser eterna a saudade dos meus pais. Fiquei com vontade tatuar qualquer coisa que seja que me lembre eles pra ficar eterno no corpo. Alguma coisa escrita em mim que seja deles e que vai se decompor comigo. Tenho medo do meu pai morrer jovem, antes de ter me visto ser alguma coisa na vida. A única coisa boa de não termos sido eternos pelo tempo que durasse foi que pude ficar aqui sem culpa. Cuidei dele. Estive. Restaurei a nossa relação. Tive medo do que teria sido se eu não estivesse aqui. Percebi que no mundo existem muito poucas eternidades. Eu passei o aniversário dele com você. Não me arrependo, mas depois fiquei pensando que a gente sempre acha que haverão muitos aniversários ainda por vir. Eu não sei quantos serão. Quando ele quase ficou cego tive muito medo de ter perdido o último aniversário onde ele ainda poderia me ver. Ele ainda me vê. E me chama pra tomar cafés. Como você, percebe a diferença entre os pós e os expressos e prefere sua água com gás. Vocês dois roncam alto igual. Enquanto te escrevo ouço os roncos dele e percebo que não me incomodam mais porque eles sinalizam que ele está vivo. Nada é eterno. Mas eu sou tudo o que eu tenho. Estarei comigo pela eternidade. Tudo que estiver em mim também estará. Achei que uma marca física que me lembre eles talvez faria sentido. Pensei num violão, as flores preferidas dos meus avós e a preferida da minha mãe. Nas costas. Uma versão ruiva e tatuada de mim mesma eu não sei se você imaginaria. Acho bom que estejamos em constante mudança. Você não acha?
Às vezes ouço samba sozinha e lembro que nos prometemos um samba que nunca houve. Meu avô gostava muito de tudo aquilo que a gente já ouviu junto. Acho que você ia gostar do meu avô. Ele também ia gostar de você, se te conhecesse. Eu nem sabia que você existia no planeta terra quando ele morreu. Teriam se gostado. Ele gostava muito de contar histórias, e você gosta de ouvi-las. Hoje tudo que eu tenho dele são as histórias que conto sobre ele. Lembro da vez que o seu avô ficou doente e eu estava longe. A gente brigou por nada. Era o começo do fim. Sempre achei bonito que você gostasse tanto assim dos seus avós. Continue cuidando deles e estando perto. Eles não são eternos. Mas, veja, o amor, pre existir, precisa dessa sensação de eternidade. Quando você ama alguém você sente que ela nunca vai acabar. Ela nunca vai ter que ir embora. Um dia elas tem que, mas é melhor que a gente não se lembre disso. A gente sempre lembrava que tinha que se despedir. Eu sentia que a gente ia acabar. Sua avó, se ficou sabendo de nossa horrível história, deve me achar um horror. Espero que a colcha dela permaneça intacta. Não era a minha intenção. Ela parece ser um ser adorável. Todas as avós são e nenhuma delas merece ter a colcha manchada. Ser uma bagunça nunca foi a minha intenção. Pelo menos não desse tipo de bagunça que sai destruindo tudo o que vê pela frente. Às vezes gostar não é o suficiente, sabe? É preciso um pouco mais. Eu acho que eu queria que você me salvasse. E, o paulo coelho, apesar de cafona, está certíssimo em dizer que a cura está dentro da gente. Ele deve ter dito isso em algum desses livros dele. Você gosta do paulo coelho? Eu não gosto. Nunca conversamos sobre isso. Nunca conversamos sobre várias coisas. Certas coisas só podem ser ditas quando as conversas não tem hora marcada pra acabar. As nossas tinham. Era necessário falar do que importava. E, para que o amor se construa, é necessário, vez ou outra, discutir paulo coelho.
De vez em quando penso em você quando ouço Chico ou quando percebo que não gosto mais dos textos do Caio F. Você gostava mesmo? Foi um pouco assim que a gente se conheceu. Éramos tão jovens. Quinta feira vai ter um show de um grupo independente com a ópera do malandro. Vi e pensei que você pudesse gostar. Da peça que eu vi com texto do Caio F. também. Fiquei sabendo por cima que você fez ou gosta de teatro. Acho que eu seria atriz. Acho que eu podia ser qualquer coisa. Talvez por isso tenha optado por escrever. Escrevendo a gente pode ser qualquer coisa. Escrevendo eu posso te escrever essa carta que você não vai ler. Torço para que você esteja bem. Espero que ainda te escrevam outras cartas de amor melhores que as minhas a próprio punho e que te façam a festa com brigadeiro, bolo de chocolate e chapeuzinho de festa que eu queria ter feito ano passado mas não consegui. Espero que alguém um dia também saiba que você tem um sonho secreto de ter uma festa de criança. Espero que nós dois consigamos interlocutores interessados em nossas narrativas fantásticas. Alguém ainda há de ser sua leitora mais dedicada. Alguém que muito provavelmente não vai ser eu. Espero ver seu nome em livros nas estantes da livraria onde tivemos nosso primeiro encontro. Espero que um dia tenha o meu, também. Casaram lá esses tempos, você ficou sabendo? Todo mundo achando brega e eu rindo um pouquinho porque sei que no auge de nosso encantamento nos mandaríamos links dizendo que podíamos casar nós dois lá também. A nova temporada de mulheres ricas parece que vai ser ruim. Logo-logo vem o natal e o ano novo, e chegam as semanas em que me lembro de trocar intermináveis mensagens com você. Na virada do ano nos prometemos nos conhecer. Aconteceu. Deu certo e depois deu errado, igual a tudo na vida (não é esse o nome do seu filme do woody allen preferido?).
Não sei o que o futuro nos reserva. Espero que surpresas melhores. Talvez, algum dia, eu te encontre por aí. Talvez não. Em todo caso saiba que se me ver daqui alguns anos e eu estiver de cabelos ruivos e tatuagens, não estranhe. O mundo é essa coisa em constante mutação. Espero que esteja feliz. Espero que você seja mesmo muito feliz. Hoje, como diz aquela música que ouvimos na sua casa pouco antes do desastre: me sinto mais forte, mais feliz quem-sabe, e só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou nada sei. Acho que o Almir Sater tem lá sua razão quando afirma que é preciso chuva para florir. Às vezes lembro de você em dias como hoje e penso nisso. Penso nessas coisas todas que já se foram. Hoje penso em tudo bem mais leve. A vida é feita também de tragédias. A outra face do sentimento é a tragédia, inevitavelmente. Não quero ser um daqueles escritores geniais que no fim se matam, sabe? A vida não faz nenhum sentido mas pode ser pior sem ela. É também um pouco pior sem amor. Espero que você ame de novo e eu também. Espero sempre o melhor pra nós dois. Te-quero-sempre-bem. E digo assim, com esses hífens que você sempre disse que eu não-sei-parar-de-usar e que a língua portuguesa em sua nova ortografia vem rejeitando. Te desejo o melhor. Os melhores vinhos, o melhor sexo e a melhor literatura. Se possível, os três juntos. Se possível ainda, ser feliz. Se ainda couber um pouco mais, um apartamento bem decorado e um cachorro de pelos curtos. Por você eu lembro de querer ter um cachorro e eu nunca gostei tanto-assim de cachorros. Obrigada por tudo aquilo que você um dia fez nascer em mim. De bom e de ruim. O bom me fez feliz e o ruim me fez crescer. Obrigada por ter sido comigo enquanto deu. O destino de toda história talvez seja o mesmo dos impérios romanos: a conquista, o apogeu e um declínio com tragédia. Mas sempre sobra alguma coisa de belo, como um coliseu. Espero que de mim também tenha sobrado alguma coisa bela em você. Quem sabe a gente ainda se esbarra por aí, entre umas e outras, enquanto eu tropeço nos astros (e na rua) desastrada; como um dia cantou o Caetano - e você.
Hoje vi um filme que me lembrou você. Tinha essa cara que sabia muito sobre vinhos. Como você. Eu, pessoalmente, nunca entendi coisa alguma sobre vinhos ou uvas ou pinots ou cabernets. Comprava o que parecia melhor. Não sei sentir cheiros, aromas frutados, coisa alguma. Sei do básico: ou gosto, ou não gosto. Quem se perdia nas prateleiras enquanto eu rodopiava pelo mercado era você. Você sempre confundia com impaciência. Na verdade, com você eu estava sempre com pressa. Acho que te encontrei poucas (pra não dizer nenhuma) vezes em que eu não tinha hora pra voltar pra casa. A equação é simples: os amores não podem ser construídos com hora pra voltar pra casa. Nossos encontros sempre tinham um fim em si mesmo. O amor precisa de eternidades. Não fosse assim, não teríamos nos encantado da primeira vez. Foi por poder conversar até o dia amanhecer que eu te conheci. Se fosse uma conversa marcada de duas horas não ia ter nada. Nosso caso tinha hora pra acabar, hora pra voltar pra casa, pressa de ir pro trabalho, de não perder a aula, de encontrar meus amigos. Nosso caso tinha hora pra acabar. Nosso caso tinha sempre uma hora pra ir embora de volta pra casa. E a minha casa sempre foi longe demais da sua.
Das poucas vezes que nos achávamos eternos, perdíamos o ônibus. Eu acabei lembrando daquela vez na padaria, em que a gente tomou duas mini garrafas de vinho e que você me contou umas histórias sobre um tal cachorro seu que a sua mãe tinha dado, daí chorou. Nunca antes eu tinha te visto chorar. Nem uma lagriminha boba, dessas que caem de canto de olho eu tinha visto. Você escrevia poemas e eu te contava sobre o sempre estar inacabado do escritor. Nunca seríamos, enfim, bons demais para sermos publicados. Naquele dia eu te contei sobre as minhas angústias enquanto devorava um brownie em que o sorvete derretia. Naquele dia você me chamava de escritora e eu acreditava em você. Naquele dia eu te disse olhando bem no fundo dos teus olhos, que não são de um castanho tão escuro assim, que você era o meu número. E, enquanto eu parecia eterna nos seus braços, o ônibus passou. Era sempre isso. Quando eu sentia que eu podia ficar com você pra sempre eu lembrava que tinha que voltar pra casa. Nenhum amor pode resistir se não tiver eternidade. O nosso se perdeu entre passagens de ônibus e meus tropeços no metrô. Não podíamos ser porque não tinhamos tempo. É preciso de tempo para amar. É preciso de tempo e o tempo é esse conceito relativo em que tudo pode acabar em um instante. Eu desisti de me desesperar. Era preciso que o tempo curasse as minhas feridas. Era preciso que a gente percebesse que um amor não se constrói correndo em visitas de quinze minutos. Em noites corridas. Em tempo marcado. Era preciso que a gente esperasse. Não ia ser dessa vez. Não no meio da minha loucura iminente porque eu não dei tempo pra curar minhas feridas. Não no meio do seu trabalho louco, dos seus afazeres, da sua mudança, das suas faxinas e das provas pras quais eu não te deixava estudar. A gente já tinha se esperado sem saber antes disso. Talvez a gente esteja em stand by pra se encontrar depois. Eu não sei. Não guardo mágoa, e não foi culpa de ninguém.
No resto dos dias eu fico aqui. Vez ou outra vejo alguma coisa que me lembra você e aí acabo ficando com vontade de escrever uma carta ou mandar um bilhete. Nunca faço. Esses dias meus fones ameaçaram quebrar e quase comprei um igual aos que eu tinha te dado. Desisti. Acho que as lembranças devem ficar na memória. Hoje foi esse filme. Tinha esse cara que queria ser escritor mas ninguém entendia seus livros. Tudo dando errado na vida dele, um sofrimento sem fim. Você nunca leu meus livros inacabados. Lembro de um vez que a gente brigou (nossa primeira briga quase-séria) e você ficou bravo porque não prestei a devida atenção no seu conto escrito na sua cafeteria preferida. Na hora achei bobagem, depois percebi que você é igual a mim. Não sabemos não ser a estrela do espetáculo. Um escritor é muito apegado à sua obra. Eu sou muito apegada às minhas histórias para que alguém não preste a devida atenção. O cara do filme tinha uns problemas de relacionamento, era ainda apegado à mulher de quem já tinha se divorciado fazia dois anos. Acho que a gente também era um pouco apegado às nossas velhas histórias. Não boto nisso a culpa do fracasso. O fracasso só acontece. Ele estava ficando careca, como você vai ficar um dia. Eu espero que você consiga publicar seus livros e que, ao contrário dele, esteja bem sucedido aos quarenta anos. Eu também espero estar. Não sei se estaremos. Pelo menos, se um de nós dois der certo, a gente pode saber um da vida do outro a distância.
Não sei muito de você. Torço pra que esteja bem. Eu ainda não estou. Larguei minha monografia de lado, pego uns trabalhos aqui e ali e me acho uma bagunça. Sou muito diferente daquilo que você conheceu nos meses em que já não estávamos muito bem. Atingi o tão querido equilíbrio. Vez ou outra ainda sei que estou apática. É assim mesmo. Às vezes a vida não tem porquê. Corro religiosamente todos os dias e ganhei um fôlego que eu não tinha. Agora corro sem pressa. Me exercito na academia ao ar-livre e tenho as pernas duras. Fiquei ruiva como você me sugeriu da última vez que nos falamos. Sempre quis ser ruiva, mas nunca dei o braço a torcer. Acho que combino assim e, vez ou outra, penso em fazer uma tatuagem. Quando falo isso lembro de você me rodopiando na cozinha dizendo "quem é que disse que nunca ia fazer uma tatuagem?". Não gosto de eternidades. Era essa a minha justificativa pra nunca selar nada no corpo. Agora queria que algumas coisas fossem eternas. É eterna a saudade dos meus avós. E um dia vai ser eterna a saudade dos meus pais. Fiquei com vontade tatuar qualquer coisa que seja que me lembre eles pra ficar eterno no corpo. Alguma coisa escrita em mim que seja deles e que vai se decompor comigo. Tenho medo do meu pai morrer jovem, antes de ter me visto ser alguma coisa na vida. A única coisa boa de não termos sido eternos pelo tempo que durasse foi que pude ficar aqui sem culpa. Cuidei dele. Estive. Restaurei a nossa relação. Tive medo do que teria sido se eu não estivesse aqui. Percebi que no mundo existem muito poucas eternidades. Eu passei o aniversário dele com você. Não me arrependo, mas depois fiquei pensando que a gente sempre acha que haverão muitos aniversários ainda por vir. Eu não sei quantos serão. Quando ele quase ficou cego tive muito medo de ter perdido o último aniversário onde ele ainda poderia me ver. Ele ainda me vê. E me chama pra tomar cafés. Como você, percebe a diferença entre os pós e os expressos e prefere sua água com gás. Vocês dois roncam alto igual. Enquanto te escrevo ouço os roncos dele e percebo que não me incomodam mais porque eles sinalizam que ele está vivo. Nada é eterno. Mas eu sou tudo o que eu tenho. Estarei comigo pela eternidade. Tudo que estiver em mim também estará. Achei que uma marca física que me lembre eles talvez faria sentido. Pensei num violão, as flores preferidas dos meus avós e a preferida da minha mãe. Nas costas. Uma versão ruiva e tatuada de mim mesma eu não sei se você imaginaria. Acho bom que estejamos em constante mudança. Você não acha?
Às vezes ouço samba sozinha e lembro que nos prometemos um samba que nunca houve. Meu avô gostava muito de tudo aquilo que a gente já ouviu junto. Acho que você ia gostar do meu avô. Ele também ia gostar de você, se te conhecesse. Eu nem sabia que você existia no planeta terra quando ele morreu. Teriam se gostado. Ele gostava muito de contar histórias, e você gosta de ouvi-las. Hoje tudo que eu tenho dele são as histórias que conto sobre ele. Lembro da vez que o seu avô ficou doente e eu estava longe. A gente brigou por nada. Era o começo do fim. Sempre achei bonito que você gostasse tanto assim dos seus avós. Continue cuidando deles e estando perto. Eles não são eternos. Mas, veja, o amor, pre existir, precisa dessa sensação de eternidade. Quando você ama alguém você sente que ela nunca vai acabar. Ela nunca vai ter que ir embora. Um dia elas tem que, mas é melhor que a gente não se lembre disso. A gente sempre lembrava que tinha que se despedir. Eu sentia que a gente ia acabar. Sua avó, se ficou sabendo de nossa horrível história, deve me achar um horror. Espero que a colcha dela permaneça intacta. Não era a minha intenção. Ela parece ser um ser adorável. Todas as avós são e nenhuma delas merece ter a colcha manchada. Ser uma bagunça nunca foi a minha intenção. Pelo menos não desse tipo de bagunça que sai destruindo tudo o que vê pela frente. Às vezes gostar não é o suficiente, sabe? É preciso um pouco mais. Eu acho que eu queria que você me salvasse. E, o paulo coelho, apesar de cafona, está certíssimo em dizer que a cura está dentro da gente. Ele deve ter dito isso em algum desses livros dele. Você gosta do paulo coelho? Eu não gosto. Nunca conversamos sobre isso. Nunca conversamos sobre várias coisas. Certas coisas só podem ser ditas quando as conversas não tem hora marcada pra acabar. As nossas tinham. Era necessário falar do que importava. E, para que o amor se construa, é necessário, vez ou outra, discutir paulo coelho.
De vez em quando penso em você quando ouço Chico ou quando percebo que não gosto mais dos textos do Caio F. Você gostava mesmo? Foi um pouco assim que a gente se conheceu. Éramos tão jovens. Quinta feira vai ter um show de um grupo independente com a ópera do malandro. Vi e pensei que você pudesse gostar. Da peça que eu vi com texto do Caio F. também. Fiquei sabendo por cima que você fez ou gosta de teatro. Acho que eu seria atriz. Acho que eu podia ser qualquer coisa. Talvez por isso tenha optado por escrever. Escrevendo a gente pode ser qualquer coisa. Escrevendo eu posso te escrever essa carta que você não vai ler. Torço para que você esteja bem. Espero que ainda te escrevam outras cartas de amor melhores que as minhas a próprio punho e que te façam a festa com brigadeiro, bolo de chocolate e chapeuzinho de festa que eu queria ter feito ano passado mas não consegui. Espero que alguém um dia também saiba que você tem um sonho secreto de ter uma festa de criança. Espero que nós dois consigamos interlocutores interessados em nossas narrativas fantásticas. Alguém ainda há de ser sua leitora mais dedicada. Alguém que muito provavelmente não vai ser eu. Espero ver seu nome em livros nas estantes da livraria onde tivemos nosso primeiro encontro. Espero que um dia tenha o meu, também. Casaram lá esses tempos, você ficou sabendo? Todo mundo achando brega e eu rindo um pouquinho porque sei que no auge de nosso encantamento nos mandaríamos links dizendo que podíamos casar nós dois lá também. A nova temporada de mulheres ricas parece que vai ser ruim. Logo-logo vem o natal e o ano novo, e chegam as semanas em que me lembro de trocar intermináveis mensagens com você. Na virada do ano nos prometemos nos conhecer. Aconteceu. Deu certo e depois deu errado, igual a tudo na vida (não é esse o nome do seu filme do woody allen preferido?).
Não sei o que o futuro nos reserva. Espero que surpresas melhores. Talvez, algum dia, eu te encontre por aí. Talvez não. Em todo caso saiba que se me ver daqui alguns anos e eu estiver de cabelos ruivos e tatuagens, não estranhe. O mundo é essa coisa em constante mutação. Espero que esteja feliz. Espero que você seja mesmo muito feliz. Hoje, como diz aquela música que ouvimos na sua casa pouco antes do desastre: me sinto mais forte, mais feliz quem-sabe, e só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou nada sei. Acho que o Almir Sater tem lá sua razão quando afirma que é preciso chuva para florir. Às vezes lembro de você em dias como hoje e penso nisso. Penso nessas coisas todas que já se foram. Hoje penso em tudo bem mais leve. A vida é feita também de tragédias. A outra face do sentimento é a tragédia, inevitavelmente. Não quero ser um daqueles escritores geniais que no fim se matam, sabe? A vida não faz nenhum sentido mas pode ser pior sem ela. É também um pouco pior sem amor. Espero que você ame de novo e eu também. Espero sempre o melhor pra nós dois. Te-quero-sempre-bem. E digo assim, com esses hífens que você sempre disse que eu não-sei-parar-de-usar e que a língua portuguesa em sua nova ortografia vem rejeitando. Te desejo o melhor. Os melhores vinhos, o melhor sexo e a melhor literatura. Se possível, os três juntos. Se possível ainda, ser feliz. Se ainda couber um pouco mais, um apartamento bem decorado e um cachorro de pelos curtos. Por você eu lembro de querer ter um cachorro e eu nunca gostei tanto-assim de cachorros. Obrigada por tudo aquilo que você um dia fez nascer em mim. De bom e de ruim. O bom me fez feliz e o ruim me fez crescer. Obrigada por ter sido comigo enquanto deu. O destino de toda história talvez seja o mesmo dos impérios romanos: a conquista, o apogeu e um declínio com tragédia. Mas sempre sobra alguma coisa de belo, como um coliseu. Espero que de mim também tenha sobrado alguma coisa bela em você. Quem sabe a gente ainda se esbarra por aí, entre umas e outras, enquanto eu tropeço nos astros (e na rua) desastrada; como um dia cantou o Caetano - e você.
2.12.12
o que será que será?
Odeio tudo que eu escrevo. Quero jogar no lixo tudo isso que eu penso e repenso e que não sai texto nem coisa nenhuma que fique perto do aceitável. Sinto sono e não durmo de jeito algum. Descobri que o mundo se divide, primordialmente, em dois grupos de pessoas: as que estão e as que não estão. As pessoas que estão são as que mesmo em meio a loucura da vida arrumam um tempo pra se fazer presentes; as que não estão inventam estranhas desculpas, fazem morrer os cachorros e sempre tem alguma coisa terrível da faculdade pra terminar. Descobri que pra amar é necessário passar sono e se gastar o dinheiro que não tem. Estar só quando dá pra estar é fácil demais. Tenho estado irremediavelmente sozinha. Já nem sei como desabafa. Nunca mais falei de mim e nunca mais escrevi nada que prestasse. Lembro de uma carta de amor (ou quase-amor) que escrevi no começo do ano e fico pensando que essa pessoa morreu. Eu morri. Não sei articular uma frase ou demonstrar emoções. Observo todo mundo com a frieza de quem narra uma história sem se envolver. Sou narrador-observador e não mais um narrador-personagem. A essas alturas acho que a vida pode fazer o que bem entender de mim. Eu me distanciei tanto de tudo e me machuquei tanto por dentro que eu já nem sei o que eu esperava. Não tem porquê acordar de manhã ou comprar roupa cara. A felicidade não é muito mais que conseguir tomar caldo de cana quando se tem vontade de caldo de cana. Nunca mais falei de mim, nunca mais saí sem me sentir bicho do mato. O estrago que tudo isso causou em mim (seja lá o que for "tudo isso"), parece muito mais difícil de curar do que se imaginava. Me sinto sem par no mundo e fico com vontade postar fernando pessoa com seu poema em linha reta. Fico com vontade tatuar fernando pessoa na testa. Tenho vontade de gritar e não grito. Sei que não posso fazer nada a não ser viver o que tenho que fazer agora. Nada dura pra sempre. Nem a felicidade, nem a tristeza. No mais acho que a minha cabeça esvaziou. Não sai nem texto nem trabalho. Nada sai da minha cabeça a não ser essa louca vontade de qua a vida faça um sentido qualquer. Não faz. Não consigo escrever um livro, uma monografia ou chamar alguém pra sair. Nunca mais falei de mim.
Acho que me tornei uma estranha que não sabe mais escrever, ou existir.
Acho que me tornei uma estranha que não sabe mais escrever, ou existir.
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